Mulheres partidárias: atuação
militante e participação nas
atividades dos partidos
Antonio Teixeira de Barros1
Willber da Silva Nascimento2
186
Resumo: O artigo analisa como as mulheres filiadas a partidos políticos atuam no
âmbito interno da estrutura e da organização das legendas. O foco analítico está na
participação das mulheres nas atividades partidárias, considerando que a
literatura aponta tal participação como um dos fatores que impulsionam carreiras
políticas femininas. São avaliadas como os seguintes fatores influenciam essa
participação: variáveis socioeconômicas; capital familiar e capital militante;
espectro ideológico das legendas; interesse das informantes em se candidatar para
disputar eleições. A hipótese, confirmada, é que mulheres filiadas a partidos de
esquerda, solteiras e mais escolarizadas são as mais participativas na estrutura das
agremiações. O estudo deriva de um questionário com 419 filiadas. O principal
locus de atuação delas se dá na esfera virtual. Os movimentos estudantis e sociais
são os principais mecanismos de recrutamento partidário de mulheres de
esquerda, enquanto na direita são as relações de parentesco.
Palavras-chave: Filiação partidária; Mulheres e partidos políticos; Recrutamento
partidário feminino; Mulheres e política partidária.
Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (1999). Pós-doutor em Comunicação pela
Universidade Fernando Pessoa (2008). Docente e pesquisador do Programa de Mestrado
Profissional em Poder Legislativo do Centro de Formação da Câmara dos Deputados. Pesquisador
do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCTDD). Coordenador do
grupo de pesquisa " Parlamento e sociedade: representação política, participação e controle social.
E-mail: antonibarros@gmail.com. Orcid: http://orcid.org/0000-0002-3061-8202.
2 Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Mestre em Ciência
Política pela mesma instituição e graduado em Ciências Sociais pelo Instituto de Ciências Sociais
(ICS) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Tem experiência em pesquisa na área de Ciência
Política atuando, principalmente, em temas como Partidos Políticos e Eleições, Métodos
willbernascimento@outlook.com.
quantitativos
e
Políticas
Públicas.
E-mail:
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2257-8108.
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1. Introdução
Há uma vasta literatura que procura explicar os fatores que afastam as
mulheres da política, a partir das lógicas da dominação masculina, tais como a
divisão entre trabalho produtivo e reprodutivo (PINTO, 2001; BIROLI, 2016, entre
outros autores). Entretanto, há poucos estudos empíricos focados nos fatores que
atraem as mulheres para a política, a exemplo das mulheres filiadas a partidos
políticos, que fazem militância, ocupam cargos na estrutura organizativa e
concorrem a cargos eletivos. Apesar de serem minorias em todas as esferas e
instâncias políticas e partidárias, acreditamos que os estudos não devem se pautar
apenas pela tônica na ausência ou na falta delas, mas também na emergência e no
ativismo dessas mulheres.
Grande parte dos estudos sobre gênero e política chama atenção para as
dificuldades sobre o uso da categoria “mulheres”, pois pode sugerir que se trata de
um bloco homogêneo, como se todas as mulheres tivessem as mesmas demandas e
perspectivas no âmbito político (CELIS; CHILDS, 2012; BERNAUER et al., 2015;
187
GOMES, 2016). O compartilhamento de uma identidade de gênero comum não
apaga as divisões partidárias (KLAR, 2018). Lloren (2013) chama atenção para a
necessidade de se considerar as contribuições positivas da inclusão das mulheres
nos partidos e na política de modo geral, pois o gênero constitui um recurso
político que impulsiona a cidadania das mulheres. Cabe, portanto, ressaltar que, ao
nos referir a mulheres partidárias ou mulheres filiadas a partidos políticos,
estamos lidando com uma diversidade de perfis e um elenco variado de interesses,
demandas e perspectivas.
Aliás, o mesmo se aplica aos partidos e suas formas de relacionamento com
os filiados e militantes (KOSIARA-PEDERSEN; SCARROW; VAN HAUTE, 2014;
SCARROW, 2015; RIBEIRO; AMARAL, 2019). Os normativos e comportamentos
partidários relativos à inclusão das mulheres também são diferenciados (MORAES;
GOULART; SILVA, 2017; NOVELLINO; TOLEDO, 2018). No que se refere às filiações,
“é prudente supor que os partidos combinam modalidades em diferentes graus em
resposta a situações diversas e adversas, decorrentes de contextos ambientais
vari|veis” (PERES; MACHADO, 2017, p.136).
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Embora não seja possível estabelecer uma relação causal, grande parte dos
problemas relacionados aos déficits de participação feminina nas estruturas e nas
instituições de representação política estão relacionados com as deficiências
relativas à inserção e à participação das mulheres nas estruturas organizacionais
dos partidos (THOMSEN, 2015; THOMSEN; SWERS, 2017). Uma alternativa,
portanto, para superar os déficits de representação feminina seria maior
investimento no recrutamento feminino pelos partidos e no estímulo para que elas
participem mais das atividades partidárias.
Com base nessa perspectiva, o artigo aqui proposto tem como objetivo
analisar a presença das mulheres na política, a partir da percepção das mulheres
filiadas a partidos políticos no Brasil. Afinal, mesmo diante de um cenário de
descrença na política e de desconfiança expressiva no sistema político
representativo, em especial nos partidos políticos e de um cenário de baixa
representação feminina na política institucionalizada, cabe questionar: (a) quais
variáveis do perfil socioeconômico mais influenciam a participação das mulheres
nas atividades internas dos partidos? (b) como o capital familiar e o capital
188
militante3 interferem nos níveis de participação? (c) que relevância exerce o
espectro ideológico das legendas na participação das informantes? (c) em que
medida o interesse delas em se candidatar para disputar eleições aumenta a
participação nas atividades partidárias? Essas são as questões que orientam a
pesquisa, cujo foco é analisá-las à luz do olhar das próprias mulheres que são
filiadas a partidos políticos na atualidade.
Para tanto foi aplicado um questionário com questões fechadas e abertas a
419 mulheres filiadas a partidos políticos, em novembro de 2019. A estratégia
utilizada para atingir esse público foi o envio do link da pesquisa, acompanhado de
uma carta de apresentação dos autores, para o e-mail dos núcleos e secretarias da
mulher dos partidos, incluindo esses organismos no plano nacional, estadual e
O capital militante resulta de trajetórias de militância em movimentos sociais específicos, o que
pode se converter em capital político e facilitar o acesso aos quadros partidários ou a candidaturas
na arena eleitoral (ROMBALDI, 2006; SEIDL, 2014; PALUMBO, 2018). Entretanto, trata-se de um
tipo de capital que é obtido especificamente pelas vias da militância. Convém ressaltar ainda que
nem sempre o capital militante é usado para fins político-eleitorais. Por essa razão, justifica-se aqui
o uso do conceito, diferenciando-o do capital político.
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municipal4. De forma complementar foram realizados contatos telefônicos para
reforçar a divulgação entre as filiadas.
O texto está estruturado em duas partes. A primeira apresenta um breve
panorama sobre recrutamento e inserção de mulheres no âmbito partidário,
enquanto a segunda contém a descrição e a análise dos dados, organizada
conforme as perguntas de pesquisa expostas anteriormente.
2. Recrutamento e inserção de mulheres nos partidos políticos: o
recrutamento
A organização interna dos partidos é um fator primordial que tanto pode
favorecer como dificultar o acesso das mulheres a cargos políticos, inclusive na
estrutura interna dos partidos. A literatura aponta os seguintes fatores como os
principais nesse processo: a atuação das mulheres na estrutura organizacional das
legendas, o processo de recrutamento político e as normas relativas ao sistema
189
eleitoral (ARAÚJO, 2005, p. 196). Segundo a autora, “considerando o sistema
partidário em sua relação com o sistema eleitoral de cada país e o sistema de
representação mais geral, há evidências de que os sistemas proporcionais são mais
favoráveis às mulheres, seguidos dos sistemas mistos e, por último, dos sistemas
majorit|rios”.
Os valores culturais de cada sociedade também são apontados como
relevantes para a inclusão ou exclusão das mulheres. Quanto mais uma cultura
valoriza a igualdade e a paridade entre os sexos, maiores as chances de um sistema
político e partidário mais inclusivo e vice-versa (NORRIS; INGLEHART, 1996;
HEIDAR, 2006; ELDER, 2012).
O amplo levantamento de Katz e Mair (1992), relativo a um período de 30
anos (1960-1990), acerca da organização de 79 partidos inseridos em países em
estágio consolidado de regime democrático, revela que os partidos de esquerda
foram os primeiros a adotar normas e procedimentos internos voltados para a
Esses organismos atendem aos ditames da Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95). As
legendas usam nomenclaturas próprias para designar as secretarias destinadas à promoção da
inclusão das mulheres nos partidos, tais como MDB Mulher, PSDB Mulher, PV Mulher, Patriota
Mulher, Mulheres Progressistas, etc. Esses núcleos existem em âmbito nacional, estadual e
municipal (BARROS, 2015).
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inserç~o de mulheres na organizaç~o interna das agremiações. “Todos os estudos
mais recentes corroboram essa tendência” (ARAÚJO, 2005, p. 199). A ades~o de
partidos de centro, centro-direita e direita ocorreu a partir da década de 1990, na
maioria dos casos em razão das políticas de cota. Além disso, esses partidos
perceberam que “as mulheres s~o uma força eleitoral decisiva e, portanto, suas
demandas n~o podem ser desprezadas” (ARAÚJO, 2005, p. 201).
Os estudos de Lovenduski e Norris (1993) sistematizaram as estratégias
dos partidos em várias partes do mundo para oferecer respostas às demandas das
mulheres. Essas estratégias podem ser assim resumidas: (a) estratégias retóricas
impulsionadas pela ação de organismos internacionais, especialmente a
Organização das Nações Unidas, que passaram a conclamar os partidos para
agirem em prol da paridade na política; (b) defesa de ações afirmativas para
favorecer a inserção partidária e o desenvolvimento de carreiras políticas bemsucedidas; (c) adoç~o de políticas de cotas como forma de “discriminaç~o positiva”.
Embora reconheçam a importância dessas medidas, vários estudiosos
(NORRIS, 1996; MATLAND, 2002; ARAÚJO, 2005) apontam a inclusão das
190
mulheres na organização e na estrutura interna dos partidos como igualmente
relevante, pois a experiência no exercício de cargos na hierarquia das agremiações
constitui um fator impulsionador de carreiras políticas.
Os partidos mais à esquerda apresentam maior equidade de gênero
(ALMEIDA, 2015). Conclusões de Ronald Inglehart e Pippa Norris, quando afirmam
que, na maioria das nações no presente, as mulheres têm valores mais à esquerda e
também votam mais à esquerda ( LOVENDUSKI; NORRIS, 1993, p. 99). Além disso,
mulheres de esquerda geralmente apresentam perfis políticos diferenciados, pois
“tendem a ser menos enquadradas nos esquemas tradicionais”. Assim, s~o mais
propensas “a quebrar padrões de comportamento esperado de mulher, esposa e
mãe. Essas mulheres pertencem a movimentos estudantis e sindicatos, viveiros de
lideranças partid|rias” (PINTO, 2018, p. 199). Sistemas pluripartid|rios s~o mais
propensos à inclusão de mulheres, tanto na gestão interna quanto nas
candidaturas (ELDER, 2012).
Outro dado relevante é que ao serem eleitas por partidos de esquerda, AS
mulheres tendem a desenvolver uma carreira longeva, galgando cargos numa
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escala gradativa, como vereadoras, deputadas estaduais e depois é que chegam ao
legislativo federal. Nos partidos de centro e direita, observa-se um padrão de
ascens~o mais célere na carreira política, o que se deve “{ utilizaç~o de atalhos, tais
como o capital político acumulado por outros indivíduos e compartilhado
mediante relações de parentesco, de modo que a conquista do cargo ocorre de
maneira precoce” (RESENDE; EPITÁCIO, 2017, p. 250).
No caso brasileiro, os estudos sobre o tema mostram algumas
características que mais dificultam do que estimulam a inserção e a participação
das mulheres na estrutura organizacional dos partidos. Destacam-se os seguintes
aspectos: (a) fragmentação partidária; (b) baixo nível de nacionalização; (c)
personalismo na direção e na gestão das agremiações; (d) formação de oligarquias
e dinastias partidárias; (e) baixo investimento em políticas de inclusão feminina;
(f) baixa presença de mulheres nas instâncias decisórias dos partidos; (g) baixo
nível de institucionalização da militância feminina (ARAÚJO, 2005; GUIMARÃES;
RODRIGUES; BRAGA, 2019). Guimarães, Rodrigues e Braga (2019) complementam
que os partidos brasileiros, em sua maioria, configuram-se como oligarquias, com
191
regras formais e informais que favorecem a concentração de poder e o
personalismo. Esse conjunto de fatores atuando de forma convergente produz um
quadro que perpetua a discriminação negativa das mulheres, inclusive no âmbito
interno das agremiações.
Ao analisar casos bem-sucedidos de candidatas eleitas a vereadoras no
município de S~o Paulo, Merlo (2017, p. 13) reitera que a import}ncia da “atuaç~o
dos partidos e lideranças partidárias no fomento ou bloqueio desse caminho até a
vitória”. As conclusões do estudo mostram que a vivência prévia como filiada é um
dos fatores fundamentais para que as mulheres tomem a decisão de se candidatar.
Além disso, o suporte partidário durante as campanhas eleitorais é considerado
igualmente relevante, “especialmente por darem legitimidade e o acesso {s redes
de contato com outras figuras políticas j| bem estabelecidas” (MERLO, 2017, p. 13).
Aliás, o sucesso eleitoral de mulheres gera o efeito contagiante (SPECK, 2018).
Em todas as etapas, o autor ressalta que são as lideranças das legendas que
exercem papel central no suporte às candidatas e depois às eleitas para o exercício
do mandato. É oportuno ressaltar aqui as dificuldades após a eleição, tema pouco
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explorado na literatura, que se concentra nos obstáculos às candidaturas e à
eleição das mulheres (BARROS, BUSANELLO, MITOZO, 2020). Ao se concentrarem
nas barreiras para o exercício do mandato os autores mostram que as lógicas de
exclusão, após a eleição, levam as mulheres a guetos ou nichos temáticos menos
prestigiados e, portanto, pouco disputadas pelos homens, como educação, família,
saúde, seguridade social, meio ambiente e direitos humanos. Isso leva a uma
agenda política que, embora relevante socialmente, é pouco expressiva em termos
de formação de capital eleitoral (SANTANO; BERTOLINI; RADOMSKI, 2015).
Em outro estudo Barros e Busanello (2019) mostram como até os espaços
de debate político são dominados pelos homens e pelo machismo discursivo,
reduzindo o poder de palavra das mulheres eleitas. O debate é conduzido e
decidido pelos homens. Os autores identificam 15 formas de machismo discursivo
no caso da Câmara dos Deputados, variando desde a interrupção frequente dos
pronunciamentos das parlamentares, uso abusivo de apartes pelos homens, falta
de atenção deles enquanto elas falam na tribuna, além de expressões gestuais de
desaprovação e depreciação relativas às falas das parlamentares. As deputadas
192
“s~o pouco escutadas no parlamento, s~o mais interrompidas nas falas e nos
discursos e que, por isso, acabam se acostumando a ter menos disposição em
ocupar a tribuna para uso da palavra” (MATOS, 2010, p. 42).
Levantamento realizado por Barbosa (2015) mostra a baixa participação
feminina nas comissões executivas dos diretórios estaduais dos principais partidos
políticos brasileiros. A ocupação de cargos nessas comissões pelas mulheres fica
na média de 30%. Ao considerar o espectro ideológico, a situação é a seguinte:
partidos de esquerda, com 22% de mulheres; direita com 15% e centro, com 8%. O
PT apresenta o maior percentual de mulheres com cargos nessas comissões, com
30%. Os demais partidos incluídos no levantamento apresentam o seguinte
ranking: PP, com 16%; PDT, 15%; DEM, 13%; PSDB, 12%; MDB, 5%.
Ao examinar o exercício da presidência das comissões executivas estaduais,
o autor registra que tal cargo nunca foi exercido por mulheres nos seguintes
partidos: MDB e PDT. Entre os que já contaram com mulheres no cargo de
presidente estão PSDB e PP, com 4% de mulheres. No topo do ranking estão PT e
DEM, com 14% e 10%, respectivamente. Os cargos do escalão inferior na estrutura
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das comissões são os mais exercidos por mulheres, enquanto os homens ocupam o
topo da pirâmide. Em outras palavras, a elite partidária é formada por homens.
Vários estudos brasileiros mostram que fortalecer a representação
partidária das mulheres no interior das agremiações é um passo importante para
garantir melhor representação feminina de forma mais ampla (BARBOSA, 2015;
BARREIRA; GONÇALVES, 2012; CROWDER-MEYER; LAUDERDALE, 2014). Isso
porque as agremiações partidárias exercem função relevante em toda a escada de
acesso à política, desde a filiação ao lançamento de candidaturas e à eleição
propriamente dita. Atuam, portanto, como “reguladores das desigualdades de
gênero no campo das disputas” e como “lugares importantes tanto na gest~o e
ampliaç~o de espaços democr|ticos como na construç~o de candidaturas”
(BARREIRA; GONÇALVES, 2012, p. 321).
Na pesquisa que realizaram sobre a participação de mulheres nos diretórios
partidários no Ceará, as autoras registram alguns argumentos emblemáticos dos
dirigentes das legendas:
193
As mulheres chegam ao partido através de convites de membros e
lideranças (dirigente do PPS); As mulheres chegam no partido através de
movimentos. A base da militância são os movimentos sociais (dirigente
do PT) - (BARREIRA; GONÇALVES, 2012, p. 323).
As autoras observaram que os dirigentes, ao serem entrevistados, na
maioria dos casos, não reconhecem que existe segregação ou discriminação no
}mbito dos partidos, “omitindo as possíveis dificuldades de reconhecimento e
incentivo limitado no interior da agremiaç~o”. Na percepç~o deles, os problemas
existentes são extrapartidários, ou seja, as barreiras ao protagonismo feminino são
atribuídas a fatores alheios aos partidos (BARREIRA; GONÇALVES, 2012, p. 324).
Assim, ao analisar o discurso dos dirigentes partidários, as autoras concluem que,
além de eximirem os partidos, a responsabilidade “é atribuída {s mulheres pela
pouca participaç~o na política”. Outro argumento acionado por eles é que “h|
necessidade de uma ingerência educativa, a longo prazo, voltada para a formação
política das mulheres” (BARREIRA; GONÇALVES, 2012, p. 324).
Em síntese, fatores como a vida familiar, os papéis diferenciados entre
homens e mulheres e a dificuldade de conciliação entre política e afazeres
familiares, além da maneira como “a própria sociedade vê as mulheres”, s~o
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mencionados, nos discursos de dirigentes partidários, como fortes obstáculos para
a ampliação da participação política feminina nos partidos. De modo geral, a
explanação de obstáculos extrapartidários como fator preponderante na
desigualdade de participação política de gênero é consensual entre os dirigentes
entrevistados, sendo considerados alguns elementos explicativos para a
desigualdade de representaç~o: discriminaç~o histórica; “machismo da sociedade”;
tripla jornada de trabalho; e “cultura paternalista”.
Em alguns casos, o descrédito geral na política, incluindo as mulheres, é
também apontado como impeditivo para uma repartição de candidaturas mais
equânimes por gênero. Alguns dirigentes partidários conseguem elaborar uma
crítica à sua agremiação, alegando a falta de comprometimentos das lideranças em
incitar a participação de mulheres ou da vontade de ouvi-las, estimulando assim a
abertura de espaços internos. Há, no entanto, quem atribua à própria lógica das
campanhas eleitorais a prioridade conferida aos homens, resultado da dificuldade
de financiamento para campanhas femininas (BARREIRA; GONÇALVES, 2012, p.
324).
194
Como acabam ocupando cargos pouco relevantes na estrutura interna dos
partidos a atuaç~o das mulheres militantes resulta em “histórias invisíveis”
(GOLDENBERG, 1997). São mulheres que se filiam aos partidos, atuam como
militantes, mas em termos de exercício de cargos na estrutura organizacional dos
partidos limitam-se a ocupar postos de menor escalão, mais em nível de apoio. Em
outras palavras, atuam como assistentes ou auxiliares dos dirigentes masculinos,
como secretárias ou funções similares.
Nessa ordem de ideias convém mencionar os achados do estudo empírico
de Gomes (2016) realizado com candidatas a deputadas estaduais em Minas
Gerais. As conclusões do autor mostram que elas se sentem negligenciadas pelos
seus respectivos partidos, sem apoio efetivo para a competição eleitoral. Baseada
nos relatos das próprias candidatas, o autor demonstra como os discursos das
legendas nas arenas públicas em muito diferem de suas práticas nos bastidores e
nas práticas dos partidos. O estudo ressalta ainda que dois fatores são
fundamentais para o sucesso eleitoral: o financiamento de campanha e a ocupação
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prévia de cargos públicos ou eletivos, ambos dificultados às mulheres pelas
estruturas partidárias (GOMES, 2016).
Segundo Sacchet (2012, p. 165), a quest~o central é que os partidos “n~o
apenas têm preferência por candidatos homens, mas que eles funcionam por uma
lógica de comportamento masculino que isola e desestimula a participação
feminina”. Os líderes partid|rios, entretanto, ao serem questionados sobre o
assunto, “contestam tal noç~o e, de forma mais ou menos explícita, atribuem {s
próprias mulheres a causa de seu baixo desempenho eleitoral, apresentando como
explicação contundente seu suposto desinteresse político (SACCHET, 2012, p. 165).
A constatação, entretanto, é que os partidos exercem um peso central para a
promoç~o política das mulheres, “considerando-se sua importância no processo de
recrutamento e seleção de candidatos, como fonte de recursos financeiros e sua
influência sobre a agenda política” (SACCHET, 2012, p. 184).
No caso dos partidos brasileiros, estudos mostram que existem
especificidades que interferem nas formas de recrutamento, inclusive de mulheres,
uma vez que partidos diferentes teriam diferentes maneiras de se organizar
195
internamente e, por isso, diferentes estratégias e mecanismos para o recrutamento
(COSTA; BOLOGNESI; CODATO, 2013). Para os autores, é necessário avançar no
emprego de variáveis sociais e político-institucionais no entendimento dos
processos de recrutamento político no Brasil, uma vez que a discussão tem sido
prejudicada pela dicotomia entre as vertentes culturalistas e as perspectivas
institucionalistas. Enquanto a primeira é centrada nas heranças culturais do
patriarcalismo e na visão de que as mulheres são discriminadas no campo político,
a segunda procura enfatizar explicações causais especificamente políticas, como as
formas de seleção, formação e treinamento de líderes políticos, a estrutura
partidária e o nível de institucionalização das legendas.
Os autores chamam atenção para não se absolutizar ou naturalizar nem os
aspectos sociais, nem os institucionais. A perspectiva analítica mais adequada,
conforme a avaliaç~o dos autores mencionados “n~o é puramente sociológica, nem
puramente politológica”, mas é a da sociologia política, tal como formulada por
Giovanni Sartori: “A sociologia política é um híbrido interdisciplinar que tenta
combinar as variáveis sociais e políticas explanatórias, isto é, os insumos sugeridos
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pelo sociólogo e os sugeridos pelo cientista político” (COSTA; BOLOGNESI;
CODATO, 2013, p. 5).
O recrutamento partidário de mulheres é uma das estratégias para atrair e
formar lideranças femininas. O recrutamento constitui um tema amplamente
estudado na ciência política e continua relevante na atualidade (POWER; MOCHEL,
2008; SIAVELIS, 2012; PERES; MACHADO, 2017). Apesar das especificidades das
diferentes abordagens, um ponto de convergência é a visão de que o recrutamento
partidário é indispensável para a sobrevivência política das organizações
partidárias (CZUDNOWSKI, 1975; HAZAN, 2002). Por isso as legendas atribuem
relevância
aos
variados
tipos
e
estratégias
de
recrutamento
político,
principalmente às seguintes modalidades: recrutamento de quadros por meio da
filiação e da militância; recrutamento legislativo e parlamentar; e o recrutamento
para cargos executivos (PERES; MACHADO, 2017).
O recrutamento partidário é a parte essencial da formação de novas
lideranças e compreende um amplo e longo processo que pode ser dividido em
três etapas: (a) filiação, (b) formação/treinamento e (c) ocupação de alguma
196
posição de importância para o partido, seja fora ou dentro dele (PERES;
MACHADO, 2017). É por meio do recrutamento que se dá a renovação dos quadros
partidários. Esse processo “n~o é crucial apenas para a permanente reconstruç~o
da legitimidade da democracia, mas igualmente para a reprodução das
organizações partid|rias mesmas ao longo do tempo” (MACHADO, 2016, p.123).
Toda a discussão precedente chama atenção para o fato de que a ciência
política atribui grande importância aos partidos, a ponto de considerar que as
agremiações partidárias criaram a democracia moderna (SCHATTSCHNEIDER,
1960). Isso reforça a necessidade de permanente recrutamento, visto que atrair
novo(as) adepto(a)s é uma estratégia essencial para a renovação das lideranças
políticas, o que é imprescindível para a longevidade dessas organizações.
Maurice Duverger (1985) é outro autor central no estudo dos partidos
políticos que destaca a importância do recrutamento de quadros para as
organizações partidárias. Para o autor, a presença de novas lideranças contribui
para renovar a perspectiva das elites dirigentes das legendas e também pode
colaborar para aumentar a visibilidade das agremiações perante os diversos
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segmentos das sociedades, especialmente por meio da eleição para o parlamento.
Além disso, o recrutamento de mulheres em si já possibilita experiências de
formação política que são valiosas para a renovação de quadros de um partido.
Afinal, uma mulher que recebeu formação adequada pode assumir cargos
mais cedo na estrutura e na organização do partido, atuando como chamariz para
atrair mais mulheres. Assim, as legendas conseguem estabelecer uma dinâmica
efetiva de incorporação das visões das novas adeptas e, assim, assimilar suas
formas políticas de atuação contribuindo para a renovação das lógicas de disputa
de poder na organização interna do partido e também na relação com as demais
agremiações.
No sistema político representativo, “os principais gatekeepers ao acesso das
mulheres à política formal são os partidos. Mas a importância destes, passada a
fase de seleção, pode ser relativizada a partir de uma perspectiva que considere o
impacto de outros elementos institucionais, como, por exemplo, o sistema eleitoral
e o financiamento de campanhas” (SACCHET, 2012, p. 165). Afinal, “os partidos s~o
atores centrais para a inclusão progressiva das mulheres em processos político-
197
decisórios”. Por outro lado, apesar dessa possibilidade, a estrutura partid|ria, “via
de regra, é considerada, por candidatas e membros de grupos organizados de
mulheres nos partidos, um dos principais empecilhos para a entrada das mulheres
na vida pública” (p. 165).
Apesar das estruturas oligárquicas e de viés machista, os partidos políticos
passaram a receber incentivos institucionais a partir do início da década de 1990
no sentido de promover a inclusão das mulheres (MOISÉS; SANCHEZ, 2014). Entre
esses incentivos destacam-se a Lei de Cotas (Lei 9.100/95), que determina a
viabilização de cotas para candidatura de mulheres em cada partido ou coligação.
A Lei Orgânica dos Partidos Políticos - LOPP (Lei 9.096/95) em seu artigo 44
estabeleceu que as agremiações devem destinar o mínimo de 5% dos recursos do
Fundo
Partidário
para
a criação
e
manutenção
de
programas
de
promoção da participação política das mulheres. A LOPP determinou ainda que
em todas as legendas fosse criado um órgão específico para cuidar disso, o qual foi
denominado de secretaria da mulher. Outra iniciativa relevante foi a criação da
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ONU-Mulher, entidade da Organização das Nações Unidas, em 2010, para
implementar políticas de igualdade de gênero nos partidos políticos.
Considerando esse contexto, Ferreira (2012) argumenta que a experiência
continuada de novo(a)s filiado(a)s no interior das organizações partidárias
funciona como uma “escola”, no sentido de que possibilita o desenvolvimento de
competências políticas específicas, que não seria possível sem esse aprendizado.
Além disso, proporciona a formação de uma rede de contatos pessoais, que
permite o acesso de mulheres às redes de recrutamento parlamentar. A
experiência de formação política possibilitada pela imersão no cotidiano partidário
também contribui para a produção de vínculos entre o(a)s futuro(a)s líderes do
partido e os dirigentes populares. Ademais, o interesse por este tipo de atividade
partidária é legitimado e reafirmado pelas redes sociais de pertencimento do(a)s
novo(a)s recrutado(a)s, transformando-se em um valor simbólico interno que
confere capital social entre seus pares (SILVA, 2015).
As mulheres partidárias exercem várias funções em relação aos partidos,
tais como potencializar e dinamizar o relacionamento dos partidos com o
198
eleitorado feminino, exercendo o papel de elo comunicativo entre as mulheres e as
legendas (BARROS, 2015). Devido à proximidade e à relação continuada com as
elites da legenda, ainda segundo o mesmo autor, as mulheres partidárias podem
atuar como grupo de pressão intrapartidário, fazendo advocacy de causas,
bandeiras ou interesses das mulheres.
3. Análise dos dados
Antes da apresentação e da análise dos dados, é oportuno apresentarmos a
lógica que seguimos no presente trabalho. King, Keohane e Verba (1995) apontam
para a necessidade patente da descrição dos fenômenos sociais. Embora a lógica da
inferência seja o que guia a Ciência Política enquanto ciência, boas inferências
dependem do conhecimento e descrição do fenômeno. Nesse sentido, nosso
trabalho analisa como se dá a participação delas nas atividades das agremiações às
quais elas são filiadas.
Ainda não possuímos fundamentos teóricos sólidos para proposições de
hipóteses teóricas robustas, nem possuímos conhecimento acumulado sobre o
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perfil e as expectativas de mulheres filiadas aos partidos, pois há poucos estudos
sobre esse tema no Brasil. As pesquisas existentes tratam da militância partidária
de mulheres em partidos de esquerda (GOLDENBERG, 1997); análise sobre a
atuação feminina nos diretórios partidários do estado do Ceará (BARREIRA;
GONÇALVES, 2012); participação das mulheres nas comissões executivas estaduais
dos partidos (BARBOSA, 2015); influências da experiência como filiada em eleições
para o cargo de vereadora (MERLO, 2017).
Contudo, como guia para a análise de dados e para responder nossas
questões de pesquisa partimos das seguintes proposições: (a) as mulheres
solteiras e descasadas (divorciadas e viúvas) são mais ativas na política partidária
do que as casadas; (b) as relações familiares são predominantes na motivação para
a filiação partidária; (c) os partidos de esquerda estimulam mais a participação
feminina; (d) o interesse em se candidatar para a disputa eleitoral aumenta o
interesse das mulheres em participar das atividades partidárias.
A amostragem foi desenhada com base no modelo de cálculo amostral de
Kish (1995), com intervalo de confiança de 95% e variância máxima (p=0,5):
199
Onde n é o tamanho da amostra, N é o tamanho da população e e especifica
o erro amostral, dado por 1-precisão. Com base nesse cálculo obtivemos as metas
amostrais que constam na tabela abaixo, com uma amostragem de 400
respondentes. Para tanto, foi considerando o total de filiadas de cada partido.
Tabela 1– Cálculo Amostral
Tamanho da População
N
7.348.450
e
0,05
e²
0,0025
95%
Tamanho da Amostra
n=
400
Fonte: Elaboração própria, com base em Kish (1995).
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A partir do cálculo amostral acima especificado, foram estabelecidas as
metas de amostragem que constam na Tabela 2, considerando o total de filiadas de
cada partido. As metas de respostas foram atingidas em todos os casos.
Tabela 2 – Metas de amostragem x respostas obtidas
Total de filiados
Partido
200
%
feminino
Metas amostragem
%
%
Respostas
36
8,61%
MDB
2.402.264
45%
34
8,50
PT
1.587.916
45%
29
7,25
31
7,42%
PSDB
1.446.854
44%
27
6,75
29
6,94%
PDT
1.251.350
44%
24
6,00
26
6,22%
PTB
1.193.113
45%
20
5,00
23
5,50%
DEM
1.096.537
43%
20
5,00
22
5,26%
PP
1.438.392
44%
18
4,50
19
4,55%
PSB
648.444
43%
14
3,50
15
3,59%
PR
799.463
44%
14
3,50
14
3,35%
PCdoB
392.195
45%
12
3,00
12
2,87%
CIDADANIA
482.543
42%
10
2,50
11
2,63%
PRB
389.434
51%
10
2,50
11
2,63%
PSD
317.420
44%
10
2,50
10
2,39%
PV
376.512
41%
10
2,50
10
2,39%
PATRIOTA
72.702
40%
8
2,00
9
2,15%
AVANTE
185.564
45%
8
2,00
9
2,15%
PRP
250.469
45%
8
2,00
8
1,91%
PSC
421.661
44%
8
2,00
8
1,91%
PSOL
122.571
43%
8
2,00
8
1,91%
NOVO
8.825
11%
7
1,75
7
1,67%
PCB
14.836
45%
7
1,75
7
1,67%
PCO
2.938
41%
7
1,75
7
1,67%
PPL
39.562
43%
7
1,75
7
1,67%
PROS
91.077
40%
7
1,75
7
1,67%
PSDC
186.337
44%
7
1,75
7
1,67%
PSL
226.551
43%
7
1,75
7
1,67%
PTC
198.443
44%
7
1,75
7
1,67%
PODEMOS
161.551
43%
7
1,75
7
1,67%
REDE
17.761
17.761
7
1,75
7
1,67%
SD
181.125
45%
7
1,75
7
1,67%
PHS
210.402
44%
7
1,75
7
1,67%
PMB
38.299
55%
6
1,50
6
1,44%
PRTB
136.236
43%
6
1,50
6
1,44%
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PSTU
17.408
46%
6
1,50
6
1,44%
PTdoB
223.895
45%
6
1,50
6
400
100
419
1,44%
100,0
0
Total Geral
Fonte: Elaboração própria, 2020.
A Tabela 3 mostra uma descrição do perfil das informantes da pesquisa. O
perfil predominante é de mulheres entre 25 e 49 anos, solteiras, com renda mensal
entre cinco e dez mil reais, com ensino médio e superior. Quanto à região
geográfica, prevalecem as de maior população: SE, S e NE, que são também as que
concentram o maior eleitorado e maior quantidade de filiados/as.
Tabela 3 – Perfil das informantes
FAIXA ETÁRIA
201
FREQUÊNCIA ABSOLUTA
FREQUÊNCIA RELATIVA %
16 a 17 anos
12
2,86%
18 a 24 anos
34
8,11%
25 a 29 anos
82
19,57%
30 a 39 anos
118
28,16%
40 a 49 anos
122
29,12%
50 a 59 anos
40
9,55%
Acima de 60 anos
11
2,63%
419
100,00%
FREQUÊNCIA ABSOLUTA
Subtotal
ESTADO CIVIL
Solteira
233
FREQUÊNCIA RELATIVA %
55,61%
Casada / União estável
84
20,05 %
Divorciada
63
15,04 %
Viúva
39
9,31 %
419
100,00%
FREQUÊNCIA ABSOLUTA
FREQUÊNCIA RELATIVA %
Acima de 10 mil reais
136
32,77%
De 5 a 7 mil reais
102
24,58%
De 7 a 10 mil reais
88
21,20%
De 2 a 5 mil reais
65
15,66%
Até 2 mil reais
22
5,30%
Prefiro não declarar
6
0,48%
419
100,00%
FREQUÊNCIA ABSOLUTA
FREQUÊNCIA RELATIVA %
Médio
97
23,15%
Superior tecnólogo
89
21,24%
Técnico
82
19,57%
Superior graduação
81
19,33%
Pós-graduação
51
12,17%
Subtotal
RENDA FAMILIAR MENSAL
Subtotal
ESCOLARIDADE
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Fundamental
19
4,53%
Subtotal
419
100,00%
REGIÃO
FREQUÊNCIA ABSOLUTA
FREQUÊNCIA RELATIVA %
Sudeste
150
35,89%
Sul
95
22,49%
Nordeste
94
22,49%
Centro Oeste
51
12,20%
Norte
29
6,94%
419
100,00%
Subtotal
Total
Fonte: Elaboração própria, 2020.
419
Antes da análise dos dados apresentamos ainda um panorama relativo à
filiação partidária no Brasil, com a descrição das informações referentes a cada um
dos 35 partidos registrados na Justiça Eleitoral até o ano de 2018 (Apêndice 1). O
total geral de mulheres filiadas corresponde a 44%, enquanto os homens são 56%.
A predominância de filiados masculinos ocorre em todas as legendas, com exceção
do PMB e do PRB, que contam com 55% e 51% de mulheres filiadas,
202
respectivamente. Destacam-se ainda com 45% de mulheres entre seus filiados:
PCdoB, PCB, MDB, Avante, PRP, PT e SD. O Partido Novo conta com o menor
percentual de mulheres filiadas (11%).
Observa-se que a distribuição de filiadas entre os partidos é fortemente
assimétrica. Como vemos no Gráfico 1, 50% das filiadas concentram-se em 22%
dos partidos (8 em números absolutos). Nesse contexto destacam-se MDB (8,59%),
PT (7,40%) e PSDB (6,92%) como os partidos com mais filiadas. É importante
notar que entre os maiores partidos em termos de filiação todos os matizes
ideológicos clássicos estão contemplados, centro, esquerda e direita.5
5
Utilizamos a classificação de Codato, Berlatto e Bolognesi (2018).
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Gráfico 1 - Participação em atividades do partido
Fonte: Elaboração dos autores, 2020.
A concentração de mulheres filiadas aos maiores partidos reflete elementos
da cultura política brasileira e da própria estrutura do sistema partidário nacional
(RIBEIRO, 2013). Aquelas agremiações com inserção e ramificação na maior
203
quantidade de estados e municípios apresentam condições mais favoráveis para o
recrutamento e a filiação de mulheres, desde que isso seja definido como
prioridade. Além disso, o sistema brasileiro favorece as maiores legendas, com
mais recursos financeiros do fundo partidário. Esses recursos permitem maiores
investimentos em estratégias para atrair mulheres, como cursos online
direcionados para o público feminino e a institucionalização de núcleos,
secretarias e similares voltados especificamente para agregar e organizar a
militância feminina (BARROS, 2015; BARROS; RODRIGUES; MARTINS, 2015;
BARROS, 2017).
Uma das características fundamentais da filiação partidária é a
possibilidade de incremento na participação política desses membros. Isto é, ser
um filiado já é uma característica que distingue esse grupo da população em geral.
Mas aqui, vamos avaliar quais são as variáveis de perfil pessoal que afetam a
intensidade da participação. O Gráfico 1 resume a situação relativa à participação
das mulheres nas atividades partidárias.
No questionário aplicado as atividades elencadas eram as seguintes:
militância das redes digitais (96%); reuniões dos diretórios femininos locais
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(17%); cursos de formação política (17%); militância de rua (16%); reuniões
municipais (15%); apoio na organização de campanhas eleitorais (12%); reuniões
nacionais (8%); reuniões estaduais do partido (7%). A predominância da
militância digital se explica pelo baixo investimento e pelas facilidades oferecidas
às filiadas, cuja atuação pode ocorrer em qualquer lugar e a qualquer hora,
inclusive no ambiente doméstico (BARROS, 2015).
A participação nas reuniões dos diretórios femininos locais também se
justifica pela facilidade de acesso às reuniões, pois são realizadas na cidade onde
moram as filiadas. Além disso, destaca-se o baixo custo, visto que não exige longos
deslocamentos. Tais reuniões geralmente são realizadas nos finais de semana,
outro fator que facilita a presença das mulheres. Os cursos de formação política se
explicam pelo elevado interesse das mulheres pelo conhecimento e pela exigência
da legislaç~o brasileira, que obriga os partidos a investir até “20% dos recursos
oriundos do Fundo Partidário para atividades de educação política, além de
manutenç~o de institutos de pesquisa e doutrinaç~o” (BARROS; RODRIGUES;
MARTINS, 2015, p. 11).
204
A participação em atividades relacionadas aos partidos é diferente quando
se leva em conta o tipo de atividade. Por exemplo, no Gráfico 2, observamos que no
que se refere as atividades de campanha e recrutamento as filiadas tendem a
exercer apenas uma atividade. Nesse sentido, esse tipo de atividade parece engajar
menos as filiadas. Essa afirmação parece fazer sentido, principalmente ao
olharmos as atividades partidárias e de formação política. Na média, as filiadas
participam de 2,08 atividades partidárias e 1,39 atividades formação política. A
mediana das atividades só foi superior a 1 no caso de atividades partidárias;
metade da distribuição participou de pelo menos 2 atividades partidárias, mas
apenas 25% deles participaram de pelo menos 3. No caso, de formação política, os
últimos 25% participaram de, pelo menos, duas atividades.
De fato, atividades de campanha política na rua e recrutamento são aquelas
com menor engajamento. Aqui há dois fatores que devem ser considerados. O
primeiro é o tempo necessário para as atividades de campanha política e eleitoral
na rua, o que dificulta a participação de mulheres, especialmente aquelas que são
casadas, devido ao tempo destinado aos afazeres domésticos. O segundo
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certamente está relacionado à centralização do planejamento e execução das
atividades relativas ao recrutamento, cujos responsáveis, geralmente são pessoas
que ocupam cargos na hierarquia administrativa dos partidos, sendo, portanto, um
número limitado de indivíduos, geralmente homens (BARROS, 2017).
O Gráfico 2 apresenta ainda a distribuição média da soma da participação
em todas as atividades partidárias, de formação, campanha política e
recrutamento. Observamos uma distribuição assimétrica à direita, isto é, à medida
que o indicador de participação aumenta menos frequente ele é. Ao levar em conta
todas as atividades, na média cada filiada participa de 5,86% atividades. De acordo
com a mediana, metade das filiadas participou de pelo menos cinco atividades,
sendo que os 25% participaram de pelo menos sete delas. Trata-se,
aparentemente, de um nível expressivo de participação das filiadas.
Gráfico 2 - Média de participação em atividades do partido
A
B
205
Fonte: Elaboração dos autores, 2020.
O Gráfico 2 (acima) evidencia que não há uma correspondência perfeita
entre ter mais filiadas e maior participação em atividades. MDB e PSDB mesmo
sendo dois dos maiores partidos em termos de filiadas, estão pouco acima da
média de participação. Por outro lado, as filiadas do PSOL, REDE e PT destacam-se
no engajamento nas atividades dos partidos. Isso mostra que o volume de filiadas
não é necessariamente um indicador de qualidade em termos de envolvimento das
filiadas com as atividades partidárias.
Os partidos à esquerda, como no caso dos acima mencionados, mesmo com
um número menor de mulheres filiadas, contam com maior engajamento das
mulheres. Além dos fatores já conhecidos pela literatura ( ALMEIDA, 2015; PINTO,
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2018), certamente a cultura interna dessas legendas favorece a maior participação
de mulheres. Estudos recentes sobre os estatutos partidários mostram as
agremiações mencionadas buscam oferecer condições mais favoráveis para a
participação de mulheres (GUIMARÃES; RODRIGUES; BRAGA, 2019).
Por outro lado, vemos que mesmo com menos filiadas (tamanho
organizacional) partidos como Patriota, PTdoB e PSTU não conseguem engajar
suas filiadas como seria esperado pela lógica da ação coletiva em grupos menores
(LACERDA, 2011; SOMBRA, 2016). Certamente isso se deve à estrutura
hierarquizada e oligárquica e da baixa nacionalização.
Convém ressalvar, contudo, que participar em menos atividades não
significa necessariamente baixo engajamento, considerando a qualidade ou
impacto da participação das filiadas, inclusive do ponto de vista do tempo
dedicado. Essa medida apenas sintetiza disponibilidade para participar. É
totalmente cabível que uma filiada participe pouco, mas seja de importância
fundamental no desenvolvimento do partido. Outras, ao contrário, podem
participar de muitas atividades simultaneamente, porém com dedicação de pouco
206
tempo e em atividades de menor peso para o fortalecimento da participação
feminina no interior das agremiações.
Mas quais são as variáveis que afetam a participação em atividades do
partido? Quais são as possíveis causas do maior engajamento nesse tipo de
atividade? Abaixo comparamos o indicador de participação e variáveis de perfil
das filiadas. Podemos iniciar com características de perfil socioeconômico das
filiadas.
Ribeiro (2013, p. 43) ressalta que a desigualdade na distribuição dos
recursos financeiros e políticos é um problema estrutural no Brasil. Para o autor,
todas as modalidades de envolvimento político “s~o distribuídas de forma desigual
entre a população, sendo mais recorrentes entre aqueles que possuem maior
volume de recursos materiais e cognitivos”. Elementos como a renda, escolaridade,
gênero, raça/cor, região de residência são apontados como os principais fatores
que podem estimular ou limitar a participação política. Isso porque as
desigualdades socioeconômicas produzem desigualdades políticas (ALENCAR et
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al., 2013). A inclusão e inserção de mulheres no âmbito dos partidos políticos estão
diretamente relacionadas com essas questões.
3.1 Variáveis socioeconômicas x participação partidária
A figura abaixo sumariza como a participação está relacionada ao estado
civil das filiadas.
Gráfico 3 - Estado civil e participação em atividades do partido
A
B
F = 1.073, p-valor = 0.343
207
Fonte: Elaboração dos autores a partir dados do TSE, 2018.
De acordo com os dados do Gráfico 3, podemos observar que à medida que
se aumenta os valores de participação, menor tende a ser a diferença entre as
solteiras e as demais. Isto é, quando se fala de participação entre quatro e seis
atividades diferentes no partido as solteiras levam vantagem em relação às
casadas e descasadas, mas o contrário não é verdadeiro. Mulheres não casadas
também são participativas. Fizemos uma comparação entre as médias de
participação com intervalo de confiança de 95%. Observamos que as casadas na
média participam de mais atividades do que os demais. Contudo, como vemos nas
barras, os intervalos de confiança se interpõem indicando não haver a
possibilidade de diferenciação estatística decorrente do estado civil.6
Fizemos também o teste agregando solteiras e descasadas no mesmo grupo. Do mesmo modo o
teste indicou não haver diferenças estatísticas significativas no que concerne a participação em
atividades partidárias.
6
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Gráfico 4 - Variáveis socioeconômicas e participação em atividades partidárias
A
B
C
208
Fonte: Elaboração dos autores a partir dados do TSE, 2018.
O Gráfico 4 apresenta as típicas variáveis de perfil socioeconômicas e sua
relação com a participação em atividades partidárias. Filiadas que estão
empregadas são um pouco mais participativas do que as desempregadas (uma
diferença de 0.12). Entretanto, essa diferença é praticamente nula em termos de
significância estatística. Vemos, por outro lado na parte B do gráfico, que alta renda
familiar está relacionado a menor participação. Filiadas com renda mensal de até
R$ 2 mil tem participação média de 6,09, enquanto o grupo de até R$ 7 mil aparece
com média 6,0; e 5,74 para renda superior a esse intervalo. Como vemos, as médias
são praticamente iguais nas duas primeiras faixas. Filiadas com renda no maior
estrato tendem a ser menos participativas em média, que as do grupo anterior.
A questão da renda certamente é complexa, mas um dos fatores que
devemos considerar é que pessoas de baixa renda tendem a participar mais
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quando se trata de mobilizações em prol de reivindicações associadas a políticas
públicas voltadas para suprir necessidades materiais da população. Entre essas
reivindicações destacam-se: emprego, saúde, educação, segurança, transporte
público e moradia. As pessoas de maior renda, ao contrário, mobilizam-se menos
em relação a esses temas, devido sua condição financeira (VIANA, 2019). No caso
dos partidos, certamente esses fatores também influenciam, mesmo que não seja
possível estabelecer uma relação direta no caso em estudo.
Finalmente, na parte C do Gráfico 4 observamos o perfil educacional. Como
vemos alto nível educacional parece indicar maior participação. Tanto curso
técnico, graduação e pós-graduação possuem média superior que filiadas com
apenas nível fundamental ou médio. Esses dados, não podem ser generalizados
para a população, contudo. Apesar disso, convém mencionar os estudos que
mostram o quanto a educação pode favorecer a cultura democrática e a
participação política (BARROS, 2016b). Embora ainda não haja estudos específicos
acerca da influência da escolarização na filiação partidária de mulheres e na
participação delas no interior das agremiações, certamente as conclusões de
209
estudos mais amplos não devem ser desconsideradas.
3.2 Capital familiar, capital militante e participação nas atividades
partidárias
Agora podemos descrever como variáveis sociopolíticas podem afetar a
participação das filiadas. Os dados mostram que 48,93% das filiadas atribuem a
filiação ao incentivo da família. Quanto à influência de movimentos militantes,
20,5% informaram que foram motivadas pela militância estudantil, enquanto
11,22% filiaram-se em função do ativismo em movimentos sociais. A convivência
com pessoas já filiadas aos partidos aparece com 13,60%, superando a influência
dos movimentos sociais.
Apenas 6,21% tomaram a iniciativa de procurar o partido por conta
própria, revelando o quanto as relações sociais interferem na decisão de se filiar.
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Estudos sobre socialização política de jovens7 são convergentes com esses
resultados, como o de Barros (2018, p. 870) que mostra “a força dos suportes
sociais de proximidade na formação e socialização política, tanto em termos de
fontes de informaç~o como de influência política e partid|ria”. O mesmo estudo
apresenta percentuais similares relativos à influência dos movimentos estudantis e
dos movimentos sociais na socialização política, com 20,83% e 12,60%,
respectivamente. Essa convergência nos leva a pensar que a socialização política
das mulheres que decidiram se filiar a partidos políticos, pelo menos na fase
juvenil, não foi tão diferenciada em relação aos homens.
Interessante observarmos que 52,03% delas indicam que possuem algum
familiar na política. Esse dado mostra a força do capital familiar na política
brasileira (MIGUEL; MARQUES; MACHADO, 2015). O capital familiar é definido
pelos autores como uma forma de capital político que é derivado das relações de
parentesco, levando alguém a ter sucesso na política pelo simples fato de fazer
parte de uma família com tradição na política. Isso significa que o simples fato de
carregar um sobrenome de prestígio no campo político já pode gerar capital
210
eleitoral, com larga vantagem em relação àqueles e àquelas que não contam com
familiares em cargos de liderança política.
As pesquisas empíricas mostram que as mulheres são as que mais se
beneficiam do capital familiar, principalmente no caso de partidos tradicionais,
conservadores e de direita. Esse tipo de capital é mais concentrado em regiões
menos desenvolvidas, com baixo índice de desenvolvimento socioeconômico e
eleitores pouco escolarizados. Esse tipo de capital gera práticas políticas
clientelistas e contribui para a “formaç~o de cl~s políticos, cujos integrantes s~o
estimulados ou mesmo constrangidos a ocupar os espaços que os membros mais
velhos ou mais importantes deixam para tr|s” (MIGUEL; MARQUES; MACHADO,
2015, p. 727).
Agora vamos verificar se esse fato afeta a chance de uma filiada participar
mais ou menos das atividades do partido, conforme exposto no Gráfico 5.
Utilizamos estudos sobre socialização política de jovens porque não há estudos brasileiros sobre a
socialização política de mulheres. Entretanto, consideramos o paralelo válido, visto que essas
mulheres também foram jovens.
7
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Gráfico 5 - Influência familiar x Participação em atividades do partido (ic 95%)
A
B
t = 2.4157, df = 407.92, p-value = 0.016
t = 3.0377, df = 416.94, p-value = 0.003
Fonte: Elaboração dos autores a partir dados do TSE, 2018.
Embora a família influencie as mulheres na decisão de se filiar, os dados
sugerem que mulheres que não foram suscetíveis a influência familiar possuem
maior indicador de participação em atividades partidárias. De acordo com esses
dados, a média de participação de mulheres que não tem familiares na política
211
partidária é de 6,14%, enquanto para aquelas com algum familiar na política, o
percentual é de 5,59%.
É oportuno mencionar aqui que, em contraposição ao capital familiar, existe
o capital militante, que é construído ao longo de uma trajetória de engajamento e
ativismo em um movimento social específico, com uma pauta definida e
socialmente legitimada. O alcance e a força do capital militante estão
condicionados à abrangência geográfica do movimento, à inserção em múltiplas
redes sociais e conexões com movimentos similares (ROMBALDI, 2006; SEIDL,
2014; PALUMBO, 2018). Geralmente o militante político vai acumulando capital ao
conquistar a confiança das bases, o que o leva a exercer postos de comando em
liderança em níveis mais abrangentes, passando de uma associação de bairro ao
plano da cidade, do município, do estado, até alcançar visibilidade e prestígio em
nível nacional. No caso das mulheres filiadas, esse capital as credencia inicialmente
ao cargo de vereadora e depois a postos de maior abrangência geográfica, como
prefeita, deputada estadual, governadora, deputada federal, senadora.
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De maneira semelhante, mulheres que receberam incentivos de outras
pessoas para sua filiação (colegas de movimentos estudantis e de movimentos
sociais) participam em média de 6,19% das atividades. Isso representa 0,68% a
mais do que pessoas que se filiaram graças ao incentivo de algum parente. As
diferenças apresentadas possuem significância estatística. Isto é, mesmo sendo
uma diferença pequena, temos evidências de que seria bastante improvável
observá-la ao acaso. O capital militante é mais relevante, portanto, para esse
segmento específico.
3.3 Espectro ideológico x participação nas atividades partidárias
O Gráfico 6 apresenta os dados relativos ao espectro ideológico dos
partidos, conforme a percepção das informantes.
Gráfico 6 - Ideologia partidária e participação das filiadas
212
F = 5,988 , p-valor=0,003
df=411
Fonte: Elaboração dos autores a partir dados do TSE.
Normalmente espera-se que no Brasil, partidos de esquerda consigam
manter suas filiadas engajadas em maior quantidade e qualidade, como mostram
vários estudos já mencionados na primeira parte do texto ( ALMEIDA, 2015;
PINTO, 2018). Nossa variável não captura a ideologia real dos partidos, mas sim,
como as filiadas os enxergam. Nossos dados mostram que partidos considerados
de esquerda pelas informantes possuem mulheres filiadas mais engajadas no que
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se refere a sua participação em atividades do partido, uma média de 6,30%
atividades.
Partidos considerados de centro possuem uma média de atividade de
5,98% e os de direita 5,28%. Contudo, ao avaliarmos os intervalos de confiança e
um teste de Tukey, a única diferença significativa a 5% é entre partidos de
esquerda e direita. Sendo que os primeiros contam com filiadas mais
participativas: 1,02 a mais na média.
Os partidos considerados de centro são os predominantes na escolha das
filiadas, quando se trata de espectro ideológico, como mostra a Tabela 4, seguidos
dos partidos de esquerda. Os de direita aparecem em último lugar. É oportuno
ressaltar que aqui estamos tratando das autopercepções das filiadas. Afinal, o
debate acerca do enquadramento dos partidos brasileiros em determinado
espectro ideológico não é simples, mas bastante controverso. Mesmo assim, como
explicam Tarouco e Madeira (2013, p. 109), “apesar da alardeada inconsistência
ideológica dos partidos brasileiros, a sua classificação na dimensão esquerda-
213
direita é reconhecida tanto pelos próprios políticos quanto pelos analistas”.
Para os autores, “isto significa que as classificações correntes s~o na maioria
válidas e podem continuar sendo usadas nos estudos que, ainda hoje, procuram
pelos efeitos da ideologia partid|ria sobre outras vari|veis” (TAROUCO; MADEIRA,
2013, p. 109). Para os nossos propósitos aqui, achamos pertinente a definição de
(SCHEEFFER, 2018, p. 4) de que
a esquerda representa o conjunto de forças que luta, essencialmente, por
transformações que resultem na instauração de uma ordem diferente da
capitalista, ou transformações que resultem em uma reformulação
substancial da mesma. Mesmo que o teor e o grau das mudanças possam
variar de acordo com uma esquerda mais ou menos “radical”, o que est|
presente em qualquer esquerda é o caráter contestatório assumido. A
direita, por outro lado, se refere às forças favoráveis à manutenção da
ordem social e política. A direita se preocupa, basicamente, em conservar
e não alterar o sistema que está dado.
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Tabela 4 - O que teve mais peso na escolha do partido quanto ao posicionamento
ideológico?
Respostas
O fato de ser um partido com um claro
posicionamento de centro
O fato de ser um partido com um claro
posicionamento de esquerda
O fato de ser um partido com um claro
posicionamento de direita
Não sei avaliar
Total
Frequência Frequência
absoluta
relativa %
199
47,84%
114
27,40%
101
5
419
24,28%
0,48%
100,00%
Fonte: Elaboração própria, 2020.
Em estudo mais recente Codato, Berlatto e Bolognesi (2018) também
reconhecem que o quadro partidário instável no Brasil dificulta a classificação em
função de um eixo esquerda-centro-direita e citam o trabalho de Tarouco e
Madeira (2013) como válido atualmente.
214
3.4 Interesse em disputar eleições x participação nas atividades
partidárias
O interesse em disputar uma eleição pode incentivar a participação das
filiadas em atividades partidárias. A figura abaixo sumariza essas informações.
Gráfico 7 - Interesse em concorrer e média de participação
A
B
Anova: F = 3.75; p-valor 0,026. Diferença: Sim Não sabe = 0,78; p-valor= 0,024
Fonte: Elaboração dos autores a partir dados do TSE (2018).
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De acordo com nossos dados, o item “filiadas que assinalam o interesse em
disputar alguma eleiç~o” possui uma média de atividade maior que as demais. A
diferença é de 0,28 entre aquelas que dizem “N~o” e aquelas que dizem “Sim”. A
diferença entre as que dizem “Sim” e “N~o sabe” é 0,73. A única diferença
significativa é justamente essa, filiadas que pensam em ser futuras candidatas são
estatisticamente mais participativas do que aquelas que ainda não sabem se serão
candidatas. No caso da pretensão em assumir cargos na burocracia do partido a
participação em atividades partidárias é maior em média (6,14) do que as que não
querem (5,69) ou não sabem (5,77). Embora não haja possibilidade de
generalização é importe salientar como as médias tendem a se afastar indicando
uma diferença importante.
O interesse em disputar eleição pelo partido parece estar relacionado à
participação nas atividades, mas não de forma linear. Enquanto, filiadas que dizem
que pensam em ser candidatas são mais participativas em média, as menos
participativas são aquelas que respondem não saber se irão se candidatar. Isto é, as
215
que respondem “N~o” { quest~o possuem nível de atividade partid|ria mais
próximo das que respondem “Sim” do que aquelas que est~o em dúvida. No caso da
ocupação de cargos, as filiadas com interesse são consideravelmente mais ativas na
participação do que as demais.
Novos estudos podem ser realizados para aprofundar como a ambição
política afeta o comportamento das filiadas. Entretanto, já existem pesquisas que
confirmam maior predisposição das afiliadas a se envolverem mais intensamente
nas atividades partidárias quando há interesse em se candidatar e concorrer a
eleições, a exemplo do estudo já citado de Resende e Epitácio (2017) que mostra
como isso ocorre de forma expressiva no caso de candidaturas de mulheres ao
cargo de vereadora.
4 Considerações finais
Mais que propor correlações ou generalizações, os dados descrevem um
elemento essencial da atividade político-partidária: a participação das filiadas nas
atividades das legendas. Tanto informações de participação nos partidos, quanto
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de perfil de filiados/as são escassas no Brasil (RIBEIRO; AMARAL, 2019). Nesse
sentido, iniciamos um campo aberto de investigação.
Observamos que as filiadas tendem a se concentrar nos grandes partidos
nacionais em todos os espectros ideológicos, o que se explica certamente pelas
maiores possibilidades de recursos oferecidos pelas grandes agremiações. Nesse
sentido, as filiadas estão sendo integradas na política mais tradicional (sem
nenhuma conotação pejorativa), ou seja, nas maiores agremiações, que já dominam
o cenário político em termos nacionais. Aqui percebemos empiricamente a
relevância da nacionalização dos partidos, como mostram vários estudos citados
na primeira parte do texto (GUIMARÃES; RODRIGUES; BRAGA, 2019).
A integração ativa dessas filiadas também não é homogênea entre os
partidos. Uma agenda futura poderia buscar responder o que cada um desses
partidos faz para estimular a participação de suas filiadas ou a quais papeis
internos elas são incentivadas a exercer. Nossos dados sugerem a existência de
diferenças entre as legendas, o que demandaria estudos mais detalhados,
especialmente pesquisas qualitativas.
216
Os dados sugerem ainda que as filiadas participam de forma diferente ao
variar as atividades. Militância partidária nas redes digitais e cursos de formação
política contam com maior adesão delas, do que as atividades de campanha e
recrutamento político. Uma nova agenda pode contribuir ao avaliar novos tipos de
atividades, sejam em estudos com large n ou estudos de casos.
Os dados de perfil socioeconômico são pouco conclusivos. Em alguns casos
diferenças são mais claras, mas com baixa capacidade generalizante. Mulheres
solteiras, viúvas e divorciadas, com situação ocupacional empregada, com renda de
até R$ 2 mil reais e com educação maior que ensino médio são mais participativas.
O problema relativo ao estado civil parece ser facilmente explicado em função da
menor demanda doméstica em termos de cuidados com filhos e com a casa de
modo geral. Entretanto, chama atenção o fator renda, visto que as filiadas com
maior renda mensal familiar são menos participativas.
No caso de variáveis sociopolíticas, os resultados mostram que o capital
familiar não atua como motivador da participação nas atividades internas dos
partidos. O que podemos deduzir de tais informações é que aquelas que se
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beneficiam das relações familiares não se sentem motivadas ao envolvimento nas
atividades porque o status familiar já parece suficiente para lhe garantir prestígio
interno no âmbito das legendas e sucesso na carreira. Ao contrário dessas, aquelas
que não usufruem desse tipo de capital buscam pelos seus próprios meios, formas
de credenciamento no interior dos partidos, por meio das atividades internas
proporcionadas pelas agremiações. Desprovidas de capital familiar, essas mulheres
procuram desenvolver capital militante, como forma de adensar sua atuação no
partido e se credenciar perante suas parceiras de legenda e também fora do
âmbito partidário. Aqui percebemos convergência com as conclusões de Barreira e
Gonçalves (2012), no que se refere à atuação de mulheres militantes de partidos de
esquerda.
Por outro lado, a distinção é clara entre a percepção da ideologia partidária
e participação das filiadas. Aquelas que enxergam seus partidos à esquerda são em
média mais participativas que aquelas que enxergam seus partidos como de centro
e de direita. Esse resultado encontra respaldo teórico que indica mais capacidade
de mobilização participativa nos partidos mais à esquerda no espectro ideológico,
217
conforme foi ressaltado na primeira parte do texto (KATZ; MAIR, 1992; SACCHET,
2012; ALMEIDA, 2015).
Nossos resultados possuem baixa capacidade de generalização, mas
entregam descrição e insights para futuras investigações que parecem
promissoras. Novos estudos poderão ser direcionados de forma a superar as
limitações apontadas aqui e estabelecer uma agenda frutífera de investigação
sobre filiação e participação de mulheres nas organizações partidárias brasileiras.
Essa abordagem se reveste de especial interesse mediante os estudos que mostram
o quanto isso pode impulsionar candidaturas femininas (RESENDE; EPITÁCIO,
2017; MORAES; GOULART; MERLO, 2017). Igualmente relevantes são os estudos
internacionais que mostram que a filiação partidária e a participação das mulheres
nas atividades internas das legendas impulsionam carreiras políticas ( MATLAND,
2002; ARAÚJO, 2005).
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APÊNDICE 1 – DADOS SOBRE FILIADOS A PARTIDOS PORLÍTICOS POR SEXO
Partido
DEM
NOVO
PC DO B
PCB
Feminino
% Feminino
Masculino
% Masculino
1.096.537
475.849
43%
611.829
56%
8.825
959
11%
7.863
89%
392.195
174.651
45%
216.277
55%
14.836
6.615
45%
8.095
55%
PCO
2.938
1.211
41%
1.722
59%
PDT
1.251.350
553.297
44%
694.501
56%
72.702
29.350
40%
43.321
60%
PHS
210.402
92.061
44%
117.881
56%
PMB
38.299
20.984
55%
17.297
45%
2.402.264
1.076.851
45%
1.317.980
55%
223.895
100.690
45%
122.725
55%
1.438.392
637.084
44%
797.663
55%
PATRIOTA
PMDB
PMN
PP
PPL
224
Filiados total
39.562
17.179
43%
22.363
57%
CIDADANIA
482.543
200.770
42%
278.885
58%
PR
799.463
355.239
44%
442.541
55%
PRB
389.434
198.857
51%
190.004
49%
PROS
91.077
36.456
40%
54.595
60%
PRP
250.469
112.009
45%
137.743
55%
PRTB
PSB
PSC
136.236
648.444
421.661
59.113
278.098
185.203
43%
43%
44%
76.688
368.382
235.466
56%
57%
56%
PSD
PSDB
PSDC
PSL
PSOL
PSTU
317.420
1.446.854
186.337
226.551
122.571
17.408
129.808
643.283
82.712
98.297
53.051
7.945
41%
44%
44%
43%
43%
46%
187.463
798.197
103.141
127.330
69.411
9.442
59%
55%
55%
56%
57%
54%
PT
AVANTE
PTB
PTC
PODEMOS
PV
1.587.916
185.564
1.193.113
198.443
161.551
376.512
703.572
83.209
534.840
86.569
68.940
156.123
44%
45%
45%
44%
43%
41%
875.813
101.815
654.585
111.427
92.114
219.397
55%
55%
55%
56%
57%
58%
17.761
181.125
16.630.650
6.253
81.322
7.348.450
35%
45%
44%
11.496
99.719
9.225.171
65%
55%
55%
REDE
SD
Total
Fonte: Elaboração própria com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral,
2020.
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225
Women members of political
parties:
militant
action
and
participation in party activities
Mujeres del partido: actuación
militante y participación en
actividades del partido
Antonio Teixeira de Barros
Willber da Silva Nascimento
Antonio Teixeira de Barros
Willber da Silva Nascimento
Abstract: The article aims to evaluate
how women affiliated to Brazilian
political parties work within the
structure and organization of the
captions. The analytical focus is on the
participation of these women in party
activities,
considering
that
the
literature points to such participation
as one of the factors that boost
women's
political
careers.
The
following factors are assessed as
influencing
this
participation:
socioeconomic variables; family capital
and militant capital; ideological
spectrum of subtitles; informants'
interest in running for election. The
hypothesis adopted and confirmed is
that women affiliated to left-wing
parties, single and more educated are
the most participative within the
associations. The study is based on a
survey applied to 419 women affiliated
to parties. The main locus of militant
action by affiliated women occurs in
the virtual sphere. Student movements
and social movements are the main
mechanisms for the party recruitment
of women on the left, while on the right
are kinship relations.
Resumen: El artículo tiene como
objetivo evaluar cómo las mujeres
afiliadas a los partidos políticos
brasileños trabajan dentro de la
estructura y organización de los
subtítulos. El enfoque analítico está en
la participación de estas mujeres en
las
actividades
del
partido,
considerando que la literatura apunta
a dicha participación como uno de los
factores que impulsan las carreras
políticas de las mujeres. Se evalúa que
los siguientes factores influyen en esta
participación:
variables
socioeconómicas; capital familiar y
capital militante; espectro ideológico
de subtítulos; interés de los
informantes en postularse para
elecciones. La hipótesis adoptada y
confirmada es que las mujeres
afiliadas a partidos de izquierda,
solteras y más educadas son las más
participativas
dentro
de
las
asociaciones. El estudio se basa en una
encuesta aplicada a 419 mujeres
afiliadas a partidos. El lugar principal
de la acción militante de las mujeres
afiliadas ocurre en la esfera virtual.
Los movimientos estudiantiles y
sociales
son
los
principales
mecanismos para el reclutamiento de
mujeres por parte de la izquierda,
mientras que a la derecha están las
relaciones de parentesco.
Keywords: Party affiliation; Women
affiliated to political parties; Female
party recruitment; Women and party
politics.
Palabras clave: afiliación partidista;
Mujeres afiliadas a partidos políticos;
Reclutamiento femenino del partido;
Mujeres y política de partidos.
Recebido em 20 de janeiro de 2020
Aprovado em 9 de julho de 2020
Agenda Política. Revista de Discentes de Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos
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