Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Miopericardite - Casuística de Um Hospital Central

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 8

ARTIGOS ORIGINAIS

MIOPERICARDITE – CASUÍSTICA
DE UM HOSPITAL CENTRAL
MYOPERICARDITIS - CASE SERIES OF A CENTRAL HOSPITAL

Carmo Ferreira1, João Antunes Sarmento1


1. Serviço de Cardiologia Pediátrica do Centro Hospital Universitário São João

RESUMO esquerdo e variáveis analíticas e etiológicas através


deTeste Qui-quadrado e t-teste.
Introdução: Miopericardite é uma doença in- Resultados: Identificaram-se 39 internamentos,
flamatória do pericárdio e miocárdio. Diagnóstico 35 doentes, 97,1% do género masculino, com idade
definitivo histológico, podendo ser inferido por cri- mediana de 15 anos (mínima16 meses e máxima17
térios clínicos, analíticos e imagiológicos. A etiolo- anos).
gia é variada, estando muito associada a infeções O principal sintoma foi dor precordial (97,4%).
víricas. Um caso desenvolveu choque cardiogénico e todos
Objetivo: Descrever a apresentação clínica, apresentaram elevação da troponina I. O eletrocar-
etiologia e abordagem em contexto de Miopericar- diograma demonstrava alterações em 92,3% e o
dite, avaliando preditores precoces de disfunção ecocardiograma em 35,9%, com disfunção sistólica
ventricular. em 15,4%. A ressonância magnética cardíaca con-
Métodos: Estudo retrospetivo dos doentes pe- firmou o diagnóstico em 83,3% dos casos quando
diátricos internados com Miopericardite entre julho realizada na primeira semana. Constatou-se corre-
2012 e janeiro 2019, num Hospital Central. O diag- lação entre disfunção ventricular e elevação de BNP
nóstico baseou-se na presença de dor torácica e (p=0,022) ou Mioglobina (p=0,001).O diagnóstico de
pelo menos um: padrão eletrocardiográfico suges- miocardite infeciosa foi estabelecido em 25,6% dos
tivo, elevação de troponina I ou alterações da con- casos, 69,2% classificada como idiopática. O trata-
tractilidade cardíaca. Na ausência de dor torácica, mento mais frequente foi repouso e anti-inflamató-
o diagnóstico foi inferido se pelo menos dois dos rios não esteróides. Dois doentes necessitaram de
critérios supracitados. Apresentação, etiologia e suporte ventilatório e um suporte inotrópico. Todos
abordagem foram analisadas, tendo sido estudada apresentaram boa evolução com resolução da dis-
a correlação entre disfunção sistólica do ventrículo função ventricular.

Os autores não beneficiaram de qualquer subsídio ou bolsa para a realização deste trabalho
35
ASSOCIAÇÃO PEDIÁTRICA DO MINHO

Discussão e conclusão: A MP teve apresentação An infectious aetiology was established in 25,6%


clínica variável e foi frequente a associação com of patients, with 69,2% of cases being classified as
infeção. A correlação de elevação de BNP e mio- idiopathic. The most frequent treatment was rest
globina com disfunção ventricular reforça a utili- and non-steroidal anti-inflammatory drugs. Two
dade destes biomarcadores na avaliação inicial do patients required ventilatory support and one ino-
doente. tropic support. All cases presented good evolution
with resolution of ventricular dysfunction.
Palavras-chave: miocardite, pericardite, tropo- Discussion and conclusion: MP had a variable
nina I, disfunção ventricular clinical presentation and was frequently associated
with viral infections. The correlation between BNP/
myoglobin elevation and ventricular dysfunction
ABSTRAT highlights the usefulness of these biomarkers in the
initial patient assessment.
Introduction: Myopericarditis is an inflammatory
disease of the myocardium and pericardium. The Keywords: myocarditis, pericarditis, troponin I,
diagnostic gold standard is histological, but can be systolic dysfunction
inferred by clinical, analytical and imaging param-
eters. Aetiology is variable, with viral infections be-
ing frequent. INTRODUÇÃO
Objective: To describe the clinical presentation,
aetiology, diagnostic and therapeutic approach of A miopericardite (MP) é uma doença caracteriza-
myopericarditis and evaluate early predictors of da por inflamação do pericárdio e miocárdio, pouco
ventricular dysfunction. frequente. Casos de miocardite isolada contam com
Methods: Retrospective study of paediatric pa- 0,05% das admissões hospitalares e uma incidência
tients admitted with myopericarditis between July de 2/100000, sendo que o atingimento concomitan-
2012 and January 2019 at a Central Hospital. Diag- te do pericárdio é ainda menos frequente.1,2As duas
nosis was based on the presence of chest pain and entidades (miocardite e pericardite) podem ocorrer
at least one of the following: electrocardiogram de forma independente. A MP ocorre mais frequen-
changes, elevations of myocardial markers, injury temente no género masculino acima dos 6 anos de
and cardiac motion abnormalities. The presen- idade, não se verificando predomínio de género em
tation, aetiology and clinical approach were also crianças mais pequenas.2
analysed. A correlation between left ventricular A apresentação clínica é variável, desde sinto-
systolic dysfunction and analytical and etiological mas inespecíficos com evolução aguda ou subagu-
variables was carried by Chi-square test and t-test. da, até insuficiência cardíaca grave e risco de morte
Results: We identified 39 hospitalizations (35 pa- elevado.3,4,5,6A mortalidade na fase aguda é cerca
tients), with 97.1% being male and with a median de 7-15%.5É também importante causa de morbi-
age of 15 years(minimum 16 months and maximum lidade pelas possíveis sequelas cardíacas a longo
17 years old). prazo.2,3Cerca de 80% dos transplantes cardíacos
The main symptom was precordial pain (97.4% em crianças sem cardiopatia congénita serão no
of cases).One patient developed cardiogenic shock contexto de miocardite prévia.5
and all cases presented a rise in troponin I levels. A etiologia é variada, estando bem definida a as-
Electrocardiogram changes were found in 92.3% sociação com infeções víricas, nomeadamentepor
of patients and echocardiogram changes in 35.9%, enterovírus como Coxsackie grupo B, Parvovírus
with systolic dysfunction found in 15.4%. Cardiac B19, herpes virus humano tipo 6 e adenovírus.3,4,5,6 Di-
magnetic resonance imaging confirmed the diag- versas bactérias como Mycobacterium tuberculosis,
nosis in 83.3% of cases when performed during pneumococos ou Borrelia burgdorferi, assim como
the first week after admission. A correlation be- protozoários (Toxoplasma e Trypanosomacruzi)
tween ventricular dysfunction and BNP (p = 0.022) são agentes mais raramente identificados.5,6Doentes
or myoglobin (p = 0.001) elevation was also found. imunocomprometidos poderão apresentar infeção

36
ARTIGOS ORIGINAIS

fúngica.5,6 MP recorrente pode ainda associar-se e presença de pelo menos 1 lesão focal com pa-
a patologias autoimunes ou metabólicas.5Causas drão não isquémico nas sequencias de realce tar-
mais raras de MP são as neoplasias ou agentes tó- dio com Gadolíneo (RTG).8,10
xicos.2,7 Apesar dos inúmeros agentes causais já O presente estudo teve como objetivo descrever
identificados, a forma idiopática continua a ser a a apresentação clínica, etiologia, abordagem diag-
mais frequente.2,3,4,5 nóstica e terapêutica em contexto de Miopericar-
A MP evolui habitualmente em 3 fases que se dite num Hospital Central de Portugal, descrever a
podem sobrepor.8,9 A primeira fase é caracterizada evolução da doença e avaliar eventuais preditores
pela invasão e destruição celular direta pelo agente precoces de disfunção ventricular.
agressor.8 No caso dos vírus, estes podem apresen-
tar tropismo específico para o sistema de condução
elétrico (como os herpes vírus), para os cardiomió- MÉTODOS
citos (como enterovírus e Parvovirus B19), ou para
células do endotélio vascular.2,6,8 A segunda fase, Foi realizado um estudo retrospetivo trans-
com duração de dias a meses, é caracterizadapela versal, num Centro de Referência em Cardiologia
resposta inflamatória, com expressão de citocinas e Pediátrica.
infiltrado inflamatório.8,9 Se esta reação for susten- Analisaram-se os processos dos doentes com
tada e auto-perpetuada, pode ser responsável por idade inferior a 18 anos e com diagnóstico de Mio-
maior dano cardíaco. A terceira fase pode ser de pericardite, internados entre julho de 2012 e janeiro
resolução da infeção e resposta inflamatória com de 2019.
presença ou não de deposição de colagénio e fibro- O diagnóstico de Miopericardite foi realizado por
se difusa.8,9 Cardiologista Pediátrico com base nos critérios de
O diagnóstico definitivo de MP é histológico mas diagnóstico: Dor torácica aguda compatível, asso-
pode ser inferido por critérios clínicos, analíticos e ciada a pelo menos um dos seguintes critérios: Al-
imagiológicos.2,5,9Assim, existe presunção de MP no teração eletrocardiográfica compatível (suprades-
contexto de dor torácica aguda associada apelo nivelamento ou elevação do segmento ST, inversão
menos um dos seguintes parâmetros: alteração ele- da onda T ou BAV),elevação dos biomarcadores de
trocardiográfica compatível,nomeadamente supra- necrose miocárdica ou alterações da contractilida-
desnivelamento ou elevação do segmento ST, in- de cardíaca. Na ausência de dor torácica sugestiva,
versão da onda T ou bloqueio Auriculo-ventricular a MP foi considerada na presença de pelo menos
(BAV); elevação dos biomarcadores de necrose mio- dois dos critérios diagnósticos supracitados.
cárdica, sobretudo troponina I; alterações da con- Descreveram-se os dados demográficos dos
tractilidade cardíaca.2,5 Na ausência de dor torácica doentes, características clínicas, dados laborato-
sugestiva, o diagnóstico é ponderado na presença riais, exames de imagem realizados, terapêuticas
de pelo menos dois dos critérios supracitados.2,3,5 instituídas e orientação dos doentes.
De acordo com as recomendações da Socie- Considerou-se disfunção sistólica do ventrículo
dade Europeia de Cardiologia,deve ser feita uma esquerdo se a sua fração de ejeção (FEVE) avaliada
investigação inicial com níveis de biomarcadores por ecocardiografia era inferior a 50%.Considerou-
(Troponina I, Creatinoquinase Músculo-cérebro -se elevação significativa de Troponina I se superior
(CK-MB), Peptídeo natriurético tipo B (BNP) ou a 80 ng/L, CK-MB se superior a 6,4ng/ml, Mioglobina
Mioglobina), Eletrocardiograma, Ecocardiograma se superior a 147ng/mL, BNP se superior a 100pg/
e Radiografia de tórax.3,5,6 A realização de Res- ml e Proteína C-reativa(PCR) se superior a 2,9 mg/L.
sonância magnética cardíaca tem importância Os dados foram apresentados por descrição
diagnóstica e prognóstica, sendo compatível com da sua frequência e percentagem para variáveis
o diagnóstico de MP na presença de pelo menos qualitativas. As variáveis quantitativas foram apre-
dois de três critérios de Lake Louise (LL): Hipersi- sentadas sob a forma mediana e valor máximo e
nal global ou regional do miocárdio em sequen- mínimo. Analisou-se a correlação entre a presença
cias T2-weighted, hipersinal global do miocárdio de disfunção sistólica do VE e as variáveis analíticas
nas sequencias de realce precoce com Gadolíneo, recorrendo a Teste Qui-quadrado e t-teste.

37
ASSOCIAÇÃO PEDIÁTRICA DO MINHO

RESULTADOS Todos os casos apresentaram elevação da


troponina I com valor mediano 10100ng/L (míni-
Identificaram-se 39 internamentos por mioperi- mo de 145 e máximo 83718,8ng/L). Verificou-se
cardite, num total de 35 doentes, com média de 6 elevação de CK-MB em 84,6% dos exames,com
internamentos por ano. Houve predomínio de gé- valor mediano 43,6 ng/mL(mínimo 0,8 e máxi-
nero masculino (97,1%), com idade mediana de 15 mo 472ng/mL). Houve elevação de mioglobina
anos, mínima 16 meses e máxima 17 anos. Houve em 16,1% dos doseamentos, com valor media-
recorrência do quadro condicionando novo inter- no de 43,6 ng/mL(mínimo 10 e máximo 1499ng/
namento em dois doentes (5.7%), um dos quais mL); elevação doBNP em 33,3% dos estudos,
com 4 internamentos. Não foram registadas comor- com valor mediano 61,3pg/mL(mínimo 10 e
bilidades relevantes para o quadro. máximo 7470ng/mL). Em todas as admissões
Previamente ao internamento em Cardiologia pe- foi doseada a PCR, com elevação em 87,2% dos
diátrica, 35,9% doentes permaneceram internados casos(valor mediano 33,9mg/L, mínimo 0,2 e
em Unidade de Observação do Serviço de Urgência, máximo 155 mg/L). O leucograma foi realizado
com duração mediana de 1 dia e máxima de 4 dias. em todos os internamentos, com valor variável
Houve necessidade de internamento em Unidade de conforme tabela 1.
Cuidados Intensivos em 5,1% dos casos, durante um
mínimo de 11 dias e máximode 32 dias.No global, os
doentes foram admitidos ao internamento de Car-
diologia Pediátrica durante um período mediano de
5dias(mínimo 2 dias e máximo 9 dias).
O principal sintoma à admissão foi dor precor-
dial(97,4% das admissões), sendo infrequentes a
presença de dispneia(5,1%) ou palpitações(2,6%)
(Ver gráfico 1). A maioria dos doentes apresentava
pluralidade de sintomas, frequentemente inespecí-
ficos, como febre (23,1%), astenia (12,8%),ou quei-
xas gastrointestinais de vómitos e diarreia (17,9% e
15,4%, respetivamente). Uma criança de 16 meses
apresentou choque cardiogénico à admissão. Em
apenas 30,8% das admissões não houve referência Gráfico 1: Queixas na admissão de doentes com miopericardite, em per-
a intercorrência infeciosa recente. centagem do total de admissões

Troponina CKMB Mioblobina


BNP PCR Leucócitos Neutrófilos Linfócitos
ng/L ng/ml ng/mL
pg/ml (N<2,9) /uL /uL /uL
(N<80) (N<6,4) (N<147)

Mediana 10100 35,2 43,6 61,3 33,9 7995 4060 2295

Máximo 83718,8 472 1499 7470 155 17200 13244 7000

Mínimo 145 0,8 10 10 0,2 6,638 1200 920

Tabela 1: Valores absolutos dos parâmetros analíticos na admissão dos doentes com miopericardite

38
ARTIGOS ORIGINAIS

A Radiografia de tórax foi realizada em 74,4% fibrose (realce tardio com gadolíneo) em 90% dos
das admissões, estando descrito um índice cardio- exames, com a extensão e distribuição apresentada
torácico aumentado em 2,6% dos casos na tabela 2. Assim, a primeira RM apresentou crité-
O eletrocardiograma, realizado em todos os in- rios Lake Louise positivos em 60%, duvidosos em
ternamentos, apresentava-se alterado em 92,3%, 30% e negativos em 10%. Se realizados na primeira
com supra-desnivelamento do segmento ST em semana após admissão, a RM identificou MP com
87% dos casos, 12,8% apresentando alterações da critérios LL positivos em 83,3% dos doentes.
onda T (negativa ou bifásica) e 2,6% casos com pro- Não se realizou biópsia endomiocárdica em ne-
longamento dointervalo QTc. nhum caso.
O ecocardiograma, realizado em todos os in- Não se verificou relação entre disfunção ventri-
ternamentos, apresentava alterações em 35,9% cular e valor absoluto de Troponina I, Mioglobina,
dos casos, com disfunção sistólica do ventrículo CK-MB, BNP, ou proteína C reativa. Constatou-se
esquerdo (VE) em 15,4% dos exames, hipocinésia correlação entre a presença de disfunção ventricu-
da parede posterior do VE em 2,6%, dilatação do lar e elevação dos níveis de BNP (p=0,022) ou Mio-
VE em 7,7%, dilatação do VD em 2,6% e insuficiên- globina (p=0,001).
cia mitral ligeira em 5,2%. A presença de derrame Em 82,1% dos internamentos foram realizadas
pericárdico de pequeno volume foi constatada em serologias para vírus, com estudo de autoimunida-
5,2% dos casos de a ser realizado em 53,8% e estudo metabólico
Foi realizada ressonância magnética cardíaca em 7,7% dos casos. Foi estabelecida causa infeciosa
(RMC) em 28,6% dos doentes, tendo um doente rea- em 25.6% dos casos, com 69.2% dos casos classifi-
lizado 4 exames e outro 2. A primeira RMC foi rea- cados como MP idiopática. Houve 1 caso de miope-
lizada em média 6 dias após a admissão(mínimo ricardite associada ao consumo de canabinóides.
de 2 e máximo de 240 dias), apresentando sempre Não se identificaram distúrbios metabólicos ou au-
alterações:derrame pericárdico pequeno e não cir- toimunes causais. O agente infecioso mais frequen-
cunferencial em 70% dos casos; realce pericárdico temente identificado foi o vírus Ebstein Barr(12,8%).
sugestivo de pericardite em 50%; hipocinésia seg- Outros agentes reportados foram o Parvovírus B19
mentar em 30% e redução da função sistólica do (10,3%), Herpes simplex 2, Enterovírus e Toxoplas-
VE em 10%. Após administração de gadolíneo, não ma(2,6% dos internamentos).
foram descritos sinais compatíveis com hiperemia O tratamento mais frequentemente instituído foi
na primeira RM, mas edema foi descrito em 60% e repouso e terapêutica com ibuprofeno(89,7% dos

Tipo de lesão Extensão Localização

Hiperemia – 0

Subepicardico (40,0%) Segmentos basais (50,0%)


Edema – 60,0% Intramiocardico (20,0%) Segmentos médios (70,0%)
Transmural (10,0%) Segmentos apicais (20,0%)

Subepicardico (90,0%) Segmentos basais (50,0%)


Intramiocardico (30,0%) Segmentos médios (70,0%)
Fibrose – 90,0%
Transmural (10%) Segmentos apicais (40,0%)

Tabela 2: Distribuição das lesões verificadas em Ressonância Magnética, dos doentes com miopericardite

39
ASSOCIAÇÃO PEDIÁTRICA DO MINHO

internamentos, ver gráfico 2). Em todos estes ca- DISCUSSÃO


sos foi igualmente prescrito inibidor da bomba de
protões. Em 20,5% dos internamentos foram insti- A série apresentada confirma o predomínio da
tuídos Inibidores da enzima de conversão de angio- incidência de MP no género masculino (97,1%),
tensina (IECA), e em 12,8% diuréticos: 10,2% furose- apesar de ser um valor superior a outras séries, des-
mida e 2,6% espironolactona. Ácido acetilsalicílico crito como cerca de 66% 1,2
(AAS) ou colchicina foram prescritos em 7,75% dos O pico de incidência de MP descrito na literatura
casos. Antibioterapia com ceftriaxone, ampicilina em lactentes não se verificou no presente estudo,
ou azitromicina foi utilizada em 5,1%, por sobrein- apresentando este uma idade mediana elevada(15
feção bacteriana. Dois doentes necessitaram de su- anos). 1,10
porte ventilatório e um de suporte inotrópico. Os autores sugerem que o número de MP diag-
Durante o internamento verificou-se uma redu- nosticadas poderá ser inferior ao real, tendo em
ção marcada dos níveis de marcadores de necrose conta os casos que se apresentam como morte sú-
miocárdica,troponina I em 97% (para valores nor- bita ou como miocardiopatia dilatada idiopática,
mais em 13,2%), CKMB em 95,7% (para valores nor- sobretudo em idadesmais jovens, onde a gravidade
mais em todos os doentes), Mioglobina em 38,1% da apresentação tende a ser superior. De facto, a
(para valores normais em todos os doentes) e PCR MP é responsável por 46% das cardiomiopatias di-
em 73,5% (para valores negativos em 13,2%). Todos latadas de causa identificada, mas frequentemente
os casos apresentaram boa evolução, com ausên- não é possível estabelecer a relação causal.2
cia de mortes e resolução da disfunção ventricular. O estudo realizado comprova a apresentação
Na data de alta todos os doentes foram encami- clínica variável da MP, sendo o mais frequente a
nhados para consulta de Cardiologia Pediátrica. presença de precordialgia e sintomas inespecífi-
Num dos casos, o mesmo doente realizou RMC cos.1,6 Em alguns casos pode apresentar-se como
por 4 vezes(3 dias, 2 meses, 15 meses e 3,5 anos insuficiência cardíaca ou choque cardiogénico.
após data da primeira admissão por MP). Foi possí- Segundo outros estudos, dos casos de mortalida-
vel constatar a resolução da hipocinésia segmentar de em contexto de miocardite, 57% tiveram mor-
e redução da extensão da fibrose na segunda RM, te súbita como primeira e única manifestação da
resolução do edema miocárdico no quarto exame, doença.1
mantendo-se ainda imagem compatível com fibro- O estudo etiológico foi realizado na generalida-
se subepicárdica residual no último exame. de dos casos, não se encontrando agente causal
evidente na sua maioria. Este estudo é importante,
já que a MP se encontra frequentemente associada
a intercorrências infeciosas. Está documentado o
atingimento regional diferencial pelos diferentes
agentes patogénicos, o que não foi possível tes-
tar dada a amostra insuficiente. Os vírus mais fre-
quentemente implicados são os enterovirus (14-
33%), adenovirus (8-23%), parvovirus B19 (37%),
HVH 6 e adenovirus.6Neste estudo tiveram mais
expressão as infeções agudas por EBV e parvovi-
rus B19. De realçar que infeções por protozoários
ou toxoplasma, apesar de raras, devem ser sempre
consideradas.2,6
O consumo de tóxicos como cannabis é causa
rara de miocarditee foi detetada nesta série, real-
çando a importância da história clínica, suspeita
diagnóstica e pesquisa etiológica dirigida.2,6A re-
Gráfico 2: Tratamento administrado durante o internamento dos doen-
corrência de MP é muito rara, tendo sido reporta-
tes com miopericardite, em percentagem do total de internamentos da em 2 doentes. Nestes casos torna-se ainda mais

40
ARTIGOS ORIGINAIS

premente a pesquisa de infeções crónicas, causas lesão reversível e boa resposta a anti-inflamató-
autoimunes ou distúrbios metabólicos.7 rios10,11).Deve ainda ser considerada em indivíduos
Em relação aos biomarcadores, e apesar da ele- com possível miocardite expostos a exercício físico
vação de troponina I não ser essencial para diag- extenuante ou com achados eletrocardiográficos
nóstico, todos os doentes desta série apresentavam inexplicáveis ​​compatíveis com miocardite, mesmo
elevação deste marcador. A elevação de Troponina I na ausência de sintomas. Se realizada na primeira
apresenta especificidade documentada de 86% e semana após o início dos sintomas, a RMC pode
sensibilidade de 71% em crianças.2,9 não detetar lesões, sugerindo-se nestes casos, a sua
O valor de BNP à admissão parece correlacio- repetição.8 A localização do RTG auxilia também no
nar-se com disfunção do VE e prognóstico.2Neste prognóstico, já que o atingimento septal se associa
estudo, o valor contínuo de BNP, Troponina I ou a evolução menos benigna, com eventos cardíacos
Mioglobina não apresentou correlação com a pre- adversos precoces e tardios.10,11
sença de disfunção ventricular. No entanto, verifi- O tratamento instituído foi o recomendado, sen-
cou-se correlação positiva entre a elevação de BNP do sobretudo de suporte, estando recomendado
e mioglobina e a presença de disfunção ventricular tratamento específico se for identificado o agente
significativa, o que reforça a importância destes causal. A sua duração é variável, sendo decidida
biomarcadores na avaliação inicial do doente. caso a caso pelo clínico assistente.
A RMC tem importante papel diagnóstico e prog- O prognóstico da MP é muito variável de acordo
nóstico, com acuidade esperada de 78%.6,10,11 Nesta com a apresentação clínica inicial, estando descrita
série, a RMC apresentou superior capacidade de de- correlação com a FEVE na admissão, BNP e idade.2
teção de MP em relação ao descrito, sobretudo se A série estudada apresentou idade mediana supe-
realizada na 1ª semana após admissão, com positi- rior ao habitualmente descrito, o que, associado
vidade em 83% dos casos e recorrendo aos critérios ao correto tratamento e vigilância de todos os ca-
de LL. A afetação regional detetada por RMC foi a sos, terá contribuído para uma evolução favorável,
esperada. Este exame permitiu ainda documentar com ausência de mortes e recuperação da função
resolução/estabilização de lesões quando reali- ventricular.
zados exames sequenciais, apesar de não ter sido
realizado por rotina. De facto, as indicações para
realização de ressonância e o seu timing não são MENSAGENS CHAVE
muito claros, continuando ainda a tratar-se de um
exame caro, prolongado e muitas vezes difícil de • Importância da suspeita diagnóstica sobre-
realizar em doentes mais jovens. De acordo com a tudo nos SU dos Hospitais periféricos
Sociedade Americana de Cardiologia o exame deve • Severidade variável, podendo evoluir para
ser realizado em pacientes sintomáticos, se há clí- disfunção cardíaca
nica de miocardite e se o resultado da RMC prova- • Importância do estudo etiológico
velmente afetar a abordagem clínica (por exemplo, • Contacto precoce com Cardiologia pediátri-
a evidência de edema e ausência de RTG sugere ca, instituição terapêutica e vigilância clínica

41
ASSOCIAÇÃO PEDIÁTRICA DO MINHO

BIBLIOGRAFIA

1. Klugman D, Berger J, Sable C, He J, Khandelwal S, Slonim A. Pediatric Patients Hospitalized with Myocarditis: A Multi-
Institutional Analysis. PediatrCardiol. 2010; 31:222–228
2. Tunuguntla H, Jeewa A, Denfield S. Acute Myocarditis and Pericarditis in Children. Pediatrics in Review. 2019; 40 (1) 14-25
3. Caforio A et al. Current state of knowledge on aetiology, diagnosis, management, and therapy of myocarditis: a position
statement of the European Society of Cardiology Working Group on Myocardial and Pericardial Diseases. European Heart
Journal (2013) 34, 2636–2648
4. Adler Y et al. 2015 ESC Guidelines for the diagnosis and management of pericardial diseases: The Task Force for the
Diagnosis and Management of Pericardial Diseases of the European Society of Cardiology (ESC). European Heart Journal
(2015) 36, 2921–2964
5. Bejiqi R, Retkoceri R, Maloku A, Mustafa A, Bejiqi H, BejiqiR.The Diagnostic and Clinical ApproachtoPediatric Myo-
carditis: A Review of the Current Literature.Open Access Maced J Med Sci. 2019; 7(1):162-173
6. Rodriguez-Gonzalez M, Sanchez-Codez MI, Lubian-Gutierrez M, CastellanoMartinez A. Clinical presentation and early
predictors for poor outcomes in pediatric myocarditis: A retrospective study. World J Clin Cases 2019; 7(5): 548-56
7. Floyd A, Lal A, Molina K, et al. When Lightning Strikes Twice in Pediatrics: Case Report and Review of Recurrent Myocar-
ditis. Pediatrics. 2018;141(3):e20164096
8. Grigoratos C et al. Diagnostic and prognostic role of cardiac magnetic resonance in acute myocarditis. Heart Failure
reviews. 2019; 24(1):81-90
9. Filippo S. Improving outcomes of acute myocarditis in children. Expert Review of Cardiovascular Therapy, 2015; 14(1),
117–125.
10. Friedrich M et al. Cardiovascular Magnetic Resonance in Myocarditis: A JACC White Paper. Journal of the American Col-
lege of Cardiology. 2009; 53(17): 1475–1487.
11. Sachdeva S, Song X, Dham N, Heath D, DeBiasi R. Analysis of clinical parameters and cardiac magnetic resonance im-
aging as predictors of outcome in pediatric myocarditis.2009; 57(17): 1475-1487Am J Cardiol. 2015 Feb 15;115(4):499-504

42

Você também pode gostar