Ser game ou não-game,
eiS a queStão
Antônio VArgAs1 / AnA BeAtriz BAhiA2
RESUMO: No presente artigo discutimos a intencionalidade que embasa designers e desenvolvedores em suas proposições de jogos digitais. Iniciamos apresentando a noção de intencionalidade
artística (fundamentada em Heidegger) que, por deinição, nega e airma a tradição (Gadamer) da
Arte. Em seguida, estendemos a discussão ao ser-game, apresentando deinições de jogo digital
(Salen e Zimmerman; Juul; Aarseth e Calleja) e defendendo a importância de um jogo digital ser pensado em sua dimensão game e não-game, a im de promover a atualização e consolidação desta
jovem tradição. Fundamentamos nossa argumentação a partir de debates históricos – como jogos
indie vs. mainstream (Ferreira; Jahn-Sudmann; Flanagan) e o Scratchware Manifesto –, estabelecendo
conexão entre Jogos Digitais e Arte.
PALAVRAS-CHAVE: Indie game; Não-game; Jogo digital; Intencionalidade artística; Heidegger.
ABSTRACT: In this paper we debate the intentionality of designers and developers in their videogames propositions. We start by presenting the concept of artistic intentionality (based on Heidegger),
which, by deinition, includes the airmation and negation of the tradition of Art (Gadamer). Then,
we extend the discussion to the being-game, presenting deinitions of what is videogame (Salen and
Zimmerman; Juul; Aarseth and Calleja) and argue that videogames must be designed as a game and
a non-game simultaneously, because this is necessary to renew and consolidate this young tradition.
That discussion is based on historical debates – as about indie vs. mainstream games (Ferreira; Jahn-Sudmann; Flanagan) and the Scratchware Manifesto – making a connection between Videogames
and Art.
KEYWORDS: Indie game; Non-game; Videogame; Artistic Intentionality; Heidegger.
1 Professor, UDESC/Brasil. E-mail: acvargas@gmail.com
2 Professora, UDESC/Brasil e diretora de criação, Casthalia/Brasil. E-mail: bahia@casthalia.com.br
Revista CibeRtextualidades n.8 [2017] - issn: 1646-4435
031 - 040
Tornou-se lugar comum adjetivar jogos digitais
(ou games) como ‘artísticos’ para destacar suas
qualidades estéticas. Mas os critérios de avaliação utilizados nesse julgamento icam incógnitos. Paira dúvida, inclusive, se são critérios da
Arte. Emerge a pergunta: o que justiica o uso do
adjetivo ‘artístico’ ao invés de, por exemplo, ‘original’ ou ‘virtuosístico’?
ao propor uma nova obra, pactua com a intencionalidade de não ser reconhecido como replicador da arte já instituída. A obra resiste seguir
as regras forjadas em obras já incluídas no sistema das artes e apresenta-se como fundadora
de mundo. Todavia, tal negatividade insere-se
numa proposição atravessada pela história que
torna possível sua existência como arte.
Tal problemática é por nós discutida. Em artigo
anterior (Vargas, Bahia e Born, 2013), observamos que apesar de a expressão ‘jogo artístico’
parecer ter o mesmo signiicado de ‘game-arte’
(jogos com propósito artístico), de fato é usada
para fazer referência à ‘arte do game’, enfocando
o primor técnico e as soluções criativas presentes em imagens, animações, músicas e outros
tipos de produções estéticas de um dado jogo
digital. Em outros textos (Vargas e Bahia, 2008;
Bahia e Vargas, 2013), à luz de Gadamer, debatemos o que seria a realização da experiência
artística num jogo digital.
O projeto poemático provém do nada, no ponto
de vista de que nunca aceita a sua oferta a partir
do habitual e do que até então havia. todavia, nunca vem no nada, na medida em que o que por ele
é lançado é só a determinação retida do próprio
ser-aí-histórico. (Heidegger: 1999, p. 61)
No presente artigo, enfocamos um terceiro aspecto da problemática: a intencionalidade que
embasa a proposição de um jogo diferencial.
Entendemos que toda proposição de jogo expressa um modo de compreender a realidade
circundante; é construção de conhecimento e
abre perspectivas de mundo. Mesmo que isto
não esteja enunciado no assunto do jogo, apresenta-se na sua forma quando desenvolvedores
e designers resolvem subverter o ‘mundo’ dos
jogos digitais, incluir facetas daquilo que entendem por não-game em seus novos games, não
temer os processos mainstream e dar corpo ao
‘espírito indie’. Debatemos tais noções neste artigo, tendo como baliza e ponto de partida a noção de intencionalidade artística embasada por
Heidegger (1999).
Esta prática, em si, poderia ser confundida com
toda e qualquer ação criativa. É ação diferencial
em relação às ações que lhe servem de matriz
ou referencial e, assim, cria algo que, por possuir alguma singularidade, pleiteia o status de
original. Todavia, não é deste fenômeno que estamos falando. Embora seja óbvio que a prática
artística está relacionada com a ação criativa
– e com todo e qualquer processo de construção de conhecimento –, o fenômeno artístico
implica numa intencionalidade própria, anterior
ao processo de confecção da obra, que se manifesta na proposição3 da obra. Tal proposição
somente se apresenta e pode ser percebida na
forma da obra. É na obra e a partir dela que o
observador intui e compreende as regras daquela proposição.
Poderíamos dizer, então, que a proposição está
para o sujeito de uma oração, assim como a obra
está para o predicado. No entanto, ao discorrer
sobre a relação entre a estrutura do enunciado
que deine a coisa e a própria estrutura da coisa,
Heidegger alerta:
1. Da intencionalidade artística
Um objeto – ou ação – reconhecido como obra
de arte é algo que foi realizado a partir de uma
proposição (projeto de obra) que inclui sua negatividade no seu conceito fundador. O artista,
3 A palavra aqui adotada poderia ser ‘conceito’. Não utilizamos a expressão ‘conceito de obra’ para evitar leituras
reducionistas do presente artigo, limitadas às proposições
artísticas que incluem a negatividade da própria ação que
confecciona a obra de arte denominada “arte conceitual”.
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antôniO vaRgas / ana beatRiz baHia
no fundo, nem a estrutura da proposição serve
de padrão para o projetar da estrutura da coisa,
nem esta se relete pura e simplesmente naquela. Ambas, a estrutura da proposição e a da coisa
radicam, no seu modo de ser, na sua possível relação recíproca, numa fonte comum mais original.
(1999, p.17)
Esta fonte ‘mais original’, comum a proposição
e obra, Heidegger chama de Arte. Para nortear
o desenvolvimento do seu pensamento, o ilósofo recorre ao sentido original da palavra arte.
Heidegger airma ser equivocada e supericial
a referência habitual ao uso da palavra grega
Τέχνη (techné) para designar tanto uma manufatura como uma obra de arte. Na cultura helênica, essa palavra não signiicava nem uma coisa
nem outra. Para a compreensão do seu signiicado naquele contexto histórico, é fundamental
entender a relação conceitual que existe entre
Τέχνη (techné) e άλήυεια (Alétheia), traduzida
como a ‘revelação da verdade’.
A palavra Τέχνη quer dizer muito mais que um
modo do saber. Saber quer dizer: ter visto, no
sentido lato do ver, que indica: apreender o que
está presente enquanto tal. A essência do saber
repousa, para o pensar grego na άλήυεια, a saber,
na desocultação (Entbergung) do ente. Ela suporta
e dirige toda a relação com o ente, na medida em
que traz o presente como tal, da ocultação para
a desocultação do seu aspecto; άλήυεια, nunca
signiica a atividade de um fazer (Machen). (Heidegger, 1999, p. 47)
A Arte é, para Heidegger, o lugar no qual se dá
a desocultação do ser da obra, ou seja, o lugar
no qual a verdade do ser-obra aparece. O que a
obra é, deine-se e é deinido na e pela própria
obra. Isso somente é possível porque na proposição da obra há a negação das facetas do
ser-obra antes reveladas, da arte já conhecida.
A obra precisa instaurar seu próprio campo de
batalha e, para que isto ocorra, uma intencionalidade artística deve guiar o processo criativo do
autor. Tal intencionalidade não limita o processo
criativo: este não deve estar estabelecido em sua
totalidade a priori, também deve ser conduzido
pela obra que está sendo feita. E isto é absolutamente fundamental, pois é esta incompletude
da proposição que gera o caráter aberto da obra,
o referido ‘campo de batalha’.
Entendemos que esse tipo de proposição, que
airma e nega a tradição que a fundamenta, está
presente em obras de arte e em jogos digitais
que pleiteiam ser fundadores de mundo. Referimo-nos aos jogos que, desde a intencionalidade
de seus autores, recusam ser produto digital que
apenas replica características dos jogos já incorporados ao sistema de distribuição e consumo
de games. Tal negatividade pode ser identiicada
pela ausência de alguns dos elementos constitutivos dos jogos de sucesso, não subserviência
às ‘boas práticas’ de game design, subversão do
uso comum dos programas empregados, ou por
outra estratégia para provocar estranhamento
em jogadores experientes.
Proposições deste tipo, seja no campo da arte ou
dos jogos digitais, não são mera estratégia para
chamar a atenção do público e da crítica. A partir de Gadamer, notamos que a faceta que nega
alimenta a que airma a tradição, e vice-versa,
tornando-se complementares na atualização da
historicidade na qual operam. Assim, a intencionalidade aqui referida apresenta-se como estratégia de enfrentamento da morte, que mina o
perigo do adormecimento da tradição.
Tal movimento constitui a natureza da obra
de arte, como coloca Gadamer, e explicita a
relação entre o Tempo e a Arte. Isso dá-se não
apenas na proposição da obra, mas em sua
interpretação. Interpretar implica, obrigatoriamente, uma relação entre passado e presente,
entre tradição e futuro.
Por supuesto, tradición no quiere decir mera conservación, sino transmisión. Pero la transmisión
no implica dejar lo antiguo intacto, limitándose a
conservarlo, sino aprender a concebirlo y decirlo
de nuevo. de ahí que utilicemos también la palabra ‘transmisión’ (Übertragung) como traducción
(Übersetzung). (gadamer, 1996, p. 116)
33
SEr GAME ou não-GAME, eiS a queStão
A negatividade presente nas obras de arte e em
alguns jogos digitais é, portanto, decorrente da
intencionalidade de não repetir o passado, o já
feito, buscando construir uma interpretação desde o – e com o – presente. Tal ato é duplamente
agregador, tanto traz o passado para o presente
como acrescenta elementos do presente no passado, lançando a obra em direção ao futuro. Assim, perpetua a tradição, pois gera acréscimos,
dá condições do passado continuar presente e
abre a tradição para novas interpretações.
Nesta perspectiva, o termo ‘tradição’ é pertinente para pensarmos os jogos digitais, apesar da
juventude histórica e da falta de padrões formais estabelecidos nestes. O termo mostra-se
especialmente válido quando consideramos a
diversidade e a velocidade das transformações
ocorridas no curto espaço de tempo que, inicia
com os primeiros jogos digitais feitos em meados do século XX e chega aos títulos recentes,
marcados pela diversidade de gêneros, de referenciais estéticos, de novos temas, de peris de
público e de objetivos visados.
Então, para avançar nessa relexão, discutimos
aqui as intencionalidades das proposições de
jogos digitais no cenário atual. Há proposições
que problematizam o conceito de jogo digital
assente? Há proposições de não-games que
rompem o elo com sua tradição? Como são as
proposições que tanto negam como airmam
sua tradição, atualizando-a, ao invés de render-se a ou romper com ela? Como estas se relacionam com a indústria e o mercado dos jogos
digitais?
2. Entre o game e o não-game
No intuito de sumarizar o conceito de game, citamos duas deinições recorrentemente citadas
por pesquisadores. A primeira, de Salen e Zimmerman (2003), deine o jogo digital como um
sistema no qual os jogadores se envolvem em
uma disputa, um conlito artiicial – o que remete à noção de “círculo mágico” de Huizinga – e
balizado por regras, o qual resulta em conquis-
tas quantiicáveis ou meta exequível. A segunda,
de Juul (2005), airma o jogo como um sistema
baseado em regras, que leva a um resultado não
apenas quantiicável e variável, no qual existe a
possibilidade de se chegar a diferentes resultados, aos quais são atribuídos diferentes valores.
Isso faz o jogador envolver-se emocionalmente
com o jogo e esforçar-se por obter melhores resultados.
Apesar de haver diferenças entre essas duas deinições, ambas elencam elementos constitutivos
do sistema de jogo, como regras e resultados variáveis, e enfocam o jogo em si. Tal abordagem
vem sendo problematizada por teóricos que
pensam os jogos de forma contextual, a partir
de seus processos de produção, mediação e interpretação.
Aarseth e Calleja (2015) são exemplo disso. Estes pesquisadores diferenciam o estudo do jogo
como objeto e do jogo como processo. Tomado
como objeto, um jogo será sempre incompleto,
pois a potência do seu código, das suas peças,
do conjunto das regras, entre outros elementos, só se realizará quando um jogador ou jogadores usarem o jogo. O jogar estará sempre
submetido ao processo de interpretação, envolvendo o contexto sociocultural do jogador e
do próprio jogo. Isso nos leva à abordagem do
jogo como contínuo processo de atualizações
das suas potências, o qual sempre pode gerar
novos signiicados e, até mesmo, demandar
atualizações no jogo.
Assim, o jogar é o eixo e o jogador o personagem
principal dessa via de relexão processual sobre
os jogos. Como antes colocado (Petry et al.,
2013), estamos de acordo com esta abordagem.
Contudo, para discutir outra problemática aqui
colocada – a fronteira entre game e não-game
–, optamos por adotar como eixo proposições de
jogos que traduzem a intencionalidade de airmar e negar a tradição dos jogos digitais, discutindo: tensões entre as proposições mainstream
e indie; a intencionalidade subversiva do ‘mundo’
dos jogos digitais.
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antônio VargaS / ana Beatriz Bahia
2.1. Proposições mainstream e indie
Pensar o jogo digital como processo, não mais
como objeto, torna quase impossível a tarefa
de formular deinições concisas, como aquelas
apresentadas no início da seção anterior.
A identiicação de uma série de jogos digitais
com a cultura mainstream4 não é o suiciente
para deinir, com precisão, o que caracteriza um
jogo mainstream. A tarefa de enquadrar um jogo
como mainstream é mais complexa do que, por
exemplo, classiicar o mesmo jogo num gênero. Assim, os mainstream são identiicados em
contraste com os jogos indie (independentes), os
quais também carecem de uma deinição precisa; juntos, iguram dois supergêneros de análise
de jogos (Ferreira, 2014).
Em sites, wikis e blogs sobre jogos digitais,
os títulos mainstream são apontados como
resultado de um processo industrial. São jogos
produzidos por grandes estúdios (como Sony,
Microsoft, Nintendo, Konami, Blizzard, entre
outros), envolvendo grande equipe e cifras
compatíveis com a indústria do cinema. Nesses
jogos emprega-se tecnologia de ponta, buscase a perfeição técnica e, geralmente, atinge-se
grande vendagem.
Ferreira (2014) destaca duas especiicidades que
marcam o processo mainstream. Primeiro, a estratégia de distribuição, envolvendo campanha
publicitária arrojada, veiculação do jogo em mídia física com embalagem sedutora e dispendiosa, comercialização em lojas tangíveis, desde as
especializadas em jogos até as de departamento.
Segundo, devido ao tamanho colossal da equipe
4 Mainstream, literalmente traduzido como ‘corrente principal’, é termo utilizado em diferentes formas de manifestação
artístico-culturais (como cinema, música, literatura e jogos
digitais) para designar produtos ains aos padrões de gosto
da maior parte da população. Aqui, tomamos o termo para
problematizar a incerta fronteira entre game e não-game,
entendendo que há imprecisões no sentido corriqueiro a
ele atribuído no âmbito dos jogos digitais, assim como de
seus sinônimos: AAA ou Triple-A.
envolvida, seus proissionais assumem atividades extremamente especializadas (por exemplo,
‘artista de desenvolvimento de visual de sombra
e luz sênior’). Estes conquistam a maestria técnica em sua especialidade, entretanto, “(...) não
possuem controle do processo criativo, sendo
muitas vezes relegados a um trabalho extremamente técnico” (p. 5).
Já o processo indie, airmado pela negatividade do mainstream sem deixar de apresentar-se como jogo, permite maior controle criativo.
Envolve uma equipe pequena, geralmente não
envolve grandes investidores, nem meios tangíveis para veiculação do jogo. Seus criadores
costumam optar pela distribuição online e independente, como fez o estúdio Amanita Design,
distribuindo a versão para PC do jogo Machinarium em seu próprio site e na plataforma de
comercialização independente Steam, antes
mesmo de vender via Amazon.
Esse contraste de modelos evidencia as diferenças dos processos de criação e desenvolvimento
ali envolvidos. O processo mainstream é altamente fragmentado e reporta-nos ao modelo
fordista de produção (Ferreira, 2014, p. 14). Já o
processo indie exige uma atitude de empreendedor coletivo, trabalhando em equipes pequenas, nas quais todos estão implicados em todas
as etapas de concepção e desenvolvimento. Estabelecendo relações com a história da arte, pode-se dizer que o processo mainstream lembra
as lojas5 medievais, bem como o processo indie
remete às oicinas do início da Idade Moderna.
5 As lojas existiram no período medieval, quando a encomenda de obras de arte tinha por base a arquitetura e era
solicitada, quase exclusivamente, pela Igreja. Os artistas de
uma loja (um especializado em painéis, outro em esculturas, outro em mobiliário e assim por diante) se estabeleciam no local de uma obra e ali permaneciam enquanto
houvesse trabalho. Existia uma hierarquia rígida nesse processo de produção: o arquiteto e o mestre de obras comandavam os trabalhadores, mas faltava liberdade até mesmo
ao arquiteto, o qual deveria seguir à risca as indicações da
autoridade eclesiástica (Hauser, 1999, p. 252).
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As oicinas independentes surgem com o ressurgimento das cidades, com mestres artistas estabelecendo seu local ixo e próprio de trabalho. E
como era alta a concentração de artistas numa
mesma cidade, um sistema cooperativo mostrou-se necessário, as guildas, com função semelhante à dos clusters de desenvolvedores de
jogos digitais dos dias de hoje. Cada oicina tinha
liberdade de escolher quais encomendas aceitar
e, nas produções que realizava, de evidenciar o
estilo do seu mestre. Na medida em que houve
a transferência do trabalho artístico dos grandes
canteiros de obras para os pequenos ateliês dos
mestres, houve inovações tecnológicas, formais
e conceituais a partir das oicinas. Diferente das
obras monumentais demandadas pelo poder
eclesiástico às lojas da Idade Média, os artistas
das oicinas produziam, para a nascente classe
média, obras em escala menor, com custo não
tão elevado, com temas e estética mais atuais.
Assim, as novas proposições artísticas formuladas nas oicinas acarretaram mudanças que marcaram a arte até o século XIX.
Se a escolha de dimensões mais modestas e de
um material menos pretensioso resultou de uma
mudança de gosto, ou se o novo estilo mais lexível, mais sutil e mais expressivo, resultou das
mudanças de materiais e condições, é difícil dizer.
Em todo caso, a pequena escala e o material mais
manuseável eram um convite à inovação e favoreceram a transição para um estilo mais expansivo,
mais preocupado em enriquecer e diversiicar
os temas representados. [itálico nosso] (Hauser,
1999, p. 265)
A adoção dessa concepção renovada de arte seguiu ocorrendo, até mesmo em grandes obras,
em meio ao diálogo entre mestres artistas e
representantes do Clero e do Estado. Isto sem
rupturas, mas reciclando os processos antes instituídos.
De certo modo é isso que ocorre quando jogos
criados por pequenos grupos independentes
são disponibilizados em plataformas de grandes
distribuidoras de jogos. Exemplo é o Super Meat
Boy, criado e desenvolvido por duas pessoas
apenas (Edmund McMillen e Tommy Refenes),
mas distribuído pela Microsoft na rede Xbox
Live. Mesmo assim, o título costuma ser referido
como um jogo indie. Por que?
Ferreira esboça resposta destacando a expressividade deste e de outros jogos indie:
Diversos designers de indie games, como Jonathan
Blow (Braid), Phil Fish (FEZ) e Edmund McMillen
(Super Meat Boy), airmam que grande parte do
desejo de se tornarem desenvolvedores independentes foi a possibilidade de colocar algo de si,
algo de bastante particular, dentro de seus jogos.
Fish, no documentário Indie Game: The Movie, chega a dizer, “[FEZ] não é apenas um jogo. Eu estou
tão conectado a ele. Sou eu. É meu ego, é minha
percepção de mim mesmo que está em risco. Esta
é minha identidade: FEZ. Eu sou o cara que desenvolveu FEZ. É isso” [itálico do leitor] (2014, p. 14).
O desenvolvedor Chris Dahlen, inclusive, defende que a categorização de um jogo como indie
deve ser feita tendo em vista os processos que
antecedem a distribuição do jogo:
um jogo independente é qualquer jogo no qual
uma pequena equipe ou mesmo um único indivíduo trabalhou, colocando nele seu próprio ponto
de vista, fazendo com que esta equipe ou indivíduo se sentisse desenvolvendo, programando e
inalizando. [itálico nosso] (Swirsky e Pajot, 2012)
Nessa perspectiva, lembrando Heidegger
(1999), podemos pensar o jogo indie como fundador de mundo, pautado na intencionalidade
de não replicar a cultura mainstream e, ao mesmo tempo, não recusar entrar no mercado dos
jogos comerciais.
Ferreira (2014) não nos deixa iludir. Pondera que
a parceria entre equipe independente e empresa distribuidora acaba por interferir na liberdade
criativa e expressiva dos jogos indie. Para que um
contrato seja irmado, por vezes a distribuidora
solicita alterações no projeto original e, após o
projeto estar aprovado, é comum tanto inanciar
o desenvolvimento como exigir a entrega de
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antônio VargaS / ana Beatriz Bahia
versões parciais e do jogo completo em datas
previamente estipuladas. Isso diiculta experimentações e reformulações pontuais, constitutivas dos processos criativos. E mesmo nas
distribuidoras que não oferecem inanciamento,
a pressão sobre a equipe segue existindo, pois
segue havendo datas de entrega e normativas
a serem cumpridas. Ainda, como é de costume,
há um percentual sobre o valor de venda dos
jogos que ica com a distribuidora e outro com
os desenvolvedores. Mesmo assim, estúdios independentes estabelecem acordos com grandes
distribuidoras, em especial, para usufruir dos sistemas de controle de pirataria que suas plataformas comerciais possuem. Apesar de os jogos
indie serem vendidos por valores modestos, a
pirataria é prática comum entre seus jogadores.
O estúdio independente Amanita Design, em
2010, estimou que cerca de 90% dos jogadores
de Machinarium utilizavam cópias piratas. Por
isso, lançou uma campanha de anistia – Machinarium Pirate Amnesty –, reduzindo o preço do
jogo para um quarto do valor pelo qual foi comercializado originalmente6.
Nessa relação entre processos indie e mainstream, vale dizer que a intencionalidade que
airma e nega sua tradição pode ser praticada inversamente, assim como não praticada. Andreas
Jahn-Sudmann (2008) destaca isso. Por um lado,
desde a década de 1990, os grandes estúdios já
têm divisões de jogos ‘especiais’ e ‘clássicos’, nos
quais os designers replicam soluções estéticas
criadas por equipes independentes, atendendo
consumidores adversos à cultura mainstream.
Por outro lado, boa parte dos desenvolvedores
independentes tenta repisar os caminhos sedimentadas pela indústria, visto que a maioria dos
jogos casuais independentes segue as mesmas
convenções adotadas em grandes estúdios, ge-
6 “Everybody who downloaded our game illegally (for free)
has now a chance to redeem himself and get the latest
version of the game (Win+Mac+Linux) and it’s fantastic
Soundtrack only for $5 (instead of $20). (...) If you decide to
buy the game, you can be sure you’ll support directly the
developers, not any big publisher or distributor “ (Forum
Amanita, 2010).
ram jogos que se encaixam perfeitamente nos
gêneros comerciais (como ação, estratégia e
simulação), empenham-se em capturar a lógica
da cultura mainstream e chegam a ser mais conservadores do que os próprios jogos comerciais.
2.2. Intencionalidade subversiva
A diiculdade de distinguir os processos mainstream dos indie está ligada à juventude da indústria de jogos digitais. Isso diiculta a identiicação
de convenções consistentes o suiciente para a
análise de seus processos e, se existem padrões
formais, estes ainda são vagos (Jahn-Sudmann,
2008). Ainda, a indústria não cessa de reformular
suas soluções, incorporando a negatividade do
game em doses homeopáticas, diversiicando
sua cartela de produtos e evitando perder o que
lhe resta de contracultura7. Daí a necessidade de
considerar conexões sociais, culturais, políticas
e ideológicas dos jogos, numa paisagem ampla.
Em 2000, um grupo de game designers anônimos discutiu tais conexões, escrevendo o Manifesto Scratchware (Home, 2000). Scratchware é
um neologismo cunhado por eles: scratch signiica arranhão, esboço; ware costuma ser usado
para designar programas de computador. Isso
porque, como defendeu um de seus autores, o
Designer R, é possível fazer bons jogos com conteúdo original, com boa jogabilidade, aparência
proissional, livre de bugs, envolvendo cerca de 3
proissionais que trabalham de forma colaborativa, usando meios alternativos de distribuição e
que cheguem gratuitamente ao público inal, ou
com preço de até 25 dólares.
Os autores do manifesto insurgiram-se contra
acionistas e gestores de empresas que operam
globalmente (EA, Vivendi, Sony, Sega e Ninten-
7 Referimo-nos ao contexto social e político em que foi
criado o primeiro jogo de computador: Tennis for Two,
1958, nos Estados Unidos. Apesar de ter sido desenvolvido
num centro de pesquisa computacional para ins militares,
foi programado em horários de folga, subvertendo a inalidade dos computadores daquele local.
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do), dominando o mercado de desenvolvimento
e de distribuição de jogos digitais. Referiram-se
pouco aos jogos disponíveis no mercado. Foram contundentes em suas críticas ao processo
de criação nos grandes estúdios. Clamaram por
maior visibilidade autoral e liberdade expressiva. Acusaram os empresários, que têm poder de
veto nas empresas, de ignorantes sobre o prazer
de fazer jogos e de jogar, de manterem-se ocupados apenas com o retorno dos investimentos.
Enfocando a estética dos jogos, acusaram os
grandes estúdios de estarem presos a uma
“blinkered twitch-game aesthetic”, ou “complete
failure of aesthetic sense”. Como colocou o Designer X, a ‘máquina de jogos enlouqueceu’:
instead of serving creative vision, it suppresses it.
instead of encouraging innovation, it represses it.
instead of taking its cue from our most
imaginative minds, it takes its cue from
the latest month’s PC Data list.
instead of rewarding those who succeed,
it penalizes them with development
budgets so high and royalties so low that
there can be no reward for creators.
instead of ascribing credit to those who
deserve it, it seeks to associate success
with the corporate machine.
it is time for revolution. (...)
an industry that was once the most innovative
and exciting artistic ield on the planet has
become a morass of drudgery and imitation. (...)
Death to the gaming industry!
Long live games. (...)
We will work in the white-hot ferment of
our own imaginations, striving to produce
games of enduring merit, games so ine that
generations to come will point to them and
say, this, this was important in the creation of
the great artistic form we know as games.
We will strive for innovation over imitation,
originality over the tried and true. (...)
We will work in small, committed teams, sharing
a unified vision, striving to perfect that vision
without fear, lavor, or interference. (Home, 2000)
O Designer J1 corrobora com tal ideia quando
coloca: “we want making games to be an art, not
an electronic sweatshop”. Em seguida frisa que
o problema não está nesse tipo de hipermídia
(jogo digital) e sim no modelo de produção industrial adotado:
This problem, also not unique to the gaming industry, is as old as Das Kapital and as new as The
Matrix.
It’s ugly,
It’s pervasive,
And it can and will be changed. (Home, 2000)
A iniciativa baseou-se no Manifesto Cyberpunk,
de 1997, mas lembra manifestos das vanguardas
artísticas do século XX. Logo após surgirem os
primeiros grupos vanguardistas (os fauves e os
cubistas), novos grupos se formaram, questionando os vanguardistas que os antecederam.
Viu-se, por cerca de meio século, a exteriorização
da ideia heideggeriana de que toda proposição
de obra inclui a negação do ser-arte revelado em
obras já reconhecidas.
Como sumariza De Fusco (1988), na Itália de
1909, o Manifesto Futurista repudiava ‘todas as
formas de imitação’ e clamava pela limpeza radical de temas ‘gastos’ e ‘mofados’ em prol da expressão da vida moderna; na França de 1918, o
Après le cubisme (texto publicado como manifesto do Purismo) criticava a repetição de padrões
estéticos cubistas que vinham tomando conta
do cenário artístico, propondo uma reformulação substancial nas produções artísticas; nessa
mesma linha, na Alemanha de 1919, o manifesto que instituiu a escola de design Bauhaus
propunha a ‘síntese das artes’, problematizando
a relação excludente que existia entre artistas e
artesões, produção industrial e artesanal, aquilo
que tem qualidade estética e o que é produzido
em larga escala; novamente na França, em 1924,
o Primeiro Manifestos Surrealista questionava a
racionalidade na arte e lançava estratégias para
que se pudesse ‘exprimir o funcionamento real
do pensamento’. Estes manifestos, entre outros,
solicitavam maior liberdade criativa e a reformulação da arte, refutando práticas e padrões artís-
38
antônio VargaS / ana Beatriz Bahia
ticos por eles reconhecidos como convencionais
– mesmo aqueles que eram tomados como
atuais ou inovadores por boa parte do público
não especialista.
A liberdade solicitada por tais artistas – bem
como pelos designers do Manifesto Scratchware
–, não diz respeito apenas ao processo de produção de obras ou jogos. Expressa intencionalidade
de sacudir a tradição com a qual os artistas ou
os designers se relacionam. Pleiteia criar ‘campos
de batalha’ nos quais se problematiza a posição
da arte ou dos jogos digitais na sociedade.
Flanagan propõe cruzamentos entre jogos e a
arte do século XX como estratégia para oxigenar os processos de proposição de novos jogos.
Reportando-se a trabalhos que subverteram formas de uso das linguagens artísticas e formatos
de obra amplamente aceitos, airma:
(...) a provocative look at how artists can challenge
ideas, beliefs, and social expectations and subsequently transform them in their work. these experiments are particularly worthy of note in an era of
increasing inancial stakes in the games industry,
the decline in “street protest” and civil actions, and
citizens’ overall lack of time and sense of agency. taking wild chances to provoke,disrupt, and
change even in play appears to be risky business.
(Flanagan, 2009, p. 3)
there is no spirit of revolt – no new ideas appearing among the younger artists. they are following
along the paths beaten out by their predecessors,
trying to do better what their predecessors have
already done. in art there is no such thing as perfection. and a creative lull occurs always when
artists of a period are satisi ed to pick up a predecessor’s work where he dropped it and attempt to
continue what he was doing. When on the other
hand you pick up something from an earlier period and adapt it to your own work an approach
can be creative. the result is not new; but it is new
insomuch as it is a diferent approach.’ (Flanagan,
2009, p. 3)
Flanagan transpõe essa estratégia ao campo de
game design, citando jogos ativistas (activist
games) que intervêm em questões sociais especíicas. Ou seja, não apenas exercícios puramente conceituais sobre jogos digitais, nem de
confronto aos processos mainstream. Seu diferencial está mais nos temas, enredos narrativos,
personagens e na função social que apresenta;
e menos em elementos como sua mecânica e
jogabilidade.
O desaio das ideias, crenças e expectativas do
público por meio da arte não se deu via especialização, maestria técnica, ou aperfeiçoamento
em práticas já estabelecidas. A provocação feita
pelos artistas está em lançar proposições que
problematizam não apenas convenções formais
da arte, mas estruturas sociais e econômicas
assentes (Flanagan, 2009). Duchamp, tanto nas
ações artísticas que realizou como nas entrevistas que concedeu, foi enfático sobre a importância de o artista negar as abordagens artísticas já
conhecidas.
A intencionalidade subversiva não se manifesta
apenas em proposições de artistas e de game
designers. Pode ser proposta pelos jogadores,
por exemplo, jogando de modo a subverter regras e metas de um dado jogo. Isso é possível
porque, enquanto sistemas complexos, os jogos
permitem uma interação profunda, a realização
do conceito de agência (Murray, 2003). Muito
mais do que participar de um universo iccional e realizar atividades segundo determinadas
regras, o jogador pode explorar a liberdade e
autonomia que esses sistemas oferecem. Pode
realizar escolhas compatíveis com uma meta
por ele deinida e ressigniicar as devolutas que
o sistema lhe apresentar. O agenciamento subversivo de um jogo pode ser tão gratiicante ou
mais do que aquele que segue regras e persegue
metas predeinidas.
as Marcel Duchamp said in 1946, ‘the great trouble with art in this country [the united States]
at present, and apparently in France also, is that
Esse modo de jogar subversivo é nomeado por
Flanagan como jogar ativista, ou crítico. Trata-se
de uma forma de agência que pode ser pratica-
39
Ser GAME ou não-GAME, eiS a queStão
da em qualquer jogo, independentemente de
quão estruturado ele for. Basta que o jogador
explore de forma consistente o jogo, atuando na
fronteira entre o que é e não é permitido, entre
as regras do jogo e suas expectativas. Trata-se de
uma posição não apenas subversiva, mas que
que traz consigo a ironia e a ludicidade que marcam a arte contemporânea.
3. Considerações inais
Construímos uma argumentação teórica no intuito de explicitar elos possíveis entre a intencionalidade artística e a intencionalidade subversiva
manifesta em proposições de jogo.
Da mesma forma que nem toda a pintura é obra
de arte, nem todo o jogo digital com imagens e
musicalidade bem elaboradas pode ser adjetivado como artístico. Para que uma pintura seja
arte é necessário que esta tenha sido elaborada
com a intencionalidade (Heidegger, 1999) de ser
reconhecida como obra, contendo tanto a negatividade como a airmação da tradição artística
que a sustenta (Gadamer, 1996).
O mesmo vale para os jogos – artísticos ou não
–, quando se tem a intencionalidade de atualizar
a ainda jovem tradição dos jogos digitais. Discutimos isso, seja apontando limitações da abordagem de jogo como objeto (Salen e Zimmerman,
2003; Juul, 2005), ou atentando para a necessidade de pensá-lo como processo (Aarseth e Calleja, 2015). Enfocamos a impossibilidade do jogo
como não-game, ou seja, de romper radicalmente com a tradição de jogos digitais sem deixar o
ser-jogo se esvair. Defendemos a importância
de designers e desenvolvedores de jogos construírem proposições que tanto airmam como
negam a tradição que os fundamenta, evitando
conservadorismos. Isso já se manifesta nas incoerências internas dos processos mainstream
e indie (Jahn-Sudmann, 2008; Ferreira, 2014), no
Manifesto Scratchware (Home, 2000) e, inclusive,
no jogar crítico (Flanagan, 2009) que subverte e
atualiza o ser do jogo – aspectos aqui discutidos.
Assim, detivemo-nos à dimensão teórica e histórica da intencionalidade subversiva que atualiza
e consolida os Jogos digitais. Abordamos a questão escutando o sujeito propositor de jogos – e
não o jogador. Não chegamos a analisar jogos
desenvolvidos para serem game e não-game,
simultaneamente. Exemplos podem ser encontrados entre ambientes iccionais e imersivos
que a comunidade gamer costuma denominar
walking simulators, como Dear Esther e Protheus8.
Face aos limites da natureza de um artigo, abordaremos tais questões em um próximo, analisando estes jogos e estabelecendo paralelos
com conceitos oriundos da arte moderna e contemporânea. O personagem lâneur de Baudelaire, a noção de deriva, dos dadaístas, e de errância
lúdica dos situacionistas e de Richard Long, são
elementos com os quais estamos ‘jogando’ no
processo de análise.
Por im, vale dizer que a tese aqui defendida é
estratégica, no intuito de fazer eclodir o ‘espírito
de revolta’ do qual sentia falta Marcel Duchamp,
em meados do século passado, quando os movimentos vanguardistas se tornavam escassos e
as revoltas pós-vanguardistas ainda estavam em
estado de latência.
Que revoltas podem surgir no mundo do design
de jogos digitais?
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Antropologia visual. São Paulo: USP.
8 Dear Esther, apesar de ter sido proposto a partir de pesquisa acadêmica, foi desenvolvido e lançado pelo estúdio
The Chinese Room, em 2012. Protheus é título do estúdio
Curve Digital e foi lançado em 2013.
40
antônio VargaS / ana Beatriz Bahia
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