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Celulas Eletrolitica e A Combustivel Con

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Quim. Nova, Vol. XY, No. 00, 1-10, 200_ http://dx.doi.org/10.21577/0100-4042.

20170626

CÉLULAS ELETROLÍTICA E A COMBUSTÍVEL CONFECCIONADAS COM MATERIAIS ALTERNATIVOS


PARA O ENSINO DE ELETROQUÍMICA

Educação
Marlon M. S. Silveiraa, Richard H. Limaa, Gabriel S. Bernardesa, Valéria A. Alvesa, e Luís Antônio da Silvaa,*,
a
Departamento de Química, Instituto de Ciências Exatas, Naturais e Educação/ICENE, Universidade Federal do Triângulo Mineiro,
38064-200 Uberaba – MG, Brasil

Recebido em 20/12/2019; aceito em 15/07/2020; publicado na web em 02/09/2020

ELECTROLYTIC AND FUEL CELLS MADE WITH ALTERNATIVE MATERIALS FOR THE TEACHING OF
ELECTROCHEMISTRY. The proposal addresses the electrochemical experimentation as a pedagogical instrument for the integral
and dynamic student involvement, facilitating the teaching-learning process. The experimental proposal focuses on the conversion of
electrical energy to chemical energy and vice versa. The experiments for the two simultaneous energy conversions were designed with
simple, easily accessible and inexpensive reagents and materials. The production of hydrogen and oxygen gases in the electrolytic
cell, and the consumption of these same gases in the fuel cell, exploits the non-spontaneous and spontaneous electrochemical semi-
reactions, respectively, that occur at the anode and cathode. Hydrogen gas production is crucial to the development of fuel cell
technology. To facilitate the identification of anodic and cathodic reaction, and the monitoring of electrochemical decomposition
of water, black bean extract was used as an alternative indicator. The electrochemical reactions involved in energy conversions are
considered fundamental in the teaching-learning process of basic concepts related to water electrolysis and the recombination of
hydrogen and oxygen gases. The experiment also corroborates the elucidation of alternative ways to generate electricity to meet the
current needs of modern society.

Keywords: water electrolysis; fuel cell; alternative materials; electrochemical processes.

INTRODUÇÃO metais.3 Em 1836 Daniell publicou uma carta endereçada a seu


amigo Michael Faraday sobre as informações experimentais com
Os primeiros estudos envolvendo a geração de correntes elétricas o título On Voltaic Combinations.4
favoreceram o entendimento das reações eletroquímicas espontâneas O conhecimento das propriedades eletroquímicas dos metais
que ocorrem quando dois metais diferentes são mergulhados numa favoreceu o desenvolvimento das recentes tecnologias das baterias.
solução eletrolítica. Para mostrar os avanços das descobertas, As tecnologias dos celulares móveis e dos carros elétricos só foram
segue um relato bastante sintético de vários estudos realizados. As possíveis com o desenvolvimento das baterias de íons lítio. As
observações experimentais realizadas pelo filósofo natural John modernas baterias de íons lítio são tão importantes para a sociedade
Walsh, entre 1772 e 1775, com peixes elétricos demonstraram a moderna que renderam o prêmio Nobel de Química de 2019 para os
origem animal da eletricidade. Os estudos anatômicos e fisiológicos Químicos Akira Yoshino e Michael Stanley Whittingham, e o Físico
promoveram o progresso da fisiologia e da física dos fenômenos John Bannister Goodenough.5
elétricos.1 O estudo envolvendo gases na geração de corrente elétrica
O médico e cientista Luigi Galvani realizou descobertas a partir de aconteceu após várias investigações com combinações de diferentes
experimentos envolvendo a aplicação de pequenas correntes elétricas materiais metálicos. O advogado e cientista William Grove inventou
em pernas de rã dessecadas, o que resultou em contrações musculares. a célula galvânica que funcionava com a combinação de dois gases
Ele acreditava que a eletricidade era de origem animal, e os seus diferentes. Cada gás era injetado separadamente no ânodo e no cátodo.
resultados foram publicados no livro De viribus electricitatis in motu Os eletrodos eram confeccionados com folhas de platina platinizada,
musculari commentarius, em 1792. O físico e cientista Alessandro possuindo grande área superficial. Os gases mantinham contatos
Volta, contemporâneo de Galvani, particularmente interessado pela com os eletrodos e com a solução eletrolítica, simultaneamente. O
eletricidade, havia publicado o seu primeiro tratado De vi attractiva funcionamento da célula dependia do contato entre as três fases (gás,
ignis electrici, em 1778. Ele investigou os experimentos de Luigi líquido e sólido). Considerando-se os gases hidrogênio e oxigênio,
Galvani e concluiu que o simples contato de metais de diferentes tipos tem-se que a platina platinizada catalisa a reação de decomposição
resultava em pequenas correntes elétricas. Os estudos de Alessandro eletroquímica. Grove observou a importância da porosidade como
Volta foram fundamentais para a invenção da pilha elétrica.2 superfície de ação entre as fases sólida, líquida e gasosa para
O químico e cientista John Frederic Daniell aperfeiçoou a efetivar as semirreações de oxidação do hidrogênio e redução do
pilha de Alessandro Volta. Daniell construiu um recipiente de oxigênio.6 A descoberta de Grove, intitulada On Voltaic Series and
cobre metálico contendo uma solução saturada de sulfato de cobre: the Combination of Gases by Platinum, foi publicada em 1838
dentro do recipiente de cobre encaixou um segundo recipiente de no jornal Philosophical Magazine and Journal of Science.7 Grove
argila porosa contendo um eletrodo de zinco metálico mergulhado chamou o seu invento de célula a combustível.8 Tem-se que uma
numa solução diluída de ácido sulfúrico. O recipiente poroso não célula a combustível é um tipo de célula galvânica, onde as reações
permitia a mistura dos dois eletrólitos. As reações químicas eram eletroquímicas espontâneas ocorrem entre o cátodo (eletrodo onde
controladas abrindo ou fechando o circuito elétrico entre os dois ocorre a redução, polo positivo) e o ânodo (eletrodo onde ocorre a
oxidação, polo negativo), convertendo energia química acumulada
*e-mail: luis.silva@uftm.edu.br no sistema em energia elétrica.9
2 Silveira et al. Quim. Nova

A crescente demanda por energia limpa tem promovido as durante a eletrólise da água, a reação que ocorre quando combinamos
pesquisas com células a combustíveis como procedimento de os metais zinco e cobre numa célula galvânica. Considerando-se o
consumo de energia química armazenada, e também como fonte processo de ensino-aprendizagem, a experimentação na química
energética alternativa para os combustíveis fósseis.10 Na geração favorece a articulação entre práticas e teorias, bem como conhecer
de energia elétrica a partir dos combustíveis fósseis, que ocorre no as concepções prévias dos estudantes, frente aos novos conceitos que
Brasil em período de escassez de chuva, tem-se a emissão de grandes serão explorados.22,23
quantidades de gases poluentes e envolve três etapas, acompanhadas A experimentação é um componente indispensável para o
de sucessivas perdas de energia: 1ª – a conversão de energia química processo de ensino-aprendizagem de conteúdos de química, facilita
em energia térmica; 2ª – a conversão de energia térmica em energia a compreensão de conceitos químicos e a aquisição de habilidades
mecânica; 3ª – a conversão de energia mecânica em energia elétrica.11 práticas. O planejamento e a execução experimental promovem o
As fontes de energia renovável, como solar, eólica e hidráulica, aprendizado de novos conceitos de química, novos procedimentos e
são intermitentes. A energia solar está disponível somente durante os atitudes dos estudantes, incentivando-os a participarem das discussões
dias ensolarados, o que coloca o Brasil numa posição de destaque; em sala de aula.
como exemplo, no extremo sul do país a duração do dia varia de É bastante comum ouvir relatos de professores e estudantes
10 horas e 13 minutos a 13 horas e 47 minutos, aproximadamente, do ensino médio e superior sobre as dificuldades com o
entre 21 de junho e 22 de dezembro, respectivamente.12,13 A energia processo de ensino-aprendizagem relacionados com o conteúdo
eólica depende das condições climáticas sazonal anual. No Brasil, a de eletroquímica. 24 Nesse contexto, torna-se imperioso o
região nordeste possui o maior potencial para a geração de energia desenvolvimento de experimentos que facilitem o entendimento
eólica e também o maior número de centrais eólicas outorgadas.14,15 A das transformações eletroquímicas.
quantidade de energia hidráulica disponível depende da topografia do Uma pesquisa realizada nas revistas publicadas pela Sociedade
relevo e da quantidade de chuva na bacia hidrográfica. O Brasil possui Brasileira de Química, a partir do ano 2000, encontrou-se um
um dos maiores potenciais hidrelétricos do mundo, sendo também pequeno número de publicações relacionado com células galvânicas
um dos maiores produtores e consumidores de energia hidráulica.16,17 (convencionais), eletrolíticas e a combustível. Considerando-se a
O melhor aproveitamento da matriz energética está fortemente célula a combustível uma situação particular da célula galvânica,
atrelado ao desenvolvimento de tecnologias de armazenamento de porque envolve a manipulação de gases, os artigos encontrados
energia elétrica, o qual refere-se a um processo de conversão de fazem uma abordagem puramente teórica sobre essa tecnologia, não
energia elétrica em uma fonte energética que pode ser armazenada abordando a experimentação no ensino de eletroquímica,10,25 o que
para consumo em momentos de escassez. Existem diversas tecnologias mostra a importância do presente trabalho.
de armazenamento de energia, como por exemplo, mecânica (ar O número de publicações com as células galvânicas e eletrolíticas
comprimido, bombeamento hidráulico), térmica (água aquecida), é superior em relação àqueles envolvendo as células a combustível, o
eletromagnética (bobina supercondutora), elétrica (super condutores), que provavelmente está relacionado com a facilidade em manipular
química e eletroquímica (hidrogênio, baterias).18,19 Considerando-se soluções aquosas em relação aos gases utilizados nesta última. No
a produção do gás hidrogênio a partir da eletrólise da água, tem-se caso das células galvânicas as reações eletroquímicas envolvendo
um processo não espontâneo que necessita de grandes quantidades a oxidação do zinco e a redução de cobre são frequentemente
de energia elétrica. A decomposição da água acontece numa célula investigadas.26-32 Por outro lado, a eletrólise da água, ou mesmo a
eletrolítica a partir da aplicação de um potencial eletroquímico externo eletrodeposição de cobre ou prata sobre um cátodo são explorados
entre o cátodo (eletrodo onde ocorre a redução da água, polo negativo) nos estudos envolvendo as células eletrolíticas.20,21,33-35
e o ânodo (eletrodo onde ocorre a oxidação da água, polo positivo), Abordar o conteúdo de eletroquímica com os estudantes é muito
convertendo energia elétrica em energia química.9 importante para o entendimento de novas tecnologias relacionadas
É frequente nas manchetes dos jornais as discussões em torno com a geração de energia elétrica. Os experimentos planejados com
das questões ambientais relacionadas com as fontes energéticas. O materiais de baixo custo e fácil acesso visam minimizar as dificuldades
momento é oportuno para a apresentação de conteúdos relacionados encontradas pelos professores e estudantes, no processo de ensino-
com as novas formas de geração de energia limpa, sem poluir o meio aprendizagem de eletroquímica.22,24,26,36 As células eletrolítica e a
ambiente. Face ao exposto, nesse trabalho considerou-se a importância combustível foram planejadas para utilização por professores, no
de disponibilizar experimentos de produção eletroquímica dos gases seu processo de ensino de eletroquímica, para estudantes do ensino
hidrogênio e oxigênio, contextualizando com as fontes alternativas médio ou superior. A partir dos experimentos, os estudantes terão a
de energia elétrica, como por exemplo eólicas, solares e hidráulicas, oportunidade de compreender as reações eletroquímicas espontâneas
e tecnologias de armazenamento de energia elétrica, como estratégia e não espontâneas, observar as reações de desprendimento dos gases
para a formação plena do estudante, com relação ao conhecimento H2 e O2, as proporções volumétricas dos gases durante a eletrólise
químico e também com respeito à sua formação cidadã, levando-o a da água, a manipulação dos gases entre as duas células (eletrolítica
refletir sobre questões ambientais e de sustentabilidade do planeta.20,21 e a combustível), e realizar observações úteis na compreensão dos
Na sequência, os gases hidrogênio e oxigênio armazenados foram conceitos relacionados com as semirreações de oxidação e de redução.
utilizados para alimentar células a combustível associadas em série. É importante destacar no trabalho o arranjo experimental simples de
A geração da corrente elétrica foi comprovada com o funcionamento produção e manipulação dos gases, não sendo necessário o uso de
de um relógio digital de 1,5 V. A experimentação procurou fechar instrumentação específica.
o ciclo da produção, armazenamento e consumo de energia limpa.
A química é uma ciência que se desenvolve sobre uma base PARTE EXPERIMENTAL
experimental, onde as transformações químicas podem ser observadas,
explicadas e reproduzidas. A experimentação desempenha um papel Os experimentos foram executados no laboratório de química do
extremamente importante para o entendimento dos fenômenos Departamento de Química da UFTM, e contou com a participação de
químicos que ocorrem com a matéria, como por exemplo, a reação dois estudantes de graduação do curso de Licenciatura em Química e
química espontânea de um ácido com uma base, a reação do CO2 de um professor do ensino básico cursando o Mestrado Profissional
com a H2O durante a fotossíntese, a liberação dos gases H2 e O2 em Química em Rede Nacional (PROFQUI), sendo o trabalho em
Vol. XY, No. 00 Células eletrolítica e a combustível confeccionadas com materiais alternativos para o ensino de eletroquímica 3

apreço o produto educacional de sua dissertação de mestrado. A Em seguida, removeu-se os êmbolos das duas seringas descartáveis
participação dos dois estudantes na realização dos experimentos foi de 60 mL, fez-se um pequeno furo de 5,0 mm de diâmetro ao lado
fundamental para as adequações e testes de funcionamento das células do orifício de encaixe da agulha em cada seringa, encaixou-se os
eletrolítica e a combustível, além de contribuir com o professor que eletrodos de aço inoxidável austenítico, fixou-se, vedou-se com
possui dois cargos em duas escolas estaduais do estado de Minas resina epóxi e aguardou-se 90 minutos para secar. Para facilitar o
Gerais, e viaja ~400 km toda semana de Paranaíba (MS) para Uberaba preenchimento das seringas com o eletrólito e aspiração dos gases
(MG) para cursar o mestrado. O presente produto educacional foi hidrogênio e oxigênio, cortou-se a ponta do tubo flexível de dois
aplicado pelo professor em duas turmas de estudantes do 2º ano do escalpes para remover os corpos das asas e agulhas, rosqueou-se um
ensino médio de uma escola estadual localizada no município de escalpe em cada seringa. Os dois eletrodos montados foram colocados
União de Minas (MG), pertencente a Superintendência Regional de no pote de plástico de 500 mL e encaixados de forma segura na tampa,
Ensino de Uberaba (MG). Os resultados obtidos ainda não foram para garantir a verticalidade das seringas antes do preenchimento com
publicados. o eletrólito. Os materiais e a montagem da célula eletrolítica podem
O trabalho foi dividido em duas etapas: a primeira correspondendo ser vistos na Figura 1.
à construção e o funcionamento de uma célula eletrolítica, kit A; e Para aspirar o eletrólito e preencher o interior das seringas
a segunda, correspondendo à construção e o funcionamento de uma montadas com os eletrodos, usou-se duas seringas descartáveis
célula a combustível, kit B. de 20 mL e rosqueou-se em cada seringa uma agulha medindo
40 × 1,2 mm. Importante remover o corte oblíquo em aresta das
Kit A - célula eletrolítica agulhas (bisel) para evitar acidentes. Para abertura e fechamento dos
tubos flexíveis dos escalpes, usou-se presilhas para crachá.
Materiais necessários para o kit A A solução de H2SO4 0,5 mol L-1 foi preparada com ácido sulfúrico
- Duas chapas retangulares de aço inoxidável austenítico, tipo AISI 98% de pureza. O extrato de feijão preto foi preparado misturando-se
306L, medindo 2,0 cm de largura, 3,0 cm de comprimento, 0,5 mm ~70 g de feijão preto (uma xícara de café), com 200 mL de solução
de espessura e uma rebarba de 1,0 cm de comprimento; de H2SO4 0,5 mol L-1 num pote descartável de plástico de 500 mL.
- Dois pedaços de fios de cobre flexíveis encapados medindo 3,0 mm Após 10 minutos separou-se os grãos de feijão da solução ácida
de diâmetro e 10 cm de comprimento; vermelha. Essa solução vermelha consistiu no eletrólito usado na
- Duas seringas descartáveis de 60 mL; célula eletrolítica. O extrato de feijão preto atuou como indicador
- Duas seringas descartáveis de 20 mL; alternativo de pH.37
- Dois escalpes utilizados para infusões venosas; No pote de plástico contendo 200 mL da solução vermelha de
- Um pote de plástico transparente de 500 mL com tampa; H2SO4 0,5 mol L-1, posicionou-se verticalmente as duas seringas
- Duas agulhas medindo 40 × 1,2 mm; de 60 mL contendo os eletrodos de aço inoxidável austenítico. Em
- Duas presilhas para crachá; seguida, conectou-se nos escalpes das duas seringas de 60 mL as
- Um metro de mangueira siliconada para bomba de aquário de agulhas das outras duas seringas de 20 mL, para o preenchimento
5,0 mm de diâmetro; completo com a solução eletrolítica vermelha de H2SO4 0,5 mol L-1.
- Resina epóxi; Após preenchimento das seringas de 60 mL, utilizou-se as presilhas
- 200 mL de solução de H2SO4 0,5 mol L-1; para crachá como braçadeiras para obstruir os tubos flexíveis dos
- 70 g de feijão preto; escalpes. Desconectou-se as duas seringas de 20 mL, dispensou-se
- Papel tornassol; o ar aspirado e conectou-se novamente, para posterior aspiração dos
- Ferro de solda; gases hidrogênio e oxigênio produzidos pela eletrólise da água. Em
- Estanho em fio para solda; seguida, conectou-se o polo negativo da fonte elétrica no cátodo
- Uma fonte elétrica de 12 V e 1 A. (redução da água e produção do gás hidrogênio) e o polo positivo
da fonte elétrica no ânodo (oxidação da água e produção do gás
Montagem do kit A oxigênio). Conectou-se a fonte elétrica na rede elétrica e iniciaram-
Para a construção dos eletrodos da célula eletrolítica, primeiro se as semirreações de desprendimento de hidrogênio e oxigênio.
fez-se uma canaleta em cada rebarba das chapas de aço inoxidável Após produção de aproximadamente 20 mL do gás hidrogênio
austenítico para o contato elétrico, em seguida desencapou-se 1,0 cm e 10 mL do gás oxigênio, os gases foram coletados usando-se
do plástico nos dois pedaços de fios de cobre flexíveis, encaixou-se as seringas de 20 mL que estavam conectadas nos escalpes.
na canaleta e aplicou-se a solda. O conjunto foi encaixado no interior Utilizou-se novamente as presilhas para crachá como braçadeiras
de uma mangueira siliconada de 5,0 mm de diâmetro, vedou-se o para obstruir os tubos flexíveis dos escalpes, e desconectou-se da
contato elétrico com resina epóxi e aguardou-se 90 minutos para secar. célula eletrolítica as duas seringas de 20 mL contendo os gases

Figura 1. (a) Materiais utilizados na montagem da célula eletrolítica; (b) eletrodos de aço inoxidável austenítico montados dentro das seringas de 60 mL;
(c) detalhe na tampa do pote de plástico para encaixe e estabilidade das seringas na posição vertical; (d) conexões das seringas de 20 mL para o preenchi-
mento total dos eletrodos
4 Silveira et al. Quim. Nova

hidrogênio e oxigênio. Esses gases coletados foram usados na A platina apresenta alta atividade eletrocatalítica para as duas
célula a combustível. semirreações, oxidação do H2 e redução do O2, e é quimicamente
estável, inertes, nas condições do experimento.39
Materiais alternativos para o kit A A confecção de quatro eletrodos para as duas células a
Retalhos de aço inoxidável austenítico, tipo AISI 306L, são combustível iniciou-se com o preparo de quatro espirais de platina.
descartados e facilmente encontrados nas indústrias de fabricação As espirais medindo 3,0 mm de diâmetro interno e ~3,0 cm de
de utensílios domésticos, como por exemplo, bebedouros. Os fios de comprimento foram soldadas nos fios de cobre maciços para os
cobre são facilmente encontrados em sobras de instalações elétricas contatos elétricos. Em seguida, introduziu-se cada fio de cobre nos
domésticas. As seringas descartáveis, os escalpes e as agulhas podem orifícios de cada tubo capilar de vidro, deixando expostos de um
ser encontrados nas farmácias ou lojas de produtos agropecuários. Um lado do tubo capilar as espirais de platina, e do outro lado do tubo
béquer de vidro com capacidade para 500 mL poderá ser substituído capilar uma ponta do fio de cobre de 1,0 cm de comprimento, para o
por um pote de plástico. Braçadeiras de tubulação com parafuso contato elétrico. A solda e as duas extremidades de cada tubo capilar
Hoffman poderão ser substituídas por presilhas para crachá. Soda de vidro contendo o eletrodo de platina foram vedadas com resina
cáustica, NaOH, comercializada nos supermercados, poderá substituir epóxi, e aguardou-se 90 minutos para secar. Em seguida, removeu-
o ácido sulfúrico, H2SO4. O extrato de feijão preto poderá ser utilizado se os êmbolos das quatro seringas descartáveis de 10 mL, fez-se um
com a solução de NaOH. O procedimento de preparação do extrato pequeno furo de 3,0 mm de diâmetro ao lado do orifício de encaixe
de feijão preto será o mesmo daquele preparado com o H2SO4, da agulha em cada seringa, encaixou-se os eletrodos de platina,
bastando substituir o ácido sulfúrico por soda cáustica 1,0 mol L-1, fixou-se e vedou-se com resina epóxi, e aguardou-se 90 minutos para
o que resultará numa solução amarela. A fonte elétrica pode ser secar. Para facilitar o preenchimento das seringas com o eletrólito
encontrada em lojas de materiais eletrônicos, ou reaproveitadas de e depois fazer a injeção dos gases hidrogênio e oxigênio, cortou-se
fontes elétricas usadas, de celulares. a ponta do tubo flexível de quatro escalpes para remover os corpos
das asas e agulhas, rosqueou-se um escalpe em cada seringa 10 mL
Kit B - célula a combustível e encaixou-se em cada escalpe uma agulha medindo 40 × 1,2 mm.
Importante remover o corte oblíquo em aresta de cada agulha (bisel)
Materiais necessários para o kit B para evitar acidentes. Os quatro eletrodos montados foram colocados
- Quatro pedaços de fio de platina medindo 0,25 mm de diâmetro, no pote de plástico de 250 mL e encaixados de forma segura na tampa,
10,0 cm de comprimento e 99,95% de pureza; para garantir a verticalidade das seringas antes do preenchimento
- Quatro pedaços de fios de cobre maciços desencapados medindo com o eletrólito. Foram preparadas duas células a combustível, para
1,0 mm de diâmetro e 6,0 cm de comprimento; posterior associação em série. Os materiais e a montagem da célula
- Quatro tubos de vidro de 2,0 mm de diâmetro interno e 5,0 cm de a combustível podem ser vistos na Figura 2.
comprimento; Para aspirar o eletrólito e preencher as quatro seringas de 10 mL
- Quatro seringas descartáveis de 10 mL; montadas com os eletrodos de platina, separou-se quatro seringas
- Quatro seringas descartáveis de 20 mL; descartáveis de 20 mL. Para o funcionamento do relógio digital com
- Quatro escalpes utilizados para infusões venosas; a célula a combustível providenciou-se novos contatos elétricos com
- Quatro agulhas medindo 40 × 1,20 mm; dois fios de cobre finos e flexíveis. Primeiro soldou-se uma garra
- Dois potes de plástico de 250 mL com tampa; jacaré pequena em cada fio, depois abriu-se o relógio e efetuou-se a
- Quatro presilhas para crachá; solda de um fio no polo negativo e do outro fio no polo positivo do
- Resina epóxi; suporte para a pilha de 1,5 V. O extrato de feijão preto foi preparado
- 200 mL de solução de H2SO4 0,5 mol L-1; seguindo o mesmo procedimento já descrito anteriormente, para o
- 70 g de feijão preto; kit A.
- Papel tornassol; Em seguida, conectou-se as agulhas, montadas nas quatro
- Ferro de solda; seringas de 10 mL, às quatro seringas de 20 mL e aspirou-se a solução
- Estanho em fio para solda; eletrolítica vermelha de H2SO4 0,5 mol L-1. Após preenchimento das
- Um multímetro digital; quatro seringas de 10 mL, utilizou-se as presilhas para crachá como
- Um relógio digital que necessita de uma pilha de 1,5 V. braçadeiras para obstruir os tubos flexíveis dos escalpes. Desconectou-
se as quatro seringas de 20 mL, dispensou-se o ar aspirado e conectou-
Montagem do kit B se as seringas contendo os gases hidrogênio e oxigênio produzidos
Nesse trabalho utilizou-se fios de platina em espiral como ânodo pela eletrólise da água. Injetou-se 10 mL de gás hidrogênio no ânodo
(polo negativo) e cátodo (polo positivo) da célula a combustível, (polo negativo) de cada célula a combustível e 5 mL de gás oxigênio
similarmente à descrição da célula a combustível de Grove.7,8,38 no cátodo (polo positivo) de cada célula a combustível.

Figura 2. (a) Materiais utilizados na montagem das células a combustível; (b) eletrodos de platina montados dentro das seringas de 10 mL; (c) conexões das
seringas de 20 mL para o preenchimento total dos eletrodos
Vol. XY, No. 00 Células eletrolítica e a combustível confeccionadas com materiais alternativos para o ensino de eletroquímica 5

Mediu-se o potencial de cada célula a combustível separadamente,


e depois das duas células a combustível associadas em série, utilizando-
se um multímetro digital ajustado na escala de 20 V. No primeiro caso,
conectou-se o cabo preto do multímetro no polo negativo (ânodo) da
célula a combustível e o cabo vermelho do multímetro no polo positivo
(cátodo) da célula a combustível. A associação em série das células a
combustível foi realizada conectando-se o ânodo (polo negativo) da
primeira célula a combustível ao cátodo (polo positivo) da segunda
célula a combustível. Para a medida do potencial, conectou-se o cabo
vermelho do multímetro no polo positivo (cátodo) da primeira célula
a combustível e o cabo preto do multímetro no polo negativo (ânodo) Figura 3. Eletrólise da água utilizando como solução eletrolítica a mistura
da segunda célula a combustível. de H2SO4 0,5 mol L-1 com extrato de feijão preto. (a) Início da eletrólise; (b)
Para ilustrar o funcionamento da célula a combustível utilizou-se após 1 minuto de eletrólise; (c) após 5 minutos de eletrólise
um relógio digital que necessita de uma pilha de 1,5 V. Primeiro as
duas células a combustível foram associadas em série e, em seguida, numa célula eletrolítica, o processo ocorre por meio da transformação
ligou-se o polo negativo do relógio digital ao polo negativo (ânodo) de energia elétrica em energia química, e os gases assim produzidos
da célula a combustível; em seguida, ligou o polo positivo do relógio possuem alto grau de pureza. Utilizou-se o extrato de feijão preto
digital ao polo positivo (cátodo) da célula a combustível.21 para destacar a solução eletrolítica ácida e melhorar a visibilidade das
semirreações de desprendimento dos gases hidrogênio e oxigênio,
Materiais alternativos para o kit B Figuras 4(a), 4(b) e 4(c). A Figura 4(d) apresenta o detalhamento da
Os fios de platina utilizados neste trabalho foram recebidos como eletrólise da água na célula eletrolítica contendo a mistura de H2SO4
doação. Não foi possível conseguir outros metais ou ligas metálicas 0,5 mol L-1 com extrato de feijão preto, o que facilita o entendimento
com as características eletrocatalíticas da platina. O tubo de vidro das semirreações eletroquímicas de produção dos gases hidrogênio e
poderá ser substituído por um tubo capilar para micro-hematócrito. oxigênio. Manteve-se o sistema aberto e observou-se que o volume
Um béquer de vidro com capacidade para 250 mL poderá ser do gás hidrogênio é o dobro do volume do gás oxigênio, concordando
substituído por um pote de plástico. Um multímetro bem simples pode com a estequiometria da reação para a formação da água.
ser adquirido facilmente em lojas de materiais elétricos, por menos As semirreações que estão ocorrendo no ânodo e no cátodo
de R$30,00. A confirmação do potencial poderá ser feita também da célula eletrolítica podem ser expressas por meio de equações
com o funcionamento do relógio digital ou acender uma lâmpada químicas. Escrever as semirreações e correlacioná-las com os
led (diodo emissor de luz). Os outros materiais foram descritos no respectivos potenciais nas condições padrão é o modo para saber se
item materiais alternativos para o kit A. a reação eletroquímica será espontânea ou não. Considerando-se a
produção dos gases hidrogênio e oxigênio em solução ácida, mostrada
RESULTADOS E DISCUSSÃO nas Figuras 4(c) e (d), pode-se escrever as equações químicas (1) e (2).
O potencial aplicado nos eletrodos imersos na solução eletrolítica
Kit A - célula eletrolítica favoreceu a ocorrência da reação não espontânea de decomposição
da água. No polo negativo (cátodo) iniciou-se a semirreação de
Comportamento do extrato de feijão preto durante a eletrólise da desprendimento de hidrogênio, equação química (1), e no polo
água em solução ácida positivo (ânodo) a semirreação de desprendimento de oxigênio,
O extrato de feijão preto é utilizado como um indicador ácido-base equação química (2), e a reação global, equação química (3). Detalhes
alternativo. Os principais componentes do extrato de feijão preto são das semirreações eletroquímicas nas condições padrão (1 bar,
as antocianinas, que são compostos fenólicos pertencentes ao grupo 1 mol L-1 e 298,15 K) em solução ácida encontram-se no texto e nas
dos flavonóides. As cores observadas do extrato estão relacionadas Tabelas 1S, 2S e 3S do Material Suplementar.
com as substâncias que compõem o subgrupo das antocianinas, sendo
que as duas principais substâncias são a delfinidina e a pelargonidina. cátodo: 4H+(aq) + 4e– → 2H2(g) (1)
Alterações na estrutura dessas antocianinas são responsáveis pela ânodo: 2H2O(l) → O2(g) + 4H+(aq) + 4e– (2)
mudança de cor quando se altera o pH do meio.37,40,41 Em solução reação global: 2H2O(l) → O2(g) + 2H2(g) (3)
ácida, o extrato de feijão preto apresenta coloração vermelha e, em
solução básica, a coloração amarela. Comportamento do extrato de feijão preto durante a eletrólise da
A solução de H2SO4 0,5 mol L-1 recém preparada com o extrato água em solução básica
de feijão preto apresentou a cor vermelha (pH ≅ 0,30). Durante todo Diferentemente da solução ácida, a solução de NaOH 1,0 mol L-1
o tempo de eletrólise da água não se observou alteração da cor da recém preparada com o extrato de feijão preto apresentou a cor
solução do cátodo (polo negativo). Já na seringa contendo o ânodo amarela (pH ≅ 14,00). Durante a eletrólise da água não houve
(polo positivo) a cor da solução mudou para amarela, Figura 3. nenhuma alteração da cor da solução básica em ambas as seringas,
Medidas de pH com papel tornassol das soluções do cátodo e do mas observou-se a formação de espuma por causa do extrato de feijão
ânodo, após eletrólise, comprovaram o caráter ácido das mesmas. preto, diferente da eletrólise da solução de NaOH 1,0 mol L-1 sem o
Nesse caso, a mudança de cor da solução do ânodo provavelmente extrato, Figura 5. Medidas de pH com papel tornassol, após eletrólise,
está relacionada com a oxidação eletroquímica da delfinidina e/ou comprovaram o caráter básico da solução nas duas seringas.
da pelargonidina.42 A possível ocorrência de uma reação paralela de
oxidação das antocianinas não interferiu na eletrólise da água e na Produção dos gases hidrogênio e oxigênio em solução básica
pureza dos gases produzidos. O indicador alternativo de pH foi usado para melhorar a
visibilidade das semirreações de desprendimento dos gases
Produção dos gases hidrogênio e oxigênio em solução ácida hidrogênio e oxigênio e para facilitar a leitura dos volumes dos
Considerando-se a produção dos gases hidrogênio e oxigênio gases, Figuras 6(a), 6(b) e 6(c). A Figura 6(d) apresenta o esquema
6 Silveira et al. Quim. Nova

Figura 4. (a) Mistura da solução eletrolítica de H2SO4 0,5 mol L-1 com feijão preto para extração das antocianinas; (b) preenchimento das seringas com a mistura
de H2SO4 0,5 mol L-1 com extrato de feijão preto; (c) eletrólise da água e desprendimento de H2 no cátodo (-) e de O2 no ânodo (+); (d) esquema detalhando
as espécies envolvidas na eletrólise da água em solução ácida, H2SO4 0,5 mol L-1

gases hidrogênio e oxigênio em solução básica, mostrada nas Figuras


6(c) e (d), pode-se escrever as equações químicas (4) e (5).
O potencial aplicado nos eletrodos imersos na solução eletrolítica
favoreceu a ocorrência da reação não espontânea de decomposição
da água. No polo negativo (cátodo) iniciou-se a semirreação de
desprendimento de hidrogênio, equação química (4), e no polo
positivo (ânodo) a semirreação de desprendimento de oxigênio,
equação química (5), e a reação global, equação química (6). Detalhes
das semirreações eletroquímicas nas condições padrão (1 bar,
1 mol L-1 e 298,15 K) em solução básica encontram-se no texto e nas
Figura 5. Eletrólise da água utilizando como solução eletrolítica a mistura Tabelas 1S, 2S e 3S do Material Suplementar.
de NaOH 1,0 mol L-1 com extrato de feijão preto. (a) Início da eletrólise; (b)
após 1 minuto de eletrólise; (c) após 5 minutos de eletrólise cátodo: 4H2O(l) + 4e– → 2H2(g) + 4OH–(aq) (4)
ânodo: 4OH–(aq) → O2(g) + 2H2O(l) + 4e– (5)
da eletrólise da água na célula eletrolítica contendo a mistura NaOH reação global: 2H2O(l) → O2(g) + 2H2(g) (6)
1,0 mol L-1 com extrato de feijão preto, o que facilita o entendimento
das semirreações eletroquímicas de produção dos gases hidrogênio Kit B - célula a combustível
e oxigênio. Novamente o sistema foi mantido aberto e o volume do
gás hidrogênio produzido foi o dobro do volume do gás oxigênio, em Consumo dos gases hidrogênio e oxigênio em solução ácida para
concordância com a estequiometria da reação para formação da água. a produção de energia elétrica
Assim como foi descrito no item anterior, conhecer as O funcionamento da célula a combustível acontece de maneira
semirreações que acontecem no ânodo e no cátodo da célula inversa ao funcionamento da célula eletrolítica, ou seja, a energia
eletrolítica e relacioná-las com os respectivos potenciais nas química é convertida em energia elétrica. O trabalho elétrico
condições padrão é importante para definir se a reação eletroquímica produzido pela célula a combustível é mantido por meio da injeção dos
será espontânea ou não espontânea. Considerando-se a produção dos gases hidrogênio no ânodo (polo negativo) e oxigênio no cátodo (polo
Vol. XY, No. 00 Células eletrolítica e a combustível confeccionadas com materiais alternativos para o ensino de eletroquímica 7

Figura 6. (a) Mistura da solução eletrolítica de NaOH 1,0 mol L-1 com feijão preto para extração das antocianinas; (b) preenchimento das seringas com a
mistura de NaOH 1,0 mol L-1 com extrato de feijão preto; (c) eletrólise da água e desprendimento de H2 no cátodo (-) e de O2 no ânodo (+); (d) esquema de-
talhando as espécies envolvidas na eletrólise da água em solução básica, NaOH 1,0 mol L-1

positivo). Uma célula a combustível operando com gás hidrogênio As soluções coloridas com extrato de feijão preto apresentam um
puro na geração de eletricidade tem como principal produto da reação efeito visual para despertar a atenção dos estudantes. As semirreações
a água, eliminando totalmente a emissão de poluentes e gases de de oxidação do H 2 e de redução do O 2 são silenciosas, não
efeito estufa. Utilizar o excedente de eletricidade gerada por meio evidenciaram nenhuma mudança de cor ou liberação de bolhas, mas
de fontes renováveis, como o vento, o sol e a água, para produzir gás o funcionamento do relógio comprovou o fluxo de corrente elétrica.
hidrogênio, poderá viabilizar a redução dos custos do funcionamento A montagem do experimento e o seu funcionamento podem despertar
da célula a combustível. Nesse trabalho foi necessário utilizar a a curiosidade e o interesse de estudantes, facilitando a compreensão
associação em série de duas células a combustível para aumentar o das reações eletroquímicas envolvidas e do conteúdo aplicado.
potencial e colocar em funcionamento um relógio digital de 1,5 V.43 A Figura 8(a) apresenta duas células a combustível em solução
Para facilitar a compreensão da associação em série usando duas de H2SO4 associadas em série. O gás H2 foi injetado no ânodo (polo
células a combustível, arranjou-se duas pilhas comuns associadas negativo) de cada célula a combustível e o gás O2 foi injetado no
em série, destacando-se os polos positivo e negativo para analogia cátodo (polo positivo) de cada célula a combustível. Controlou-se os
com a célula a combustível, ver Figura 7. volumes dos gases para manter a tripla interface, platina-eletrólito-
gases, região onde ocorrem a oxidação do H2 e a redução do O2.44
Mediu-se o potencial gerado em cada célula a combustível e também
pelas duas células associadas em série, utilizando-se um multímetro
digital com alta resistência interna, para não interferir nas medidas
de potencial. Os valores dos potenciais medidos situaram-se em torno
de +0,73 V para cada célula a combustível individual, e em torno de
+1,46 V para as células a combustível associadas em série; foram
realizados vários experimentos. O valor do potencial medido para a
célula a combustível individual foi inferior ao calculado usando os
valores dos potenciais padrão de redução das semirreações, estando
Figura 7. Combinação dos polos positivo e negativo numa associação em relacionado com o efeito do potencial ôhmico e do sobrepotencial
série necessária para o aumento do potencial total da célula, conforme apresentado no Material Suplementar. 45 O
8 Silveira et al. Quim. Nova

relógio digital funcionou normalmente com as células a combustível ânodo: 2H2(g) → 4H+(aq) + 4e– (7)
associadas em série, sendo que o valor do potencial praticamente não cátodo: O2(g) + 4H+(aq) + 4e– → 2H2O(l) (8)
apresentou alteração após 8 horas de funcionamento. Tem-se que a reação global: 2H2(g) + O2(g) → 2H2O(l) (9)
conexão do relógio fechou o circuito elétrico e possibilitou o fluxo
de elétrons do ânodo (polo negativo) para o cátodo (polo positivo) Consumo dos gases hidrogênio e oxigênio em solução básica para
e, consequentemente, o consumo dos gases reagentes H2 e O2. O a produção de energia elétrica
consumo dos gases foi muito pequeno, não sendo possível observar A Figura 9(a) apresenta duas células a combustível em solução
alteração de volume nas seringas usadas para acomodar o cátodo e de NaOH associadas em série. O gás H2 foi injetado no ânodo (polo
o ânodo após 8 horas de experimento. O funcionamento da célula a negativo) de cada célula a combustível e o gás O2 foi injetado no
combustível acontecerá até atingir o equilíbrio eletroquímico, onde cátodo (polo positivo) de cada célula a combustível. Assim como
a velocidade com que as espécies reagentes H2 e O2 se combinam é foi feito em solução ácida, controlou-se o volume dos gases para
igual velocidade com que o produto H2O se decompõe, e o valor do manter a tripla interface. Acompanhou-se o potencial gerado em
seu potencial alcançará 0 V e a corrente 0 A. cada célula a combustível e também pelas duas células associadas
O esquema apresentado na Figura 8(b) destaca as espécies em série, utilizando o multímetro digital. Os valores dos potenciais
químicas envolvidas nas semirreações de uma célula a combustível medidos também ficaram abaixo do esperado, em torno de +0,82 V
em solução ácida. Os eletrodos confeccionados na forma de espiral para cada célula a combustível, e em torno de +1,64 V para as
aumentaram a superfície da platina na tripla interface, platina- células associadas em série. O valor do potencial medido para a
eletrólito-gases, região onde ocorrem as semirreações eletroquímicas, célula a combustível individual foi inferior ao calculado usando os
favorecendo a oxidação do H2 e a redução do O2.44 A geração de valores dos potenciais padrão de redução das semirreações, estando
eletricidade envolveu, concomitantemente, a oxidação do gás relacionado com o efeito do potencial ôhmico e do sobrepotencial
hidrogênio no ânodo (polo negativo) e a redução do gás oxigênio no da célula, conforme apresentado no Material Suplementar. O
cátodo (polo positivo). relógio digital funcionou normalmente com as células a combustível
Na semirreação de oxidação em solução ácida, para cada duas associadas em série, sendo que o valor do potencial praticamente
moléculas do gás hidrogênio ionizadas, formam-se quatro íons não apresentou alteração após 8 horas de funcionamento. Tem-se
hidrogênio (H+) e quatro elétrons são transferidos, para a redução do que a conexão do relógio fechou o circuito elétrico e possibilitou
gás oxigênio. Os elétrons migram do ânodo para o cátodo, equação o fluxo de elétrons do ânodo (polo negativo) para o cátodo (polo
química (7). Na semirreação de redução, cada molécula do gás positivo) e, consequentemente, o consumo dos gases reagentes H2
oxigênio consome quatro elétrons, dois elétrons para cada átomo de e O2. Em solução básica, o consumo dos gases também foi muito
oxigênio, os quais reagem com os quatro íons hidrogênio e formam- pequeno após 8 horas de experimento, não sendo possível observar
se duas moléculas de água, equação química (8). A semirreação de alteração de volume nas seringas usadas para acomodar o cátodo
oxidação acontece simultaneamente à semirreação de redução, o que e o ânodo. O funcionamento da célula a combustível será mantido
resulta na reação global, equação química (9). O desencadeamento até atingir o equilíbrio eletroquímico, onde a velocidade com que
das semirreações de oxidação e de redução dá origem a um fluxo de as espécies reagentes H2 e O2 se combinam é igual a velocidade
corrente elétrica na célula a combustível. O menor valor do potencial com que o produto H2O se decompõe, nesse momento o potencial
de redução nas condições padrão (1 bar, 1 mol L-1 e 298,15 K) da célula a combustível é igual a 0 V e a corrente atinge 0 A.
para o íon hidrogênio (0,00 V), em comparação com o valor do O extrato de feijão preto melhorou a visibilidade do experimento
potencial de redução nas condições padrão para o gás oxigênio e o controle do volume dos gases necessários para manter a tripla
(+ 1,23 V), indica a espontaneidade das semirreações de oxidação- interface. O esquema apresentado na Figura 9(b) destaca as espécies
redução. Mais detalhes das semirreações eletroquímicas nas químicas envolvidas nas semirreações de uma célula a combustível
condições padrão em solução ácida encontram-se no texto e nas em solução básica. Assim como foi mostrado em solução ácida, as
Tabelas 1S e 4S do Material Suplementar. semirreações eletroquímicas também dependem da adsorção dos

Figura 8. (a) Células a combustível associadas em série e funcionamento do relógio digital; (b) esquema simplificado do funcionamento da célula a combustível
em solução ácida, H2SO4 0,5 mol L-1
Vol. XY, No. 00 Células eletrolítica e a combustível confeccionadas com materiais alternativos para o ensino de eletroquímica 9

Figura 9. (a) Medida do potencial de duas células a combustível associadas em série; (b) esquema simplificado do funcionamento da célula a combustível em
solução básica, NaOH 1,0 mol L-1

gases na superfície da platina, para posterior dissociação catalítica de um relógio digital ilustra a relevância do tema no que tange à
das moléculas de H2 e O2.25,46,47 produção de energia alternativa limpa, criando possibilidades para
Na semirreação de oxidação em solução básica, para cada duas além do uso de fontes de energia não renováveis.
moléculas do gás hidrogênio oxidadas, formam-se quatro íons É importante relatar o envolvimento dos estudantes de iniciação
hidrogênio (H+), que reagem com quatro íons hidroxila (OH-) da científica do curso de Licenciatura em Química e do professor
solução básica, formando-se quatro moléculas de água, e transferindo do ensino básico em todas as etapas do trabalho. Os estudantes
quatro elétrons para a redução do gás oxigênio. Os elétrons migram desenvolveram a percepção integral do projeto, incorporando uma
do ânodo para o cátodo, equação química (10). Na semirreação de aprendizagem relevante. Os ajustes experimentais e as discussões
redução, cada molécula do gás oxigênio consome quatro elétrons, do conteúdo de eletroquímica resultaram em melhores protótipos
dois elétrons para cada átomo de oxigênio, os quais reagem com e roteiros para uso em sala de aula no ensino médio ou superior.
duas moléculas de água, e formam-se quatro íons hidroxila, equação A oportunidade do professor para cursar o mestrado proporcionou
química (11). A semirreação de oxidação acontece simultaneamente uma valorização do profissional do ensino básico, oportunizando a
à semirreação de redução, o que resulta na reação global, equação melhoria da qualidade do ensino básico e, consequentemente, daquele
química (12). O desencadeamento das semirreações de oxidação estudante que pretende uma formação em nível superior. Numa
e de redução dá origem a um fluxo de corrente elétrica na célula a análise preliminar realizada após aplicação dos experimentos em duas
combustível. O menor valor do potencial de redução nas condições turmas do 2º ano do ensino médio, o professor mestrando relatou o
padrão (1 bar, 1 mol L-1 e 298,15 K) para a água (-0,83 V), em entusiasmo dos seus estudantes com a execução dos experimentos,
comparação com o valor do potencial de redução nas condições sendo uma oportunidade rara. Eles se comportaram incrédulos com
padrão para o gás oxigênio (+0,40 V), indica a tendência de as observações visuais realizadas a partir dos experimentos.
espontaneidade das semirreações de oxidação e redução. Mais
detalhes das semirreações eletroquímicas nas condições padrão CONCLUSÃO
em solução básica encontram-se no texto e nas Tabelas 1S e 5S do
Material Suplementar. Um aspecto importante a considerar a respeito das novas
tecnologias de baterias e de células a combustível é o armazenamento
ânodo: 2H2(g) + 4OH–(aq) → 4H2O(l) + 4e– (10) de energia elétrica sob a forma de energia eletroquímica.
cátodo: O2(g) + 2H2O(l) + 4e– → 4OH–(aq) (11) Os kits alternativos de baixo custo facilitam a exploração
reação global: 2H2(g) + O2(g) → 2H2O(l) (12) experimental dos conceitos de eletroquímica, úteis para a explicação
e ilustração dos conceitos relacionados com célula eletrolítica
Os experimentos visam facilitar o entendimento de fenômenos (eletrólise da água), bem como com célula a combustível (célula
relacionados com as reações eletroquímicas. O baixo custo e a galvânica).
simplicidade da maior parte do material utilizado nos experimentos O kit A ilustrou a conversão da energia elétrica em energia
são apropriados para a replicação dos kits e sua utilização nas química e o kit B a reação inversa, conversão da energia química em
diversas condições de infraestrutura das instituições de ensino energia elétrica.
básico ou superior. A proposta do trabalho também é importante A utilização do kit A, célula eletrolítica, possibilitou explorar as
para o desenvolvimento da metodologia científica dos estudantes. semirreações eletroquímicas não espontâneas catódicas (produção de
O envolvimento dos estudantes e do professor do ensino básico H2) e anódicas (produção de O2) em soluções ácida e básica.
ou superior na confecção das células eletrolítica e a combustível, A utilização do kit B, célula a combustível, favoreceu a exploração
utilizando material alternativo de fácil acesso, é muito importante das semirreações eletroquímicas espontâneas anódicas (consumo de
para o processo de ensino-aprendizagem de conceitos relacionados H2) e catódicas (consumo de O2) em soluções ácida e básica.
à eletroquímica. A comprovação da corrente elétrica gerada com as O uso do extrato de feijão preto, um indicador alternativo de
semirreações de oxidação e de redução, por meio do funcionamento pH, deixou o experimento colorido, facilitando observar a formação
10 Silveira et al. Quim. Nova

de bolhas dos gases H2 e O2 na superfície dos eletrodos e realizar a 15. http://www.cresesb.cepel.br/publicacoes/download/atlas_eolico/


leitura dos volumes. Atlas%20do%20Potencial%20Eolico%20Brasileiro.pdf, acessada em
O arranjo experimental simples, de produção e manipulação dos agosto 2020.
gases, dispensa o uso de instrumentação específica. 16. http://www2.aneel.gov.br/aplicacoes/atlas/pdf/04-Energia_Hidraulica(2).
A relação do professor do ensino básico com os estudantes da pdf, acessada em agosto 2020.
Química criou oportunidades para troca de experiências, contribuindo 17. http://www2.aneel.gov.br/arquivos/PDF/atlas_par2_cap3.pdf, acessada
com uma formação continuada qualificada do professor, bem como em agosto 2020.
com a formação inicial dos licenciandos em química. 18. Goldemberg, J.; São Paulo em Perspectiva 2000, 14, 91.
O professor pode suscitar, a partir dos dois experimentos 19. Silva, Y. F. F. C.; Bortoni, E. C.; Revista Brasileira de Energia 2016, 22,
realizados, as questões ambientais, sociais, econômicas e éticas, que 48.
permeiam o cotidiano das pessoas. 20. Agostinho, S. M. L.; Jaimes, R. F. V. V.; Vairolette, L.; Santos, I. V. S.;
O experimento representa uma ótima oportunidade de aplicação Quim. Nova 2019, 42, 453.
no curso de graduação como também no ensino básico, como 21. Santos, D. M. F.; Sequeira, C. A. C.; Figueiredo, J. L.; Quim. Nova 2013,
ferramenta facilitadora do processo de ensino-aprendizagem de 36, 1176.
conceitos relacionados com a eletroquímica. 22. Silva, I. F.; Silva, A. J. P.; Rev. Virtual Quim. 2019, 11, 937.
23. Klein, S. G.; Braibante; M. E. F.; Quim. Nova Esc. 2017, 39, 35.
MATERIAL SUPLEMENTAR 24. Santos, T. N. P.; Batista, C. H.; Oliveira, A. P. C.; Cruz, M. C. P.; Quim.
Nova Esc. 2018, 40, 258.
O detalhamento das equações químicas e matemáticas estão 25. Wendt, H.; Götz, M.; Linardi, M.; Quim. Nova 2000, 23, 538.
disponíveis em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo 26. Braibante, M. E. F.; Oliveira, F. V.; Klein, S. G.; 34º Encontro de
PDF, com acesso livre. Debates sobre o Ensino de Química (EDEQ), http://www.unisc.br/site/
edeq/, acessada em junho 2020.
AGRADECIMENTOS 27. Wartha, E. J.; Reis, M. S.; Silveira, M. P.; Guzzi Filho, N. J.; Jesus, R.
M.; Quim. Nova Esc. 2007, 26, 17.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de 28. Sanjuan, M. E. C.; Santos, C. V.; Maia, J. O.; Silva, A. F. A.; Wartha, E.
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) J.; Quim. Nova Esc. 2009, 31, 190.
- Código de Financiamento 001. M. M. S. Silveira agradece às 29. Santos, E.; Santos, G. F.; Silva, V. M.; Melo, R. P. A.; Lopes, F. L. G.;
escolas E. E. Prof. Antônio da Silva (Carneirinho/MG) e E. E. Sci. Plena 2013, 9, 1.
Dom Pedro II (União de Minas/MG). Os autores agradecem ao 30. Sartori, E. R.; Batista, E. F.; Fatibello-Filho, O.; Quim. Nova Esc. 2008,
Programa de Mestrado Profissional em Química em Rede Nacional 30, 61.
(PROFQUI/UFTM), à RQ-MG/FAPEMIG (REDE-113/10; CEX- 31. Fragal, V. H.; Maeda, S. M.; Palma, E. P.; Buzatto, M. B. P.; Rodrigues,
RED-00010-14), o Prof. Dr. N. C. Coimbra (FMRP/USP), pela M. A.; Silva, E. L.; Quim. Nova Esc. 2011, 33, 216.
doação do fio de platina e ao Comitê Especial de Acompanhamento 32. Bocchi, N.; Ferracin, L. C.; Biaggio, S. R.; Quim. Nova Esc. 2000, 11,
do COVID-19 na UFTM, que autorizou o uso do laboratório durante 3.
a pandemia. 33. Finazzi, G. A.; Martins, C. N.; Capelato, M. D.; Ferreira, L. H.; Quim.
Nova 2016, 39, 12.
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