Anuario de Historia Regional y de las Fronteras, Vol.22 No.2
DOI: http://dx.doi.org/10.18273/revanu.v22n2-2017001
A importância estratégica do conhecimento
do território na formação de um sistema
defensivo: o caso de Sintra (portugal)
durante o período Islâmico*
Resumo
Focando o exemplo de Sintra durante o Período Islâmico, procura-se compreender
como o conhecimento do território pesou na estratégia de edificação de fortificações e
de estruturas de vigilância que permitiam a defesa militar e que faziam parte do sistema
defensivo do distrito de Lisboa. A metodologia seguida consiste no cruzamento de dados
entre as fontes históricas, arqueológicas, a toponímia e o reconhecimento geográfico. Os
resultados obtidos mostram que Sintra, para além de dois castelos e de um ribat, teve
outras estruturas defensivas e postos de vigilância que possibilitavam a comunicação
com outros locais a longa distância e que marcavam a paisagem cultural marítima. A
investigação permite concluir que a estruturação deste sistema defensivo implicou um
planejamento estratégico baseado no estudo das diferentes combinações geográficas,
das relações entre os povoados, das vias de comunicação, dos portos e ancoradouros,
sendo que alguns locais importantes já teriam sido utilizados em épocas anteriores.
palavras-chave: geografia, planeamento estratégico, defesa militar.
Referencia para citar este artículo: OLIVEIRA BORGES, Marco (2017). “A importância estratégica do
conhecimento do território na formação de um sistema defensivo: o caso de Sintra (Portugal) durante o
Período Islâmico”. En Anuario de Historia Regional y de las Fronteras. 22 (2). pp. 17-48.
Fecha de recepción: 01/08/2016
Fecha de aceptación: 17/03/2017
Marco Oliveira Borges: Actualmente, é bolseiro de doutoramento pela Fundação para a Ciência e a
Tecnologia (SFRH/BD/52282/2013), Portugal. Licenciado em História, pós-graduado em História dos
Descobrimentos e da Expansão e mestre em História Marítima pela Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa, Portugal. Investigador associado do Centro de História e do Centro de Estudos Geográficos da
Universidade de Lisboa, bem como membro correspondente da Academia de Marinha, Portugal. Correo
electrónico: marcoliveiraborges@gmail.com. Código ORCID: 0000-0002-1547-4554.
*
Este artigo resulta de investigações pessoais que têm vindo a ganhar forma desde 2009, no âmbito da
ligação à Universidade de Lisboa, visando compreender a militarização, a defesa costeira e o povoamento
na área ocidental do distrito de Lisboa durante o Período Islâmico.
17
The Strategic Importance of Knowledge of the
Territory in the Formation of a Defensive System: The
Case of Sintra (Portugal) During the Islamic Period
Abstract
Focusing on the example of Sintra during the Islamic period, we seek to understand how
the knowing of the territory weighed in the strategy for the construction of fortifications
and surveillance structures that allowed for the military defence and that were part of
the defensive system of the Lisbon region. The methodology used consists on the crossing
of data between historical and archaeological sources, toponymical and geographical
recognition. The results show that Sintra, besides two castles and a ribat, will have
had other defensive structures and checkpoints that allowed communication with other
distant places and marked the maritime cultural landscape. This investigation allows
to conclude that the structuring of this defensive system implied a strategic planning
based on the study of the different geographical combinations, the relations between the
villages, the communication ways, the ports and anchorages, and that some important
places would already have been used in previous eras.
Keywords: Geography, Strategic Planning, Military Defence.
La importancia estratégica del conocimiento del
territorio en la formación de un sistema defensivo: el
caso de Sintra (Portugal) durante la época islámica
Resumen
El presente artículo busca entender, a partir del caso de Sintra durante el periodo
islámico, cómo el conocimiento del territorio pesó en la estrategia de la construcción
de fortificaciones y de las estructuras de vigilancia que permitían la defensa militar y
formaban parte del sistema defensivo de la región de Lisboa. La metodología consiste
en el intercambio de datos entre las fuentes arqueológicas, históricas, la toponimia
y el reconocimiento geográfico. Los resultados muestran que Sintra, además de dos
castillos y un ribat, ha tenido otras estructuras defensivas y puntos de control que
permitían la comunicación con otros lugares de larga distancia y que marcaban
el paisaje cultural marítimo. Las investigaciones muestran que la estructura de este
sistema defensivo implicó una planificación estratégica basada en el estudio de las
diferentes combinaciones geográficas, de las relaciones entre los pueblos, de las vías de
comunicación, de los puertos y fondeaderos, y de algunos sitios importantes que habrían
sido utilizados en épocas anteriores.
Palabras clave: geografía, planificación estratégica, defensa militar.
18
Anuario de Historia Regional y de las Fronteras Vol.22 No.2
Introdução
Durante a ocupação islâmica da Península Ibérica, e mais concretamente até 1147, ano
da tomada da cidade de Lisboa aos mouros por D. Afonso Henriques e pelas forças
cruzadas1, Sintra fez parte do sistema de defesa militar do distrito (kura) de Lisboa
(al-Ushbuna). A par de outras diversas localidades, e para além de integrar o território
militarizado desse distrito, serviu de importante posto de alerta àquela cidade. De
facto, a conjugação dos dados históricos, toponímicos e arqueológicos mostram que
a cidade de Lisboa estava envolvida por um sistema de alerta e defesa costeira que
incluiria, em particular, os seguintes locais: Sintra, Cascais e Oeiras2, a Ocidente,
Almada, Seixal e Palmela, a Sul, Montijo, a Oriente, Sacavém, Santa Iria de Azóia e
Vila Franca de Xira, a Norte3.
Neste estudo desenvolveremos um pouco mais as investigações que temos vindo a
realizar sobre a defesa costeira na área ocidental do distrito de Lisboa4, centrando as
atenções na importância do conhecimento geográfico e na consequente apropriação e
gestão do território para a formação de um sistema defensivo. Consequentemente, este
tipo de trabalho obriga o investigador a fazer diversas deslocações e observações in
loco, visando o reconhecimento geográfico do território e a assimilação da paisagem
cultural marítima5, evitando assim possíveis abordagens simplistas ou desenquadradas
quando se está a focar uma área que não se conhece6, que se revelou algo complexa
do ponto de vista defensivo –abarcando outros locais num todo mais vasto– e que
foi importante em larga diacronia7. Interessa não apenas procurar responder em que
1
Sobre este assunto: Oliveira Borges, Marco. “Em torno da preparação do cerco de Lisboa (1147) e de uma
possível estratégia marítima pensada por D. Afonso Henriques”, em História. Revista da FLUP, vol. IV
sér., núm. 3, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2013, pp. 123-144.
Para o caso de Oeiras: os dados e a bibliograia indicada por Oliveira Borges, Marco. “A defesa costeira
no distrito de Lisboa durante o período islâmico. I-A área a ocidente da cidade de Lisboa ”, em Tente,
Catarina; et al. (coords.), Lisboa Medieval: Gentes, Espaços e Poderes. Textos seleccionados do III
Colóquio Internacional «A Nova Lisboa Medieval» (Lisboa, FCSHNOVA, 20-22 de Novembro de 2013)
(Lisboa: Instituto de Estudos Medievais) (no prelo).
2
3
A súmula dos estudos indicados por Oliveira Borges, Marco. “A defesa costeira do litoral de SintraCascais durante a Época Islâmica. II-Em torno do porto de Cascais”, em Cunha, Ana; Pinto, Olímpia e
Oliveira Martins, Raquel de (coords.), Paisagens e Poderes no Medievo Ibérico. Actas do I Encontro
Ibérico de Jovens Investigadores em História Medieval. Arqueologia, História e Património, núm. 44
(Braga: Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória»/Universidade do Minho,
2014), pp. 414-415.
4
Recentemente, no âmbito do programa televisivo “Caminhos” (RTP2), tivemos a oportunidade de
participar num episódio sobre “A defesa costeira no litoral de Sintra-Cascais durante o Período Islâmico”, o
qual pode ser visto através da seguinte ligação, https://www.youtube.com/watch?v=xVvG-KbkVvw&t=12s
(10 de Maio de 2015).
5
Sobre esta noção: Ford, Ben. “Introduction”, em Ford, Ben (ed.), The archaeology of maritime landscapes
(New York: Springer, 2011), pp. 1-9. Para o caso de Sintra: Borges, Marco Oliveira. “Paisagem cultural
marítima de Sintra: uma abordagem histórico-arqueológica”, em Actas do I Colóquio Ibérico de Paisagem.
O estudo e a construção da Paisagem como problema metodológico (no prelo).
6
Por exemplo: Christys, Ann. Vikings in the South. Voyages to Iberia and the Mediterranean (London/New
York: Bloomsbury Academic, 2015), p. 76.
7
Oliveira Borges, Marco. “A defesa costeira do litoral de Sintra-Cascais durante o Garb al-Ândalus. I-Em
torno do porto de Colares”, em História. Revista da FLUP, vol. IV sér., núm. 2, Porto, Faculdade de Letras
19
A importância estratégica do conhecimento do território na formação de um sistema...
locais foram edificadas certas estruturas defensivas e de alerta, mas também tentar
compreender a razão da sua localização e integração na lógica de um sistema de
defesa militar, caminhando-se através de uma abordagem metodológica fortemente
ligada ao conhecimento geográfico, fundamental neste e noutros tipos de estudos, mas
nem sempre devidamente tido em conta. Note-se que a relação entre a História e a
Geografia tem vindo a perder relevância, falando-se mesmo numa ausência de diálogo
entre as duas disciplinas8.
Se na Antiguidade Pré-Clássica e Clássica o recurso à Geografia foi fundamental
durante o planeamento de guerras, levando-se a cabo levantamentos geográficos e
descrições de territórios que visavam conhecer melhor o espaço que se pretendia
dominar ou defender9, assim continuou a ser com o decorrer dos séculos, acrescendo
apenas a melhor precisão com que isso se foi fazendo face aos constantes avanços
científicos e tecnológicos. Ao serviço do poder político e militar, o conhecimento
geográfico serviu, antes de mais, para fazer a guerra10, sendo que vários autores, como
foi o caso de Maquiavel, vieram a recuperar ideias do passado clássico11 e a conjugar
com novas teorizações12. Com efeito, dentro deste pensamento impera a ideia de o
homem, nomeadamente através desse poder político, recorrer ao conhecimento
geográfico, a um saber estratégico para a elaboração de um plano militar –ofensivo ou
da Universidade do Porto, 2012; pp. 109-128; O porto de Cascais durante a Expansão Quatrocentista.
Apoio à navegação e defesa costeira (dissertação de mestrado), UL, 2012, pp. 165-205; “Em torno da
preparação do cerco de Lisboa (1147) e de uma possível estratégia marítima pensada por D. Afonso
Henriques”..., pp. 126-140; “A defesa costeira do litoral de Sintra-Cascais durante a Época Islâmica. IIEm torno do porto de Cascais”, em Cunha, Ana, Pinto, Olímpia e Martins, Raquel de Oliveira (coord.),
Paisagens e Poderes no Medievo Ibérico. Actas do I Encontro Ibérico de Jovens Investigadores em História
Medieval. Arqueologia, História e Património…, pp. 409-435.
8
Daveau, Suzanne. “História e Geograia: divórcio ou complementaridade?”, em Seminário Internacional
José Mattoso. Diálogos em torno da interdisciplinaridade: para uma outra visão da Idade Média,
Universidade Nova de Lisboa, 20 de Novembro de 2014.
9
Por exemplo, Montero, Santiago. El Emperador y los ríos. Religión, ingeniería y política en el Imperio
Romano (Madrid: Universidad Nacional de Educácion a Distancia, 2012), pp. 36-37.
Lacoste, Yves. A Geograia serve antes de mais para fazer a Guerra (Lisboa: Iniciativas Editoriais,
1977), pp. 8-16, embora não concordado totalmente quando se refere que este pensamento “não signiica
recordar as origens históricas do pensamento geográico”. Pode muito bem levar a isso.
10
11
Maquiavel, Nicolau. O Príncipe, introd. de Barreiros, José António, caps. III-V (Lisboa: Editorial
Presença, 2008), caps. III-V, pp. 95-105 e passim.
12
Note-se, a título de exemplo, a seguinte passagem: “Portanto, [o príncipe] nunca deve descurar o exercício
da guerra, e deve exercitar-se mais em tempo de paz do que em tempo de guerra; o que pode fazer de duas
maneiras: pelas obras ou em espírito. Quanto às obras, para além de manter os seus homens disciplinados
e adestrados, deve dedicar-se à arte da caça, para habituar o corpo ao desconforto, e aprender a conhecer
a natureza dos lugares, e a ver onde se erguem as montanhas, onde desembocam os vales, a extensão
das planícies, e perceber a natureza dos rios e dos pântanos que existem, e estando sempre muito atento
a tudo. Tal conhecimento é-lhe proveitoso de duas maneiras: primeiro, aprende a conhecer o seu país, e
ica a conhecer melhor as suas defesas; segundo, graças ao conhecimento e à frequência desses lugares,
pode compreender melhor qualquer outro lugar que necessite de explorar, já que os outeiros, os vales, as
planícies, os rios e os pântanos que existem, por exemplo, na Toscana têm certa semelhança com os das
outras regiões, de modo que pelo conhecimento da paisagem de uma província se pode facilmente conhecer
as outras. O príncipe que não seja perito nesta matéria não possui a principal qualidade que um chefe militar
deve possuir; porque é ela que o ensina a descobrir o inimigo, a escolher o melhor local para acantonar,
a guiar os exércitos, a preparar as campanhas, a cercar com vantagem as cidades” Ibíd., cap. XIV, p. 143.
20
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defensivo– que permitisse gerir o território que se pretendia conquistar ou continuar
a manter em seu poder.
Para o caso de Sintra, é muito provável que já existissem algumas estruturas
defensivas e de alerta antes da chegada dos muçulmanos. Ao ocuparem a Península
Ibérica, a partir de 711, as forças muçulmanas tentaram “[...] dominar a totalidade dos
seus territórios através da fixação de guarnições em cidades estratégicas e de pactos
com antigos senhores hispano-visigodos”, permitindo-lhes, “[...] mediante condições,
continuar a controlar boa parte das suas antigas propriedades, ou mesmo manter parte
do seu antigo poder”13. Em todo o caso, presume-se que apenas em 714 ou 716 Lisboa
se tenha submetido pacificamente após um pacto de capitulação14, se bem que este seja
um assunto que ainda não está devidamente compreendido15. Terá sido igualmente por
esta altura que Sintra ficou sob poder muçulmano.
Certamente que com uma nova ocupação do território, e ao longo dos tempos, foram
sendo repensadas formas de defesa terrestre e marítima, obedecendo a um planeamento
estratégico. Ainda que o impulsionamento da defesa costeira islâmica seja atribuído à
época que se seguiu aos primeiros ataques vikings, é preciso ter em conta que em 844,
ano em que ficou registada a primeira investida destes guerreiros nórdicos às costas
do Garb al-Ândalus, esta área “já era um cenário de guerra há mais de cem anos”16.
Com efeito, isso leva a pensar que a paisagem já estaria marcada por fortificações cuja
necessidade não foi criada pelas investidas nórdicas, mas apenas reforçada por elas17.
De qualquer forma, terá sido o desencadear das incursões vikings, chegando a alcançar
o mar interior, que despoletou uma maior atenção defensiva por parte das autoridades
muçulmanas, reforçando-se o aparelho militar e sistema de defesa costeira ao longo
do litoral atlântico e mediterrânico. Sabe-se que o governo omíada reforçou a estrutura
de defesa costeira e de vigilância com a edificação de torres de vigia (buruj, pl. de
burj) e a utilização de sítios elevados e estratégicos que funcionavam como atalaias18
(tali’a, pl. de at-talai’a), bem como de diversas fortificações onde se incluíam castelos
(husun, pl. de hisn) e conventos-fortificados (rubut, pl. de ribat19). Para além disso,
tomaram-se medidas para a formação de uma marinha de guerra ampla e bem provida
13
Barbosa, Pedro Gomes. Reconquista Cristã. Séculos IX-XII (Lisboa: Ésquilo, 2008), pp. 29-30.
14
Oliveira Marques, A. H. de “O «Portugal» islâmico”, em Serrão, Joel e Oliveira Marques, A. H. de (Dir.),
Nova História de Portugal, vol. II-Portugal das Invasões Germânicas à Reconquista (Lisboa: Editorial
Presença, 1993), p. 122; Picard, Christophe. Le Portugal musulman (VIII-XIIIe siècle). L’Occident d’alAndalus sous domination islamique (Paris: Maisonneuve et Larose, 2000), pp. 22-23.
15
Barbosa, Pedro Gomes, Op Cit., p. 31.
16
Pires, Hélio. Incursões nórdicas no Ocidente Ibérico (844-1147): fontes, história e vestígios (tese de
doutoramento), UNL, 2012, p. 243.
17
Ibíd.
18
As atalaias podiam ser estruturas arquitectónicas (normalmente turriformes) ou simples locais destacados
na paisagem de onde se exercia a vigilância e alertava para a chegada de inimigos (Barroca, Mário.
“Atalaia”, em Alarcão, Jorge de e Barroca, Mário (coord.), Dicionário de Arqueologia Portuguesa (Porto:
Figueirinhas, 2012), pp. 48-49.
19
Sobre este termo, vide infra, núms. 50 e 51.
21
A importância estratégica do conhecimento do território na formação de um sistema...
de projécteis incendiários, tendo-se recrutado marinheiros e mercenários de várias
partes, alguns deles especializados no lançamento de fogo-grego20.
Figura 1. Mapa simplificado do al-Ândalus e parte do Norte de África, c. 868.
Fuente: Mapa feito para o autor por Luís Gonçalves.
Os castelos de Sintra
Situada a Noroeste de Lisboa, no extremo ocidental do al-Ândalus, junto ao mar
tenebroso21, Sintra foi descrita por diversos autores muçulmanos. No século X seria
já um importante centro populacional, embora não confinado ao castelo dos Mouros,
quer pelas suas reduzidas dimensões e dificuldades de acesso, quer por estar afastado
20
Sobre todas estas medidas: Abenalcotía. Historia de la conquista de España de Abenalcotía el Cordobés.
Seguida de fragmentos históricos de Abencotaiba, etc., trad. de Ribera, Don Julián (Madrid: Tipografía
de la Revista de Archivos, 1926), p. 53; Borges Coelho, António. Portugal na Espanha Árabe, 3.ª ed. rev.
(Lisboa: Editorial Caminho, 2008), pp. 169 e 173; Lirola Delgado, Jorge. El poder naval de al-Andalus
en la época del califato omeya (siglo IV hégira/X era cristiana), (tesis doctoral), vol. I., UG, 1991, pp.
122-125; Picard, Christophe. La mer et les Musulmans d’occident au Moyen Age (VIIIe-XIIIe siècle)
(Paris: Presses Universitaires de France, 1997), pp. 148 e 156; Catarino, Helena. “Breve sinopse sobre
topónimos Arrábida na costa portuguesa”, em Franco Sánchez, Francisco (ed.), em La Rábita en el Islam.
Estudios Interdisciplinares. Congressos Internacionals de Sant Carles de la Ràpita (1989, 1997) (Sant
Carles de la Ràpita/Alacant: Ajuntament de Sant Carles de la Ràpita/Universitat d’Alacant, 2004), pp. 263267; Branco Correia, Fernando. “A acção do poder político nas actividades portuárias e na navegação no
ocidente islâmico. Alguns tópicos”, em Solórzano Telechea, Jesús Angel e Viana, Mário (eds.), Economia
e Instituições na Idade Média. Novas Abordagens (Ponta Delgada: Centro de Estudos Gaspar Frutuoso,
2013), pp. 14-38.
21
Idrisi. Geograia de España (Valencia: Anubar, 1974), p. 74.
22
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das zonas agrícolas22. No século seguinte, al-Bakri (c. 1014-1094) colocou-a entre as
doze cidades mais importantes do Garb al-Ândalus23.
Dotada de dois castelos de extrema solidez, um deles construído de forma estratégica
num dos cumes sobranceiros da serra (castelo dos Mouros), Sintra foi mencionada
posteriormente por al-Himyari –decerto baseado na obra de al-Bakri, embora esta
tenha chegado aos nossos dias incompleta– como uma das vilas que dependiam de
Lisboa no al-Ândalus, estando situada nas proximidades do mar e permanentemente
mergulhada numa bruma que não se dissipava24.
Qual a época de construção destes dois castelos? No caso do castelo dos Mouros,
tem sido referido que terão ocorrido duas fases distintas de edificação, sendo que a
mais antiga remontará aos séculos IX-X, à semelhança de outros casos peninsulares,
correspondendo à época de fortificação da costa atlântica levada a cabo pelas
autoridades muçulmanas face aos ataques vikings25. No entanto, os trabalhos mais
recentes têm apontado para cronologias de ocupação do local em torno dos séculos
X e XI26.
Incorporado no sistema de defesa costeira que funcionava a partir do litoral sintrense,
o castelo dos Mouros tinha a particularidade de servir como posto de vigia dos acessos
por mar e terra e de, a partir daí, se poder estabelecer comunicação com outros postos
defensivos a média e a longa distância. Porém, se é verdade que desse castelo e até
mesmo de outros pontos elevados da serra de Sintra com grande ou maior visibilidade,
e que articulariam funções entre si, era possível observar e estabelecer contactos com
Mafra e outros locais mais a Norte27, com o porto de Cascais, Oeiras, outros sítios
22
Coelho, Catarina. “O castelo dos Mouros (Sintra)”, em Ferreira Fernandes, Isabel Cristina (coord.),
Mil Anos de Fortiicações na Península e no Magreb (500-1500). Actas do Simpósio Internacional sobre
Castelos (Lisboa: Edições Colibri, 2002), p. 394.
23
Al-Bakri, Abu Ubayd. Geograia de España (Kitab al-Masalik Wa-l-Mamalik), introd., trad, notas e índ,
por Vidal Beltran, Eliseo (Zaragoza: Anubar, 1982), pp. 17-18; Rei, António. O Gharb al-Andalus al-Aqsâ
na Geograia Árabe (séculos III h./IX d.C.-XI h./XVII d.C.) (Lisboa: Instituto de Estudos Medievais, 2012),
pp. 124-125.
24
Al-Himyari. Kitab ar-Rawd al-Mi’tar, trad. por Maestro González, Mª Pilar (Valencia: Anubar, 1963), p.
233; Borges Coelho, António, Op Cit., p. 49; Rei, António, Op Cit., p. 166.
25
Pavon Maldonado, Basilio. Ciudades y Fortalezas LusoMusulmanas. Crónicas de viajes por el sur de
Portugal (Madrid: Instituto de Cooperación con el Mundo Árabe, 1993), pp. 20-25; Picard, Christophe e
Ferreira Fernandes, Isabel Cristina. “La défense côtière à l’époque musulmane: l’exemple de la presqu’île
de Setúbal”, em Archéologie Islamique, núm. 8, Paris, 1999, pp. 74-75; Coelho, Catarina. “A ocupação
islâmica do castelo dos Mouros (Sintra): interpretação comparada”, em Revista Portuguesa de Arqueologia,
vol. III, núm. 1, Lisboa, 2000, pp. 210-211, 214 e 218; Picard, Christophe. Le Portugal musulman…, pp.
209-210 e 215; Coelho, Catarina. “Castelo de Sintra: evidências arqueológicas do quotidiano entre os
séculos IX-XII”, em Ferreira Fernandes, Isabel Cristina (coord.), Fortiicações e Território na Península
Ibérica e no Magreb (séculos VI a XVI), vol. II (Lisboa: Edições Colibri/Campo Arqueológico de Mértola,
2013), pp. 739-740.
26
Sousa, Maria João de. “The castelo dos Mouros, Sintra”, em Portugal. Report and proceedings of the
157th Summer Meeting of the Royal Archaeological Institute in 2011 (London: The Royal Archaeological
Institute, 2012), p. 53.
27
Chegou a ser referido que na área do castelo dos Mouros poderá ter existido uma torre de vigia romana
23
A importância estratégica do conhecimento do território na formação de um sistema...
da barra do Tejo, Lisboa e o seu castelo, Trafaria28, Almada, Palmela, Sesimbra e o
cabo Espichel29, isso apenas seria possível em dias de boa visibilidade, o que nem
sempre é realidade em Sintra, bastante sujeita aos nevoeiros que por ali se prolongam.
De facto, integrado na vertente de vigilância e de alerta deste sistema defensivo, o
castelo dos Mouros teria como principal função alertar os locais acima referidos sobre
a aproximação de navios e de inimigos por terra, sendo de destacar Lisboa e os postos
a Sul, mas nestas ocasiões de intenso nevoeiro, em que pouco ou nada se via quanto à
linha de costa, não seria possível vislumbrar a aproximação de navios nem de produzir
informação visual. Neste sentido, o sistema de alerta que funcionava através do castelo
dos Mouros e de outros pontos da serra de Sintra estava bastante condicionado, tendo
ficado inactivo com frequência30. No entanto, como alternativa e complemento, ao
longo da linha costeira existiam outros postos de vigia e de retransmissão de sinais
visuais, assunto que teremos oportunidade de focar mais adiante.
Qual o outro castelo de Sintra referido por al-Himyari? Em que local estaria situado?
Quando foi construído? Quais as suas funções dentro deste sistema defensivo? Pese
embora a hipótese comummente aceite de que um dos castelos de Sintra indicados
por al-Himyari estaria edificado no sítio onde se encontra o actual Paço da vila, Maria
Teresa Caetano referiu que o autor poderia querer reportar-se ao castelo de Colir
(Colares)31, o qual é apontado por João de Barros (1522). Curiosamente, este autor
não hesita em considerar o castelo de Colir como sendo mais antigo do que o castelo
de Sintra (Mouros)32. Contudo, o local onde terá sido erguido esse suposto castelo
islâmico sofreu várias alterações ao longo dos séculos, pelo que até ao momento não
foi possível confirmar vestígios da sua antiga existência. Durante o reinado de D.
Manuel, e a partir da suposta estrutura islâmica, terá sido construída a Casa da Câmara
de Colares, sendo que nas imediações foram detectados elementos pétreos de um
para observar o território em redor e o movimento marítimo, sendo possível observar dali as ilhas Berlengas,
onde existiam assentamentos romanos. Ibíd.
28
Sobre a comunicação visual entre Sintra e a Margem Sul do Tejo, os importantes dados aduzidos
por Branco Correia, Fernando. “A acção do poder político as actividades portuárias e na navegação no
ocidente islâmico. Alguns tópicos”, em Solórzano Telechea, Jesús Angel e Viana, Mário (eds.). Economia e
Instituições na Idade Média. Novas Abordagens…, pp. 20-22; Branco Correia, Fernando. “Fortiicações de
iniciativa omíada no Gharb al-Andalus nos séculos IX e X-hipóteses em torno da chegada dos Majus (entre
Tejo e Mondego)”…, pp. 77-79.
29
Coelho, Catarina. “O Castelo dos Mouros (Sintra)”..., p. 3; Borges, Marco Oliveira. “A defesa costeira do
litoral de Sintra-Cascais durante o Garb al-Ândalus. I-Em torno do porto de Colares”..., pp. 111-112; Oliveira
Borges, Marco. O porto de Cascais…, pp. 175-176; Oliveira Borges, Marco. “Em torno da preparação do
cerco de Lisboa (1147) e de uma possível estratégia marítima pensada por D. Afonso Henriques ”..., pp.
133-134; Correia, Fernando Branco. “A acção do poder político nas actividades portuárias e na navegação
no ocidente islâmico. Alguns tópicos”..., pp. 20-22; Branco Correia, Fernando. “Fortiicações de iniciativa
omíada no Gharb al-Andalus nos séculos IX e X-hipóteses em torno da chegada dos Majus (entre Tejo e
Mondego)”..., pp. 77-79.
30
Oliveira Borges, Marco. “A defesa costeira do litoral de Sintra-Cascais durante o Garb al-Ândalus. I-Em
torno do porto de Colares”..., pp. 111-112; Oliveira Borges, Marco. O porto de Cascais…, pp. 175-176.
Sobre este assunto igualmente o vídeo citado na núm. 4.
31
Caetano, Maria Teresa. Colares (Sintra: Câmara Municipal de Sintra, 2000), pp. 35-36, núm. 91.
32
Barros, João de. Chronica do Emperador Clarimundo, Donde os Reis de Portugal Descendem, quinta
impressão, t. III, cap. I, (Lisboa: Na Oficina de João António da Silva, 1791), pp. 33 e 37-38.
24
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portal manuelino. Em inícios do século XVII, o edifício funcionava como Câmara e
cadeia colarense, tendo sido adquirido por D. Dinis de Melo e Castro, antigo bispo de
Leiria, Viseu e Guarda, que o transformou num palácio para sua habitação por volta
de 162033. O palácio terá ardido em meados do século XIX, tendo sido demolidas, já
no início do século XX, as ruínas do Paço para a construção de uma escola primária34.
No entanto, ainda hoje é possível observar uma arcada com terraço que restou desse
palácio sobranceiro à vila moderna de Colares.
Situado numa área elevada, na vila velha colarense, desse suposto castelo muçulmano
tinha-se uma visão privilegiada para o porto local e para o esteiro de mar que invadia
o vale de Colares, controlando toda a área em redor e a serra, havendo ainda contacto
visual excepcional com o castelo dos Mouros. Ao mesmo tempo, dessa primeira
estrutura também se tinha visão singular para a área da actual praia das Maçãs –o
acesso naval ao interior do território– e espaço marítimo envolvente, tendo o castelo
“uma torre mui alta, que descobria o mar daí a dez léguas”35. Assim, do ponto de
vista estratégico, faz todo o sentido que existisse um castelo precisamente na vila
velha de Colares, onde alguns dados arqueológicos exumados confirmam a presença
muçulmana pelo menos desde o século X. Escavações realizadas entre 1989-1990,
junto à igreja Matriz de Colares, detectaram silos muçulmanos de onde foram obtidos
abundantes fragmentos cerâmicos dos séculos X e XI36.
Embora por vezes a ideia da possível existência de um castelo muçulmano em
Colares seja alvo de cepticismo, desvalorizando-se o que João de Barros escreve na
Crónica do Imperador Clarimundo, é preciso ter em conta que as crónicas, por vezes,
conservam reflexos de documentos e de obras perdidas no tempo, sendo “o único
testemunho” para a “reconstituição de acontecimentos muito anteriores” à época
em que são escritas37. Contudo, na impossibilidade de se confirmar a veracidade da
tradição sobre este suposto castelo de origem muçulmana vinda de João de Barros e
seguida por fr. Joseph de Santa Anna, somente a arqueologia poderá vir a trazer outras
luzes sobre o assunto.
Enquanto se espera que um dia possam surgir novidades arqueológicas sobre
a ocupação da vila velha de Colares durante o Período Islâmico, e até mesmo
relacionadas com o próprio castelo, outros dados vão sendo explorados para se
compreender melhor o povoamento local. É o caso de diversos topónimos sintrenses
33
Pereira de Santanna, Frei Joseph. Chronica dos Carmelitas da Antiga, e Regular Observancia Nestes
Reynos de Portugal, Algarves, e seus Domínios, t. II (Lisboa: Na Oficina dos Herdeiros de António
Pedrozo Galram, 1751), pp. 88-89.
34
Caetano, Maria Teresa. Op. Cit., núms. 243 e 245, pp. 104-107.
35
Barros, João de. Op. Cit., cap. I, pp. 19-20.
36
Coelho, Catarina. “A ocupação islâmica do castelo dos Mouros (Sintra): interpretação comparada”..., p.
210; “O Castelo dos Mouros (Sintra)”..., p. 394.
37
Mattoso, José. “Notas críticas às notas de im de volume”, em Herculano, Alexandre, História de Portugal.
Desde o começo da Monarquia até o im do Reinado de Afonso III, vol. I (Amadora: Livraria Bertrand,
1980), p. 694; Oliveira-Leitão, André de. Povoamento no Baixo Vale do Tejo: entre a territorialização e
a militarização (meados do século IX – início do século XIV) (dissertação mestrado), UL, 2011, p. 102.
25
A importância estratégica do conhecimento do território na formação de um sistema...
que, por exemplo, permitem aduzir mais informações e colocar hipóteses sobre a
ocupação humana em torno do rio de Colares (fig. 2). Refira-se, deste modo, a própria
origem do topónimo Colares, para a qual existem diferentes interpretações. A lenda
da fundação do castelo de Colir diz que o actual topónimo Colares vem do nome dado
a essa alegada fortificação por uma condessa vinda do Norte da Europa, que, fugindo
ao rei da Dinamarca, aportou no rio local com duas naus, conseguindo autorização
para permanecer e adquirir parte da terra ao rei mouro de Lisboa em troca do penhor
de três colares de ouro38. Ao mandar edificar o castelo, a condessa, face ao penhor dos
colares, deu-lhe o nome Colir, do qual teria derivado, mais tarde, Colares. Embora
não tenha sustentado esta lenda, J. Diogo Correia admitiu que o topónimo poderá
mesmo resultar “do simples aproveitamento do nome comum, colar, cujo étimo é o
latim collare, de collum, pescoço, e que significa mesmo colar, coleira ou golilha”39.
Numa outra interpretação, é referido que o topónimo Colares derivará do latim colle,
estando associado a “colina”, “outeiro”, podendo, por outro lado, estar ligado a colo,
de collum40. Mais recentemente, Adalberto Alves relacionou o topónimo com o árabe
kula, significando “pequeno lago”41.
Outro topónimo importante é Mucifal, que poderá derivar do árabe mussaffa, ou seja,
“baixada”, “vale inundado”42, dando assim sentido à ideia de que toda a área da várzea
de Colares e arredores era inundada pelo mar e acessível à navegação. A aldeia do
Mucifal fica muito próxima da vila velha de Colares, sendo um local em que foram
encontradas ânforas Dressel 14 e outros diversos vestígios romanos, os quais estariam
associados a um antigo povoado43. Um outro topónimo das imediações do dito rio e
que se pode relacionar com o passado islâmico, bem como com a defesa militar deste
território, é Nafarros, estando situado um pouco a Noroeste do Mucifal. Recentemente,
foi associado ao árabe nafar, significando “tropas” ou “exército”44. A Sul do referido
curso de água temos Almoçageme, topónimo que poderá estar associado a uma antiga
mesquita, al-mesjid 45, sendo que ainda hoje subsiste na micro-toponímia de Colares
38
Barros, João de. Op. Cit., cap. III, pp. 35-37.
39
Correia, J. Diogo. “Toponímia estremenha”, em Estremadura. Boletim da Junta de Província, sér. II,
núm. XLIV-XLVI, Lisboa, 1957, pp. 128-129.
40
Ibíd.; Caetano, Maria Teresa, Op. Cit., p. 9.
41
Alves, Adalberto. “Mucifal”, em Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa (Lisboa: Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, 2013), p. 407.
42
Ibíd, p. 664.
43
Coelho Pimenta, Frederico. “Subsídios para o estudo do material anfórico conservado no Museu Regional
de Sintra”, em Sintria, vols. I-II, t. I, Sintra, Museu Regional de Sintra-Museu Arqueológico de São Miguel
de Odrinhas, 1982-1983, pp. 135-138 e 145-147; Oliveira Borges, Marco. “Portos e ancoradouros do litoral
de Sintra-Cascais. Da Antiguidade à Idade Moderna (I)”, em Actas das Jornadas do Mar 2014. Mar:
Uma onda de Progresso (Almada: Escola Naval, 2015), pp. 154-155; Oliveira Borges, Marco. “Navegação
comercial luvio-marítima e povoamento no Ocidente do Municipium Olisiponense: em torno dos rios
Lizandro (Mafra) e Colares (Sintra)”, em Estudos em História da Antiguidade Clássica (no prelo).
44
Alves, Adalberto. “Nafarros” em Op. Cit., p. 673.
45
Guedes Real, Mário “Toponímia árabe da Estremadura”, em Estremadura. Boletim da Junta de Província,
sér. II, núm. 10, Lisboa, 1945, p. 301; Carvalho, Sérgio Luís de. “A presença árabe em Sintra durante a
Idade Média”, em História, núm. 101, 1987, p. 90.
26
Anuario de Historia Regional y de las Fronteras Vol.22 No.2
a Rua da Mesquita46. A existência de mesquitas é bastante importante no contexto
militar que temos vindo a referir, pois eram locais onde também se podiam agrupar os
monges guerreiros e outros homens que se dedicavam ao exercício da espiritualidade
e ao combate contra o inimigo.
Figura 2. Povoamento nas proximidades do rio de Colares segundo a Carta chorographica dos terrenos
em volta de Lisboa comprehendendo a principal parte do Tejo adjacente à sua foz, escala
1/100.000.
Fuente: Lisboa: Direcção dos Trabalhos Geodésicos do Reino, 1856-1866.
O ribat do Alto da Vigia
O Alto da Vigia é um pequeno outeiro que fica situado junto à praia das Maçãs, na
margem esquerda da desembocadura do rio de Colares, curso de água que nasce a c.
14 km da sua foz, estando actualmente reduzido à condição de ribeira. Em épocas
passadas um esteiro de mar invadia esta área, permitindo a navegabilidade do vale de
Colares, o acesso naval ao interior do território e ao porto local47.
Em 2008, durante intervenções arqueológicas realizadas no Alto da Vigia que visavam
averiguar a existência do santuário romano consagrado ao Sol e à Lua que se sabia
ter existido no litoral de Sintra, foram detectados importantes vestígios de diferentes
cronologias, inicialmente associados a uma vigia48, porquanto parte da sua estrutura
46
Oliveira Borges, Marco. “O sistema defensivo de Sintra durante o Período islâmico”, em Congresso
Internacional O Mediterrâneo e o Sul Ibérico na Época Medieval. Cultura, Identidade e Património,
Universidade de Évora, 23 de Maio de 2014.
47
Oliveira Borges, Marco. “A defesa costeira do litoral de Sintra-Cascais durante o Garb al-Ândalus.
I-Em torno do porto de Colares”..., pp. 116-128; “Portos e ancoradouros do litoral de Sintra-Cascais. Da
Antiguidade à Idade Moderna (I)”..., pp. 152-160; “Navegação comercial luvio-marítima e povoamento no
Ocidente do Municipium Olisiponense: em torno dos rios Lizandro (Mafra) e Colares (Sintra)”...
48
Até recentemente foi interpretada pelos arqueólogos como sendo a torre de um facho (Jordão, Patrícia,
Mendes, Pedro e Gonçalves, Alexandre. Alto da Vigia (Colares, Sintra). Relatório dos Trabalhos
Arqueológicos [de 2008], 2009, p. 3 [policopiado]; Gonçalves, Alexandre Marques. Alto da Vigia (Colares,
27
A importância estratégica do conhecimento do território na formação de um sistema...
ainda estava visível à superfície. O decorrer dos trabalhos permitiu confirmar que
foi neste local que os romanos construíram o dito santuário, mas a grande surpresa
esteve na detecção parcial das estruturas de um edifício islâmico que tem vindo a ser
referido com sendo um ribat49. Assim, na actualidade, o Alto da Vigia representa o
sítio arqueológico romano e islâmico mais ocidental do continente europeu.
O termo ribat, para além de arquitectonicamente designar uma estrutura fortificada
(ou não), contém um significado ligado ao exercer da espiritualidade própria da guerra
religiosa50. Assim, este termo pode ser aplicado a um assentamento militar em que se
faz o ribat espiritual, em que existe uma actividade bélica importante e com população
variada51, mas também a uma determinada área geográfica onde decorriam essas
acções. Em todo o caso, não é consensual a discussão em torno das funções dos rubut,
havendo investigadores que diminuem a importância militar e defensiva que costuma
ser atribuída a estes edifícios, favorecendo mais os aspectos religiosos, estando os
ocupantes destas estruturas mais ligados a práticas ascéticas embora não descurando
as tarefas de vigilância e de sinalização do perigo inimigo. Por outro lado, em certas
áreas, os rubut também estiveram ligados a actividades comerciais marítimas, pelo
que poderá ter acontecido o mesmo em Sintra. Partindo da ideia de que nem todas
estas estruturas terão sido erguidas exactamente com a mesma tipologia construtiva
e o mesmo propósito específico, embora tenham acumulado funções associadas à
prática de ribat e, ao longo da sua existência, até possam ter ganho outras utilidades
diferentes das que inicialmente teriam presidido à sua edificação –isto mediante uma
adaptação a diferentes conjunturas históricas–, a exploração da realidade geográfica
e do contexto histórico em que se inseriam é fundamental para se tentar compreender
o seu antigo funcionamento e as razões da sua implantação em determinado local.
Num contexto militar e estrutural, o ribat costuma ser designado como sendo um
convento, um convento-fortificado ou mosteiro-fortaleza associado à protecção
dos espaços de fronteira terrestre e marítima, estando igualmente ligado às lides da
defesa costeira. Era um dos edifícios onde os monges guerreiros, outros combatentes
e voluntários preparavam a jihad contra os cristãos52, contra os vikings e até mesmo
contra os inimigos internos. No caso da Península Ibérica, a primeira descoberta de um
ribat ocorreu nas dunas de Guardamar (Alicante), junto à desembocadura do antigo
delta do rio Segura (1984), sendo que os dados arqueológicos obtidos apontam para
uma cronologia de ocupação do local desde finais do século IX53. A segunda detecção
Sintra). Relatório dos trabalhos arqueológicos de 2013, 2014, pp. 11-12 [policopiado]).
49
Gonçalves, Alexandre Marques. Escavação arqueológica do Alto da Vigia (Colares-Sintra): relatório da
intervenção realizada em 2015, 2016, pp. 7-9, 67 e 70-75 [policopiado].
50
Epalza, Míkel de. “La Ràpita Islámica: Historia Institucional”..., pp. 6-7 e 27.
51
Ibíd., p. 27.
O geógrafo Al-Bakri referiu que o al-Ândalus era um território de jihad, estando rodeado por iniéis de
diversas origens. Al-Bakri, Abu Ubayd, Op Cit., p. 39.
52
53
Azuar, R. “El ribât en al-Andalus: espacio y función”, em Ilu. Revista de Ciencias de las Religiones.
Anejos, vol. X, Madrid, 2004, pp. 27-28; Azuar. “O contributo da Arqueologia para o estudo dos ribat-s do
Al-Andalus”, em Ribat da Arrifana. Cultura material e espiritualidade (Aljezur: Associação de Defesa do
Património Histórico e Arqueológico de Aljezur, 2007), pp. 30-32.
28
Anuario de Historia Regional y de las Fronteras Vol.22 No.2
viria a ser feita na Arrifana (Aljezur), mais concretamente numa pequena península
denominada Ponta da Atalaia (2001), sendo que o ribat em questão tem sido associado
a ordens de construção de Ibn Qasi, por volta de 113054. No entanto, existe uma linha de
pensamento divergente e que coloca a sua edificação numa época anterior, não estando
relacionada com aquele mestre sufi, até porque o edifício mandado levantar por este
teria sido construído noutro local55. Por fim, a terceira descoberta, com o consequente
desenvolvimento de intervenções arqueológicas, tem vindo a ser indicada para o Alto
da Vigia (Sintra)56, não parecendo haver outro registo positivo a nível peninsular até
ao presente57. Em todo o caso, e olhando apenas para o actual território português, a
dispersão destas estruturas terá abrangido uma área bastante vasta, tendo existido na
área do rio Douro (muito provavelmente já em 876-877), na área fluvial da Grande
Lisboa (pelo menos em Sacavém), na Península de Setúbal, na costa algarvia e noutros
possíveis locais em que perdurou o topónimo Arrábida58.
As escavações no Alto da Vigia ainda estão numa fase embrionária59. Até à campanha
arqueológica de 2015 conheciam-se três salas que integravam o ribat, uma delas com
um mihrab virtualmente orientado para Meca, e outros vestígios contemporâneos da
ocupação islâmica, nomeadamente pisos de terra batida, silos e sepulturas, sendo que
nem todos estão escavados na sua totalidade60. De acordo com Alexandre Gonçalves, a
nível da planta e das técnicas de construção, o ribat do Alto da Vigia parece apresentar
características semelhantes aos que foram identificados em Guardamar e na Arrifana,
enquadrando-se numa possível tipologia construtiva presente no al-Ândalus61. Porém,
somente o decorrer dos trabalhos poderá confirmar essa hipótese62. Naturalmente que
a dimensão estrutural do edifício de Sintra ocupará uma área mais alargada do que
54
Varela Gomes, Rosa e Varela Gomes, Mário. “O Ribat da Arrifana (Aljezur, Algarve): resultados da
campanha de escavações arqueológicas de 2002”, em Revista Portuguesa de Arqueologia, vol. VII, núm. 1,
Lisboa, 2004, pp. 483 e 560; Varela Gomes, Mário. “Ibn Qasi-Vida e obra do mestre sui da Arrifana”…, p. 41.
55
Macias, Santiago. “Resenha dos factos políticos”, em Mattoso, José (Dir.), História de Portugal, vol.
I-Antes de Portugal ([s.l.]: Editorial Estampa, 1997), p. 380; Cavaco, Sandra. O arrabalde da Bela Fria.
Contributos para o estudo da Tavira islâmica, (dissertação de mestrado), UA, 2011, pp. 57-59; Macias,
Santiago. “Archéologi islamique au Portugal: bilan et thèmes de recherche”, em Sénac, Philippe (ed.),
Histoire et archéologi de l’Occident musulman (VIIe-XVe siècles). Al-Andalus, Maghreb et Sicile (Toulouse:
CNRS-Université de Toulouse-Le Mirail, 2012), p. 109; Carvalho, António Rafael e Wu, Chia-Chin. “A
inluência do oceano Atlântico/Bahr Uqiyanus al-A´zam na procura de Deus/Allah: uma relexão, desde o
Alentejo litoral/sahil de al-Qasr, até à costa vicentina/sahil de Silves” (no prelo).
56
Marques Gonçalves, Alexandre. Escavação arqueológica do Alto da Vigia (Colares-Sintra)…, pp. 8-9.
57
Contudo, na área da praia dos Coelhos (Galápos, Setúbal), em pleno litoral da serra da Arrábida, foram
identiicados vestígios arqueológicos que chegaram a levar à hipótese de se estar perante um local onde
existiu um ribat ou apenas uma rábita. Carvalho, António Rafael e Sousa, Vítor Rafael de. “A presença
tardoromana e muçulmana na praia dos Coelhos. Notícia preliminar”, em Al-Madan, vol. II sér., núm. 12,
Almada, 2003, 187-188; Carvalho, António Rafael e Wu, Chia-Chin, Op Cit.).
A bibliograia indicada por Oliveira Borges, Marco. “A defesa costeira no distrito de Lisboa durante o
período islâmico. I-A área a ocidente da cidade de Lisboa”...
58
59
Marques Gonçalves, Alexandre, Op Cit., p. 9.
60
Ibíd., pp. 14-15, 37, 46-48, 62 e 70.
61
Azuar, R. “El ribât en al-Andalus: espacio y función”…, p. 23; “O contributo da Arqueologia para
o estudo dos ribat-s do Al-Andalus”…, pp. 29 e 35-36; Varela Gomes, Rosa e Varela Gomes, Mário.
“Ambiente natural e complexo ediicado”…, pp. 63-64; Marques Gonçalves, Alexandre, Op Cit., p. 9.
62
Ibíd.
29
A importância estratégica do conhecimento do território na formação de um sistema...
aquela que está a ser alvo de escavações, sendo que as prospecções geofísicas levadas a
cabo revelaram a existência de outras estruturas por escavar63. Neste sentido, está ainda
por perceber a real extensão do sítio arqueológico, esperando-se que em breve surjam
novos dados que permitam compreender melhor a ocupação do local e aclarar as várias
dúvidas que persistem64. De qualquer forma, para já pode-se dizer que a estrutura que
está a ser intervencionada não tem o aspecto de um verdadeiro recinto fortificado como
se pode ver nos rubut do Norte de África-caso de Tunes65.
Um dos aspectos mais importantes a destacar tem a ver com as várias fases de ocupação
islâmica que têm vindo a ser detectadas e que vieram sucessivamente a alterar o
sítio66. Outro pormenor que interessa salientar é que as campanhas de escavação têm
mostrado que a edificação das estruturas islâmicas foi feita com múltiplos elementos
arquitectónicos e epigráficos do templo romano precedente67. Para além disso, refira-se
que as estruturas do ribat detectadas encontram-se bastante destruídas, sendo que isso
também se deverá à remoção e reutilização das suas pedras na edificação da vigia ali
identificada, a qual tem sido associada ao reinado de D. Manuel I68.
Ainda que as estruturas islâmicas que têm vindo a ser escavadas no Alto da Vigia
não apresentem a tipologia arquitectónica de outros rubut já identificados fora do alÂndalus, não se pode deixar de associar este ribat sintrense à defesa costeira. Assim,
contrariamente a interpretações que ligam a edificação desta estrutura essencialmente
a questões espirituais e religiosas, a existência de um ribat ou de outros edifícios com
função de ribat naquele outeiro junto à foz do rio de Colares –por onde entrava um
braço de mar–, revela claramente uma necessidade estratégica de ter um local abrigado
em que se pudessem agrupar homens capazes de proteger um espaço que era comum à
navegação e que, no fundo, permitia o acesso naval ao interior do território69 e ao porto
local (c. 4 km a montante)70.
De facto, sabe-se que estas estruturas eram construídas em áreas marítimas importantes,
algumas mesmo na desembocadura de rios para protegeram o acesso a portos interiores,
63
É de salientar que parte do sítio arqueológico, na área extrema Poente, foi desaparecendo com o desabe
de parte do Outeiro devido à acção dos agentes erosivos e de acidentes naturais que ocorreram ao longo
dos séculos (ig. 5).
64
Carvalho, António Rafael e Wu, Chia-Chin, Op Cit., inclinam-se para a ideia de que a estrutura que está
a ser escavada não seja um ribat, mas sim uma “zawiya, como sinónimo de rabita”, tratando-se assim de
uma pequena mesquita isolada já da época almorávida. No entanto, contrariamente a esta perspectiva, a
mesquita até agora identiicada será apenas uma de outras que farão parte do ribat.
65
Marques Gonçalves, Alexandre, Op Cit, p. 9.
66
Ibíd., pp. 70-75.
67
Ibíd., pp. 67 e 89.
68
Ibíd., pp. 10, 35-36 e 91; Ribeiro, José Cardim. “Ad Antiquitates Vestigandas. Destinos e itinerários
antiquaristas nos campos olisiponenses ocidentais desde inícios a meados do século XVI”, em González
Germain, Gerard (coord.), Peregrinationes ad inscriptiones colligendas. Estudios sobre epigrafía de
tradición manuscrita (Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona, 2016), p. 140.
69
Oliveira Borges, Marco. “A defesa costeira do litoral de Sintra-Cascais durante o Garb al-Ândalus. I-Em
torno do porto de Colares”..., pp. 119-120; O porto de Cascais..., pp. 167-168, núm. 632 e 180; “Portos
e ancoradouros do litoral de Sintra-Cascais. Da Antiguidade à Idade Moderna (I)”..., p. 158; “Navegação
comercial luvio-marítima e povoamento no Ocidente do Municipium Olisiponense: em torno dos rios
Lizandro (Mafra) e Colares (Sintra)”...
70
Oliveira Borges, Marco. O porto de Cascais…, p. 38.
30
Anuario de Historia Regional y de las Fronteras Vol.22 No.2
embora para os casos do Norte de África e do Mediterrâneo oriental seja apontada
uma finalidade mais ligada ao movimento comercial marítimo do que propriamente
aos aspectos militares71. Em todo o caso, para o litoral catalão, por exemplo, al-Idrisi
(1099-1165/66) refere uma “rabita de Kashtali”, situada a Sul de Tortosa, como sendo
“formosa, forta i inexpugnable vora la mar i compta amb una guarnició (qawm) brava”72.
Reforçando a ideia de que o principal motivo da implantação de um ribat naquela
área sensível da costa de Sintra tenha sido por aspectos defensivos, a utilização militar
daquele outeiro onde se encontram as ruínas da estrutura islâmica levanta diversas
questões, sendo que a leitura geo-estratégica do local permite colocar a hipótese de
terem existido outras estruturas mais para Sul e, sobretudo, para Norte, na área mais
próxima e fronteira à actual foz da ribeira de Colares73. Era este o local por onde entrava
o esteiro de mar e em que se fazia a interdição da entrada de navios para o interior do
território74. Por conseguinte, a defesa da entrada do antigo esteiro navegável seria feita,
em primeira instância, pelas forças destacadas no local. Mas para além dos ocupantes do
edifício e de outras possíveis estruturas próximas desse sítio estarem envolvidos nessa
defesa, daquela área era possível estabelecer contacto visual e comunicar com os postos
defensivos dos arredores, com outros situados mais para o interior e até com o castelo
dos Mouros, pelo que em sinal de alarme outros guerreiros e monges voluntários das
redondezas acorreriam ao local em auxilio dos que lá estavam fixos.
No que respeita à cronologia de fundação deste ribat, e ainda que tenha sido ocupado
durante várias fases do Período Islâmico75, ainda não é possível avançar com um
momento exacto. No entanto, as cerâmicas exumadas até 2015, e que permitem
estabelecer alguns paralelos com materiais recolhidos em Lisboa, no ribat da Arrifana e
no Algarve, enquadram-se em contextos cronológicos que se estendem entre o período
emiral e o século XII76. Conquanto ainda se esteja numa fase embrionária de análise, é
possível que este ribat tenha sido edificado no âmbito do reforço do sistema defensivo
do litoral atlântico e mediterrânico face aos primeiros ataques nórdicos, podendo
remontar a um período muito próximo de 844, de modo a impedir o acesso viking ao
interior de Sintra77.
71
Algumas rotas comerciais da costa oriental mediterrânica e do Norte de África eram apoiadas em rubut,
com navios a chegarem das costas cristãs carregados de produtos, sendo que o aviso da sua chegada era dado
através das torres de vigia com as gentes da região a acorrerem aos rubut para comerciarem. Azuar, R. “El
ribât en al-Andalus: espacio y función”..., pp. 28-29; “O contributo da Arqueologia para o estudo dos ribat-s
do Al-Andalus”..., p. 32).
72
Apud Bramon, Dolors. “La Ràpita del Cascall al delta de l’Ebre”…, p. 120.
A posição estratégica do Alto da Vigia e a possível extensão mais alargada da área ocupada pelas estruturas
islâmicas têm sido prontamente reconhecidas por alguns investigadores que têm visitado o local, caso de
Branco Correia, Fernando. “A acção do poder político nas actividades portuárias e na navegação no ocidente
islâmico. Alguns tópicos”..., p. 20; “Fortiicações de iniciativa omíada no Gharb al-Andalus nos séculos IX e
X-hipóteses em torno da chegada dos Majus (entre Tejo e Mondego)”..., p. 77.
74
Oliveira Borges, Marco. “A defesa costeira do litoral de Sintra-Cascais durante o Garb al-Ândalus. I-Em
torno do porto de Colares”..., pp. 119-120; O porto de Cascais ..., pp. 167-168, n. 632 e 180.
73
75
Marques Gonçalves, Alexandre, Op Cit, pp. 70-75..
76
Ibíd., pp. 77-85.
77
Oliveira Borges, Marco. “A defesa costeira do litoral de Sintra-Cascais durante o Garb al-Ândalus. I-Em
torno do porto de Colares”..., pp. 119-120 e 125, núm. 89; O porto de Cascais…, pp. 167-168, núm. 632 e 180.
31
A importância estratégica do conhecimento do território na formação de um sistema...
As fontes históricas conhecidas nada dizem sobre a estrutura do Alto da Vigia, pelo que
as iniciativas de construção tanto poderão ter partido do poder central (Córdova) como
das dinastias rebeldes regionais. Note-se que, embora logo após os ataques nórdicos
de 844 o poder central tenha ordenado o reforço da defesa marítima ao longo da costa
atlântica e mediterrânica, a verdade é que arquitectura militar do Garb al-Ândalus
também foi dirigida por rebeldes e dinastias regionais78. Mas o facto de os dados obtidos
nas escavações de Sintra mostrarem que o local teve várias fases de ocupação islâmica,
mantendo-se muito provavelmente até à época da tomada de Lisboa, ajuda a perceber
que por ali terão passado não apenas homens locais mas também possivelmente forças
enviadas pelo poder central ou até voluntários vindos de locais distantes. Sabe-se que,
para além da mão-de-obra local e das forças enviadas por Córdova para diversos pontos
do al-Ândalus, também vinham voluntários de outras partes a favor da jihad, devendo
essas deslocações ter propiciado igualmente a ocupação de locais costeiros estratégicos
que se revelavam mais sensíveis à chegada inimiga79.
Como exemplo da importância e necessidade de se proteger o acesso naval ao interior
de Sintra, e no âmbito do que temos vindo a mostrar, importa referir o caso do ataque
de Sigurd àquela povoação. Terá sido pelo esteiro de Colares que Sigurd, jovem comonarca norueguês, lançou um ataque a Sintra em 110980, podendo não ter sido a
primeira vez que forças nórdicas subiram aquele braço de mar.
Figura 3. Pormenor da área de Colares. Carta Militar de Portugal, Colares (Sintra),
escala 1/25.000, folha 415.
Fuente: Serviço Cartográfico do Exército, 1991.
Branco Correia, Fernando. “Fortiicações de iniciativa omíada no Gharb al-Andalus nos séculos IX e
X-hipóteses em torno da chegada dos Majus (entre Tejo e Mondego)”..., pp. 74-75.
79
Branco Correia, Fernando. “A acção do poder político nas actividades portuárias e na navegação no ocidente
islâmico. Alguns tópicos”..., pp. 15, 21 e 24; “Fortiicações de iniciativa omíada no Gharb al-Andalus nos
séculos IX e X-hipóteses em torno da chegada dos Majus (entre Tejo e Mondego)”..., p. 75.
80
Caetano, Maria Teresa, Op Cit., p. 41; Oliveira Borges, Marco. “A defesa costeira do litoral de SintraCascais durante o Garb al-Ândalus. I-Em torno do porto de Colares”..., pp. 124-125; O porto de Cascais…,
pp. 167-168; “Portos e ancoradouros do litoral de Sintra-Cascais. Da Antiguidade à Idade Moderna (I)”…, p.
160; Pires, Hélio. “Word from the South: a source for Morkinskinna?”, em Viking and Medieval Scandinavia,
núm. 10, Turnhout, 2014, p. 183.
78
32
Anuario de Historia Regional y de las Fronteras Vol.22 No.2
Figura 4. Vista do Alto da Vigia para a praia das Maçãs (Dezembro de 2011).
Fuente: Foto do autor.
Figura 5. Alto da Vigia. Perspectiva aérea do local onde se realizam os trabalhos arqueológicos (Abril de 2015).
Fuente: Imagem aérea captada em Abril de 2015. Cedida ao autor por Ana de Frias.
33
A importância estratégica do conhecimento do território na formação de um sistema...
Figura 6. Pormenor de uma das salas do ribat do Alto da Vigia. Destaque para o mihrab,
virtualmente orientado no sentido de Meca.
Fuente: Raul Losada/Portugal Romano. Cedida ao Autor por Raul Losada.
Figura 7. Uma outra sala do ribat vista para Sul (Setembro de 2016).
Fuente: Foto do autor.
34
Anuario de Historia Regional y de las Fronteras Vol.22 No.2
Um topónimo relevante, e que tem sido associado ao referido ribat, é Alconchel ou
Ponta de Alconchel. No entanto, o referido topónimo encontra-se situado mais a Sul do
local onde têm sido exumados os vestígios da antiga estrutura islâmica, dando nome à
extremidade rochosa que faz fronteira entre a praia Pequena81, a Norte, e a praia Grande,
a Sul (Figs. 2 e 3). José Pedro Machado interrogou-se sobre a possível relação deste
topónimo com “concha”82. Se atendermos às enormes quantidades de conchas que têm
sido identificadas no Alto da Vigia, e que em certas partes do terreno ainda são visíveis
no solo, sendo que esses vestígios poderão estender-se mais para Sul, faria todo o
sentido que o topónimo estivesse, de facto, relacionado com esse tipo de evidências que
revelam a inclusão da vida marítima local no regime alimentar das pessoas que por ali
passaram. Contudo, o topónimo Alconchel, de origem moçárabe e igualmente existente,
por exemplo, em Évora e em Espanha, derivará de al-conciliu83, estando possivelmente
ligado a um local de reunião humana, pelo que os arqueólogos que desenvolvem as
escavações no Alto da Vigia crêem que o mesmo estará associado ao ribat84.
Dois dados bastante curiosos surgem numa carta da barra do Tejo e arredores de 1756:
um forte edificado no outeiro que corresponderá à Ponta de Alconchel, bem como uma
área de ancoradouro adjacente e que abarca o recorte costeiro alusivo à praia Pequena
(Fig. 8). Se a representação for verdadeira, e estando-se perante uma área estratégica,
não admira que na Ponta de Alconchel também tenham existido construções mais
antigas que tenham precedido a fortificação que surge na carta. De facto, faz muito
sentido que o território entre o Alto da Vigia e a Ponta de Alconchel, dominando espaços
de ancoradouro, de desembarque e de acesso ao interior do território, tenha funcionado
como um todo defensivo e sido ocupado em larga diacronia. Neste encadeamento de
ideias, e crendo na possibilidade de que a presença humana se estendeu para Sul com a
existência de estruturas85, a interpretação que sugere que o topónimo Alconchel aponta
para um local de reunião é bastante plausível. Porém, a área da Ponta de Alconchel foi
fortemente modificada pela acção do homem em tempos recentes, contrariamente ao
espaço do Alto da Vigia que está a ser intervencionado, construindo-se edifícios que
se sobrepuseram a possíveis estruturas anteriores. Resta, no entanto, pouco mais do
que uma área com vegetação nessas imediações que não foi alvo de construções e que
poderá um dia vir a revelar a existência de estruturas pétreas.
81
Também referida como praia da Vigia na cartograia antiga.
82
Machado, José Pedro. “Alconchel”, em Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2.ª
ed., vol. I (Lisboa: Livros Horizonte, 1993), p. 82.
83
Gordón Peral, María Dolores. “De Toponimia Hispalense”, em Philologia Hispalensis, vol. II, fasc. 1,
Sevilla, Universidad de Sevilla, 1987, p. 149; González Salgado, José Antonio. “Orígenes y clasiicación
de la toponimia mayor estremeña”, em Girón Alconchel, José Luís e Bustos Tovar, José Jesús de (coords.),
Actas del VI Congreso Internacional de Historia de la Lengua Española, vol. 2 (Madrid: Universidad
Complutense de Madrid, 2006), p. 1449.
84
Numa outra interpretação, Adalberto Alves vê Alconchel como uma variante de Alcanchal, estando este
topónimo relacionado com expressões como “o piso ou o solo difícil”, “caminho difícil, com mau piso ou
intransitável”, Alves, Adalberto. “Alcanchal” e “Alconchel”, Op Cit., pp. 123 e 131).
85
Oliveira Borges, Marco. “A defesa costeira no distrito de Lisboa durante o período islâmico. I-A área a
ocidente da cidade de Lisboa”...
35
A importância estratégica do conhecimento do território na formação de um sistema...
Figura 8. Pormenor da área costeira de Colares.
Fuente: BnF, M. Bellin, Plan du port de Lisbonne et des costes voisines ([Paris]: 1756).
Atalaias e outros postos de vigia costeiros
Estando Sintra dotada de uma linha costeira que permitia observar o movimento
marítimo ao seu largo, que possibilitava o abrigo inimigo em pequenas enseadas e
desembarques que facilitavam o acesso ao território, é natural que os ocupantes
muçulmanos tenham aproveitado esses factores para a implantação de diversas
estruturas de vigilância86. Acresce que a sua costa abrange o cabo da Roca, desde
sempre um importante acidente geográfico para a navegação87, não esquecendo ainda
a incapacidade de comunicação visual através do castelo dos Mouros em períodos de
nevoeiro, pelo que outros postos alternativos e complementares ganhavam forma ao
longo do litoral88. Por isso mesmo, a toponímia do concelho de Sintra fornece diversos
étimos associados a contextos militares e relacionáveis com antigos postos defensivos
e de observação oceânica.
Ligeiramente a Sul da foz da ribeira do Falcão, a cartografia indica o topónimo Vigia
de Assafora. Seguindo o trecho costeiro meridional, um pouco a Sul do forte de
Magoito e da ribeira da Mata, numa posição bastante elevada, surge o topónimo Vigia
86
Oliveira Borges, Marco. “A defesa costeira do litoral de Sintra-Cascais durante o Garb al-Ândalus. I-Em
torno do porto de Colares”..., pp. 111-113.
Na Antiguidade, entre outras denominações, era conhecido por promontório de Oiússa. Avieno.
Orla Marítima (Coimbra: Instituto Nacional de Investigação Cientíica/Centro de Estudos Clássicos e
Humanísticos da Universidade de Coimbra, 1992) pp. 22 e 47, núm. 33.
87
88
Oliveira Borges, Marco. “A defesa costeira do litoral de Sintra-Cascais durante o Garb al-Ândalus. I-Em
torno do porto de Colares”..., pp. 111-113.
36
Anuario de Historia Regional y de las Fronteras Vol.22 No.2
da Mata. É muito provável que corresponda à Atalaia do Magoito, topónimo que surge
na cartografia setecentista. Por sua vez, imediatamente a Sul da praia das Maçãs, local
já abordado, surge o topónimo Vigia de Colares ou Alto da Vigia. Embora para os dois
primeiros sítios não se saiba qual a natureza de ocupação humana, para este último a
arqueologia mostrou que foi usado em larga diacronia.
Um local fulcral para as tarefas de vigilância e que era muito procurado pela navegação
é o cabo da Roca. Junto a este sítio, onde entrou em funcionamento um farol em 1772,
surge o topónimo Vigia da Roca e Cruzeiro do Facho, indicadores não apenas de um
local de vigilância mas também de apoio à navegação nocturna. É muito provável que
durante o Período Islâmico o cabo da Roca, área de forte vento e bastante perigosa para
a navegação, já tivesse estruturas e que até pudessem ser mais antigas, dado este ser
referido com importância na Antiguidade.
Um pouco mais para nascente do cabo da Roca, numa posição ainda mais elevada,
temos a localidade da Azóia. Este topónimo deriva de az-zawiya, devendo ter surgido
do desígnio de um edifício religioso existente naquela área serrana, provavelmente
uma pequena ermida, mas que acumularia igualmente a função de posto de vigilância89,
dando o alerta perante a aproximação inimiga. Nestas estruturas, situadas normalmente
junto da costa e de vias de comunicação, também se deveria dar apoio aos desvalidos
e a viajantes90. A Azóia da serra de Sintra vem referida durante a descrição da viagem
da embaixada muçulmana enviada ao rei dos vikings após o ataque de 844. A jornada
foi efectuada por dois navios que partiram de Silves e que, ao chegarem ao “grande
promontório que penetra no mar, limite de Espanha no extremo ocidental, e que é a
montanha conhecida com o nome de Aluía [Azauia ou Azóia?], foram surpreendidos
por uma tempestade”91. É de salientar que toda esta área da serra de Sintra era propícia
à edificação de estruturas. Ainda hoje, ligeiramente a Norte da Azóia, existe uma
localidade denominada Atalaia e que na micro-toponímia se subdivide em Atalaia
de Baixo e Atalaia de Cima. A posição elevada e estratégica destes locais indicia a
existência de antigos postos de vigilância costeira que poderão remontar aos séculos
IX-X92.
Vindo referido desde finais do século XIX como estando integrado no território de
Cascais, mas pertencendo já ao concelho de Sintra, chegou a ser avançado que no sítio
arqueológico do Espigão das Ruivas, ladeado do porto do Touro –este sim em território
cascalense (Figs. 9 e 10)–, terá existido um farol para apoio à navegação usado em
larga diacronia. No entanto, esta interpretação não deixa de levantar sérias dúvidas,
89
Picard, Christophe. Le Portugal musulman…, núm. 47, p. 62.
90
Catarino, Helena, Op Cit., p. 263.
A possível identiicação do termo “Aluía” com “Azóia” foi levantada por Borges Coelho, António.
Op Cit., pp. 172 e 204, núm. 72, sendo posteriormente aclarada por Catarino, Helena, Op Cit., p. 264,
reportando-se a autora à localidade da serra de Sintra com o mesmo topónimo e que está junto ao cabo da
Roca.
91
92
Picard, Christophe. L’océan Atlantique musulman. De la conquête arabe à l’époque almohade.
Navigation et mise en valeur des côtes d’al-Andalus et du Maghreb occidental (Portugal-Espagne-Maroc)
(Paris: Maisonneuve et Larose, 1997), p. 92; Oliveira Borges, Marco. “A defesa costeira do litoral de
Sintra-Cascais durante o Garb al-Ândalus. I-Em torno do porto de Colares”…, pp. 110-112.
37
A importância estratégica do conhecimento do território na formação de um sistema...
sendo necessários mais olhares sobre o assunto93. A intervenção arqueológica realizada
no local, em 1991, permitiu detectar vestígios de uma estrutura pétrea e materiais da
Idade do Ferro, do Período Romano, do Período Visigótico e do Período Islâmico94,
se bem que ainda não tenham sido estudados e publicados na sua totalidade. Em todo
o caso, é de crer que no Espigão das Ruivas tenha existido uma pequena casa-abrigo
para apoio à navegação, podendo ter funcionado como local de sinalização do porto
do Touro aos navegantes, bem como de posto de vigia.
Quanto a este exíguo porto, em actividade igualmente durante o Período Islâmico,
é muito provável que tenha sido usado como local de descaminho e contrabando de
mercadorias em larga diacronia95. Ao mesmo tempo, e olhando para os casos do cabo
da Roca e da enseada de Assentiz, locais estratégicos, muito próximos do referido
porto e que foram usados por corsários e piratas ao longo dos séculos, é bem provável
que a sua área marítima imediata tenha constituído igualmente um espaço de espera
para se praticarem ataques contra a navegação em trânsito, pelo menos durante a
Idade Moderna96.
O porto do Touro ainda vinha referido na cartografia dos séculos XVII-XIX, se bem
que grafado de outra forma. Numa carta do atlas da Península Ibérica de Pedro Teixeira
de 1634 (fig. 9), por exemplo, surge como “porto do Guincho”, tendo representados
dois navios ao seu largo, ainda que a linha costeira onde se encontra surja representada
de forma bastante fantasiada. Fica por saber se na área imediata ao porto do Touro,
local onde foram observados diversos fragmentos de cerâmica à superfície (incluindo
de faiança) e onde existem ruínas de edifícios – geralmente atribuídos à construção de
pescadores em tempos mais recentes –, existiu povoamento antigo, até mesmo relativo
ao Período Islâmico, cenário muito provável face à utilização do Espigão das Ruivas
desde a Idade do Ferro97. No entanto, somente futuras prospecções arqueológicas e
possíveis escavações poderão vir a esclarecer as dúvidas que persistem. Acrescente-se
a isto a necessidade de trabalhos de prospecção geofísica na área marítima imediata ao
porto do Touro e nas enseadas das proximidades.
O território do actual concelho de Cascais, outrora na dependência de Sintra, também
teve os seus postos de vigia durante a ocupação islâmica, sendo que o porto cascalense,
que tem sido associado ao almirante muçulmano Khashkhash (século IX)98, estaria em
Os dados e a bibliograia referida por Oliveira Borges, Marco “A importância do porto do Touro e do sítio
arqueológico do Espigão das Ruivas (Cascais) entre a Idade do Ferro e a Idade Moderna”, em História.
Revista da FLUP, IV sér., vol. 6, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2016, pp. 161-182.
94
Cardoso, Guilherme, Miranda, Jorge e Teixeira, Carlos A. Registo fotográico de Alcabideche e alguns
apontamentos histórico-administrativos (Alcabideche: Junta de Freguesia de Alcabideche, 2009), pp. 29-35
e 390-394.
93
95
Oliveira Borges, Marco, Op Cit., pp. 177-178.
Oliveira Borges, Marco. “Portos e ancoradouros do litoral de Sintra-Cascais. Da Antiguidade à Idade
Moderna (I)”..., pp. 162-164; “A importância do porto do Touro e do sítio arqueológico do Espigão das
Ruivas (Cascais) entre a Idade do Ferro e a Idade Moderna”..., p. 180.
96
97
Ibíd., p. 175.
Oliveira Borges, Marco e Condeço de Castro, Helena “O navegador muçulmano Khashkhash e a possível
ligação com o topónimo Cascais: problemas e possibilidades”, em Arquivo de Cascais, núm. 14, Cascais,
Câmara Municipal de Cascais, 2015, pp. 6-29.
98
38
Anuario de Historia Regional y de las Fronteras Vol.22 No.2
contacto visual e comunicação permanente com as estruturas de alerta sintrenses. É
muito provável que nesse período já tivesse alguma importância para escoar a produção
de Sintra, ao mesmo tempo que deveria prestar apoio às actividades militares navais
da região, tal como aconteceu em séculos posteriores99.
Para além das estruturas que estariam dispostas ao longo da costa, existiam postos
militares edificados mais para o interior. Um pouco mais para Leste, para a região entre
Lisboa e Sintra, al-Himyari refere a existência de uma montanha usada antigamente
como reduto fortificado100. Pelas indicações deixadas, esse local tem sido identificado
como sendo Monte Suímo. Recentemente, neste local foram detectados fragmentos de
telhas alto-medievais/islâmicas e vestígios de uma antiga estrutura pétrea que poderá
corresponder às ruínas da fortificação referida por al-Himyari101. Embora não se
saiba qual o tipo de fortificação que aqui deverá ter existido, é perceptível a razão da
implantação de uma estrutura defensiva neste local. Situado na serra da Carregueira,
Monte Suímo é uma colina de forma arredondada com 291 m de altura, constituindo
o maior relevo do conjunto de elevações desta serra. A sua localização privilegiada
permite obter uma visão de quase 360º dos arredores, com vistas para Lisboa, estuário
do Tejo, para toda a Península de Setúbal até à serra da Arrábida e para o Atlântico,
sendo apenas interrompidas pelo perfil dominante da serra de Sintra102.
Figura 9. Pormenor da costa de Sintra e Cascais numa carta do atlas da Península Ibérica de Pedro
Teixeira, 1634. Destaque para o porto do Guincho, mais conhecido por porto do Touro103.
Fuente: Adaptado de Pereda, Felipe e Marías, Fernando (eds.). El Atlas del Rey Planeta. La «descripción de
España y de las costas y puertos de sus reinos» de Pedro Teixeira (1634) (San Sebastián: Editorial Nerea, 2002).
Os dados e a bibliograia aduzida por Oliveira Borges, Marco. “Aspectos de militarização e defesa
costeira no Garb al-Ândalus: o caso de Cascais”, em Revista Universitaria de Historia Militar (no prelo).
99
100
Al-Himyari, Op Cit., p. 17; Coelho, António Borges, Op Cit., p. 47.
Oliveira Borges, Marco. “A defesa costeira no distrito de Lisboa durante o período islâmico. I-A área a
ocidente da cidade de Lisboa”...; “Aspectos de militarização e defesa costeira no Garb al-Ândalus: o caso
de Cascais”...
102
Cachão, M. et al. “A mina de granadas do Monte Suímo: de Plínio-o-Velho e Paul Choffat à actualidade”,
em E-Terra. Revista Electrónica de Ciências da Terra, vol. XVIII, núm. 20, 2010, p. 2.
103
Adaptado de Pereda, Felipe e Marías, Fernando (eds.). El Atlas del Rey Planeta. La «descripción de España
y de las costas y puertos de sus reinos» de Pedro Teixeira (1634) (San Sebastián: Editorial Nerea, 2002).
101
39
Fuente: Mapa feito para o autor por Luís Gonçalves.
A importância estratégica do conhecimento do território na formação de um sistema...
40
Figura 10. Sistema defensivo no Baixo Vale do Tejo durante o Período Islâmico.
Anuario de Historia Regional y de las Fronteras Vol.22 No.2
Todos estes locais e estruturas que temos vindo a referir, estejam inicialmente
associados a iniciativas do poder central ou regional, revelam claramente a existência
de um sistema defensivo e que a sua preparação obedeceu a um estudo aprofundado
do território. No entanto, como era feita a gestão da defesa marítima? Ao mesmo
tempo que o poder central tomava medidas defensivas, é possível que se deixasse aos
governadores dos distritos (kuwar) alguma margem de manobra nas lides da defesa
costeira104. Porém, parece que algumas zonas costeiras mais sensíveis, como era o caso
das que estavam situadas perto de cabos ou promontórios (taraf, pl. atraf), chegaram
a ser administradas independentemente dos distritos e dos seus governadores105.
Poderá ter sido este, em certo momento, o caso de Sintra106. Este tipo de autonomia
administrativa comprova-se para a Península de Setúbal, que chegou a ser considerada
um distrito costeiro autónomo da jurisdição dos kuwar de Lisboa e Alcácer do Sal, pelo
menos durante o califado omíada, estando dependente de um governador responsável
pela coordenação da defesa e vigilância marítima e terrestre107.
Não é difícil imaginar, contudo, que as próprias rebeliões do mundo islâmico
devam ter condicionado ao longo dos séculos a organização deste sistema de defesa
costeira e até mesmo provocado a sua paralisação. Note-se que esta área, estando nas
proximidades de Lisboa, cidade que viveu várias rebeliões contra o poder central e
que, por vezes, se alastravam a outras cidades do al-Ândalus, parece ter estado em
permanente insegurança. Na verdade, a área territorial entre Lisboa e Santarém gozou
de uma certa autonomia face aos centros de decisão política do al-Ândalus até ao
século XI, dando assim origem a uma zona de refúgio propícia a revoltas e que ficou
marcada pelo aparecimento de dinastias locais autónomas108. Em 886, por exemplo,
o wali de Lisboa revoltou-se contra Córdova. Como consequência, e para repor a
ordem, o poder central enviou um exército por terra e uma frota de guerra (saída de
Sevilha) a al-Ushbuna109.
104
Branco Correia, Fernando. “A acção do poder político nas actividades portuárias e na navegação no
ocidente islâmico. Alguns tópicos”..., p. 15. “Fortiicações de iniciativa omíada no Gharb al-Andalus nos
séculos IX e X-hipóteses em torno da chegada dos Majus (entre Tejo e Mondego)”..., p. 75.
105
Picard, Christophe. Le Portugal musulman…, p. 62.
106
Ibíd.
107
Picard, Christophe e Ferreira Fernandes, Isabel Cristina, Op Cit., pp. 75-77; Picard, Christophe. Le
Portugal musulman…, pp. 62 e 163; Pereda, Felipe e Marías, Fernando (eds.). “Les Ribats au Portugal
à l’époque musulmane: sources et déinitions”…, pp. 204-205; Alves Conde, Manuel Sílvio. “Sesimbra,
sobre a Costa do Mar”, em Arquipélago. História. Revista da Universidade dos Açores, 2ª sér., vol. VII,
Ponta Delgada, 2003, p. 248; Santos Mendes, Francisco José dos. O Nascimento da Margem Sul. Paróquias,
Concelhos e Comendas (1147-1385) (Lisboa: Edições Colibri, 2011), p. 27.
108
Coelho, Catarina. “A ocupação islâmica do castelo dos Mouros (Sintra): interpretação comparada”..., p. 208;
“O Castelo dos Mouros (Sintra)”..., p. 394. Uma revolta iniciada em Lisboa, em 808-809, teve repercussões a
toda a faixa ocidental entre Coimbra e Beja. Entre as décadas de 860 e 880 o Ocidente da Península foi agitado
por quatro rebeliões sucessivas, todas elas cheiadas por Abd al-Rahman Ibn Marwan Ibn Yunus, governador da
marca de Mérida, que chegou a conquistar e saquear Lisboa após uma dessas rebeliões iniciada em 876. Oliveira
Marques, A. H. de. “O «Portugal» islâmico”, Op Cit., pp. 124-126. Em 889-890, deu-se uma nova revolta em
Lisboa e nos territórios a Norte, “[...] o que mostra que o controlo por parte dos Marwânidas conhecia eclipses e
tomadas de poder por outros magnates, ainda pouco conhecidos”, Ibíd.
109
Garcia Domingues, José D. História Luso-Árabe. Episódios e Figuras Meridionais (Lisboa: Pró-Domo,
1945), p. 101; O Nacionalismo Luso-Árabe e a sua contribuição para a constituição de Portugal, sep. do
XXIII Congresso Luso-Espanhol (Coimbra, 1-5 de Junho de 1956), VIII, Coimbra, 1957, p. 9, núm. 6.
41
A importância estratégica do conhecimento do território na formação de um sistema...
Conclusão
Sintra integrou o sistema defensivo do distrito de Lisboa, servindo de importante posto de
observação oceânica que alertava aquela cidade e outros locais a Norte e a Sul, situação que
se manteve em séculos posteriores e cuja tradição ficou preservada na memória toponímica.
Para além disso, como centro populacional importante, terá estado dotada de estruturas
que albergavam as forças que visavam defender e impedir o acesso directo de inimigos ao
interior do seu território, embora até ao momento só exista uma confirmação arqueológica:
a estrutura que está a ser escavada no Alto da Vigia.
Isto só foi possível mediante estudos pormenorizados do território e de uma articulação
estratégica de conhecimentos, algo que terá sido ordenado não apenas pelo poder central mas
também a nível regional e local. Na esteira de Yves Lacoste, colocar em prática um sistema
defensivo implicou uma análise minuciosa das diferentes combinações geográficas, das
relações entre os povoados, das estradas, dos cursos de água, dos portos, ancoradouros e de
outras condições naturais como o próprio clima e o relevo. No entanto, não se quer com isto
dizer que todos os postos defensivos e de alerta abordados funcionaram na mesma época.
Um ponto a destacar é que alguns locais importantes já teriam sido utilizados em épocas
anteriores, havendo inclusive uma readaptação de materiais pétreos no Período Islâmico, tal
como se comprova no caso do Alto da Vigia. De enorme potencial arqueológico, é preciso
averiguar locais, topónimos e as hipóteses explicativas que têm vindo a ser colocadas para
o caso sintrense, não esquecendo as importantes ligações com diversos sítios dos concelhos
de Mafra, Cascais, Oeiras, etc.
Fontes
Fontes primárias
Arquivos
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Carta chorographica dos terrenos em volta de Lisboa comprehendendo a principal
parte do Tejo adjacente à sua foz, escala 1/100.000. Lisboa: Direcção dos Trabalhos
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Carta Militar de Portugal, Colares (Sintra), escala 1/25.000, folha 415. Serviço
Cartográfico do Exército, 1991.
Marques Gonçalves, Alexandre. Alto da Vigia (Colares, Sintra). Relatório dos
trabalhos arqueológicos de 2013, 2014 [policopiado].
Jordão, Patrícia; Mendes, Pedro e Gonçalves, Alexandre. Alto da Vigia (Colares,
Sintra). Relatório dos Trabalhos Arqueológicos [de 2008], 2009 [policopiado].
42
Anuario de Historia Regional y de las Fronteras Vol.22 No.2
Marques Gonçalves, Alexandre . Escavação arqueológica do Alto da Vigia (ColaresSintra): Relatório da intervenção realizada em 2015, 2016 [policopiado].
Livros
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Al-Bakri, Abu Ubayd. Geografia de España (Kitab al-Masalik Wa-l-Mamalik),
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Al-Himyari. Kitab ar-Rawd al-Mi’tar, trad. por Maestro González, Mª Pilar. Valencia:
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Rei, António. O Gharb al-Andalus al-Aqsâ na Geografia Árabe (séculos III h./IX
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43
A importância estratégica do conhecimento do território na formação de um sistema...
Capítulos de livros
Branco Correia, Fernando. “A acção do poder político nas actividades portuárias e na
navegação no ocidente islâmico. Alguns tópicos”, em Solórzano Telechea, Jesús Angel
e Viana, Mário (eds.). Economia e Instituições na Idade Média. Novas Abordagens.
Ponta Delgada: Centro de Estudos Gaspar Frutuoso, 2013.
Branco Correia, Fernando. “Fortificações de iniciativa omíada no Gharb al-Andalus
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