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Língua e Literatura, n. 26, p. 259-270, 2000. 259 “L’INFINITO”: TENSÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA NA TRADUÇÃO DE HAROLDO DE CAMPOS Andréia Guerini* RESUMO: Este artigo propõe-se verificar até que ponto a teoria sobre tradução defendida por Haroldo de Campos se encaixa na sua própria tradução do poema “L’Infinito”, do escritor italiano Giacomo Leopardi (1798-1834), publicada em 1970. Palavras-chave: tradução literária, literatura comparada, aspectos teóricos da tradução. “Soltanto un poeta può tradurre un vero poeta”. Giacomo Leopardi I. INTRODUÇÃO Partindo-se do latim, de onde vem o conceito etimológico, tradução é translatio, que significa “ato de conduzir além, de transferir”; São Jerônimo, o patrono dos tradutores, fala de interpretatio; o humanista francês Robert Estienne usa o termo traductio, mas o italiano Bruni já havia utilizado a palavra traducere; em inglês se conserva a raiz latina em trans(*) Professora da Universidade Federal de Santa Catarina. 260 GUERINI, Andréia. “l’infinito”: tensão entre teoria e prática na tradução ... lation; em francês, espanhol e português usa-se o termo introduzido por Estienne; em alemão utilizaram-se as palavras Übersetzung, Übertragung, Verdeutschung etc. De acordo com o dicionário Aurélio, “tradução é o ato ou efeito de traduzir” ou “o processo de converter uma linguagem em outra”. Muito além dessas definições, sabe-se que traduzir é uma atividade de grande complexidade, especialmente a de poesia, e que nas traduções realizadas desde a Idade Média até as mais atuais persiste o problema teórico crucial da tradução, isto é, a tradução literal (“fiel” às palavras do próprio texto) versus a tradução livre (adaptação, recriação). A partir dessas considerações é que este trabalho se propõe verificar até que ponto a teoria defendida por Haroldo de Campos sobre tradução se encaixa na sua própria tradução do poema “L’Infinito”, do escritor italiano Giacomo Leopardi (1798-1834), publicada em 1970. II. OS CANTI: “L’INFINITO” Leopardi, que começa a sua produção poética ainda muito jovem – aos onze anos escreve o primeiro poema intitulado “La morte di Ettore” –, foi um poeta e prosador dotado de imensa cultura. Herdeiro do lirismo de Dante e Petrarca, expressou nos seus quarenta e um Canti o melhor da poesia italiana da primeira metade do século XIX, os quais permanecem entre nós, graças às inúmeras traduções já realizadas. Os Canti de Leopardi podem ser divididos em canções patrióticas, canções de conteúdo filosófico, idílio e líricas de amor. Essas composições líricas, compostas ao longo dos vinte anos de vida adulta de Leopardi, se apresentam numa seqüência que, na sua quase totalidade, foi estabelecida pelo próprio autor de Recanati. Com essa coletânea, Leopardi cumpre uma primeira unificação de sua obra em verso, que é baseada na negação Língua e Literatura, n. 26, p. 259-270, 2000. 261 de categorias formais tradicionalmente ligadas a metros particulares e na qual podemos encontrar, segundo o próprio poeta, um gênero de poesia antigo e moderno, que ele originalmente inaugurava. Mais especificamente o poema “L’Infinito”, que inaugura a fase do idílio1 leopardiano, foi escrito em 1819, depois de uma profunda crise do poeta, e publicado pela primeira vez em 1825. Em 1819, exasperado pelas condições de saúde, pelo ambiente familiar e pelo enclausuramento, sobretudo cultural, das Marcas (região central da Itália, onde se localiza Recanati), governadas pelo Estado Pontifício, Leopardi tenta fugir de casa, sem êxito. E é nesse período que ocorre a conversão “do belo ao verdadeiro” de Leopardi, com a conseqüente intensificação das suas elaborações filosóficas, conforme atesta um fragmento do seu Zibaldone: “Na minha carreira poética, o meu espírito percorreu o mesmo estágio que o espírito humano em geral. Desde o início, o meu forte era a fantasia e os meus versos eram cheios de imagens [...]. Eu era sensibilíssimo também aos afetos, mas exprimi-los na poesia eu não sabia. [...] A mutação total em mim, [...] seguiu, pode-se dizer, em um ano, isto é, 1819, quando, privado do uso de minha visão e da contínua distração da leitura, comecei a sentir a minha infelicidade de um modo tão tenebroso e comecei a abandonar a esperança, a refletir profundamente sobre as coisas [...]. Logo, a imaginação em mim foi enfraquecendo, quanto mais a faculdade inventiva então crescesse intensamente em mim, ao contrário começasse [...]. Assim, pode-se bem dizer que, em rigor dos termos, poetas não eram senão os antigos, e não são agora senão os jovens, e os modernos que têm este nome não são senão filósofos. E eu não me tornei sentimental a não ser quando, perdida a fantasia, tornei-me insensível à natureza, e tudo era dedicado à razão e ao verso, em suma filósofo”.2 (1) (2) Segundo o Pequeno Dicionário de Termos Literários (1984), idílio, que vem do grego, significa um pequeno quadro, uma visão gentil da vida bucólica, uma homenagem à natureza. O idílio designava também todo poema curto, que poderia ser descritivo, narrativo, dramático, épico ou lírico. G. Leopardi, Zibaldone di Pensieri. Milano, Mondadori, 1983, p. 63. Tradução da autora. 262 GUERINI, Andréia. “l’infinito”: tensão entre teoria e prática na tradução ... Também dessa época são os idílios “La sera del dì di festa”, “Alla luna”, “Il sogno”, “La vita solitaria” e “Frammento XXXII”, escritos entre 1819 e 1821. III. LEOPARDI E AS TRADUÇÕES BRASILEIRAS No Brasil, a poesia de Leopardi começa a ser conhecida através de sucessivas traduções, passando a transitar no meio literário brasileiro por volta da década de 1950-1960. O primeiro tradutor dos Canti de Leopardi ao português foi Mário Graciotti, que, em edição bilíngüe, mas em prosa, publicou em São Paulo, pela editora Latina, em 1934, o livro Poemas de Leopardi. Já Aloysio de Castro, em homenagem ao centenário da morte do poeta, lança Cantos de Leopardi, em Roma, em 1937, pelo Instituto Ítalo-Brasileiro de Alta Cultura. Além desses, Álvaro A. Antunes traduziu e organizou uma edição intitulada Cantos, publicada em 1985, em Minas Gerais, pela Interior Edições. Em 1996, a editora Nova Aguilar lançou uma obra intitulada Giacomo Leopardi – Poesia e Prosa, organizada por Marco Lucchesi, na qual podemos encontrar os Canti leopardianos traduzidos por autores vários. Além dessas publicações, muitos foram os escritores, críticos e poetas brasileiros que se interessaram e, dispersamente, traduziram alguns dos Cantos de Leopardi. Dentre eles, podemos citar Rui Barbosa, que traduziu, em 1886, o “Canto Noturno de um Pastor Errante da Ásia”, publicado inicialmente no jornal A Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro. E outros como Ecléia Bosi, Affonso Félix de Sousa, Alexei Bueno, Ivan Junqueira, Ivo Barroso, José Paulo Paes etc. O poema de Leopardi mais traduzido ao português foi aquele que “marcou o apogeu da lírica leopardiana”,3 isto é, (3) H. de Campos, “Leopardi, Teórico de Vanguarda” in A Arte no Horizonte do Provável e outros Ensaios. São Paulo, Perspectiva, 1977, p. 186. Língua e Literatura, n. 26, p. 259-270, 2000. 263 “L’Infinito”. Esse poema foi traduzido por Vinícius de Morais, Tavares Bastos, A. Herculano de Carvalho, Pontes de Paula Lima, Haroldo de Campos, Mário Faustino, Ivo Barroso etc. Se é através da tradução que Leopardi se torna conhecido no Brasil, logo, convém abordar algumas questões sobre o ato de traduzir em geral e o de traduzir poesia em particular. IV. TRADUZIR: POSSIBILIDADE VERSUS IMPOSSIBILIDADE LITERALIDADE VERSUS LIBERDADE Grosso modo, podem-se elencar três grandes posições nas teorias de tradução: a) a da intraduzibilidade absoluta; b) a da traduzibilidade relativa, isto é, da possibilidade da tradução com algumas exceções e c) a da traduzibilidade absoluta, onde tudo pode ser traduzido. Poderíamos, contudo, dizer que a primeira delas – a do grupo que professa a unicidade e singularidade absolutas de cada indivíduo de ler, compreender, interpretar o mundo a partir de si e para si, chegando-se em última instância à total incomunicabilidade humana, é desmentida a todo o momento pela imensa e contínua atividade tradutória no mundo todo. Entretanto, existem poetas, críticos e filósofos que reforçam a idéia da intraduzibilidade da poesia, assim como Dante, que afirmava que os “nexos expressivos entre som ou forma das palavras e o seu significado, sistematicamente explorados em poesia, impossibilitavam traduzi-la sem com isso roubar-lhe tutta sua dolcezza e armonia”, ou Manuel Bandeira, que apesar de ter traduzido poesia durante toda a sua vida, não hesitou em afirmar mais de uma vez ser ela intraduzível4. Como se percebe do exposto acima, a intraduzibilidade está ligada, fundamentalmente, à tradução de poesia, pois se (4) Apud: J. P. Paes, “Sobre a tradução de poesia. Alguns lugares-comuns e outros não tanto”, in J. P. Paes (org.). Transverso. Coletânea de Poemas Traduzidos. Campinas, Editora da Unicamp, 1988, p. 164-165. 264 GUERINI, Andréia. “l’infinito”: tensão entre teoria e prática na tradução ... a poesia é a forma mais condensada de linguagem,5 logo esta seria passível de inúmeras dificuldades, logo de impossibilidade. Apesar disso, não se desconsidera que a tradução de poesia é uma operação complexa e que levanta muitos problemas, visto que é quase impossível admitir a mera transposição literal, uma vez que todos os elementos que constituem o código lingüístico podem ser pertinentes e relevantes para a globalização do significado. Daí que algumas correntes também tenham defendido a impossibilidade da tradução da poesia. Alguns poetas, críticos e ensaístas como Jakobson, Pound e os irmãos Campos dizem ser possível, na tradução de poesia, aquilo que ficará conhecido como a “transposição criativa”,6 ou seja, a poesia é intraduzível sim, mas passível de uma “recriação” ou “transcriação”. Seguindo esta concepção, as traduções não são versões literais, mas recriações de traduções que intentam funcionar autonomamente, reeditando, com a maior precisão possível, os aspectos formais do original. Haroldo de Campos, aliás, afirma que traduzir a forma é um critério básico e que, na tradução de um poema, o essencial não é a reconstituição da mensagem, mas a reconstituição do sistema de signos em que está incorporada esta mensagem, da informação estética, não da informação meramente semântica. A tradução é, portanto, a produção de um texto original, já que é da essência mesma da tradução de poesia o estatuto da impossibilidade. Por isso, ao traduzir poesia, é necessário traduzir o perfil sensível da mensagem, a forma.7 (5) (6) (7) Cf. E. Pound, ABC da Literatura. São Paulo, Cultrix, 1990, p. 40. Vale lembrar que o primeiro a usar esse termo foi o lingüista Roman Jakobson em “Aspectos Lingüísticos da Tradução” (1977). Nesse ensaio, ele afirma que a poesia, por definição, é intraduzível. Só é possível a transposição criativa” (p. 72). As concepções de Haroldo de Campos sobre tradução se encontram em ensaios como “Da Tradução como Criação e como Crítica” (in Metalinguagem, 1976), “A Poética da Tradução” (in A Arte no Horizonte do Provável, 1977) e prefácios de algumas traduções, como os de Pedra e Luz na Poesia de Dante. Rio de Janeiro, Imago, 1998. Língua e Literatura, n. 26, p. 259-270, 2000. 265 Tomemos “L’Infinito” e a tradução de Haroldo de Campos e vejamos, então, se as posições teóricas mencionadas acima se aplicam à sua tradução do poema mencionado. V. “L’INFINITO” E “O INFINITO”: TEORIA E PRÁTICA DE TRADUÇÃO EM CONFLITO “L’Infinito” “O Infinito” Sempre caro mi fu quest’ermo colle A mim sempre foi cara esta colina E questa siepe, che da tanta parte deserta e a sebe que de tantos lados Dell’ultimo orizzonte il guardo exclude exclui o olhar do último horizonte. Ma sedendo e mirando, interminati Mas sentando e mirando, intermináveis Spazi di là da quella, e sovrumani espaços longe dela e sobre-humanos Silenzi, e profondissima quiete silêncios, e quietude a mais profunda, Io nel pensier mi fingo; ove per poco eu no pensar me finjo; onde por pouco Il cor non si spaura. E come il vento não se apavora o coração. E o vento Odo stormir tra queste piante, io quello ouço nas plantas como rufla, e àquele Infinito silenzio a questa voce infinito silêncio a esta voz Vo comparando: e mi sovvien l’eterno, vou comparando: e me recordo o eterno E le morte stagioni, e la presente e as mortas estações, e esta presente E viva, e il suon di lei. Così tra questa e, viva, e o seu rumor. É assim que nesta Immensità si annega il pensier mio: E il naufragar m’è dolce in questo mare. imensidade afogo o pensamento: e o naufrágio é doce neste mar. Segundo muitos críticos, “L’Infinito” pode ser considerada a mais perfeita lírica da poesia universal de todos os tempos, pois Leopardi em apenas quinze versos soube dizer 266 GUERINI, Andréia. “l’infinito”: tensão entre teoria e prática na tradução ... tudo. Esse poema é uma homenagem à natureza, pois a alma do poeta está intimamente presa à sensação mágica do contato com esta, deixando-se abandonar na intuição mística, com uma espécie de doce e medrosa perturbação. O poema é construído através de contrastes/antíteses: homem/ finito versus natureza/infinita; realidade física presente (questo [...] colle, questa siepe, il vento, queste piante, questa voce) e a realidade abstrata (interminati spazi, sovrumani silenzi, profondissima quiete, quello infinito silenzio). Assim sendo, essa lírica se desenvolve entre dois pólos que se contrapõem: realidade e imaginação. E é a realidade, o motivo paisagístico (colle, siepe, vento) que estimula a fantasia do poeta ao infinito. A partir dessas considerações temáticas, passaremos a examinar alguns aspectos do poema leopardiano, a fim de observar quais são os elementos-chave na construção do mesmo. Para tanto, verificaremos o léxico, a sintaxe, as figuras de linguagem, a métrica. Quanto ao léxico, observamos que o título do poema nos dá idéia de vastidão, de silêncio, de eternidade. Essa idéia é expressa através de palavras-chave – ultimo orizzonte, interminati spazi, infinito silenzio, l’eterno –, palavras que pertencem à mesma área semântica de infinito. Um outro aspecto é o constante uso de polissílabos, como orizzonte, sovrumani, profondissima, infinito, interminati etc., dando-nos a sensação de dilatação do espaço e do silêncio. Tais polissílabos, sendo geralmente adjetivos, estão unidos ao substantivo do verso seguinte, ampliando o som e o significado pelo enjambement. A sintaxe do poema é simples e é construída com frases coordenadas e frases hipotéticas implícitas (expressas com gerúndio) e explícitas (expressas com advérbio com valor relativo). Com relação às figuras de linguagem, percebe-se principalmente o uso de metáforas (8o verso: vento; 14o e 15o ver- Língua e Literatura, n. 26, p. 259-270, 2000. 267 sos) e, como procedimento de versificação, temos o uso de (versos 4o–5o e 5o– 6o). Quanto à métrica, esse canto é formado por quinze versos hendecassílabos livres, isto é, sem rima. O ritmo do poema é de um continuum armonicum lento, ou por vezes, lentíssimo, construído, por exemplo, com o uso do polissíndeto: e mi sovvien l’eterno / e le morte stagioni, e la presente / e viva, e il suon di lei. Com a repetição da conjunção e, o ritmo da leitura torna-se mais lento. Observamos, ainda, que o poeta passa o substantivo do singular (colle, siepe) ao plural (spazi, silenzi), provavelmente porque o plural transmite a sensação de ampliar o espaço e de aumentar o silêncio. Percebe-se também que a colocação do adjetivo em muitos versos antecede o substantivo (quest’ermo colle; ultimo orizzonte), provavelmente para destacar e/ou dilatar a importância do substantivo (interminati spazi; sovrumani silenzi). Um outro elemento usado pelo poeta é a inversão de elementos na frase, como se observa no 1o verso do poema: Sempre caro mi fu quest’ermo colle. Talvez o poeta tenha posposto o sujeito para dar maior musicalidade ao verso do poema. Depois de observados esses elementos na construção do poema, passemos à análise da tradução de Haroldo de Campos. Poderíamos dizer que a tradução consegue manter na língua de chegada não somente os aspectos formais do poema, mas também os semânticos. Assim, evidencia-se o conflito entre a concepção teórica defendida por Haroldo de Campos e a sua prática de tradução. Vejamos, então, como isso se dá. Haroldo de Campos manteve os quinze versos do original, bem como o número de palavras, isto é, cem palavras no original e na tradução. A métrica dos versos, hendecassílabos livres usados pelo poeta de Recanati é transformada em decassílabos e diérese. Também a musicalidade dos versos, 268 GUERINI, Andréia. “l’infinito”: tensão entre teoria e prática na tradução ... oriunda sobretudo da sucessão de palavras bissilábicas italianas como sempre, caro, poco, fingo etc., que são substituídas pelo tradutor brasileiro pelas respectivas palavras bissilábicas em português: sempre, cara, pouco, finjo. O uso freqüente do polissíndeto e... e... e..., no texto de partida, é respeitado na tradução. Haroldo de Campos também mantém o uso de enjambement nos versos 4, 5 e 6. Contudo, o tradutor opta por não conservar as inversões dos versos 1, 3, 6, 8 e 9, talvez porque, usando a construção direta da frase em português, não há a dissolução da musicalidade como efetivamente há em italiano. Além disso, percebe-se que o tradutor opta por somente dois acréscimos, um no verso 12 (esta) e outro no 13 (é). Já as omissões aparecem em maior quantidade: no 2o verso (esta), no 8o (como), no 14o (meu), no 15o (me). Apesar das omissões, alterações e acréscimos, diríamos que esses não comprometem a tradução do poema. Verificase assim que a teoria de tradução como criação e como operação crítica defendida por Haroldo de Campos não se aplica, neste caso, à sua própria tradução. Acredita-se que a manutenção da forma e do sentido (conteúdo) se dá graças às afinidades conotativas e denotativas entre esses dois sistemas lingüísticos, pois tal aproximação pode permitir um maior grau de “fidelidade à poesia”, consentindo mais facilmente a quem traduz a oportunidade de deixar falar o mais possível o outro na nova língua , o que não significa uma mera transposição por decalque ou literal, embora se acredite que este tipo de realização possa apresentar-se como adequada em numerosos casos. Para finalizar, vale sublinhar que a tradução obedece ao princípio de respeitar quase na íntegra o tecido poético leopardiano. Como se sabe, o procedimento de respeitar literalmente o texto de partida nem sempre é a melhor solução em se tratando de tradução poética, e especialmente dentro da concepção de tradução assumida por Haroldo de Campos, Língua e Literatura, n. 26, p. 259-270, 2000. 269 sobretudo porque o tradutor não pode ter presente apenas a unidade do significado, mas deve procurar construir uma textura poética, partindo acima de tudo do impulso rítmico e respeitando as linhas de força do texto de partida. Todavia, há situações contextuais em que a justaposição é, não só aceitável, como a única solução no sentido de respeitar a própria consistência da linguagem poética. VI. CONCLUSÃO Como referido no início deste artigo, traduzir é uma atividade complexa que vai além das questões ligadas à literalidade versus liberdade e/ou possibilidade, impossibilidade, possibilidade relativa, pois o trabalho do tradutor não exige exclusivamente conhecimentos lingüísticos, mas deveria ser executado por quem domina ambas as realidades, cabendo ainda ao tradutor a importante tarefa de introduzir o leitor nas experiências e emoções de outros povos, pois é somente com uma boa tradução que se consegue destruir preconceitos e ampliar os horizontes do espírito. E uma boa tradução de poesia parece ser aquela que equilibra forma e conteúdo, como a do poema “L’Infinito”, realizada por Haroldo de Campos. Isso provavelmente acontece porque o tradutor possui uma forte sensibilidade poética, ou porque, como afirmava o próprio Leopardi, “somente um poeta pode traduzir um verdadeiro poeta”. BIBLIOGRAFIA CAMPOS, Augusto de. Poesia. Antipoesia. Antropofagia. São Paulo: Cortez & Moraes, 1978. CAMPOS, Haroldo de. A Arte no Horizonte do Provável e outros Ensaios. São Paulo: Perspectiva, 1977. 270 GUERINI, Andréia. “l’infinito”: tensão entre teoria e prática na tradução ... ____. Metalinguagem. Ensaios de Teoria e Crítica Literária. São Paulo: Cultrix, 1976. ____. A Operação do Texto. São Paulo: Perspectiva, 1976. ____. Pedra e Luz na Poesia de Dante. Rio de Janeiro: Imago, 1998. Cadernos de Tradução. Florianópolis, v. III, 1998. FLORA, Francesco. Storia della Letteratura Italiana. Milano: Mondadori, 1951, v. III. FRANCO, João José de Melo. Pequeno Dicionário de Termos Literários. São Paulo: Três Livros e Fascículos, 1984. Giacomo Leopardi – Cantos. S.l.p., Interior Edições, 1985. Apresentação e notas de Álvaro A. Antunes. Giacomo Leopardi – Poesia e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996. Organização e notas de Marco Lucchesi. JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação. São Paulo: Cultrix, 1977. Tradução de Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. LEOPARDI, Giacomo. Zibaldone di Pensieri. Milano: Mondadori, 1983. MOUNIN, Georges. Teoria e Storia della Traduzione. Torino: Einaudi, 1965. PAES, José Paulo (org.). Transverso. Coletânea de Poemas Traduzidos. Campinas: Editora da Unicamp, 1988. POUND, Ezra. ABC da Literatura. São Paulo: Cultrix, 1990. Tradução de Augusto de Campos e José Paulo Paes. RIENZO, Giorgio de. Breve Storia della Letteratura Italiana. Milano: Bompiani, 1997. ABSTRACT: How the Haroldo de Campos’ translation of the poem “L’Infinito” (edit in 1970), by the Italian writer Giacomo Leopardi (17981834), reflects his theory of translation. Keywords: literary translation, comparative literature, theoric topics of translation.