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PESQUISAS LINGÜÍSTICAS E ENSINO subsídios ao trabalho de concordância verbal na escola Resumo O artigo demonstra a relação entre fala e escrita no que se refere à regra variável de concordância de número em sintagmas nominais. Os resultados de testagens em aprendizes evidenciam que a regra geral neutraliza-se em casos que, na fala, apresentam diferenças. Por outro lado, há aspectos peculiares à escrita que devem ser trabalhados na escola. Palavras-chave: varia ção; fala; escrita; concordância nominal. Abstract In this paper I present results of the use by students of agreement phenomenon in noun phrase. I show some peculiar similarities and differences between written and spoken language related on important variables controlled. Da sessão coordenada Os trabalhos da Sessão Coordenada “Pesquisas Lingüisticas e Ensino”, realizados durante o XVII Jornada do GELNE, ocorrido no mês de agosto de 1999 em Fortaleza, teve por objetivo expor algumas linhas de pesquisa em andamento em Lingüística, voltadas para fins pragmáticos, em especial na área do ensino de língua materna. Contou com a participação das doutoras Hilda Gomes (UFSC), Claudia Nívea Roncarati de Souza (UFF), Maria Angélica Furtado (UFN) e Maria Cecilia Mollica (UFRJ). Foram apresentadas diferentes abordagens teóricas sob uma perspectiva aplicada no âmbito educacional que se complementam, na medida em que mantêm um ponto em comum, o de relacionar oralidade à escrita enfatizando a heterogeneidade. O trabalho de Gomes enfocou a contribuição dos estudos geolingüísticos e da aplicação de sottwares para o mapeamento de traços marcadamente diatópicos de variações léxico-fonológicas e suas conseqüências para uma política de ensino que contemple diversidades lingüísticas sócio-regionais. O trabalho de Roncarati explorou a influência de fenômenos sintático-discursivos da oralidade, examinando especialmente as construções clivadas no que se refere ao estabelecimento de graus de uso de variantes mais formais na modalidada falada e escrita. A apresentação de Furtado forneceu informação ampla sobre estudos na linha funcionalista, desenvolvidos na região de Natal e em outros pontos do país, propondo um esboço da maneira como tais estudos podem ser aplicados ao ensino de língua materna. Finalmente, a pesquisa de Mollica reiterou a hipótese da influência da fala na escrita de fenômenos variáveis no nível fonológico e morfossintático, com vistas à defesa de uma proposta de instrução direcionada segundo a pertinência de fatores atuantes na fala, igualmente relevantes no processo de apropriação da escrita. Questões enfocadas no artigo Neste artigo, exponho resultados de experimentos em escola, dando prosseguimento a uma agenda de pesquisa que venho desenvolvendo, iniciada em Mollica (1998). Volto-me prioritariamente para a otimização de ações pedagógicas focalizadas para os fenômenos variáveis, presentes na língua falada, que se apliquem positiva e conseqüentemente no letramento. Neste artigo, dou notícia dos experimentos empreendidos com relação à concordância verbal na direção mencionada. Assim, o escopo do projeto possui caráter social e situa-se no âmbito da Sociolingüística Aplicada. Após a publicação já mencionada, as investigações continuam na direção de evidenciar a relevância do variacionismo, seja para melhorar a capacitação profissional nas áreas de Letras e Educação, seja para construir produtos tecnológicos com vistas à constituição de metalinguagem eficaz para o ensino e assimilável pelos aprendizes de escrita do português como primeira língua (cf. Kato, 1999). Como meta principal, pretendo que os experimentos em escolas dos resultados de estudos sobre regras variáveis na fala, analisadas cientificamente, ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ MARIA CECILIA MOLLICA Universidade Federal do Rio de Janeiro/CNPq Revista do GELNE Vol. 2 No. 2 2000 1 Vol. 2 No. 2 2000 2 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Revista do GELNE forneçam elementos à constituição de material instrucional para o professor e aluno, de modo a instrumentalizá-los quanto à forma de trabalhar a variação, com fins precípuos de domínio de estilos formais do português. Assim, o projeto focaliza a relação entre estruturas dinâmicas da fala e suas estratégias de aprendizagem das variantes standard, ressaltando fundamentalmente os problemas clássicos durante o letramento (cf. Calliari, 1993; Faraco, 1992; Abaurre et alii, 1997; Fonseca, 1995). Tenho apresentado, em outros textos, tanto aspectos relativos à morfossintaxe, quanto os referentes ao nível fonético-fonológico da língua (cf. Mollica 1999a e 1999b), estes com repercussões na aprendizagem da ortografia vigente (cf. Franchi, 1988 e 1993). Proponho-me, por outro lado, reafirmar a dialética que se deve imprimir entre pesquisa e tecnologia na área da Lingüística, corroborando os seguintes princípios já esboçados teoricamente a partir de resultados a serem expostos neste texto: (1) fenômenos variáveis em progresso oferecem mais problemas na aquisição da escrita que os estáveis no sistema; (2) é pertinente reforçar o monitoramento na escola quanto aos aspectos da relação fala/escrita e de usos informais e formais. O que se propõe em (1) justifica-se, na medida em que as evidências reafirmam que os aprendizes de escrita demoram mais a aprender o padrão quando se trata de alternâncias na fala com status de mudança em curso e/ou com interpretações sintagmáticas diferentes do paradigma esperado. O que se propõe em (2) justifica-se igualmente, já que os resultados provam que a orientação explícita na escola tem impacto positivo no letramento. O produto tecnológico resultante da pesquisa básica em sociolingüística variacionista (cf. Labov, 1972 e 1994; Mollica, 1992) deve ser porém refinado e filtrado, adequando-se à realidade de cada fenômeno com as respectivas adaptações pedagógicas. Proponho-me então a fornecer um conjunto de instruções específicas, pontuais, simples e eficazes, atingindo os alvos certos para subsidiar solidamente o professor disciplinadamente. A pesquisa não se resume, portanto, à mera leitura e aplicação de descrições científicas sobre os usos lingüísticos, mas exige reflexão aprofundada sobre os estudos acadêmicos, acrescida de experimentos de campo cuidadosamente realizados, com referências teórico-metodológicas claras (cf. Mollica, 1999d). Como trabalhar a concordância verbal na escola: controle das variáveis ordem sv/vs e distância ente sn e v O texto de Lemle&Naro (1977) forneceu a indicação das variáveis controladas nos testes aplicados em escolas em relação ao fenômeno da concordância verbal. Verificou-se então apenas o acordo entre sn e v em função de sujeito, considerando-se as ordens sv/vs e a distância nula ou a presença de distância entre sn e v. Segundo as pesquisas mais recentes, há uma hipótese forte de que a ordem canônica sv no português estaria em processo de mudança para vs, paralelamente à tendência da gramática de marcar a flexão à esquerda. Assim, os falantes naturalmente interpretam o sujeito posposto ao verbo e/ou distante dele como um sn objeto, resultando em menor índice de concordância. Sentenças como ‘acabou0 as férias’ ou ‘chegou0 as aulas’, ou ainda, ‘acabou0, que pena, as férias’ ou ‘chegou0, finalmente, as aulas’ são extremamente comuns na fala e na escrita. Pedagogicamente, trabalhar prioritariamente esses contextos é extremamente aconselhável, uma vez que as chances de processamento das variantes sem a concordância são bem altas. A verificação da hipótese se deu a partir da aplicação de um teste, elaborado criteriosamente para que pudesse ser aplicado em diferentes níveis de escolaridade. As treze frases que o compuseram deveriam ser preenchidas de acordo com ícones que indicavam ações e que identificavam o verbo a ser usado. Antecedendo cada lacuna a ser preenchida, havia a letra inicial do verbo a ser usado a fim de ajudar o aluno na interpretação do ícone. Vejam-se algumas sentenças do teste: 1. Os ursinhos o.............. rádio; 2. “Uma cobra!”, g ............ o cachorro assustado; 3. O macaquinho, esperto e feliz, b ........... com o cubos; O teste foi aplicado em duas turmas de supletivo da 7 ª série da Escola Estadual Marília de Dirceu, localizada no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro. Uma das turmas recebeu instrução em relação ao fenômeno estudado e às variáveis controladas; outra turma não recebeu qualquer instrução quanto ao preenchimento do questionário. Os primeiros resultados da pesquisa mostraramse surpreendentes. Por uma questão de espaço, tecerei alguns comentários somente. Em relação à posição e à distância sujeito/verbo, confirma-se o reflexo da fala na escrita também quanto à concordância nominal (cf. Mollica, 1998). A variante padrão é menos usada porque o falante/aprendiz de escrita interpreta com dificuldade o sujeito posposto como sujeito; ele tende a interpretá-lo como objeto, daí não haver concordância. Uma instrução direcionada nesse sentido mostra-se eficaz, demonstrando que palavras que são sujeito podem posicionar-se à direita do verbo e, por esse motivo, serem marcadas por desinência de flexão de tempo, modo, número e pessoa. É necessário alertar que quanto mais distante o sujeito do verbo tanto mais provável a ausência de marca entre os constituintes. Algumas considerações O que expus brevemente neste texto compreende pesquisa ampla e complexa. O fenômeno da concordância verbal monstrou-se aspecto gramatical extremamente implicado com outros níveis da língua. Essa primeira tomada de campo serviu para esclarecer que o ensino pode deixar lacunas no aprendizado se não levar em conta aspectos importantes, somente KATO, Mary. Aquisição e aprendizagem da língua materna: de um saber inconsciente para um saber metalingüístico. IN: CABRAL, L. G. & MORAIS, J. Investigando a Linguagem. Editora Mulheres, Florianópolis, 1999, 201-21. LABOV, W. Sociolinguistic patterns. Philadelphia, University of Pennsylvania Press, 1972. _____. Principles of linguistic change: internal factors. Blackwell, Oxford, UK, Cambridge, USA, 1994. LEMLE, Miriam & NARO, Anthony. Competências básicas. Rio de Janeiro, MOBRAL, Fundação FORD, 1977. Referências Bibliográficas MOLLICA, M.C. (org). Introducão à sociolingüística varicionista. Cadernos Didáticos, UFRJ, n.4, 1992. ABAURRE et alli. Cenas de aquisição na escrita: o trabalho do sujeito com o texto. São Paulo, Mercado de Letras, 1997. CAGLIARI, L. C. Alfabetização e Lingüística. 6.ed. São Paulo, Scipione, 1993. FARACO, C. A. Escrita e alfabetização. São Paulo, Editora Contexto, 1992. FONSECA, V. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2.ed. Porto Alegre, Artes Médicas, 1995. FRANCHI, E. P. Pedagogia da alfabetização: da oralidade à escrita. São Paulo, Cortez, 1988. _____. Problemas de aprendizagem relacionados à linguagem - sua natureza e tratamento. Artes Médicas, Porto Alegre, 1993. _____. Influência da fala na alfabetização. Rio de Janeiro, Tempo Brasieiro, 1998. _____. Uma proposta de projeto bilateral em Sociolingüística Aplicada. IN: GROBE, S & ZIMMERMANN, K. (eds.) Frankfurt am Main: TFM, 1999a, p. 1-12. _____. Língua falada, variacionismo, escrita padrão. IN: MOURA, Maria Denilda (org). Os múltiplos usos da língua. EDUFAL/CNPq, Maceió, 1999b, p.58-60. _____. Reciprocidade entre ciência e tecnologia em sociolingüística. 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