A Moratória
A Moratória
A Moratória
JORGE ANDRADE
PERSONAGENS JOAQUIM HELENA LUCLIA MARCELO OLMPIO ELVIRA SALVA-ME, CAPITO, DE UM PASSADO VORAZ. LIVRA-ME, CAPITO, DA CONJURA DOS MORTOS. INCLUI-ME ENTRE OS QUE NO SO, SENDO FILHOS DE TI. E NO FUNDO DA MINA, CAPITO, ME ESCONDE.... PRIMEIRO ATO CENRIO: DOIS PLANOS DIVIDEM O PALCO MAIS OU MENOS EM DIAGONAL. PRIMEIRO PLANO OU PLANO DA DIREITA: SALA MODESTAMENTE MOBILIADA. NA PAREDE LATERAL DIREITA, DUAS PORTAS: A DO FUNDO, QUARTO DE MARCELO; A DO PRIMEIRO PLANO, COZINHA. AO FUNDO DA SALA CORREDOR QUE LIGA S OUTRAS DEPENDNCIAS DA CASA. ESQUERDA, MESA COMPRIDA DE REFEIES E DE COSTURA; JUNTO A ELA, EM PRIMEIRO PLANO, MQUINA DE COSTURA. ENCOSTADO PAREDE DIREITA, ENTRE DUAS PORTAS, BANCO COMPRIDO, SEM PINTURA. NA MESMA PAREDE, BEM EM CIMA DO BANCO, DOIS QUADROS, RELGIO GRANDE DE PAREDE. NO CORTE DA PAREDE IMAGINRIA QUE DIVIDE OS DOIS PLANOS, PRESO PAREDE COMO SE FOSSE UM ENFEITE, UM GALHO SECO DE JABUTICABEIRA. SEGUNDO PLANO OU PLANO DA ESQUERDA: ELEVADO MAIS OU MENOS UNS TRINTA OU QUARENTA CENTMETROS ACIMA DO PISO DO PALCO. SALA ESPAOSA, DE UMA ANTIGA E TRADICIONAL FAZENDA DE CAF. ESQUERDA-BAIXA, PORTA DO QUARTO DE JOAQUIM; ESQUERDA-ALTA, PORTA EM ARCO QUE LIGA A SALA COM A ENTRADA PRINCIPAL OU CASA E AS OUTRAS DEPENDNCIAS. NA PAREDE DO FUNDO, DIREITA, PORTA DO QUARTO DE MARCELO; ESQUERDA, PORTA DO QUARTO DE LUCLIA. BEM NO CENTRO DA PAREDE DO FUNDO, O MESMO RELGIO DO PRIMEIRO PLANO. NA PAREDE, ENTRE A PORTA DO QUARTO DE JOAQUIM E A PORTA EM ARCO, OS MESMOS QUADROS DO PRIMEIRO PLANO. OBSERVAO: AS SALAS SO ILUMINADAS, NORMALMENTE, COMO SE FOSSEM UMA NICA, NO PODENDO HAVER JOGOS DE LUZ, ALM DAQUELE PREVISTO NO TEXTO. A DIMINUIO DE LUZ NO PLANO DA DIREITA OU PRIMEIRO PLANO, NA CENA FINAL DA PEA, EMBORA DETERMINADA PELO TEXTO, NO PRECISA SER RIGOROSAMENTE SEGUIDA. AO: NO SEGUNDO PLANO OU PLANO DA ESQUERDA, A AO SE PASSA EM UMA FAZENDA DE CAF EM 1(2(; NO PRIMEIRO PLANO OU PLANO DA DIREITA, MAIS OU MENOS TRS ANOS DEPOIS, NUMA PEQUENA CIDADE NAS PROXIMIDADES DA MESMA FAZENDA. CENA: AO ABRIR-SE O PANO, SOMENTE O PRIMEIRO PLANO EST ILUMINADO. LUCLIA ACABA DE CORTAR UM VESTIDO, SENTA-SE MQUINA E COMEA A COSTURAR; SUAS PERNAS MOVIMENTAM-SE COM INCRVEL RAPIDEZ. JOAQUIM, LIGEIRAMENTE CURVADO, APARECE PORTA DA COZINHA COM UMA CAFETEIRA NA MO. PRIMEIRO PLANO JOAQUIM - Luclia! (Sai) (PAUSA. LUCLIA CONTINUA COSTURANDO. JOAQUIM APARECE NOVAMENTE.)
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JOAQUIM - Luclia! LUCLIA (Sem parar de costurar.) - Senhor. JOAQUIM - Venha toar caf. LUCLIA - Agora no posso. JOAQUIM - O caf esfria. LUCLIA Meu servio est atrasado. JOAQUIM - Ora, minha filha, cada coisa sem hora. LUCLIA - Para quem tem muito tempo. JOAQUIM - No preciso se matar assim. tudo tem um limite. LUCLIA - Sou obrigada a trabalhar como uma... (Contm-se) JOAQUIM - Voc j amanhece irritada! LUCLIA - Desculpe, papai. JOAQUIM - Venha. LUCLIA (Acalmando-se) - O senhor pode trazer para mim? (JOAQUIM ENTRA NA COZINHA E LOGO APARECE COM UMA XCARA DE LEITE.) JOAQUIM - Olhe aqui. Beba. LUCLIA - No suporto este leite. JOAQUIM - No comece, Luclia. LUCLIA (Pausa) - Foi ao mdico? JOAQUIM - Fui. S para fazer a sua vontade. LUCLIA - Que disse ele? JOAQUIM - Nada. Que poderia dizer? LUCLIA - O senhor anda se queixando do brao. JOAQUIM - Deve ser de rachar lenha. LUCLIA - No deu nenhum remdio? JOAQUIM - Tenho sade de ferro. Pensa que sou igual a esses mocinhos de hoje? LUCLIA - Estou perguntando papai, se no receitou algum remdio.
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JOAQUIM - Se tivesse receitado, eu teria dito. LUCLIA - O senhor acha que comprar remdio jogar dinheiro fora. JOAQUIM - E mesmo. LUCLIA - Tenho dinheiro. Se o senhor precisar, s falar. JOAQUIM (Impaciente) - J disse que no receitou. LUCLIA - Melhor, ento. JOAQUIM - O mdico disse que ainda tenho cem anos de vida. LUCLIA - No gosto de gente exagerada. JOAQUIM - Est muito certo. Nunca senti nada. LUCLIA (Voltando costura) - Hoje, tudo est atrasado. JOAQUIM - No se afobe, minha filha. LUCLIA - E que fao do meu servio? JOAQUIM - Que importncia tem? Voc no obrigada a costurar. At prefiro que... LUCLIA (Corta) - Ora, papai! (Pausa. Luclia olha para Joaquim e disfara ) Tia Elvira vem experimentar o vestido e ainda tenho que acabar o de dona Marta. JOAQUIM - Por que que sua tia precisa de tantos vestidos? LUCLIA - Ela vai a uma festa amanh. JOAQUIM (Sai, levando a xcara) - um despropsito fazer um vestido para cada festa. LUCLIA - Assim gasta um pouco do dinheiro que tem. JOAQUIM (Voz) - No a festa do Coronel Bernardino? LUCLIA - . JOAQUIM (Voz) - Voc no vai? LUCLIA - No. JOAQUIM (Voz) - Por que no? Recebemos convite. LUCLIA - No quero. JOAQUIM (Pausa. Reaparecendo) - No sei por que, depois que viemos para Jaborandi, voc se afastou de tudo e de todos. LUCLIA
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- Convidaram por amabilidade, apenas. JOAQUIM - Convidaram porque voc minha filha. uma obrigao. LUCLIA - Conheo essa gente. JOAQUIM - Voc precisa se divertir, tambm. LUCLIA - Preciso, mas no posso. JOAQUIM (Violento) - Pode! Pode! LUCLIA - No se exalte, papai. JOAQUIM - Eu digo que pode! LUCLIA - Est certo, sou eu que no quero. JOAQUIM (Pausa) - Sei o que voc sente. Eu tambm me sinto assim. LUCLIA - apenas por causa do meu trabalho, nada mais. JOAQUIM - H de chegar o dia em que vai poder ir a todas as festas novamente. E de cabea erguida. LUCLIA - Ainda estou de cabea erguida. Posso perfeitamente recusar um convite (Pausa. Os dois entreolham-se ligeiramente) No vou porque fico cansada. JOAQUIM - Eu sei. Eu sinto o que . (Pausa) De cabea erguida! Prometo isso a voc. LUCLIA - No fao questo nenhuma. JOAQUIM - Eu fao. LUCLIA - Est bem. No se toca mais neste assunto. (PAUSA) JOAQUIM - Com a nulidade do processo, vou recuperar a fazenda. Darei a voc tudo o que desejar. LUCLIA - No vamos falar nisto. JOAQUIM - Por que no? Eu quero falar. LUCLIA - bom esperar primeiro a deciso do Tribunal. JOAQUIM (Impaciente) - O mal de vocs no ter esperana. Essa que a verdade. LUCLIA - E o mal do senhor ter demais. JOAQUIM - Esperana nunca demais. LUCLIA - No gosto de me iludir. E depois, se recuperarmos a fazenda, vamos ter que trabalhar muito para pag-la.
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JOAQUIM - Pois trabalha-se. LUCLIA - S depois disto poderemos pensar em recompensa... e outras cosias. At l, preciso costurar e com calma. JOAQUIM - exatamente o que no suporto. LUCLIA - O qu? JOAQUIM - Ver voc costurando para essa gente. Gente que no merecia nem limpar nossos sapatos! LUCLIA - No reparo neles. No sei quem so, nem me interessa. Trabalho, apenas. (Por um momento, fica retesada) Por enquanto no h outro caminho. JOAQUIM - Gentinha! S tm dinheiro... LUCLIA (Seca) - o que no temos mais. JOAQUIM (Pausa) - Quando meus antepassados vieram de Pedreira das Almas para aqui, ainda no existia nada. Nem gente desta espcie. (Pausa) Era um serto virgem! (Sorri) A nica maneira de se ganhar dinheiro era fazer queijos. Imagine, Luclia, enchiam de queijos um carro de bois e iam vender na cidade mais prxima, a quase duzentos quilmetro! Na volta traziam sal, ferramentas, tudo que era preciso na fazenda. Foram eles que, mais tarde, cederam as terras para se fundar esta cidade. (Pausa) Quando eu penso que agora... LUCLIA (Corta, spera) Papai! J pedi ao senhor para no falar mais nisto. O que no tem remdio, remediado est. (PAUSA. JOAQUIM FICA SEM SABER O QUE FAZER. ATRAPALHA-SE QUANDO TENTA ARRUMAR OS FIGURINOS QUE ESTO EM CIMA DA MESA.) LUCLIA (Impaciente) - Papai! No misture meus figurinos! JOAQUIM - Queria arrumar. LUCLIA - No preciso. JOAQUIM (Pausa) - Onde est a sua me? LUCLIA - O senhor sabe que ela foi igreja! (NA PALAVRA IGREJA O SEGUNDO PLANO SE ILUMINA.) JOAQUIM - verdade. (PAUSA. JOAQUIM OLHA PARA OS QUADROS, NO PRIMEIRO PLANO. HELENA APARECE NO SEGUNDO PLANO; ENCAMINHA-SE PARA OS QUADROS, AJOELHA-SE E COMEA A REZAR.) JOAQUIM - Era diante desses quadros que sua me costumava rezar l na fazenda. (Pausa) Foram sua igreja durante trinta e cinco anos! (LUCLIA OLHA PARA JOAQUIM E SORRI COM CARINHO. DEPOIS DE UM INSTANTE, COMO SE PROCURASSE ALGUMA COISA PARA DIZER AO PAI...) LUCLIA - Veio o caf?
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JOAQUIM - No. LUCLIA - Tia Elvira prometeu mandar hoje. JOAQUIM - Prometeu, mas no mandou. LUCLIA - O senhor olhou direito na jardineira? JOAQUIM - Naturalmente que olhei. S veio um latozinho de leite. LUCLIA Com certeza tia Elvira comea a achar que nos ajuda demais. Um latozinho de leite por dia! JOAQUIM (Abaixa ligeiramente a cabea) - Deve ter esquecido. LUCLIA - Ela no se cansa de falar na ajuda que nos d e nas dificuldades que todo mundo est atravessando. JOAQUIM (Incomodado) - Sua me no devia aficar tanto tempo na igreja! LUCLIA - Ou achou melhor trazer pessoalmente, para no esquecermos que devemos favores a eles. Aposto como vai contar a luta que teve para conseguir um pouco de caf! JOAQUIM (Olha para Luclia durante um instante, contrai o rosto e abaixa a cabea) LUCLIA - A verdade que ela deve ter a conscincia bem pesada. JOAQUIM - Por qu? LUCLIA - O senhor no se lembra mais? JOAQUIM (Levanta-se) - No preciso deles para recuperar o que meu. LUCLIA - Um dia hei de dizer tudo isto a ela. JOAQUIM (Saindo para a cozinha) - As colheitas andam ms. (S a voz de Joaquim) No h mais caf como antigamente. LUCLIA - No se esquea de que a fazenda deles tem setecentos mil ps de caf. JOAQUIM (Voz) - Que adianta? No chove! LUCLIA - Enfim, sempre a mesma coisa: chuva, chuva! (Toca a mquina) quando morvamos na fazenda a ladainha era a mesma. (Pausa) O que sei que preciso trabalhar se quisermos viver, pelo menos decentemente. (JOAQUIM APARECE NA PORTA EM ARCO NO SEGUNDO PLANO; EST DE PERNEIRAS E TRAZ UM CHICOTE NA MO) SEGUNDO PLANO JOAQUIM - Se continuar assim, no sei onde vamos parara! (HELENA LEVANTA-SE E VOLTA-SE PARA JOAQUIM) HELENA - O que foi que voc disse?
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JOAQUIM - No chove, no pode haver caf. HELENA - Hoje tudo est ficando diferente! No compreendo mais nada. De primeiro, tempo de chuva era tempo de chuva. JOAQUIM - No h mais caf como antigamente. HELENA - Este ano voc estava to animado, Quim. JOAQUIM - A safra parecia ser igual do ano passado. O caf estava bem abotoado. HELENA - Ainda temos uma florada. JOAQUIM - Basta olhar o cafezal para desanimar. HELENA (Aflita) - Meu Deus! (Vacila) JOAQUIM - O que foi? Est sentindo alguma coisa, Helena? HELENA (Disfara) - No estou sentindo nada. JOAQUIM - E para completar: estes preos! HELENA (Aflita) - Caram mais? JOAQUIM - Espero que no. HELENA (Pausa) - Quim! JOAQUIM - Que ? HELENA - Voc... JOAQUIM - O que h? HELENA - Falou com Elvira? JOAQUIM (Contrai-se) - No. HELENA - Quer que eu fale? JOAQUIM - No temos nada a falar com ela. HELENA - Mas, Quim, ns no podemos continuar assim! JOAQUIM - Eu sei o que fao. HELENA - apenas um emprstimo. JOAQUIM - No chegamos ainda ao ponto de esmolar. HELENA - um negcio como outro qualquer. JOAQUIM
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Conheo bem aquele... (Pra, enraivecido) no moveria uma palha para salvar a minha fazenda. HELENA - Salvar?! JOAQUIM - Se fosse este o caso. Eles nunca nos perdoaram por termos ficado com esta fazenda. HELENA - Ora, Quim, j esqueceram. Voc que no sabe perdoar. JOAQUIM - S me faltava esta, agora. HELENA - O que foi? JOAQUIM - Voc se juntar com minha irm e meu cunhado para falar de mim. HELENA - Mas quem que est falando de voc? Quero apenas que resolva esta situao. JOAQUIM - Tenho dinheiro a receber com o Arlindo. HELENA - Ele no decide nunca! JOAQUIM - Darei um jeito como Banco. HELENA - No gosto de Banco. JOAQUIM - Eu tambm no, mas que vamos fazer! HELENA - J devemos ao Banco. JOAQUIM - Minha fazenda uma garantia. HELENA - Quem sabe se Elvira... JOAQUIM - Helena! Eu ainda sei defender meus negcios. Chega! HELENA - Quero ajudar. No suporto mais esta incerteza. Afinal, voc entregou o caf ao Arlindo e at hoje nada! JOAQUIM - Entre dois homens de bem, a palavra empenhada basta. HELENA - Vender caf a prazo nesta situao perigosos, Quim! JOAQUIM - No h perigo nenhum. As coisas no sai feitas assim como voc pensa. O que podem me fazer? Tenho os meus direitos. Quando receber o dinheiro do Arlindo, pago os dbitos e pronto. HELENA - Deus queira. (Encaminha-se para o quarto e sai) JOAQUIM (Indo cozinha) - Sei o que fao. Cuide de seus afazeres que eu cuido dos meus. (Pra e olha para a porta do quarto de Marcelo; dirige-se para l) Marcelo! Levante-se. Isto no hora para um homem estar na cama. O sol j est quase dobrando no cu. Levante-se! Vamos ter uma conversa sria, hoje. (JOAQUIM DIRIGE-SE PARA A COZINHA E SAI. ACENTUA-SE O BARULHO DA MQUINA DE LUCLIA. HELENA APARECE, NO PRIMEIRO PLANO, COM UM VU E UM LIVRO DE MISSA NA MO; COLOCA-OS EM CIMA DA MESA)
PRIMEIRO PLANO HELENA - O Marcelo ainda no se levantou? LUCLIA - No, senhora. HELENA - Marcelo! (Bate na porta) Marcelo! Levante-se, meu filho! Voc no vai ao frigorfico? (Ouve qualquer coisa) Ento venha tomar o seu caf. LUCLIA - Vamos ver se pelo menos neste emprego ele pra mais. HELENA - preciso um pouco de pacincia, minha filha. LUCLIA - Vocs tm demais. HELENA - Ele tomou juzo. LUCLIA - J era tempo. HELENA (Desviando a conversa) - A igreja estava repleta. LUCLIA - Mame! A senhora no devia ficar at esta hora sem comer nada. HELENA - Fui comungar. LUCLIA - A senhora comungou domingo. HELENA (Pausa) - Nem quando eu morava l na fazenda, deixava de comungar na primeira sexta-feira do ms. Por que vou deixar agora? JOAQUIM - Helena! (Joaquim aparece porta da cozinha do Primeiro Plano) Coei o caf para voc. Venha tomar. (HELENA DIRIGE-SE PARA A COZINHA; AO PASSAR PERTO DE JOAQUIM, ESTE LHE FAZ UMA CARCIA; HELENA SORRI) LUCLIA - Mame! O caf na veio. HELENA - No veio? JOAQUIM - No. HELENA - Se Elvira prometeu porque dar um jeito de mandar. (Sai) LUCLIA - Se no vier, mando comprar e pronto. JOAQUIM - A gente pode precisar do dinheiro para outra cosia. LUCLIA - Trabalho para comprar o que for necessrio. JOAQUIM - Mas ns temos. LUCLIA - O qu? JOAQUIM - Caf!
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LUCLIA Tia Elvira gosta de se fazer esperada. Por mim, no aceitaria nada que viesse daquela gente! JOAQUIM (Pausa) - que o caf que a gente compra por a... to ruim! (LUCLIA OLHA PARA O PAI E CONTINUA SEU TRABALHO. JOAQUIM VAI AO BANCO, SENTA-SE E COMEA, PACIENTEMENTE, A DESFIAR PEQUENOS PEDAOS DE PANO. HELENA APARECE NO SEGUNDO PLANO, PORTA DE SEU QUARTO; ARRUMA-SE OLHA PARA A COZINHA E VAI AT A PORTA DO QUARTO DE MARCELO.) SEGUNDO PLANO HELENA - Marcelo! MARCELO (Voz) - Senhora. HELENA - Levante-se, meu filho. Seu pai j chamou. MARCELO (Voz) - J estou de p. HELENA - Preciso que voc v cidade. MARCELO (Aparece, acabando de se vestir) - O que aconteceu hoje nesta casa? HELENA - Nada. Por qu? MARCELO - Todo mundo quer que eu me levante, conversar comigo. O que foi? HELENA - J hora, meu filho. MARCELO - No se pode nem dormir sossegado. HELENA - Seu pai j percorreu toda a fazenda. MARCELO - Pudera! Ele levanta com as galinhas! JOAQUIM (Primeiro Plano) - Luclia! HELENA (Segundo Plano) - Isso no hora para dormir. LUCLIA (Primeiro Plano) - Senhor. MARCELO (Segundo Plano) - Por que toda esta aflio? JOAQUIM (Primeiro Plano) - O Olmpio no disse nada na carta? LUCLIA (Primeiro Plano) - No. HELENA (Segundo Plano) - Preciso conversar com sua tia Elvira. V cham-la. JOAQUIM (Primeiro Plano) - Nem quando pretendia voltar? MARCELO (Segundo Plano) - H duas coisas que no nego nunca a voc: levantar e ir cidade. LUCLIA (Primeiro Plano) (Ligeira vacilao)
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- No... no senhor. HELENA (Segundo Plano) - Depressa. Nada de brincadeira. JOAQUIM (Primeiro Plano) - Ele trata dos meus negcios e no tem nada a me dizer? MARCELO (Segundo Plano) - Mande o Benedito arrear meu cavalo. LUCLIA (Primeiro Plano) - O que ele tinha a dizer era para mim. HELENA (Segundo Plano) - Arreie voc mesmo. MARCELO (Segundo Plano) - Mas, afinal, para que temos empregados? HELENA (Segundo Plano) - Ora, meu filho, no seja preguioso! (Encaminham-se para a cozinha) Diga sua tia que preciso muito falar com ela. (Saem) PRIMEIRO PLANO JOAQUIM - Acho esquisito que justamente na semana em que se vai resolver o processo, meu advogado no tenha nada a me comunicar. LUCLIA Pois no tinha. Ele, s vezes, costuma tambm ter o que me dizer que no seja ao de nulidade. JOAQUIM (Pausa) - Voc ainda no resolveu, minha filha? LUCLIA - O qu? JOAQUIM - Marcar o casamento. LUCLIA - No. JOAQUIM - Por que no? LUCLIA - Prefiro no conversar a este respeito. JOAQUIM (Impaciente) - Pois eu digo que preciso. LUCLIA - Isto diz respeito s a mim. JOAQUIM - A mim tambm, a felicidade da minha filha. LUCLIA (Subitamente) - Papai! Estou cansada de dizer que no quero casar mais. Sei da minha vida. JOAQUIM - Mas, por qu? LUCLIA - Porque no quero. Somente isso. JOAQUIM - Sei por que no quer. A culpa minha. LUCLIA - No diga isto.
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JOAQUIM - Digo! Digo! LUCLIA - Tenho direito de resolver o que melhor para mim. O que se passou, l na fazenda, nada tem que ver com isto. Apenas no quero casar e deixar vocs. (HELENA APARECE PORTA DA COZINHA NO PRIMEIRO PLANO) JOAQUIM - No sou um imprestvel! LUCLIA - No estou dizendo isto. JOAQUIM - Ainda sei me defender. LUCLIA - Quando achar que posso eu me casarei. HELENA - Viva a sua vida, minha filha. LUCLIA - Minha vida aqui, junto de vocs. JOAQUIM - No quero que voc se sacrifique. LUCLIA - No considero isso sacrifcio nenhum. Por favor, vamos mudar de assunto. JOAQUIM (Impaciente) - No admito que voc estrague seu futuro. HELENA - O Marcelo j est colocado; agora tudo vai bem. LUCLIA - No se pode estragar o que j est estragado. HELENA - Minha filha! LUCLIA - isso mesmo. JOAQUIM (Violento) - Isto uma censura a mim? HELENA - Quim! LUCLIA - No. Quero que me deixem viver a meu modo. HELENA - O Olmpio no pode esperar a vida inteira. LUCLIA - Nunca pedi a ele que me esperasse. No vou casar com um moo s porque cuida dos negcios de meu pai. JOAQUIM - Voc gostava dele. LUCLIA - No gosto mais. JOAQUIM - um bom moo. Voc seria feliz LUCLIA (Subitamente spera) - O senhor no pensava assim h trs anos atrs. Lembra-se? HELENA (Em tom de censura; magoada) - Luclia!
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JOAQUIM (Levanta-se) - No disse! Voc ainda no me perdoou! LUCLIA - Nada tenho a perdoar. A situao nossa e no de vocs. a minha famlia. HELENA - Basta. Basta, minha filha. LUCLIA - Tambm tenho obrigaes e quero cumpri-las. JOAQUIM - Isso no impede que viva a sua vida. LUCLIA A minha vida esta. So duas coisas que no se misturam. Sou responsvel tambm pela carga. HELENA - Est certo. Quim, por favor... JOAQUIM - Carga? LUCLIA - Minhas obrigaes. JOAQUIM (Violento) - Ento, eu e sua me somos carga? LUCLIA - No foi isso que quis dizer. No faa as coisas mais difceis, papai. JOAQUIM (Abaixa a cabea) - A verdade que voc tem razo. LUCLIA (Vai at o pai e o abraa) - No poderia viver longe de vocs, assim como estamos. Nem posso pedir a um moo que arque com todas as responsabilidades. a situao que difcil. Sou feliz vivendo junto de vocs. Procure compreender, papai. JOAQUIM - Eu compreendo. Eu me exaltei sem razo. LUCLIA (Volta mquina) - Bom. No se fala mais nisto. HELENA - o que eu peo sempre. JOAQUIM (Quase num eco) - Ns vamos voltar para l, minha filha. Prometo isso a voc. S peo que tenham f. LUCLIA - Est certo, papai. Ns temos. HELENA Agora, como Marcelo colocado, voc no precisar trabalhar tanto. isto que deixa voc nervosa. (MARCELO APARECE PORTA DE SEU QUARTO, NO PRIMEIRO PLANO. EST S COM A CALA DE PIJAMA) LUCLIA - Se formos esperar por ele, no sei onde iremos parar. MARCELO - Que aconteceu nesta casa? No se pode nem dormir sossegado. JOAQUIM - Preguioso! Isto hora para um homem estar na cama? MARCELO - E o que vou ficar fazendo fora da cama? JOAQUIM - Trabalhar. MARCELO
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- J meio-dia? HELENA V se arrumar, meu filho. J pedi a voc que no saia sem roupa de seu quarto. Isso feio. MARCELO - Ento? S entro no servio ao meio-dia. JOAQUIM - Faa outra coisa qualquer. MARCELO - No tenho vontade. JOAQUIM - No sei como tem gente que consegue dormir, depois que o sol nasce. HELENA (Querendo evitar uma discusso, empurra Marcelo para a porta da cozinha) - Se no andar depressa, voc perde a jardineira. (MARCELO ENTRA NA COZINHA) JOAQUIM - S sabe beber e apodrecer nesta cama. HELENA - No diga isto, Quim. Ele moo, assim mesmo. JOAQUIM - No sei de quem herdou isto! Nunca pus uma gota de lcool na boca. HELENA - Agora ele est trabalhando. JOAQUIM - Ento porque est trabalhando pode fazer o que quiser? Beber, jogar e andar em ms companhias? HELENA - Vai indo, ele toma juzo. JOAQUIM - Trabalhando num frigorifico! L isto lugar para um homem decente trabalhar? HELENA - Dou graas a Deus, assim mesmo. JOAQUIM (Levanta-se) - Se tivesse estudado, no precisava ser empregado dos outros. HELENA - Mas no estudou, o que vamos fazer! JOAQUIM - O Marcelo est muito enganado se pensa que vai voltar comigo para a fazenda. Se quiser minha ajuda, que v estudar. (JOAQUIM DIRIGE-SE PARA O CORREDOR) LUCLIA (Olhando o pai sair) - Papai. JOAQUIM (Pra) - Que ? LUCLIA (Abre a gaveta da mquina) - Olha o dinheiro. JOAQUIM - Para qu? LUCLIA - O dinheiro para os jornais. JOAQUIM - Hoje no vou comprar jornais. LUCLIA - Ora, papai. Deixe de ser criana, ficou aborrecido comigo?
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JOAQUIM - No. Quem tem que mandar notcias o Olmpio. LUCLIA - No importa. O senhor gosta de ler os jornais. Tome o dinheiro. JOAQUIM (Vindo pegar. Irritado) Com este Governo quem que pode ter prazer em ler jornais! S publicam o que eles querem! HELENA - Ande, Marcelo. LUCLIA - Papai! Esquea o que eu disse. JOAQUIM - Falo para o seu bem, minha filha. LUCLIA - Eu compreendo. No se preocupe que resolverei meus problemas. JOAQUIM (Saindo) - Eu sei. (Pra e volta-se para Luclia) que esperamos h trs anos! A gente, no fim... (Volta-se e sai) HELENA - Marcelo! MARCELO (Voz) - J vai, dona Helena, j vai. Tem muito tempo. HELENA - Para que se levantar na horinha de sair? MARCELO (Entra alegre) - Porque o sono no deixa. HELENA - Quero pedir uma coisa, meu filho. MARCELO - Tudo que quiser. No h nada que eu no faa por voc. HELENA - Falar voc sabe. MARCELO - Ento? Que h? HELENA - No beba, meu filho; nem jogue. Peo a voc. MARCELO - Mas quem foi que disse que eu bebo? HELENA - Voc chega tarde todos os dias. O que que fica fazendo na rua at de madrugada? MARCELO - Nada. Conversando. HELENA - Mas conversando o qu? MARCELO - Nada. Simplesmente conversando, dona Helena. De noite o ar fresco, gostoso, me faz pensar! A senhora quer que eu venha me trancar neste quarto? No tem pena de seu filho? HELENA - A noite foi feita para dormir, meu filho. MARCELO - E para outras cosias tambm. HELENA - No fica bebendo?
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MARCELO - No. S bebericando. HELENA - Prometa que nem isso voc far. MARCELO - Prometo! HELENA - Agora, v se vestir. Est satisfeito como seu emprego? MARCELO - Muiiiito! HELENA - Ento, tome cuidado. MARCELO - Trabalhando no meio daqueles ingleses, logo estarei espikando. Ento, a senhora vai ver! Subirei como um rojo! muito importante saber falar ingls, dona Helena. HELENA - ? Por qu? MARCELO - Para trabalhar. HELENA - No compreendo. MARCELO Para viajar. Quando eu for viajar, voc vai comigo. Vamos nos divertir grande. (Marcelo levanta o vu d mesa, olha e sorri para a me) Diga, dona Helena, no sei escolher um presente? HELENA (Evocativa) - Sabe. Lembra-se de sua promessa quando me deu este vu? MARCELO - Como no! E no estou cumprindo? At que trabalhar no frigorfico no to ruim assim. matamos mil e quinhentos bois por dia, dona Helena! Mil e quinhentos! (Dirige-se para o quarto) HELENA - Muito cuidado, Marcelo. MARCELO - Tenha confiana no seu filho. (Pra na porta e volta-se para Helena ) Ele vencer! (Entra no quarto num rompante.) HELENA (Ri) - Prosa. LUCLIA - S quero ver at quando vai durar esse entusiasmo. HELENA - Agora ele est satisfeito com o trabalho. LUCLIA - Das outras vezes tambm ele dizia o mesmo. HELENA - Os primeiros empregos foram muito ruins, minha filha. LUCLIA - Quando a gente precisa, qualquer emprego serve. No eram piores do que esta mquina. HELENA - Ele no estava acostumado a trabalhar para os outros. LUCLIA - Nem eu. HELENA - Eu sei, Luclia. LUCLIA
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- A questo que no estamos em condies de escolher. HELENA - Precisamos ter calma, seno ele desorienta. LUCLIA - O Marcelo sempre fez o que quis de vocs. HELENA - Ora, minha filha! LUCLIA - a pura verdade. HELENA - Para o homem mais difcil enfrentar determinadas situaes. Esto mais em contato com o mundo, tm mais necessidade, do que ns, de certas cosias! LUCLIA - Devia ter um pouco mais de amor-prprio. HELENA - essa a questo, Luclia. Ele tem, e isso que desorienta, s vezes,. (Pausa) S uma coisa me preocupa. (JOAQUIM APARECE NO SEGUNDO PLANO, VINDO DA PORTA EM ARCO.) JOAQUIM (Segundo plano) - Marcelo MARCELO (Segundo Plano) (Voz que vem da cozinha) - Que ? JOAQUIM (Segundo Plano) - Ah! j se levantou. Quero conversar com voc. MARCELO (Segundo Plano) (Voz) - J vai. LUCLIA (Primeiro Plano) - O que mame? Que que preocupa a senhora? HELENA (Primeiro Plano) - Trabalhar no frigorfico, no meio de tantas mquinas! LUCLIA (Primeiro Plano) - No h perigo nenhum. HELENA (Primeiro Plano) - Antigamente, o trabalho era to simples! Agora preciso fazer tudo com mquinas! LUCLIA (Primeiro Plano) - Assim ele aprende a se defender. HELENA (Primeiro Plano) - Depois, minha filha, j imaginou a convivncia que ele tem no frigorfico? LUCLIA (Primeiro Plano) - O Marcelo j tem idade para no se deixar influenciar. JOAQUIM (Segundo Plano) - Marcelo! HELENA (Primeiro Plano) - Deus queria! MARCELO (Segundo Plano) (Voz) - Um minuto, seu Quim. (HELENA PEGA O LIVRO DE MISSA O VU E DIRIGE-SE PARA O CORREDOR.) HELENA (Primeiro Plano) - A que horas dona Marta vem buscar o vestido? LUCLIA (Primeiro Plano) (Olha o relgio) - Daqui a pouco. HELENA (Primeiro Plano)
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- Precisa de ajuda? LUCLIA (Primeiro Plano) - No. O vestido est quase pronto. (HELENA SAI PELO CORREDOR E MARCELO ENTRA PELA PORTA DA COZINHA NO SEGUNDO PLANO. DURANTE ESTA CENA, O BARULHO DA MQUINA DE COSTURA VAI AUMENTANDO POUCO A POUCO. LUCLIA TOCA A MQUINA COM INCRVEL RAPIDEZ) SEGUNDO PLANO MARCELO (Entrando) - Senhor. JOAQUIM - Venha c. MARCELO - Tenho pressa. JOAQUIM - Eu tambm. Tem pressa por qu? Quem tem pressa no dorme at esta hora. MARCELO - Vou cidade. JOAQUIM - Sente-se. Vamos conversar. MARCELO - Agora no posso, papai JOAQUIM - Pode. Pode. Eu digo que pode. MARCELO - No podemos conversar noite? JOAQUIM - No, senhor. Tem que ser agora. Sente-se. MARCELO - De que se trata? JOAQUIM - Quero saber at quando pretende continuar nesta vadiagem? MARCELO - Tenho feito o que possvel. JOAQUIM - O que que voc julga possvel? MARCELO (Sorri) - Ora, muita coisa. JOAQUIM - Por exemplo? MARCELO (Ligeira hesitao) - Ontem... passei o dia todo assistindo entrega do arroz nas roas. JOAQUIM - Sozinho? MARCELO - No. Com o administrador, naturalmente. JOAQUIM - Ainda bem. Bom, o arroz? MARCELO (Alegre) - Achei bom. JOAQUIM
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Estou perguntando, meu filho, se o arroz bom e no o que voc acha. Que tipo de arroz ? MARCELO - Acho que... JOAQUIM - Quantas sacas foram entregues? MARCELO - No contei. JOAQUIM - Ainda bem que o administrador estava junto. E voc vem me dizer que assistiu entrega do arroz nas roas? MARCELO (Ainda com bom humor) - E no assisti?! JOAQUIM - Voc espaireceu l pelas roas, isto sim. MARCELO (Levanta-se) - Est verto. No sei fazer nada. JOAQUIM - Sente-se. No precisa me dizer isto; j sei. MARCELO - Que posso fazer? Nunca trabalhei. JOAQUIM - Outra coisa que no precisa me dizer. Podia, ao menos, se interessar mais. MARCELO - O senhor nunca me ensinou nada sobre a fazenda. JOAQUIM - Essas coisas no se ensinam: aprende-se observando. tenho reparado em voc. anda pela fazenda como pensamento no mundo da lua. MARCELO - No sei frear meu pensamento. JOAQUIM - Pois bem: voc esteve praticamente em todos os colgios do Estado, nenhum serviu. Tenho lutado com voc para estudar, mas no adianta. No quer estudar, no ? MARCELO - No sei viver preso. JOAQUIM - Estou perguntando se no quer estudar. MARCELO - No dou para os estudos. JOAQUIM - Ento preciso trabalhar. De hoje em diante no ter um tosto meu se no trabalhar. MARCELO - Quando devo comear? JOAQUIM - Quando? J devia ter comeado. (HELENA APARECE PORTA DE SEU QUARTO) MARCELO - Est certo. O que para eu fazer? JOAQUIM - De amanh em diante a fiscalizao do caf fica por sua conta. MARCELO. - Bom. Mas j aviso: aos sbados e domingos ningum me pega aqui. JOAQUIM
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- No importa. O homem que trabalha pode fazer o que quiser nas horas de folga. No precisa dar satisfao de seus atos a ningum. MARCELO - Logo pretendo dar lies de como se fiscaliza m cafezal. O senhor vai ver. JOAQUIM - Espero. O que que vai fazer na cidade? HELENA (Corta) - Ver umas coisas para mim. Volte logo, Marcelo. No fique por l. JOAQUIM - Ele que se atreva. Traga tambm a Luclia. HELENA - Ora! Por qu? JOAQUIM - Chega de aprender costura. HELENA - Ela ainda no acabou o curso de Dona Marta, Quim! JOAQUIM (Com desprezo) Dona Marta! Uma costureirinha. Bastam algumas noes. A Luclia no vai ser costureira. HELENA - sempre bom fazer as cosias direito. JOAQUIM - Agora estamos no assunto, quero dizer, j que no fui consultado na ocasio, que no aprovo esse contato de minha filha com costureirinhas. Sabe l quem freqenta esses cursos! Gente de toda a espcie. Essas noes ela podia te aprendido aqui, com voc. HELENA - A Luclia precisa tambm se divertir um pouco. JOAQUIM - J deve ter se divertido bastante. Chega. Quero que venha embora. MARCELO (Saindo para o quarto) - Se o Olmpio deixar. HELENA (Gesto aflito de Helena) JOAQUIM - Olmpio? Quem Olmpio? HELENA - ... Voc compreende, Quim... JOAQUIM - SE no me disser quem , no posso compreender nada. HELENA - um namorado que a Luclia arranjou. JOAQUIM - Ento minha filha est na cidade, solta com um namorado? HELENA - Solta? Que expresso, Quim.... JOAQUIM - isso mesmo. Quem esse Olmpio? HELENA - Ele esteve muito tempo fora. JOAQUIM - Mas quem ele? O que faz? filho de quem? (NO PRIMEIRO PLANO, LUCLIA OLHA O RELGIO E APRESSA SEU TRABALHO.) HELENA - Estava estudando advocacia. JOAQUIM
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- Quero saber de quem que filho. Isso que importante. HELENA Voltou agora, formado. J abriu escritrio. o melhor partido da cidade. Todas as mes de filhas... JOAQUIM - Ento s porque advogado pode casar com minha filha? HELENA - um bom rapaz. JOAQUIM - Pelo que vejo, voc entregaria nossa filha ao primeiro que aparecesse com um cartucho qualquer de doutor. HELENA - Hoje tem muito importncia ser formado, Quim. JOAQUIM - Que importncia o qu. Esses doutorzinhos s sabem falar. Aposto que no sabe nem olhar a idade de um cavalo! HELENA - Ora, Quim! JOAQUIM - E montar muito menos. Helena! Espero que no tenha o o mau gosto de proteger semelhante namoro. Ainda por cima, um rapaz que nem conheo. HELENA - Conhece, sim. JOAQUIM - Conheo? Olmpio? No sei de ningum com este nome. HELENA - porque no se lembra mais. JOAQUIM - Ento? HELENA - o filho do Coronel Joo Jos. JOAQUIM - Como? Voc est louca? HELENA - No sei por qu! JOAQUIM - No sabe? Ento, no se lembra do que ele me fez? HELENA - Quim! Que tem a Luclia que ver com suas lutas polticas? JOAQUIM - Muita coisa. No suporto essa gente. HELENA - O Olmpio no tem culpa do que aconteceu. JOAQUIM (Com desprezo) - O Olmpio! Voc fala Olmpio como se j fosse ntimo da minha casa. No quero saber disto. Ele tambm deve ser do P.R.P. Basta para mim. Era s o que me faltava: ver minha filha casada com um perrepista! HELENA - Voc no pode sacrificar sua filha por causa de um apoltica estpida. JOAQUIM - Posso. Posso. Sacrificar por qu? Grande cosia romper um namoro! HELENA - que ela gosta dele. JOAQUIM
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- Isso no tem a menor importncia. No admito e pronto. HELENA - Mas, Quim... JOAQUIM - No se fala mais nisto (Levanta-se) HELENA - No diga nada a Luclia. Eu mesma falo. JOAQUIM (Bate na porta do quarto de Marcelo) J sabia que devia haver alguma coisa errada. o que do essas lies de costura. (Retesado) Dona Marta! (Grita) Marcelo! (Volta-se) Se eu tivesse sido consultado, nada disto teria acontecido. HELENA - No h nada de errado. um direito que ela tem. JOAQUIM (Violento) - Na minha casa e na minha famlia, mando eu. Sei perfeitamente o que direito ou no, sei tambm, o que serve para minha filha. Era s o que faltava! Um doutorzinho qualquer mandar em minha filha! Ele que se atreva a... a... HELENA - Quim! No precisa gritar dessa maneira! (MARCELO APARECE MUITO BEM VESTIDO.) JOAQUIM (A Marcelo) - Diga sua irm para vir hoje sem falta, se no quiser que eu v busc-la. MARCELO - Pois no, seu Quim. JOAQUIM (Saindo pela porta em arco) - E no quero ouvir falar mais nisto. MARCELO (Depois de uma pausa) - Que foi? HELENA - O namoro de sua irm. MARCELO - Se soubesse, no teria dito nada. HELENA - Um dia ele teria que ficar sabendo. MARCELO - Sorria. No gosto de ver voc triste. HELENA - Seu pai grita, mas acaba concordando. MARCELO - Desta vez acho que no. Tambm a Luclia no podia escolher outro rapaz para namorar? Logo quem: o filho do chefe do P.R.P. no interior. Pudera! HELENA - Com jeito a gente leva seu pai aonde quer. MARCELO (Sorri) - Devo dar o recado a Luclia? HELENA - No. Diga apenas para vir. MARCELO (Abraa Helena) - Desde quando voc virou Santo Antnio? HELENA (Olha para Marcelo e sorri) - J sei: dinheiro, no ? MARCELO - Infelizmente, ! HELENA
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- Quando que vai tomar juzo, meu filho? MARCELO - Tenho muito. que ainda no comecei a gastar. HELENA - J tempo. MARCELO - No brigue comigo. No se esquea de que minha namorada. HELENA - Prefiro que voc tenha outra namorada e trabalhe. MARCELO - Deixe de ser ridica. HELENA - Assim voc acaba com as minhas economias. Quanto? MARCELO - O que for possvel. No posso ir cidade sem dinheiro. O que vo dizer as meninas? HELENA - Mais respeito, Marcelo! (MARCELO RI. HELENA ENTRA EM SEU QUARTO. EMBAIXO, JOAQUIM APARECE CARREGANDO UM PACOTE DE JORNAIS, SENTA-SE NO BANCO E ESPARRAMA OS JORRAIS SUA VOLTA. MARCELO, EM CIMA, ACABA DE SE ARRUMAR. HELENA VOLTA.) HELENA Tome. o que tenho (Marcelo faz meno de sair) Tome cuidado, meu filho. No v ficar por l. MARCELO - Amanh comeo minha carreira de capataz (Sai) HELENA - Os anjos que digam amm. MARCELO (Volta e d um beijo na me) - Amm (Sai correndo) (HELENA SORRI, EXAMINA A SALA, ARRUMA ALGUMA COISA, PEGA UMA CESTA DE COSTURA, SENTA-SE E COMEA A TRABALHAR. JOAQUIM, EMBAIXO, RI SATISFEITO) PRIMEIRO PLANO LUCLIA - Alguma novidade? JOAQUIM - Este polticos so todos uns sujos. LUCLIA - O que foi? JOAQUIM - Entregam-se ao Ditador com uma facilidade de vendidos. LUCLIA - No toa que no gosto de poltica. JOAQUIM - Tambm a nica coisa boa que ele fez at agora, foi acabar com o P.R.P. LUCLIA - Com os outros partidos polticos tambm. JOAQUIM (Exaltando-se) - O meu partido nunca fez o que o P.R.P. fez. LUCLIA - Para mim so todos iguais. JOAQUIM
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- por causa deles que ns, lavradores, estamos nesta situao. LUCLIA - Ora, papai, o senhor sabe que isto no depende de partidos. Crise uma coisa parte. JOAQUIM (Violento) - Foram eles! Foram eles! LUCLIA - Papai! No se exalte. Estamos apenas conversando. JOAQUIM - Foram eles os culpados. Aqueles carcomidos! LUCLIA (Subitamente retesada) - Do rompimento do meu namoro tambm? JOAQUIM (Deixa cair o jornal, triste) - Luclia! Voc no esquece isso. Voc no sabe perdoar, minha filha! LUCLIA (Altiva, levanta a cabea ainda retesada) - por isso que sou sua filha. JOAQUIM (Reagindo novamente) - O pai de Olmpio me insultou em pblico naquela eleio. (MARCELO SAI DE SEU QUARTO, NO PRIMEIRO PLANO, VESTIDO SIMPLESMENTE.) MARCELO - Mame j pediu para no se discutir poltica. JOAQUIM - Estou em minha casa. Discuto quanto queira. MARCELO - Est certo. Estou apenas lembrando. LUCLIA - Desculpe-me, papai. No tive inteno de magoar o senhor. JOAQUIM (Senta-se novamente, mas no continua a ler) LUCLIA - Marcelo! Deixe o papai falar o que quiser. MARCELO - Por mim, que me importa. LUCLIA - Ento no diga nada. A casa dele. MARCELO (Pequena pausa) - Luclia! LUCLIA - Que ? MARCELO (Sorri) - Estou... (Mostra o bolso vazio) LUCLIA - E eu com isto? MARCELO - Preciso pegar a jardineira para chegar ao frigorfico. LUCLIA Se voc deitasse mais cedo e no gostasse tanto do ar fresco da noite, sobraria mais dinheiro. MARCELO - S esta vez. O ms que vem no vou precisar mais. LUCLIA - Tenho dinheiro contado para tudo. MARCELO - Entoa no poso ir trabalhar. (Senta-se) LUCLIA - Isto com voc. MARCELO
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- Lembro-me eu a mame... LUCLIA - J sei: voc dava um abrao, um beijo, chamava de minha namorada, e pronto: dinheiro saa. No se esquea de que no estamos mais na fazenda. MARCELO - Ser que voc no pode compreender? LUCLIA - No, no posso. MARCELO - Voc moa demais para bancar a solteirona. LUCLIA - No estou bancando nada. MARCELO - No v que estou fazendo uma fora danada? LUCLIA - Fora fao eu. MARCELO - Luclia! Eu tenho tentado. Quero ajudar, mas no consigo me libertar. Tenha pacincia. questo de tempo. LUCLIA (Pequena pausa) - a ltima vez, entendeu? MARCELO (Sorri) - Tambm espero que seja. LUCLIA (Tira o dinheiro da mquina) - Espera, no: tem ser. No gosto de ver voc nesta situao. MARCELO - Tudo vai bem. No se preocupe. At amanh. At amanh papai. (MARCELO SAI PELO CORREDOR. JOAQUIM LEVANTA A CABEA E OLHA PARA O CORREDOR) JOAQUIM - At amanh. LUCLIA - Leia seu jornal, papai. Eu digo as coisas sem pensar. JOAQUIM - Coitado do meu filho. LUCLIA - Coitado, por qu? JOAQUIM - Por que sim. LUCLIA - No trabalho tambm? JOAQUIM - Voc trabalha no meio da sua gente, em casa. LUCLIA - Ele homem. JOAQUIM - Voc sabe o que trabalhar num frigorfico? LUCLIA - H outros que trabalham l. Ele no o nico. JOAQUIM - Mas no so meus filhos.
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(HELENA EMPERTIGA-SE COMO SE OUVISSE ALGUMA COSIA; DEPOIS VOLTA SUA POSIO NORMAL.) LUCLIA - Quando preciso, o que se pode fazer? JOAQUIM (Olha fixamente para Luclia) - No sei o que est acontecendo com voc, minha filha! LUCLIA - Comigo? JOAQUIM - LUCLIA (Empertiga-se) - O que h comigo? JOAQUIM - Parece que est ficando dura, intolerante! LUCLIA - Ou so vocs que esto moles? JOAQUIM - Pode ser, no sei. LUCLIA (Larga a costura) O senhor pensa papai que gosto de saber que meu irmo viaja em jardineiras sujas, que trabalha num frigorfico no meio de pessoas que ele nunca viu e sem educao nenhuma? Pensa? Isso me atinge tanto quanto a o senhor. Acontece que precisamos encarar a situao de frente, no h outra sada. JOAQUIM - Eu sei, minha filha. LUCLIA - Espero que o senhor no fale nada. Deixe ele trabalhar. Aos poucos a situao melhora. Marcelo no ter nada a perder, mesmo se voltarmos para a fazenda. Pelo contrrio, s assim poder ajudar o senhor l, aprendendo, agora, a ter responsabilidade. JOAQUIM - No pretende dizer nada, mas no posso deixar de sentir. (OUVE-SE ALGUM BATENDO EMBAIXO. OS DOIS OLHAM PAR AO CORREDOR. NOVO SOBRESSALTO DE HELENA NO SEGUNDO PLANO) LUCLIA - O senhor pode atender para mim? (JOAQUIM AINDA OLHA PARA LUCLIA, LEVANTA-SE E SAI PELO CORREDOR. LUCLIA APRESSA O SEU SERVIO. JOAQUIM VOLTA) JOAQUIM (Irritado) - essa Marta. LUCLIA - Pediu para ela se sentar? JOAQUIM - No (Emburrado) Disse que voc j ia. (Irritado) De onde veio esse povo? Acho que voc no devia trabalhar para essa gente! LUCLIA - Ela paga bem e isto que interessa. (Luclia deixa cair sua caixa de botes e alfinetes ) Ah! meus alfinetes! JOAQUIM - Eu cato para voc, minha filha. LUCLIA - Pode deixar, pego na volta. JOAQUIM - No me custa.
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LUCLIA - Ora, papai! JOAQUIM (Irritado) - Voc no me deixam fazer nada! LUCLIA - No tem cabimento papai, o senhor catar alfinetes no cho! (LUCLIA ENCAMINHA-SE PARA O CORREDOR.) JOAQUIM - Luclia! (Falam abaixando a voz) LUCLIA - Senhor? JOAQUIM - Voc vai sala, assim? LUCLIA - Assim como? JOAQUIM - Com esse vestido? LUCLIA - O que tem o meu vestido? JOAQUIM - Est velho, minha filha. LUCLIA - No posso trocar de vestido para atender uma freguesa. JOAQUIM - preciso guardar as aparncias, Luclia. LUCLIA - Estou trabalhando, no posso estar bem vestida. JOAQUIM - Voc sabe como esta gente . Depois saem falando. LUCLIA - Falando o qu? JOAQUIM - Falando! LUCLIA - Ser que algum ainda no sabe? JOAQUIM - No essa gentinha. LUCLIA - O senhor tem cada uma! JOAQUIM - Voc podia cuidar mais de si. LUCLIA - No tenho tempo para isto. JOAQUIM - Depende apenas de um pouco de boa vontade. LUCLIA - Trs anos em cima de uma mquina de costura no brincadeira. JOAQUIM (Violento) - Ainda somos o que fomos! LUCLIA
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- Eu sei, papai. (Pausa) Velho ou no, devemos muito a ele. (Com certa amargura) Foi com este vestido que descobri minha vocao para a costura. No se lembra? Ele tem um valor muito grande para ns. (Luclia pega nas costuras e encaminha-se para o corredor) JOAQUIM - No gosto de ouvir voc falar assim, minha filha! LUCLIA (olha o vestido: sorri, querendo se desculpar) - Fique o senhor sabendo eu este vestido fez e ainda pode fazer muito sucesso. (D uma ligeira volta sobre si) Alm do mais, ele me traz boas recordaes. (Sai) (JOAQUIM AJOELHA-SE COM CERTA DIFICULDADE, ENTRA EMBAIXO DA MESA E COMEA A CATAR OS BOTES E ALFINETES. AO MESMO TEMPO QUE LUCLIA, EMBAIXO, D A VOLTA SOBRE SI, HELENA LEVANTA-SE, PREPARANDO-SE PARA RECEBER ALGUM. ANDA APRESSADA PARA A ESQUERDA, COMO SE FOSSE ENTRAR EM SEU QUARTO, AO MESMO TEMPO QUE JOAQUIM SE AJOELHA, EMBAIXO. ELVIRA APARECE PORTA EM ARCO: EST MUITO BEM VESTIDA; USA ALGUMAS JIAS E TEM OS CABELOS LIGEIRAMENTE PINTADOS. ELVIRA TEM QUALQUER COISA DE RGIDO EM SUA POSE. QUANDO APARECE, ELVIRA EST COM A FISIONOMIA CONTRADA: OLHA UM INSTANTE PARA HELENA. QUANDO HELENA SE VOLTA, ELVIRA SORRI SUBITAMENTE.) SEGUNDO PLANO ELVIRA - Helena! HELENA (PRA) - Elvira! Como vai? ELVIRA - Bem (Arruma-se) E voc? HELENA - Como Deus quer. ELVIRA - J estava a caminho daqui, quando encontrei o Marcelo. HELENA - Fez boa viagem? ELVIRA - Com estas estradas? Pensei que fosse chegar sem roupa. HELENA - Esto mesmo muito ruins. ELVIRA - Enfim, isso no a pior coisa. HELENA (Pausa um pouco embaraosa) - Preciso muito falar com voc, Elvira. ELVIRA - Voc no pode imaginar a situao em que estamos! HELENA - Aconteceu alguma coisa? LUCLIA (Voz) - Mame! ELVIRA - Depois conversamos. HELENA - Que foi, Elvira? ELVIRA (Compungida) - Agora no, na frente dela no.
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HELENA - Por qu? Minha filha est doente? ELVIRA - No. HELENA - sobre Olmpio? ELVIRA (Olha para a porta) - No. HELENA - O Marcelo disse alguma coisa? LUCLIA (Chega correndo pela porta e pra) - Mame! (LUCLIA APARECE PORTA EM ARCO, COM O MESMO VESTIDO COM QUE SAIU EMBAIXO. EST MUITO BEM VESTIDA E PENTEADA. CORRE E ABRAA HELENA.) LUCLIA - Quanta saudade! (NO PRIMEIRO PLANO, JOAQUIM ACABA DE JUNTAR OS BOTES, LEVANTA-SE E VAI PARA O BANCO; COMEA A LER OS JORNAIS NOVAMENTE) HELENA - Como vai, minha filha? LUCLIA - To bem como a senhora no imagina! Fizemos tima viagem, no foi, tia Elvira? ELVIRA - Mais ou menos. HELENA - Senti muita falta em voc. LUCLIA - Onde est o papai? HELENA - Acho que no cafezal. LUCLIA (Sorri) - Tenho uma surpresa para ele. HELENA (Disfarando) - Onde est o Marcelo? LUCLIA - No quis voltar. HELENA - Recomendei a ele que no ficasse na cidade. LUCLIA - Ora, mame, deixe o Marcelo se divertir. ELVIRA - Bem que insisti, Helena, mas no houve meio. LUCLIA - Ele vai aproveitar. Nunca a cidade esteve to divertida! (Suspira) HELENA (Olha para Elvira) - Ele me prometeu. LUCLIA - A senhora ainda acredita nas promessas do Marcelo? Que ingenuidade, mame! ELVIRA - Principalmente agora que... LUCLIA - Olhe bem para mim, mame. No v qualquer coisa de diferente?
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HELENA - Est com boa aparncia, minha filha. LUCLIA - S isso? HELENA - Bem vestida, tambm. LUCLIA - No est orgulhosa de mim? HELENA - Por qu? LUCLIA (Dando uma volta e fazendo pose) - Olhe s o meu vestido! Ningum nunca teve um igual! HELENA - Muito bonito, mesmo! LUCLIA - Fique a senhora sabendo que este vestido fez um grade sucesso. HELENA - No para menos. LUCLIA - E sabe quem fez? HELENA - No. LUCLIA - Est vendo, tia, como ela faz pouco caso de mim? Eu! Fui eu quem fez! HELENA - Verdade? ELVIRA - A Luclia tem muito jeito. Mais do que a minha costureira. LUCLIA - Algum disse que eu era a mais bonita e mais elegante da cidade! HELENA - V se trocar, minha filha. LUCLIA (Depois de beijar a me) - V se a senhora consegue fazer a tia sorrir. Esteve emburrada durante toda a viagem. (Sai correndo para seu quarto) Estou feliz!... feliz!... feliz! (Pra, volta-se para a me e caminha lentamente para ela) Mame! Fiquei conhecendo o melhor moo do mundo. HELENA (Com esforo) - J soube. LUCLIA - Vou me casar, mezinha! HELENA - Pense bem, minha filha. Casamento uma coisa muito sria. LUCLIA - Sei o que quero. HELENA - preciso falar primeiro com seu pai. LUCLIA - Mas quem vai casar sou eu! (NO PRIMEIRO PLANO, JOAQUIM, AFLITO, DOBRA O JORNAL. HELENA, TAMBM AFLITA, PASSA A MO PELOS OLHOS E VACILA) ELVIRA - Helena! LUCLIA - Mame! O que foi?
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HELENA (Recupera-se) - Nada. Nada. LUCLIA - No se preocupe. Eu falarei com papai. (LUCLIA BEIJA A ME E SAI CORRENDO; QUANDO CHEGA PERTO DA PORTA DO SEU QUARTO, PRA, SORRI E VOLTA-SE NOVAMENTE PARA HELENA) HELENA - O que foi? LUCLIA - No vai ser to fcil convencer o papai. HELENA (Preocupada) - Por qu? LUCLIA - Porque sim. HELENA (Aflita) - Vamos, Luclia, diga o que .! LUCLIA - que ele conhece muito bem a advocacia, mas no entende nada, absolutamente de cachorros e cavalos. HELENA - Ora, minha filha! LUCLIA - Leis! Leis! Leis! s o que ele pensa. HELENA - natural. LUCLIA - No formidvel? ELVIRA - Que expresso, Luclia! (LUCLIA RI E SAI DA SALA. PAUSA) ELVIRA - Helena! HELENA - No foi nada. Fiquei comovida, apenas. ELVIRA - Sinceramente, Helena, no sei o que dizer. HELENA - O Quim compreender. ELVIRA - que... HELENA - No possvel que v sacrificar a Luclia por causa de poltica. ELVIRA - Acontece, Helena, que vamos ter que enfrentar problemas muito mais graves. HELENA - Problemas mais graves? ELVIRA - Voc precisa ser forte. HELENA - De que se trata? O que que est querendo me dizer? ELVIRA - A situao no boa. HELENA
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- No compreendo, Elvira! ELVIRA - So muito mais graves os acontecimentos. HELENA - Que acontecimentos? (NO PRIMEIRO PLANO, JOAQUIM LEVANTA-SE SUBITAMENTE E VEM SE APOIAR SOBRE A MESA, LENDO AINDA O JORNAL.) ELVIRA - Vamos atravessar uma grande crise. JOAQUIM (Primeiro Plano) - Luclia! HELENA (Segundo Plano) - Crise? ELVIRA - O caf caiu a zero. JOAQUIM (Primeiro Plano) - Luclia! HELENA - Caiu? ELVIRA - Os lavradores foram abandonados pelo Governo. LUCLIA (Primeiro Plano) (Entrando) - Que foi, papai? HELENA - No possvel! JOAQUIM (Primeiro Plano) - Minha filha! (Joaquim fica olhando para Luclia sem poder falar) ELVIRA - O Governo no pde sustentar a poltica de defesa do caf e... LUCLIA - Que est acontecendo papai? HELENA - Diga Elvira! JOAQUIM (Primeiro Plano) - No disse que amos voltar para fazenda? ELVIRA - E os preos caram vertiginosamente. Vamos todos runa. LUCLIA (Primeiro Plano) - J pedi tanto ao senhor que no fale mais nisto! HELENA - Meu Deus! Que ser de ns? JOAQUIM (Primeiro Plano) - Moratria! Moratria, minha filha! LUCLIA (Primeiro Plano) - O que isto? ELVIRA - preciso ter nimo, Helena! JOAQUIM (Primeiro Plano) - Prazo! Prazo de dez anos aos lavradores. LUCLIA (Primeiro Plano) - Dez anos?! HELENA (Procurando sua volta) - preciso... preciso... ELVIRA
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- J pedi ao Augusto para... JOAQUIM (Primeiro Plano) - No disse, minha filha... ELVIRA - ... para no protestar nada. JOAQUIM (Primeiro Plano) - .... que tivessem esperana? HELENA - Protestar o qu? LUCLIA (Primeiro Plano) (Veemente) - preciso que Olmpio ganhe o processo! ELVIRA - A dvida que Quim fez comigo. JOAQUIM (Primeiro Plano) - Deus grande! HELENA - Dvida! Que dvida? ELVIRA - No sabia? HELENA - Que vergonha! LUCLIA (Primeiro plano) - Que diz o jornal? ELVIRA - O Quim deve ao Banco e a muita gente, Helena. HELENA (Angustiada) - No! No! JOAQUIM (Primeiro plano) (Lendo o jornal) - Aqui est bem claro... ELVIRA - O que estiver ao meu alcance... JOAQUIM (Primeiro plano) - Prazo de dez anos para pagamento das dvidas! ELVIRA - Eu farei para ajudar vocs. LUCLIA (Primeiro plano) - Ser verdade que vamos voltar? HELENA - Minha casa! JOAQUIM (Primeiro plano) - No tenha dvida, minha filha! HELENA (Ainda mais angustiada) - Minha famlia! LUCLIA (Primeiro plano) - E a fazenda vai ser inteiramente nossa? HELENA (Num desespero crescente) - Nossas terras! JOAQUIM (Primeiro Plano) - Foi sempre nossa! HELENA (No se contendo mais) - Nossas terras! No! Elvira! Ser o fim de tudo! ELVIRA - Helena! Acalme-se, por favor!
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LUCLIA (Primeiro plano) (Entregando-se alegria) - Replantaremos nosso jardim! HELENA - Meu marido, meus filhos nasceram aqui... JOAQUIM (Primeiro plano) - Novas jabuticabeiras! HELENA - No podero viver! (Solua) LUCLIA (Primeiro plano) - Foi apenas um sonho! Um sonho mau. ELVIRA (Temerosa) - Helena! Helena! JOAQUIM (Primeiro Plano) - preciso ter f! preciso ter esperana! (HELENA CAMINHA, DESORIENTADA, PELA SALA; SUA VOZ SAI REPRIMIDA PELA DOR) LUCLIA (Primeiro Plano) ( no auge da alegria) - Papai! Papai! (Abraa Joaquim) HELENA (No auge do desespero) - Quim! Quim! Quim! (Elvira abraa helena) (HELENA COMEA A SOLUAR CONVULSIVAMENTE. JOAQUIM E LUCLIA CONTINUARAM ABRAADOS SILENCIOSOS NA SUA GRANDE ALEGRIA.) SEGUNDO ATO CENRIO: O MESMO DO PRIMEIRO ATO. COBRINDO A MQUINA DE COSTURA, UMA TOALHA MAIS OU MENOS VISTOSA; SOBRE A MQUINA UM VASO COM FLORES. A AO DO SEGUNDO PLANO SE PASSA ALGUM TEMPO DEPOIS E A DO PRIMEIRO PLANO NA MESMA SEMANA. CENA: AO ABRIR-SE O PANO, AS DUAS SALAS ESTO VAZIAS. JOAQUIM ENTRA PELO CORREDOR, PRIMEIRO PLANO, CARREGANDO UM LATOZINHO DE LEITE E UM PACOTE; QUANDO VAI ENTRAR NA COZINHA, ENCONTRA-SE COM LUCLIA.) LUCLIA - Bom dia, papai. JOAQUIM - Bom dia, minha filha. Onde vai? LUCLIA - igreja. JOAQUIM - Assim que gosto de ver voc. Bem vestida. LUCLIA - Nunca sa a rua mal vestida. JOAQUIM - Encontrei as sementes. LUCLIA - Onde? JOAQUIM - Na chcara do Honorato.. LUCLIA - O senhor j foi l, hoje? JOAQUIM
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- E encontrei todos na cama. uma vergonha! (Desembrulha o pacote) Vou fazer a nova horta perto da bica do monjolo. LUCLIA - Se a bica ainda estiver de p. JOAQUIM - Se eles derrubaram um pau de cerca na minha fazenda, vo pagar caro. Olhe: alface, cebola, couve... isto para voc. LUCLIA - Que ? JOAQUIM - Sementes para o jardim. Comprei bastante de girassol. LUCLIA - E essas batatas? JOAQUIM - So de dlias. LUCLIA - Para que tantas? JOAQUIM - Brancas, amarelas, roxas, a cor que voc quiser. LUCLIA - O jardim estava um beleza quando samos de l! JOAQUIM - Em pouco tempo ficar bonito outra vez. Imagino como deve estar! LUCLIA - Quanto custaram as sementes? JOAQUIM - Uma bagatela! LUCLIA - Quanto? JOAQUIM - Troquei com o presente de sua tia. LUCLIA - O prendedor de gravata? O senhor foi logrado! JOAQUIM - Para que me servia aquilo? LUCLIA - Bom. No tem importncia. Presente da tia Elvira. At logo. (Quando vai sair, pra olhando o galho de jaboticabeira) Ele vai voltar conosco, no vai papai? JOAQUIM - Quem? LUCLIA - Nosso galho de jabuticabeira. JOAQUIM - Naturalmente que vai. LUCLIA - maravilhoso! JOAQUIM - Se voc visse como estava florido quando eu trouxe da fazenda! LUCLIA - Eu vi. JOAQUIM - Uma jabuticabeirinha que parecia doente e, de um dia para outro, ficou branca de flores. Bastou chover. LUCLIA
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- Vamos fazer, para ela, um rego dgua especial. JOAQUIM - Naturalmente que vamos! LUCLIA (Apressada) - Estou atrasada. (Pra e volta-se para Joaquim) O senhor tomou o remdio? JOAQUIM - Ainda no. Voc acha... LUCLIA (Corta) - Acho que preciso, sim senhor. V tomar. JOAQUIM - jogar dinheiro fora. LUCLIA - Espero que no banque mais a criana. JOAQUIM - Por qu? LUCLIA - Dizendo que o mdico no havia receitado nada. JOAQUIM - No quis que voc ficasse preocupada. LUCLIA - Agindo assim, o senhor me preocupa muito mais. JOAQUIM - Estou satisfeito! Estou muito satisfeito, minha filha. LUCLIA - No para menos. JOAQUIM - No. No s por causa da moratria. Acho que deve casar o mais depressa possvel. LUCLIA - Ainda cedo para pensar nisto. JOAQUIM - Certas coisas tm o poder de nos transformar. S de ver voc feliz, esqueo tudo o que passei. (Olham-se durante um momento) Traga o Olmpio depois da missa. LUCLIA (Saindo) - Est bem. JOAQUIM - Luclia! LUCLIA (Sai) - Mame est me esperando. (HELENA APARECE NO SEGUNDO PLANO: EST ENVELHECIDA E DESANIMADA. DEPOIS DE VACILAR, DIRIGE-SE PORTA DO QUARTO DE LUCLIA. JOAQUIM PEGA AS SEMENTES E O LATOZINHO, OLHA O GALHO DE JABUTICABEIRA, SORRI E ENTRA NA COZINHA.) SEGUNDO PLANO HELENA - Luclia! LUCLIA (Voz) - Senhora. HELENA - No vai rezar a ladainha comigo? LUCLIA (Voz)
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- Vou. HELENA - Ento venha. LUCLIA (Voz) - J vai, mame. HELENA - No demore, minha filha. (HELENA AJOELHA-SE DIANTE DOS QUADROS. LUCLIA APARECE PORTA DE SEU QUARTO, OBSERVA A ME E SE AJOELHA.) HELENA - A ladainha de Nossa Senhora? LUCLIA - . (JOAQUIM ENTRA NO PRIMEIRO PLANO. AS VOZES COMEAM NUM MURMRIO E DEPOIS SE ELEVAM. JOAQUIM CARREGA UM PAR DE BOTAS; ENQUANTO FALA, VAI LIMPANDO-AS.) JOAQUIM (Primeiro Plano) - Marcelo! HELENA - Santa Me de Deus. LUCLIA - Rogai por ns JOAQUIM (Primeiro Plano) - Marcelo! HELENA - Santa Virgem das Virgens. LUCLIA - Rogai por ns. HELENA - Me de Jesus Cristo. LUCLIA - Rogai por ns. JOAQUIM (Primeiro Plano) - Levante-se meu filho. Hoje temos grandes novidades! HELENA - Me da divina graa. LUCLIA - Rogai por ns MARCELO (Primeiro Plano) (Voz) - Quero dormir. HELENA - Me purssima. LUCLIA - Rogai por ns. JOAQUIM (Primeiro Plano) - Nada disto. O sol j nasceu h muito tempo. (Sai para a cozinha) HELENA - Me castssima. LUCLIA - Rogai por ns. HELENA - Me imaculada. LUCLIA - Rogai por ns.
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(MARCELO APARECE PORTA DE SEU QUARTO, NO PRIMEIRO PLANO, E FICA PARADO, MEIO TONTO; EST COM CARA DE RESSACA) HELENA - Me intacta. LUCLIA - Rogai por ns. HELENA - Me amvel. LUCLIA - Rogai por ns. (MARCELO VAI CAMBALEANDO, OLHAR AS HORAS.) HELENA - Me do bom conselho. (Helena vacila) LUCLIA - Rogai por ns. (LUCLIA PASSA A MO NO OMBRO DE HELENA E ESTA EMPERTIGA-SE NOVAMENTE.) MARCELO (Primeiro Plano) - Chamara a gente a esta hora! (Volta ao quarto) (ENQUANTO MARCELO VOLTA AO QUARTO, AS VOZES NO SEGUNDO PLANO TORNAMSE UM MURMRIO E, DEPOIS ELEVAM-SE NOVAMENTE) SEGUNDO PLANO HELENA vossa proteo ns recorremos, Santa Me de Deus; no desprezeis as splicas que, em nossas necessidades, vos dirigimos, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, Virgem gloriosa e bendita. LUCLIA - Rogai por ns. HELENA - Rogai por ns, Santa me de Deus. LUCLIA - Para que sejamos dignos das promessas de Cristo. HELENA - Amm (helena e Luclia levantam-se.) LUCLIA (Depois de uma pausa) - Papai onde est? HELENA - Foi cidade. LUCLIA - Sozinho?! HELENA - No quis de maneira nenhuma que eu fosse com ele. LUCLIA - Que foi fazer? HELENA - Ver se recebia o dinheiro do Arlindo. LUCLIA - Por que deixou, mame? No v que o papai capaz de agredir o Arlindo? HELENA - Recomendei ao Benedito que avisasse sua tia. LUCLIA - Tambm o papai de uma boa f incrvel. Vender caf a prazo numa poca destas!
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HELENA - Se tivesse me ouvido, nada disto teria acontecido. LUCLIA (Pausa) - Mame! E se o Arlindo no pagar? Que acontece? HELENA (Contrai-se) - No sei. LUCLIA - A senhora sabe. Diga! HELENA - Deixe por conta de seu pai. Ele resolve. LUCLIA - Ora, mame. O papai perde o controle, se exalta pela menor coisa. Precisamos ajud-lo. HELENA - Seu pai, no gosta que ningum interfira nos negcios dele. LUCLIA - Por isso mesmo chegamos onde estamos! HELENA - Luclia! No censure seu pai! LUCLIA - Quero saber o que vai acontecer. Figa! HELENA (Com esforo) - Se ele no receber o dinheiro, a fazenda vai praa. LUCLIA - O que isto? HELENA - Ser vendida para pagamento das dvidas. LUCLIA (Pausa) - Que vergonha, mame! O que vai pensar de ns! HELENA - Isto acontece com qualquer um, como est acontecendo. No somos os nicos ameaados. A maioria dos fazendeiros est na mesma situao. LUCLIA - Como que papai permitiu que chegssemos a este ponto! HELENA - Tivemos anos difceis, minha filha. Falta de chuva, geadas, tantas coisas! No uma questo somente de seu pai. LUCLIA (Pequena pausa) - So muitas dvidas? HELENA - Infelizmente, so. LUCLIA - A senhora no podia ter evitado? HELENA - Voc conhece seu pai. Nunca me pe a par de nada. LUCLIA - Que vamos fazer? HELENA - Esperar. LUCLIA - Esperar quando tudo nos ameaa?! Esperar quando papai est sofrendo esta humilhao? HELENA - Esperar, minha filha, e pedir a Deus que tenha compaixo de ns. LUCLIA Deve haver uma sada. No se perde tudo da noite para o dia, assim sem mais nem menos.
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HELENA - Seu pai muito cabeudo. No ouve o que agente fala. Quando envereda para um lado, no h nada que o faa voltar. LUCLIA - A senhora falou alguma coisa com tia Elvira? HELENA (Com esforo) - Falei. LUCLIA - O qu? HELENA - Pedi que arranjasse o dinheiro para o Quim, ou pelo menos que... (Pra, aflita) LUCLIA - Continue, mame. HELENA - ... que arrematasse a fazenda. LUCLIA (Violenta) - Eles ficarem com as nossas terras? HELENA - No quero que seja arrematada por gente estranha. LUCLIA (Veemente) - Aposto como o papai no far isto! Aposto! HELENA - Ele me prometeu. LUCLIA - Por que a senhora no me chamou? Eu teria ido com ele de qualquer jeito. HELENA - Para qu? LUCLIA - Talvez a gente pudesse encontrar um outro meio. HELENA - O Quim sabe que preciso. Ele vai falar, tenho certeza. LUCLIA - Se no fosse to orgulhoso, eu acreditaria. HELENA - Orgulho pecado, minha filha. LUCLIA - Tambm pode ser qualidade. Conforme as condies , prefervel perder. HELENA Voc ainda no pensou nas conseqncias que teremos que sofrer, se o Quim perder a fazenda? LUCLIA - Se o papai no fizer isso, no o censurarei. HELENA - Sem a fazenda ele no ser ningum. Vai se sentir intil. LUCLIA - Ver a nossa fazenda nas mos do tio Augusto pior do que perd-la. HELENA - No v, Luclia, que seu pai no pode viver fora daqui? LUCLIA - Assim, uma humilhao. HELENA - Devemos pensar somente em seu pai, pr tudo de lado. Ele j est no fim da vida, sofreria mais se tivesse que sair.
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LUCLIA (Contendo-se) - demais, mame. demais! HELENA - Se seu tio arrematar a fazenda, o Quim poder continuar, trabalhar, morrer em suas terras. H homens que no sabem, no podem viver fora de seu meio. Seu pai sempre morou na fazenda. Para ns, o mundo se resume nisto. Toda a nossa vida est aqui. (Joaquim sai no Primeiro Plano, trazendo um embornal, cartuchos, buzina de chifre, pios de passarinhos etc. ) E no se esquea, Luclia, de que seu irmo no tem profisso, no estudou. Em que condies iramos viver? LUCLIA - E eu? Por acaso no conto para nada? HELENA - Voc mulher! LUCLIA - Posso ajudar, tambm. HELENA - Viveramos, mas no s isto que importa. A gente nasce, vive e trabalha na terra. No aprendemos a fazer outra coisa, nem a viver de outra maneira. Se tivssemos que sair, no sei o que poderia acontecer. (JOAQUIM, ENQUANTO CONVERSA VAI EXAMINANDO SUAS COISAS) JOAQUIM (Primeiro Plano) - Marcelo! LUCLIA - Do jeito que tio Augusto rancoroso, agora h de querer humilhar papai. ELVIRA (Primeiro Plano) (Entrando) - Bom dia, Quim. HELENA - H outras coisas que podem nos humilhar mais. JOAQUIM (Primeiro Plano) - Bom dia, Elvira. LUCLIA (Subitamente) - Mame! Vou cidade! ELVIRA (Primeiro Plano) - Helena e Luclia no esto? HELENA - No, minha filha, no adiantar nada. JOAQUIM(Primeiro Plano) - Foram igreja. Marcelo! LUCLIA - Quero ficar junto de papai. (Entra no quarto) ELVIRA(Primeiro Plano) - Ainda dormindo? JOAQUIM (Primeiro Plano) - Ainda. HELENA - Luclia! No v, minha filha. O Marcelo est l, ele ajuda seu pai. ELVIRA (Primeiro Plano) - Os moos tm muito sono, no mesmo? bom dormir enquanto pode. JOAQUIM (Primeiro Plano) - Preguia! Deita tarde, isso! ELVIRA (Primeiro Plano) - No tem preocupaes. (Suspira) Gostaria de poder dormir assim. HELENA (Encostando-se parede)
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- No adianta! (Reprime os soluo) No adianta mais! JOAQUIM (Primeiro Plano) - Eu tenho preocupaes e durmo. S uma coisa nos tira o sono: conscincia pesada. E isto, graas a Deus, eu no tenho. ELVIRA (Primeiro Plano) (Ligeiro estremecimento) - J est se preparando? JOAQUIM (Primeiro Plano) - Estou. No vejo chegar a hora de voltar. ELVIRA (Primeiro Plano) - A Luclia no est costurando mais? JOAQUIM (Primeiro Plano) - No. No quero que costure. ELVIRA (Primeiro Plano) - Queria experimentar o vestido. No tem importncia, volto mais tarde. Trouxe esses queijos da fazenda. JOAQUIM (Primeiro Plano) - No vai esperar? ELVIRA (Primeiro Plano) - No posso. Preciso ir ao Asilo. Hoje temos reunio da Diretoria. E como so cansativas e cactes! Mas precisamos ajudar o prximo! (Suspiro) JOAQUIM (Primeiro Plano) - Venha almoar. ELVIRA (Primeiro Plano) - Venho, sim. At logo. (Sai) JOAQUIM (Primeiro Plano) - At logo. (LUCLIA SAI DE SEU QUARTO, NO SEGUNDO PLANO, ACABANDO DE SE ARRUMAR) LUCLIA - No agento mais ver o papai nesse estado. (JOAQUIM, NO PRIMEIRO PLANO, PEGA OS QUEIJOS E SAI PARA A COZINHA.) SEGUNDO PLANO HELENA - Voc no poder fazer nada, minha filha. LUCLIA - Ao menos estarei junto dele. HELENA - Vamos esperar aqui. LUCLIA (Beija a me) - No. No sei esperar. Se ficar aqui, enlouqueo. (Corre para a porta emarco) Algum precisa ajud-lo a salvar a fazenda... (LUCLIA PRA SUBITAMENTE, FICANDO EMBARAADA, SEM SABER O QUE FAZER.) HELENA (nervosa) - O que foi Luclia? LUCLIA - Bom dia. OLMPIO (Voz) - Bom dia. HELENA (Temerosa) - Quem ? Quem que est a, minha filha? LUCLIA
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- ... o Olmpio. HELENA (Controla-se) - Mande entrar, Luclia. LUCLIA - Desculpe-me. Faa o favor de entrar. (OLMPIO APARECE; ATRAPALHA-SE LIGEIRAMENTE, QUANDO V HELENA) OLMPIO - Bom dia. HELENA - Bom dia (Momento de embarao) No quer se sentar? OLMPIO - Obrigado. (Senta-se) HELENA (Pausa) - O senhor veio da cidade? OLMPIO - Vim. HELENA - No viu meu marido? OLMPIO (Embaraado) - No! No! HELENA (Pausa) - Espero que o senhor no repare, mas que estamos preocupados. O momento bastante difcil para todos. LUCLIA - Mame! HELENA (Mais rpida) - O senhor compreende, estamos lutando para salvar a fazenda e natural que... LUCLIA (Com orgulho) - De qualquer maneira, saberemos enfrentar a situao. OLMPIO - No duvido (Momento de embarao) HELENA (Levanta-se) - O senhor me permite? OLMPIO (Levanta-se tambm) - Pois no. vontade, minha senhora. HELENA Luclia! Mande ver um caf. Pode deixar, eu mesma vejo. (Helena sai para a cozinha. Pausa.) OLMPIO - Luclia! LUCLIA - Desculpe-me. No tive inteno de ofend-lo OLMPIO - Por que no voltou cidade? LUCLIA - Com esta situao no pude voltar. OLMPIO - Voc prometeu voltar com a resposta! LUCLIA (Admirada) - Resposta?! OLMPIO - Combinamos ficar noivos, no foi?
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LUCLIA - muito amvel de sua parte fingir que ignora a situao. OLMPIO - Luclia! Eu compreendo que o momento difcil, mas acho que nossos sentimentos devem estar acima de tudo. LUCLIA - que no estou bem certa disto. OLMPIO (Pausa) - Acha que eu no devia ter vindo? LUCLIA - Acho. OLMPIO (Embaraado) - Neste caso... (Dirige-se para aporta) LUCLIA - Espero que voc compreenda. OLMPIO - Compreender o qu? LUCLIA - Tudo. OLMPIO - Para mim nada mudou. LUCLIA - Mudou tanto que eu mesma custo a crer. OLMPIO - Voc est apenas desorientada pelos acontecimentos. natural. LUCLIA - Gostaria de acreditar nisto. OLMPIO - Garanto a voc. LUCLIA - muito mais grave do que parece. Voc est pensando na situao financeira em que vamos ficar e eu no. Sinto que todos ns vamos ser envolvidos e, depois, no poderemos mais ser os mesmos. No s fazenda que estamos ameaados de perder. OLMPIO - Seu pai um homem forte. LUCLIA - Forte! Diante de certas coisas, que adianta ser forte? OLMPIO - S assim podemos enfrentar o que nos ameaa. LUCLIA - Tenho observado papai. Aquela calma no me engana. H qualquer coisa atrs de seu silncio que me assusta. Tenho visto papai andando pela fazenda como um animal acuado. Olha tudo demoradamente. Parece dizer adeus at s pedras, s rvores. Subitamente, parece que tudo adquiriu vida, sentido. O menos objeto, o movimento de um galho, os animais, as plantas, os gestos, tudo! Tudo passou a ter um significado diferente. Ontem... OLMPIO - Fale, Luclia. Desabafe. LUCLIA - Ontem, encontrei papai no meio das jabuticabeiras, olhando-as , quase acariciando-as. Passava de uma para outra, examinando com ansiedade, como se todas estivessem doentes. Por um momento me deu a impresso de estar perdido, sem poder sair do meio delas. Fui ao seu encontro.
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Quando me viu, apressou o passo, fugiu de mim, como se eu fosse demais (Pausa) Foi ele quem plantou todas! OLMPIO - Compreendo o que ele sente. LUCLIA - o que gostaria de saber: at que ponto ele forte. Se eu pudesse encontrar um meio de ajud-lo. Essa clama, esse silncio do papai me apavoram. Eu sofreria tudo por ele. OLMPIO - Certos fatos so irremediveis! LUCLIA - Papai finge uma segurana... (Pra e olha para Olmpio) O que voc quis dizer com isso? OLMPIO - Nada. Nada. No quer minha ajuda? LUCLIA - Que pode voc fazer? OLMPIO - Luclia! H soluo para tudo. LUCLIA - Aponte-me uma. OLMPIO - Nosso casamento! LUCLIA - E minha famlia? OLMPIO (Embarao) - Construiremos a nossa. LUCLIA - E deixo a minha no momento mais difcil?! OLMPIO (Pausa. Olmpio luta contra um pensamento; depois resolve subitamente) - Sua famlia pode ir morar conosco! LUCLIA (Rgida) - Ir morara conosco? Por qu? OLMPIO (Com esforo) - O Arlindo... no conseguiu se salvar tambm. A fazenda de seu pai vai praa hoje. LUCLIA - No! OLMPIO - Luclia! LUCLIA - Papai! OLMPIO - No queria que soubesse por intermdio de outra pessoa. LUCLIA - No me encoste a mo! OLMPIO - Luclia! Tenha calma! LUCLIA - Calma? Quando tudo se volta contra ns, quando perdemos o que nosso, s o que tem para me dizer? OLMPIO - O momento difcil para todos. LUCLIA - O que interessa meu pai.
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OLMPIO - Interessa tambm o tnhamos combinado! A inimizade de nossos pais nada representava para ns. No se lembra? LUCLIA - A situao agora outra. OLMPIO - No os nossos sentimentos. LUCLIA - Tudo mudou. Nossos sentimentos o que menos conta. OLMPIO - Voc no pode ser sincera, Luclia! LUCLIA - Sou! Sou! No estamos de igual para igual! Para meu pai seria mais uma humilhao. OLMPIO - No diga isso! LUCLIA - Digo! Digo! Ele nunca iria morar conosco e no o censuro (Subitamente) No quero mais casar. OLMPIO - Pense bem, Luclia. Seus pais no sofrero tanto se tiverem a nossa casa. LUCLIA - No tenho feito outra coisa: pensar! Pensar! OLMPIO - Voc moa, nada poder fazer. LUCLIA - Sei se posso ou no. No quero falar mais nisto. OLMPIO - possvel que tudo termine assim? LUCLIA - No posso fazer nada. OLMPIO - Voc no quer fazer nada. LUCLIA - Olmpio! Por favor, compreenda. OLMPIO - Reconheo que difcil a situao, mas no com atitudes contra tudo e todos que podemos vencer um momento como este. LUCLIA (Contrai-se) - Nada mais tem sentido. Nada! OLMPIO (Pausa) - Ento, eu representava muito pouco para voc LUCLIA - Muito! No meio que me pertencia. Agora no me pertence mais. OLMPIO - Isso orgulho! LUCLIA - Pois que seja. OLMPIO (Pausa) - Sei o que sente. Acha humilhante depender de mim, o filho do inimigo poltico de seu pai. Como se casamento fosse s isso: combinao de fortunas ou de partidos polticos. Nunca aprovei esta mentalidade e espero que isto acabe de uma vez. Sempre achei vergonhoso o que meu pai fez ao seu e o que o seu fez a muita gente. Esse coronelismo que no reconhece razo a ningum, que destri tudo, que cego!
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LUCLIA - Meu pai nada tem com a minha atitude. OLMPIO - No acredito e prefiro no acreditar. No posso crer que seu orgulho chegue a tanto! LUCLIA - Voc no compreende que minha famlia vai depender de mim? No posso obrig-los a aceitar sua ajuda. OLMPIO - Voc tem um irmo. LUCLIA - Marcelo! Desde que ficamos ameaados de perder a fazenda, no faz outra coisa seno beber. Voc sabe disto. OLMPIO - Ento, mais do que nunca, voc precisa do meu apoio. (JOAQUIM ENTRA NO PRIMEIRO PLANO, TRAZENDO UMA ESPINGARDA; ENQUANTO FALA, VAI ENGRAXANDO-A) LUCLIA (Segundo Plano) (Comeando a entregar-se) - No! No! JOAQUIM (Primeiro Plano) - Marcelo! OLMPIO (Segundo Plano) - No posso compreender, Luclia. Realmente, no compreendo. JOAQUIM (Primeiro Plano) - Quero saber por que que saiu do frigorfico! LUCLIA (Segundo plano) - Basta que eu compreenda. Agora, antes que... Por favor, deixe-me. MARCELO (Primeiro plano) (Voz) - Estou com dor de cabea. JOAQUIM (Primeiro Plano) - Preguioso! Enquanto trocar o dia pela noite, ser sempre assim. OLMPIO (Segundo Plano) - Seja franca, Luclia! Est acontecendo alguma coisa que eu no possa saber? (Aproximase) Confie em mim! LUCLIA (Segundo Plano) (Temendo o contato) - No me encoste a mo, j disse. JOAQUIM (Primeiro Plano) - Nem no dia mais importante da minha vida voc se anima? OLMPIO (Segundo Plano) - mesmo o que voc quer? LUCLIA (Segundo Plano) - o que preciso aceitar. OLMPIO (Segundo Plano) - Aceitar por qu? Por qu? LUCLIA (Segundo Plano) - Porque sim. No h explicao. OLMPIO (Segundo Plano) - um adeus? JOAQUIM (Primeiro Plano) - A Luclia parece outra!... e voc nesta indiferena! (Pra e olha para o quarto) Marcelo! LUCLIA (Segundo Plano) (Controlando-se) - ... um adeus! OLMPIO (Segundo Plano)
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- Antes de sair desejo que saiba que gosto muito de voc. Nada mudaria isto. Nada! (JOAQUIM PE A ESPINGARDA EM CIMA DA MESA, VAI AT A PORTA DO QUARTO DE MARCELO E ABRE-A.) JOAQUIM (Primeiro Plano) - O Olmpio chegou. Hoje, sim, podemos comemorar. Quero que todos em minha casa... (Pra, subitamente) Sai da cama! MARCELO (Primeiro Plano) (Voz) - No estou me sentindo bem papai. JOAQUIM (Primeiro Plano) (Violento) - No me interessa! (Entra no quarto) Saia deste quarto! OLMPIO (Segundo Plano) - Voc no tem nada a dizer, Luclia? LUCLIA (Segundo Plano) - Por favor, j no sei mais... melhor assim. OLMPIO (Segundo Plano) - Se mudar de atitude, estarei sua espera. (JOAQUIM APARECE SUCUMBIDO PORTA DO QUARTO DE MARCELO E ENCOSTA-SE AO BATENTE.) LUCLIA (Segundo Plano) Quero que ao menos compreenda que eu gostaria... Espero que tudo... Olmpio! Deixe-me. JOAQUIM (Primeiro Plano) - Intil! OLMPIO (Segundo Plano) - At a vista (Dirige-se para a porta) MARCELO (Primeiro Plano) (Voz) - No me amole. JOAQUIM (Primeiro Plano) - Bbado! MARCELO (Primeiro Plano) (Voz) - Oh! Meu Deus! LUCLIA (Segundo Plano) (Desesperada) - Olmpio! JOAQUIM (Primeiro Plano) - Saia da para limpar isto! LUCLIA (Segundo Plano) (Corre e abraa Olmpio) - Tenho medo! OLMPIO (Segundo Plano) - Acalme-se. Confie em mim. LUCLIA (Segundo plano) - No v embora agora. No me deixe sozinha! OLMPIO (Segundo Plano) - Ns vamos encontrar uma soluo. Tenha calma! LUCLIA (Segundo Plano) - No posso deix-los. Eu sei. No posso deix-los. OLMPIO (Segundo Plano) - J disse que no preciso. LUCLIA (Segundo Plano) - Abrace-me com fora. Olmpio. No quero pensar. No me deixe pensar. OLMPIO (Segundo Plano) - Minha querida! Estou aqui! No! No diga mais nada. Precisamos decidir o que vamos fazer. S com calma poderemos convencer seu pai. LUCLIA (Segundo Plano)
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- Sei o que nos espera e tenho medo. JOAQUIM (Primeiro Plano) (Atravessando a sala, lentamente) - Voc um homem sem palavra. No passa de um vencido. OLMPIO (Segundo Plano) - No se preocupe com o futuro. Para isto estarei junto de voc. Venha! Vamos esperar seu pai. Ele vai compreender. (OLMPIO E LUCLIA SAEM, ABRAADOS, PELA PORTA EM ARCO. AO MESMO TEMPO, MARCELO APARECE PORTA DE SEU QUARTO, NO PRIMEIRO PLANO, E HELENA, COM UMA BANDEJA DE XCARAS, PORTA DA COZINHA DO SEGUNDO PLANO. MARCELO ENCOSTA-SE AO BATENTE DA PORTA, COMPLETAMENTE ATORDOADO, ENQUANTO HELENA VOLTA-SE E SAI NOVAMENTE.) PRIMEIRO PLANO JOAQUIM - Pegue um pano e limpe isto j. No quero que sua me veja esta sujeira. MARCELO - No vamos discutir agora, papai. JOAQUIM - agora! Agora! MARCELO - Minha cabea... JOAQUIM (Corta) - Est cheia de lcool. Nunca teve dentro outra coisa. MARCELO - No quero discutir, j disse. JOAQUIM (Violento) - Sente-se! Estou falando com voc. Quero saber por que saiu do frigorfico? MARCELO - Aquilo no emprego de gente. O senhor sabe disto. JOAQUIM - No sei de nada. MARCELO (Olha o pai durante um instante) - Eu tentei, mas no consegui. JOAQUIM - Voc no honra o nome que tem. MARCELO (Pausa) - E o que que vale este nome? JOAQUIM - Muita coisa. Ainda somos o que fomos. MARCELO - No somos nada, esta que a verdade. JOAQUIM - No me confunda com voc. MARCELO - At quando s senhor vai mentir a si mesmo? No percebe, no v que no contamos mais para nada? Ningum mais tem considerao por ns. JOAQUIM - Por voc no podiam ter, mesmo. MARCELO - Nem pelo senhor, papai. JOAQUIM
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- Ningum nunca me faltou o respeito. MARCELO (Pausa) - Papai! H dias fui Casa Confiana comprar um par de sapatos. Pedi para pagar no fim do ms e o dono me perguntou: Quem o senhor? Sou filho de seu Quim, respondi. Sabe o que ele me perguntou ainda? E quem seu Quim? JOAQUIM (Empertiga-se) - Ele se atreveu?! MARCELO - Vivemos num mundo diferente, onde o nome no conta mais... E ns s temos nome. JOAQUIM - Se voc trabalhasse, no precisaria ouvir isto! MARCELO - No podia continuar no frigorfico. No podia. s vezes, sentia que ia enlouquecer. Por que havia de continuar? Por qu? No se vive para isto. JOAQUIM - Para qu, ento? Para ser um intil? MARCELO - O senhor finge no compreender o que digo. No me adapto a esta ordem de coisas. JOAQUIM - Servia para ajudar sua irm at voltarmos para a fazenda. Mas, melhor ficar na cama do que enfrentar a vida. MARCELO - O senhor me ensinou? JOAQUIM - Mostrei o caminho. Fiz minha obrigao. MARCELO - O caminho! exatamente o que estou querendo provar: que o senhor mostrou o caminho errado. O caminho que para ns, principalmente para ns, no tem mais sentido. O senhor no me educou para ser operrio. JOAQUIM - Ento, por que no estudou? No foi por falta de falar. MARCELO A situao seria a mesma. No se trata disto. O que importa aceitar ou no o presente; esquecer, saber esquecer. (Pausa) Papai! O senhor no compreende que depois de se ter vivido solto, no meio do campo; depois de se ter conhecido uma outra segurana, no possvel ficar preso o dia inteiro dentro de um salo com o cho sujo de sangue e receber ordens de gente que... que... No agentava aquilo. Estava farto. Era l que a saudade, a conscincia do que fomos, mais me oprimia. JOAQUIM - Eu afirmo a voc (Num grito) ainda somos o que fomos! MARCELO - Papai! Por que que ningum vem nossa casa? Lembra-se como vivia cheia de gente? Como era alegre? Por qu? Porque no passamos de uns quebrados sem importncia. JOAQUIM (Quase apoplctico) - No sou um quebrado! A moratria vai devolver tudo que era meu. Tudo! MARCELO (Com mgoa) - O senhor ainda acredita nisto? JOAQUIM - Acredito! Sempre acreditei. O Olmpio chegou ontem. A fazenda vai ser devolvida. O processo de praceamento est nulo por lei. (Marcelo abaixa a cabea, contendo-se) O seu mal que no soube ter esperana! MARCELO - O senhor teve por todos.
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JOAQUIM - Teve, no: tenho. No sou um desfibrado como voc. Sei defender os meus direitos. A lei manda que os editais de praa sejam publicados pela imprensa local, e no foram. O processo est, portanto, nulo. Estou cansado de afirmar isto. MARCELO (Pausa) - Desejo apenas que o senhor continue com esta esperana, acontea o que acontecer. JOAQUIM No tenha dvida. E pode estar certo de uma coisa: na minha fazenda voc no pe os ps. MARCELO - Sei disto! JOAQUIM - Posso me gabar de nunca ter descido um degrau, um degrau sequer, da minha posio. Nunca perdi a dignidade. No sujei o meu nome com atitude nenhuma. Eu sei esperar. MARCELO (Pausa) - De minha parte o senhor no precisa ter mais receios. Vou embora daqui. JOAQUIM - Voc no soube arcar com a responsabilidade. Em vez de ajudar, s nos tem dado desgostos e mais desgostos. MARCELO - No pretendo mais acusar o senhor. JOAQUIM Acusar?! Uma pessoa como voc no pode acusar ningum de nada. E a mim muito menos. MARCELO (Levanta-se) - No? E a nossa situao? JOAQUIM - No tive culpa. MARCELO - Teve. Teve muita culpa. Os maus negcios foram feito pelo senhor e por ningum mais. JOAQUIM - Voc se atreve? MARCELO - Atrevo porque verdade. Foi o senhor quem vendeu o caf a prazo e contraiu dvidas e mais dvidas. JOAQUIM - Marcelo! MARCELO - Reconheo, sou um fraco. No assumi a responsabilidade. E o senhor? O senhor que s pensa na sua fazenda, no seu processo, nos seus direitos, no seu nome. Enquanto pensa em si mesmo, na sua honra, no pode sentir o que sinto. O senhor no sai rua para saber o que os outros pensam de ns. O senhor finge no perceber que no fazemos mais parte de nada, que o nosso mundo est irremediavelmente destrudo. Se voltssemos para a fazenda... JOAQUIM (Num grito) - Vamos voltar! MARCELO - ... tornaramos a perd-la. As regras para viver so outras, regras que no compreendemos nem aceitamos. O mundo, as pessoas, tudo! Tudo agora diferente! Tudo mudou. S ns que no. Estamos apenas morrendo lentamente. Mais um pouco e ficaremos como aquele galho de jabuticabeira: secos! Secos! (HELENA APARECE NO CORREDOR DO PRIMEIRO PLANO) JOAQUIM (Explodindo) - Saia de minha casa! HELENA
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- Quim! (MARCELO CORRE E FECHA A PORTA DE SEU QUARTO, FICANDO DE COSTAS) JOAQUIM - Saia j da minha casa! MARCELO - o que vou fazer. HELENA - Que foi que aconteceu? MARCELO (Contendo os soluos) - Nada, mame, nada. Apenas mais uma discusso. JOAQUIM - Ningum aqui est morrendo. HELENA - Quim! Por favor. MARCELO - No quero discutir. HELENA - Meu filho! No levante a voz a seu pai! O que foi? MARCELO - No foi nada, mame. No foi nada. JOAQUIM - Voc um bbado sem carter. HELENA - Quim! Pelo amor de Deus! MARCELO - No diga isso. O senhor injusto. JOAQUIM - Digo. Digo. a pura verdade. HELENA (Reagindo) - Verdade coisa nenhuma. JOAQUIM - Helena! HELENA (Veemente) - Chega. Chega. Estou cansada dessas discusses. JOAQUIM - O Marcelo tornou a embebedar-se. HELENA - Porque no passa de uma crianola. agora que precisa do nosso apoio. JOAQUIM - Crianola! Na idade dele eu j tomava conta da minha famlia. HELENA - Voc! Voc! Sempre voc! JOAQUIM - Que isto, Helena? HELENA - meu filho. No posso admitir que ponha fora de casa. No assim que se corrige. JOAQUIM - Tenho lutado para encaminh-lo, mas intil! No quer reagir, no quer trabalhar, no quer fazer nada! HELENA - E ns? Que fizemos a nossos filhos? Diga, Quim! JOAQUIM
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- No fizemos nada. So coisas que acontecem. HELENA - Acontecem, no a todos JOAQUIM - Voc me acusa, Helena? HELENA - Defendo, no acuso ningum. Sempre disse e continuo dizendo: preciso ter pacincia, preciso saber esperar vocs perdem o controle, se exaltam pela menor palavra. Quim! Precisamos ser tolerantes se quisermos vencer esta situao. Se no quisermos ver nossa famlia dividida e destruda. JOAQUIM - Defenda, defenda seu filho. Deixe que ele fique um perdido, um intil. HELENA - No acuso voc de nada, Quim. Sempre aceitei o que fazia ou determinava, como sendo o mais certo. Em tudo! Mas voc pode afirmar que nunca errou? Pode? JOAQUIM - H erros e erros. Nunca fui vagabundo... MARCELO - Papai! JOAQUIM -... beberro... MARCELO - Papai! (Agarra-se ao pai) JOAQUIM - Tire as mos de mim. HELENA - Marcelo! MARCELO - Olhe bem para mim. Olhe bem para mim, papai. JOAQUIM - No o rosto de meu filho! MARCELO - O senhor no est vendo que eu sei?! HELENA (Separando-os) - Quim! Meu filho! Tenham piedade! JOAQUIM - um rosto sem esperana. MARCELO - Por isso mesmo. Papai! Volte a si. O senhor est cego. No v que... HELENA - No diga mais nada, meu filho! MARCELO - ... no mais possvel? No queria mago-lo. No tenho coragem... eu... eu... (Marcelo comea a soluar e cai sentado no banco) JOAQUIM - No quero encontrar mais voc em minha casa. HELENA - Acalme-se, Quim! JOAQUIM - No criei um filho para receber insultos. HELENA (Perdendo a pacincia) - Voc no aprende nunca a perdoar?!
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JOAQUIM - No se fala mais nisto. Ele que v cuidar da sua vida. HELENA - Devemos ficar todos juntos! JOAQUIM (Volta-se para Marcelo) - Somente aqueles que no tm esperana que morrem lentamente. Pedi a Deus e agora tenho certeza de que vou morrer na minha fazenda, no meio do campo! (Marcelo olha, ansioso, para o pai e contrai o rosto) Tenho pena de voc, meu filho. (Dirige-se para a porta) HELENA - Onde que voc vai, Quim? JOAQUIM - No sei. Andar. Onde est Luclia? HELENA - Foi se encontrar com o Olmpio. (MARCELO LEVANTA A CABEA) JOAQUIM (Saindo) - Melhor. Falarei com os dois. (Sai) MARCELO (Levanta-se, aflito) - Papai! Papai! HELENA - Marcelo! (Segura-o) Assim ele se acalma. MARCELO - No deixe, mame, no deixe. HELENA - Quero falar com voc. (Marcelo aperta a cabea com a mo ) Por que perde a pacincia com seu pai, meu filho? Voc j o conhece. Ele no gosta que durma at tarde. MARCELO - No foi por causa disto. HELENA - Por que, ento? MARCELO - Acusei papai de ser o culpado por tudo. HELENA - Meu filho! Onde est com a cabea? Voc me prometeu no tocar mais neste assunto. MARCELO - No sei. No sei de mais nada. HELENA - Seu pai anda preocupado. H trs anos que espera ansiosamente o resultado deste processo. natural que viva irritado. Voc no tm pacincia com ele. Setenta anos! A vida inteira levantando-se de madrugada, pensando em colheitas, em negcios, em vocs... Tendo responsabilidade e, de uma hora para outra, se v sem nada, sem ter o que fazer o dia todo, sofrendo calado, esperando, esperando... (Procura se controlar) E para que tudo isto? Para voc, meu filho, vir falar com ele deste jeito. Fazer estas acusaes! No tem caridade? MARCELO - Vou embora; aqui no consigo viver. HELENA - preciso se conformar com a situao. necessrio que voc, que moo, pare num emprego para melhorarmos de vida. (Pausa) Voc me prometeu no beber mais. MARCELO - No estou bebendo. (Retesa-se) que ontem a noite... HELENA - O que foi? Diga!
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MARCELO (Obcecado por uma idia) - Ele fica falando que vamos voltar para a fazenda, e no posso mais ouvir falar nisto. HELENA - Deixe seu pai falar, meu filho. o nico prazer que ele tem. Ele se agarra nisto para continuar a viver. O resto, que importa? MARCELO - Mame! HELENA - Para que desiludi-lo? MARCELO - A senhora no espera voltar? HELENA (Rgida) - No. No espero mais. MARCELO - No? Por qu? HELENA - Nunca tive iluses. Para mim, tudo acabou naquele dia... (Olha ligeiramente os quadros)... naquele dia em que eu e seu pai samos de l. Falo em voltar para no desanimar o Quim. MARCELO (Com esforo) - Foi por isso que bebi ontem noite. Papai ia ficar sabendo. Tive medo! HELENA - Ele ... ele perdeu. HELENA - Perdeu?! MARCELO - O processo de nulidade. No pude me controlar. No tive coragem de dizer. Mame! No queria que voc sofresse. No posso v-la sofrer! HELENA (Recupera-se) - Pense em seu pai, no em mim. MARCELO - Mame! Acalme-se. HELENA - Pedi tanto a Deus que adiasse, que adiasse at ele morrer. MARCELO - Mame! No fique assim. papai um homem forte. Ele saber se conformar! HELENA - Deus sabe o que faz. (Helena, aflita, se desprende dos braos de Marcelo) MARCELO - Onde que a senhora vai? HELENA - Ele no pode se encontrar com olmpio. preciso que o Olmpio minta. (Atravessa a sala correndo) necessrio que ele minta. Quim! Quim! (Sai correndo pelo corredor) (NESTE INSTANTE, OUVE-SE JOAQUIM GRITAR NO SEGUNDO PLANO: RETIRE-SE! RETIRE-SE DE MINHA CASA. JOAQUIM APARECE, VINDO DA PORTA EM ARCO, SEGUIDO POR LUCLIA E OLMPIO. JOAQUIM PROCURA ESCONDER O ROSTO QUE EST TODO MACHUCADO DE UM LADO. MARCELO, NO PRIMEIRO PLANO, FICA UM INSTANTE PARADO, DEPOIS ENTRA NA COZINHA: LOGO DEPOIS APARECE COM UM PANO NA MO E ENTRA EM SEU QUARTO) SEGUNDO PLANO JOAQUIM (Entrando) - No admito, j disse.
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OLMPIO - Procure compreender, seu Quim. Eu e Luclia queremos casar e acho que... JOAQUIM (Corta, brusco) - A fazenda vai praa, no a minha filha. Minha famlia no est em liquidao. OLMPIO - Sei que o senhor no se d com o meu pai, mas isto no justifica uma atitude contra mim. JOAQUIM - Faa o favor de se retirar. LUCLIA - No seja indelicado, papai. JOAQUIM - Quero que esse sujeito e todos saibam que ainda sei dirigir minha casa e defender o nome da famlia. Que ningum se atreva a me fazer observaes. Por enquanto, nada mudou e nem vai mudar. OLMPIO - Nada tenho com as atitudes polticas de meu pai. JOAQUIM - por causa da poltica de vocs que atravessamos esta crise. Se eu perder a fazenda, vocs sero os culpados. (MARCELO SAI DO QUARTO COM O PANO NA MO E ENTRA NA COZINHA. LOGO DEPOIS, VOLTA E TORNA A ENTRAR NO QUARTO) OLMPIO - Isto no impede que sua filha seja feliz comigo JOAQUIM - Sua opinio no me interessa. LUCLIA - a sua ltima palavra? JOAQUIM - No costumo falar duas vezes. Voc sabe disto. OLMPIO (Pausa) - Se precisar de minha ajuda, estarei ao seu inteiro dispor. Passe bem. Luclia! (Quando faz meno de sair) LUCLIA - Espere, Olmpio. OLMPIO - melhor conversarmos depois. LUCLIA No. agora. Papai! Reconheo e respeito seus direitos, sua autoridade, mas o senhor no pode... (LUCLIA PRA, SUBITAMENTE LEVA A MO BOCA) JOAQUIM (Ainda de costas) - Diga, minha filha. Que que eu no posso? LUCLIA - Nada! Nada! JOAQUIM - Admiro muito que minha filha venha me falar na sua felicidade, justamente neste momento. Ento, minha fazenda, toda minha vida nada representam para voc? (Silncio) Responda, minha filha! LUCLIA - s o que importa, papai. JOAQUIM - Pelo que vejo, a felicidade de vocs j no depende mais de mim? LUCLIA
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- Depende, depende sim, papai. JOAQUIM (Voltando-se para Luclia) - J no sirvo para nada no ? LUCLIA - O que foi? O que isto em seu rosto, papai? JOAQUIM (Procura esconder o rosto novamente) - No foi nada. LUCLIA - O Arlindo?! JOAQUIM - No foi nada, j disse. LUCLIA (Violenta) - Papai! Ele agrediu o senhor? JOAQUIM - No. LUCLIA - Por que seu rosto est machucado assim? JOAQUIM (Fugindo) - Bati... bati na travessa da cocheira. LUCLIA (Quase descontrolada) - No acredito! Foi o Arlindo quem fez isto? Diga, papai! JOAQUIM (Com esforo) - O Arlindo no est na cidade. Fugiu, abandonou tudo. LUCLIA - Quem? JOAQUIM - No fala mais nisto. LUCLIA - Papai! O senhor foi falar com o tio Augusto? JOAQUIM - No quero conversar sobre isto! LUCLIA (Eleva a voz) - Foi, papai? JOAQUIM (Gesto afirmativo de cabea) LUCLIA - Ele no quis ajudar? (Gesto negativo de cabea) Esperei tanto que o senhor no fosse l. Preferia mil vezes perder tudo a dever algum favor quela gente. JOAQUIM - Fui obrigado, minha filha. Que podia fazer? LUCLIA - Que foi que aconteceu? JOAQUIM - Pedi a ele que me emprestasse o dinheiro e ele me respondeu... (Contrai-se) ... que fazia muito em perdoar a minha dvida com Elvira. Perdi a cabea. LUCLIA (Inteiramente retesada) - Espero que o senhor tenha reagido altura?! JOAQUIM - Dei-lhe uma bofetada e... brigamos. (Abaixa a cabea) LUCLIA - Eu sabia que aquele ordinrio ia se aproveitar disto. (Anda agitada pela sala. Sua voz sai descontrolada pelo dio) Ele h de pagar! Ele precisa pagar! Se o senhor tivesse me levado, no teramos sofrido essa humilhao. Papai! Precisamos voltar l! OLMPIO
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- Luclia! Assim voc o desorienta mais ainda. JOAQUIM - Brigamos no meio da rua. Eu... eu... No sei! Fiquei transtornado. A vergonha que senti... (Esconde o rosto nas mos) LUCLIA - Papai! (Abraa-o) Perdoe-me. Acalme-se. Ns havemos de encontrar uma soluo. (MARCELO SAI DO QUARTO, J VESTIDO, ANDA PELA SALA, EXAMINA OS OBJETOS EM CIMA DA MESA E DEPOIS SAI APRESSADO PELO CORREDOR.) JOAQUIM - No sei como, minha filha, mas de repente senti como se estivesse s naquela cidade. Parecia que todas as portas estavam fechadas pra mim. Eu no conhecia mais ningum. Percebia que atrs das janelas todos me olhavam e ... ningum... ningum... LUCLIA - No, papai, o senhor no est s. Eu estou aqui. Ns estamos aqui. O senhor vai ver que nem tudo est perdido. JOAQUIM - Quando cheguei e ouvi voc falando... LUCLIA - No pretendo deix-lo. Nunca! JOAQUIM (Subitamente) - Preciso encontrar uma soluo. LUCLIA - Ns vamos encontrar, papai. JOAQUIM - No entregarei minha fazenda, assim sem mais nem menos. LUCLIA - No vamos entregar. OLMPIO - Luclia! Pense no que est dizendo! Tudo vai depender de voc. JOAQUIM - Isso roubo! No podem tomar o que me pertence. LUCLIA - No deixaremos. JOAQUIM - Meus direito sobre essas terras no dependem de dvidas. Nasci e fui criado aqui. Aqui nascerem meus filhos. Aqui viveram e morreram maus pais. Isto mais do que uma simples propriedade. meu sangue! No podem me fazer isso! OLMPIO - Eu sei, seu Quim, mas preciso considerar a situao, no perder a calma. Lembre-se de sua famlia sua famlia. LUCLIA - Papai! Oua-me: melhor pensarmos com calma. JOAQUIM (Animando-se pouco a pouco) - Hei de encontrar um meio. No entrego minha fazenda sem lutar at o fim. LUCLIA - Isto mesmo, papai. Vamos lutar. OLMPIO - No seja insensata, Luclia! LUCLIA (spera) - Estou com papai em tudo e por tudo. JOAQUIM - Pensei morrer antes de ver este dia. No se tem mais respeito por nada. No existem mais amizades. No se pode acreditar na palavra de ningum. No entregarei minhas terras por
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nada! (Subitamente) Pode dizer a eles, na cidade, que se vierem aqui eu os receberei bala, bala! Est ouvindo? LUCLIA - Papai! JOAQUIM (Apoplctico) - No me importo de morrer. Nada de bom, nada de decente restar depois disto. LUCLIA - No, papai! No! Acalme-se! JOAQUIM - Nem meus filhos podero me respeitar. (Luclia tenta abraar Joaquim) OLMPIO - Seu Quim! JOAQUIM - Ningum! Deixe-me, minha filha. LUCLIA - No, papai, pelo amor de Deus, acalme-se! JOAQUIM (Libertando-se de Luclia) - So terras que pertencem a meus pais; que so de meus filhos. So minhas! (Anda desorientado, pela sala) Isto sagrado! S Deus... s Deus... (Pra, ofegante) LUCLIA (Desesperando-se) - Olmpio! Ajude-nos. No deixe que papai fique assim! JOAQUIM - Ningum vai me tirar daqui. (Cai ajoelhado diante dos quadros) LUCLIA - Mame! (Corre para a cozinha) Mame! JOAQUIM - Meu Deus!... Eu... eu... (Sua voz no sai) HELENA (Aparece acompanhada por Luclia) O que foi? O que isto? JOAQUIM - No tire minhas terras! HELENA - Quim! (Abraa-o) Quim! No desespere! JOAQUIM - No tire minha fazenda. No tire minha fazenda. LUCLIA - Papai! Ns vamos lutar. Se for preciso, morreremos aqui. No vamos sair. Acalme-se. HELENA - Luclia! Contenha-se! Venha, Quim. Daremos um jeito. (Levanta-o) JOAQUIM - Tudo o que nosso, Helena, vendido assim, como se fosse coisa sem dono. HELENA - Precisamos ser fortes, no nos deixar levar. Deus sabe o que faz. JOAQUIM - Eu estava l e no podia fazer nada. Nada! HELENA - Venha. JOAQUIM - Ningum vai me tirar daqui. Ningum, ouviu? HELENA (Leva-o para o quarto) - Est certo, Quim. Ns daremos um jeito. Tenha calma. (Saem) (PAUSA) OLMPIO (Fica sem saber o que fazer) - Luclia!
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LUCLIA - Eu disse a voc. Compreende agora? OLMPIO - Compreendo. LUCLIA (Pausa) - Olmpio! Diga-me: no h mesmo mais esperana nenhuma? OLMPIO - No sei, Luclia. Tudo possvel. LUCLIA - Temos que entregar o que nosso, que sempre foi nosso, assim, como se estivssemos com as mos amarradas? OLMPIO - Temo que sim. LUCLIA (Desanimada) - Temos que sair, ento? OLMPIO - indispensvel que voc convena seu pai. Agora no h outra soluo. LUCLIA (Pausa) - Est bem. OLMPIO - Vou estudar o processo e... se houver alguma falha, entrarei imediatamente com um recurso. Teremos, assim, tempo para esperar uma resoluo do governo. No possvel que ele deixe uma classe inteira ir runa, sem tomar uma providncia qualquer. (PAUSA) (NESTE INSTANTE, MARCELO APARECE NA PORTA EM ARCO. MARCELO EST COM O ROSTO CONTRADO; FICA OBSERVANDO LUCLIA E OLMPIO. QUANDO LUCLIA E OLMPIO DEREM COM ELE, MARCELO ESTAMPAR NO ROSTO UM SORRISO FORADO.) OLMPIO - Luclia! LUCLIA - Convencerei papai. OLMPIO - preciso lutar contra esse desespero e aceitara realidade se for necessrio. LUCLIA - Meu sentimento de famlia e de felicidade est ligado s nossas terras. Em minha famlia foi sempre assim. no aprendi a sentir de outra maneira. esta a nica realidade. OLMPIO (Pausa) - Est bem, Luclia. LUCLIA - Ns no podemos ser destrudos. E isto ainda depende de ns (Pausa) Agora v. Antes de mais nada, precisamos dar uma esperana a papai. (Do com Marcelo) MARCELO - Como vai? OLMPIO - Bem. E voc? MARCELO (Sorri) - Como sempre. (LUCLIA E OLMPIO SAEM PELA PORTA EM ARCO. MARCELO OLHA PARA TRS E DEPOIS VEM AT O MEIO DA SALA. POR UM MOMENTO, D A IMPRESSO DE EXTREMO ABANDONO. TORNA A CONTRAIR O ROSTO.) MARCELO - Mame! HELENA (Entrando)
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- Fale baixo, meu filho. MARCELO (Sorri, novamente) - Que foi? HELENA - Seu pai est descansando. MARCELO - Papai deitado a esta hora?! O mundo vai acabar! HELENA - Ento, voc no sabe, meu filho? MARCELO - No. Saber o qu? Estou chegando agora. HELENA - Onde voc anda com a cabea, Marcelo? MARCELO (Sorri) - No mundo da lua. Papai j disse isso, no se lembra? HELENA - Meu filho! A fazenda de seu pai foi praa. Temos que sair daqui. MARCELO - Ora, mame! Quem pode nos obrigar a sair daqui? HELENA - No brinque, Marcelo! MARCELO - Papai dar um jeito. No quero ver voc triste. Olhe s que eu trouxe. (Desembrulha um vu) No e uma beleza? HELENA (Reprimindo as lgrimas) - . MARCELO - Andei pela cidade toda para encontrar o mais bonito. Experimente. (Pe o vu em Helena) As santas vo ficar com cimes! A mais bela... HELENA - Meu filho! (Solua) MARCELO (Abraa-a) - No chore (contrai o rosto) No quero que sofra. Eu sei que no sei fazer nada, s vivo sonhando, no mundo da lua!... mas estou aqui, junto de voc. Tudo, menos v-la chorar. (Seu rosto, contrai-se ainda mais) Mame! Por favor, no chore. Eu... (procura se dominar)... nunca deixarei voc. No sou mais o seu companheiro? HELENA (Olha para Marcelo e este desvia o rosto) - Voc sabia, meu filho? MARCELO (Fugindo) - Tenho uma poro de coisas engraadas da cidade para contar... HELENA (Corta) - Diga, Marcelo, voc j sabia? MARCELO (Gesto afirmativo de cabea) HELENA - Sempre tive medo que isto acontecesse. MARCELO - Mame! Ainda podemos salvar a fazenda. Ouvi Olmpio dizer qualquer coisa Luclia! (LUCLIA ENTRA PELO CORREDOR, NO PRIMEIRO PLANO, ACOMPANHADA POR OLMPIO. LUCLIA VEM RGIDA AT A MESA E SENTA-SE; FICA EXAMINANDO OS OBJETOS QUE ESTO EM CIMA DA MESA) HELENA - S Deus sabe.
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MARCELO - verdade. Eu ouvi. Pergunte a Luclia! HELENA - Meu filho! Eu sei me conformar. MARCELO - Se tivermos que sair, para onde vamos? HELENA - No sei, ainda. Se tivermos que sair, s Deus que d confiana a Quim. Que ele no perca nunca a esperana de voltar. OLMPIO (Primeiro Plano) (Chamando) - Luclia! MARCELO - Papai no merecia isso. LUCLIA (Primeiro Plano) (Como se voltasse a si) - melhor assim. no se tem mais esperana e pronto. HELENA Deus sabe o que faz. MARCELO (Falsa alegria) - Mas no importa. Arranjarei um emprego e conquistarei o mundo para voc. HELENA - Os anjos que digam amm. Venha meu filho, venha falar com seu pai. Agora ele precisa de todo o nosso apoio. (Entram no quarto de Joaquim.) PRIMEIRO PLANO LUCLIA - A gente se sente parte, sem sentido. OLMPIO (Pequena pausa) - Quer que fale como seu pai sobre a deciso do Tribunal? Ou voc mesma quer falar? LUCLIA - Voc poder explicar melhor (Retesa-se) Para um advogado, aquilo talvez tenha lgica. OLMPIO - Luclia! LUCLIA - No estou lhe censurando. As leis no foram feitas por voc. OLMPIO - Voltarei aqui com seu pai. (dirige-se para a porta) LUCLIA - Olmpio! OLMPIO - Que Luclia? LUCLIA - Leia... leia mais uma vez a sentena do juiz... a parte final. OLMPIO - Luclia! Voc me prometeu no tocar mais nisto. LUCLIA - Quero ouvir a sentena ainda uma vez. Faa-me o favor. (OLMPIO ABRE A PASTA E TIRA ALGUNS PAPIS. MARCELO APARECE PORTA DO QUARTO DE JOAQUIM, NO SEGUNDO PLANO; OLHA LONGAMENTE A SALA. ENQUANTO OLMPIO L, MARCELO ATRAVESSA A SALA EM DIREO AO SEU QUARTO, EXAMINANDO TUDO.) OLMPIO (L)
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- No procede a nulidade alegada. A lei manda publicar o editais no Dirio Oficial e em jornal local onde houver... Etimologicamente, jornal vem do italiano giornale e de giorno; do latim diurnus, de dies-diei, quer dizer, dirio. Ora, na comarca no h dirio e sim semanrios. No obrigatria a publicao em semanrios... (NO SEGUNDO PLANO, MARCELO VOLTA-SE, ANGUSTIADO, E CORRE PARA O SEU QUARTO. QUANDO MARCELO CORRE, HELENA APARECE PORTA DE SEU QUARTO E FICA OLHANDO MARCELO. IDNTICO MOVIMENTO DE HELENA, QUE TAMBM EXAMINA A SALA, ANGUSTIADA) LUCLIA (num sussurro) - Dies-dei! OLMPIO - Luclia! LUCLIA - Obrigada. At vista. OLMPIO (Pausa) - At logo. (OLMPIO SAI. LUCLIA FICA REPETINDO: DIES-DIEI. NO SEGUNDO PLANO CRESCE A ANGSTIA DE HELENA. LUCLIA LEVANTA-SE TIRA O VASO DE FLORES E DE CIMA DA MQUINA E A TOALHA; DEPOIS ABRE-A COM RESOLUO.) HELENA (Segundo Plano) (enquanto Luclia tira o vaso de flores e a toalha, helena cai ajoelhada na frente dos quadros) - Maria concebida sem pecados, rogai por ns que recorremos a vs! Tirai nossas terras, mas conservai, conservai, eu vos suplico... (OLHA O QUARTO DE JOAQUIM E SUBITAMENTE ESCONDE O ROSTO NAS MOS. LUCLIA ABRE A MQUINA DE COSTURA.) TERCEIRO ATO CENRIO: O MESMO DOS ATOS ANTERIORES. A SALA DO PRIMEIRO PLANO EST EXATAMENTE COMO TERMINOU O SEGUNDO ATO. A DO SEGUNDO PLANO, PORM, J NO TEM OS OBJETOS DE USO CASEIRO E OS ENFEITES; S RESTAM OS MVEIS COBERTOS, OS DOIS QUADROS NA PAREDE E O RELGIO. AO: NO SEGUNDO PLANO, ALGUM TEMPO DEPOIS; NO PRIMEIRO PLANO, IMEDIATAMENTE DO SEGUNDO ATO.CENA: AO ABRIR-SE O PANO, LUCLIA EST MAQUINA. DE REPENTE, OLHA O RELGIO, LEVANTA-SE E VAI AO CORREDOR, SEGURANDO AINDA A SUA COSTURA. LUCLIA - Mame! a senhora, mame? (LUCLIA VOLTA MQUINA DE COSTURA. HELENA APARECE NO SEGUNDO PLANO, VINDO DE SEU QUARTO; EST ABATIDA E PARECE AINDA MAIS ENVELHECIDA. APESAR DE CONTINUAR EMPERTIGADA, D IMPRESSO DE FRGIL, ANGUSTIADA. HELENA OLHA A SALA, DEMORANDO OS OLHOS NOS MVEIS; VAI PORTA DA COZINHA E...) HELENA - Quim! Quim! JOAQUIM (Voa que vem da sala ao fundo) - Que ? HELENA (Gesto de aborrecimento) - Que est fazendo a no escuro? JOAQUIM (Voz) - Nada. Descansando. HELENA - J fechei as janelas. Voc tornou a abrir? JOAQUIM (Voz) - No.
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HELENA - Aqui est mais claro. JOAQUIM (Voz) - Assim melhor. Senti vontade de ficar sentado no escuro. HELENA - Est preocupado, Quim? JOAQUIM (Voz) - No. H muito tempo que no ficava aqui, nesta salinha. HELENA - No quero que se preocupe. JOAQUIM (Voz) - No estou preocupado. HELENA - Ento, venha para c. (PAUSA. JOAQUIM APARECE PORTA EM ARCO, PRA E OLHA PARA HELENA. JOAQUIM TAMBM ENVELHECEU, MAS NO TANTO COMO HELENA. ATRS DE SUA CALMA, NOTASE UMA ANSIEDADE DOLOROSA) JOAQUIM - Voc viu que o balastre do alpendre estragou? HELENA - No. JOAQUIM - Est rachado! HELENA - Deve ser o sol. JOAQUIM - Preciso mandar consertar. HELENA - No gosto, Quim, que voc fique assim! JOAQUIM - Assim, como? HELENA - Examinando tudo. JOAQUIM - No estou examinando nada. HELENA - Est sim. Tenho visto voc por a , como se estivesse procurando alguma coisa. JOAQUIM - Apenas vi que o balastre est estragado e que preciso mandar consertar. O que tem isso de extraordinrio? HELENA - J est estragado h tanto tempo! JOAQUIM - Como que no me disse nada? O que que vo pensar de ns? HELENA - No est rachado, est apenas descascado. JOAQUIM - Estou dizendo que est rachado porque est rachado. HELENA - Descascado, tambm sei distinguir as coisas. JOAQUIM (Olha para Helena) - Est certo, minha velha. Descascado! (JOAQUIM D UMA VOLTA PELA SALA.)
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HELENA - Sente-se, Quim. J andou muito hoje. JOAQUIM - No quero. HELENA - Por que se levantou to cedo? Ainda estava escuro. JOAQUIM (impaciente) - Sempre me levantei a esta hora. HELENA (Com doura) - Eram trs e meia, Quim. JOAQUIM - Estava sem sono. HELENA (pausa) - O que ser que aconteceu na colnia esta noite? JOAQUIM - Por qu? HELENA - No ouviu o barulho que fizeram os cachorros? Um deles comeou a latir e todos acompanharam. JOAQUIM - Cachorro de colnia assim mesmo; lata toa, faz barulho por qualquer coisa. HELENA (Pausa) - E como cantaram os galos! Quando ia terminando um, comeava outro; ora perto, ora longe. Logo depois da meia-noite... (Os dois se olham)... tive a impresso de que algum bicho estava pegando uma galinha. No ouviu o barulho? JOAQUIM - Foi a, na mexeriqueira. Os cachorros-do-mato no chegam assim to perto da casa. Alguma galinha deve ter cado do poleiro. HELENA - Com certeza foi a do pescoo-pelado. Ela dorme l e arrilienta como ela s. JOAQUIM (Olha para a bandeira da porta de seu quarto) - Um dos vidros da bandeira precisa ser trocado. Entra muita luz no quarto. Acho que foi isso que no me deixou dormir. HELENA (Olhando tambm) - Deve ser. (HELENA FAZ MENO DE PERGUNTAR ALGUMA COSIA, MAS DESISTE, DEMONSTRANDO CERTO RECEIO.) JOAQUIM (Pausa) - O forro do nosso quarto (Olha para cima, examinando o forro da sala) ainda est perfeito. HELENA - Antigamente sabiam trabalhar. JOAQUIM - Faziam as coisas para o resto da vida! HELENA (Pausa. Luta contra um pensamento, decidindo-se subitamente) - Por que no conversou comigo de noite? JOAQUIM (Violento) - Ora, Helena, a noite foi feita para dormir. (PAUSA LONGA) HELENA (Calma) - Foi na lavoura, Quim? JOAQUIM - Fui.
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HELENA - Est tudo em ordem? JOAQUIM - Tudo. HELENA - E...? (Pra, indecisa) JOAQUIM - A chuva foi boa, molhou bastante. HELENA (Forando) - E o caf? JOAQUIM - A florada abriu. (Anima-se) O cafezal est uma beleza, branco como um vu! Se chover mais, vamos ter um colheita... (Pra subitamente. Helena desvia o rosto) HELENA - Quim! (Levanta-se) JOAQUIM (Anda impaciente pela sala) - O barulho da chuva durante a noite; aquele cheiro de terra invadindo o quarto...! HELENA - Quim! Olhe para mim. Que foi que combinamos? Partir como se fossemos apenas fazer uma viagem, no foi? JOAQUIM - Naturalmente que apenas uma viagem, mas no posso deixar de sentir. HELENA - Est certo. No quero que sofra por causa disto. JOAQUIM (Violento) - Quem que disse que estou sofrendo? HELENA - Ningum, Quim, ningum. JOAQUIM - No posso compreender essa sua calma! Sabe l quem essa gente que vem morar aqui? (Pausa) Onde est minha cadeira de balano? HELENA - J mandei embora. Sente-se aqui. JOAQUIM (Impaciente) - J disse que no quero me sentar! (PAUSA. JOAQUIM VAI PORTA EM ARCO E FICA OLHANDO PARA FORA) HELENA - Quim! JOAQUIM (Distante) - Hummm! HELENA - Que que est olhando a? JOAQUIM - Nada. (Olha para Helena) No sei porque usei to pouco a salinha! HELENA - Cansados ficvamos?! noite s queramos deitar. JOAQUIM - H sempre tanta coisa para se ver, que no se tem tempo nem de pensar. HELENA - Voc sumia o dia inteiro! JOAQUIM (Pausa) - Helena!
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HELENA - Que ? JOAQUIM - Voc se lembra? HELENA - Do qu? JOAQUIM - De quando ficamos a ss pela primeira vez? HELENA - No, no me lembro. JOAQUIM - No se lembra mais?! HELENA - Como havia de me lembrar, Quim?! JOAQUIM - Foi aqui, nesta salinha! (Olha novamente para fora) HELENA (Pausa) - No foi! JOAQUIM - Como no foi? HELENA (Sorri) - Foi na estrada, quando vnhamos para c. JOAQUIM - Digo aqui, em casa. HELENA - Ah! JOAQUIM - Naquela poca no havia o nicho, a janela grande; mas ainda a mesma sala, so os mesmos mveis! HELENA (Evocativa) - A casa me pareceu grande demais. JOAQUIM - S para ns dois. HELENA - Pensei que no fosse dar conta. JOAQUIM (Pausa) - Voc s podia ser uma boa dona de casa! HELENA - Foi o que mame me ensinou. JOAQUIM (Pausa) - H uma coisa que sempre quis perguntar, Helena. HELENA - Diga. JOAQUIM - O que foi que pensou de mim no momento em que ficamos a ss? HELENA - Nada. JOAQUIM - Nada?! HELENA - Nada. No conhecia voc direito. JOAQUIM (Irritado) - Voc tem cada uma! A gente v uma pessoa e sente alguma coisa!
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HELENA - No sei, no me lembro. Sabia, desde menina, que ia casar com voc, mas... (Sorri) acho que ouvi sua voz pela primeira vez quando disse Sim l na capela! JOAQUIM - No queria casar comigo? HELENA - No sei. No me perguntaram. JOAQUIM - E se tivessem perguntado? HELENA - No me perguntariam nunca. JOAQUIM (Violento) - Mas, e se perguntassem? HELENA - Como vou saber? Quim? Eu nem sabia o que era isso. JOAQUIM - E depois? HELENA - Naturalmente que sim. (Entreolham-se, evocativos) JOAQUIM - Quando voltarmos para a fazenda, vou me sentar mais nesta salinha. HELENA (Subitamente triste) - Quando... (Pra) JOAQUIM (Sem ter percebido) - Sabe o que estive pensando hoje no cafezal! Que devia tem me casado mais cedo! HELENA - Por qu? JOAQUIM - Teramos aproveitado mais. HELENA - Aproveitamos tanto! JOAQUIM - Pois parece que foi ontem que chegamos aqui, juntos. HELENA - Sabe? No comeo voc me atemorizou, verdade. Tinha um ar to respeitvel com aqueles bigodes. Parecia meu pai! (RIEM) JOAQUIM - Com a morte de papai, fiquei ainda muito moo, o chefe da famlia. HELENA - Tivemos trs dias de festas quando casamos. Naquele tempo que se sabia fazer festas! Estavam todos l! Era uma gente bem diferente, no , Quim? JOAQUIM - Muito! Os antigos eram de peso. HELENA - A Donana, a Madrinha, a Betica, o Coronel Orlando, o Coronel Francisco, o Coronel Torquato! JOAQUIM - gente que no se v mais! HELENA - Como discutiam! E como falavam alto! Davam a impresso de briga, quando estavam apenas conversando.
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JOAQUIM - Bastava tocar em caadas, ou em polcia! HELENA (Pausa) - J no se caa como antigamente! JOAQUIM - O pessoal de hoje muito perrengue. S sabe ficar na cidade, fazendo o que no deve! (Pausa) Quero morrer como meu pai: caando. HELENA - Se a gente pelo menos morresse... (Disfara) como quer! JOAQUIM - Meu pai comeu a matula e sentou-se encostado ao tronco de uma rvore. Quando os outros caadores chegaram, j estava morto. Um dos cachorros estava deitado em sua perna...e ele parecia dormir! HELENA (Evocativa) - Trs dias de festas! JOAQUIM - Eu tomava parte nas discusses, mas era em voc que pensava. HELENA - Sabe o que que eu pensava? Na minha casa. Na casa de meus pais. Eu julgava que, depois que tudo aquilo acabasse, ia voltar para l! JOAQUIM - Ora, Helena! HELENA verdade. Fiquei apavorada quando me vi em cima daquele cavalo e sozinha com voc, na estrada. JOAQUIM - No me passou pela cabea que ia ser to feliz! HELENA Para no sentir medo, sabe no que comecei a pensar? Como se dava ponto em goiabada, como se fazia sabo de cinza, como se aproveitava o leite para fazer queijo e o que devia fazer para em tornar uma boa fazendeira. Tentava lembrar de todas as recomendaes de minha me, uma por uma! JOAQUIM (Pausa) - para no fim... chegarmos a isto! HELENA (Aflita) - No, Quim! No comece outra vez. JOAQUIM - Voc, meus filhos, todos, no fundo me censuram. HELENA - Nem eles, nem eu, podemos acusar voc. Nem ningum! J disse isso tantas vezes! JOAQUIM - Essas coisas a gente sente, minha velha. No preciso ningum dizer. HELENA - uma situao apenas passageira, Quim. Tudo vai acabara bem. JOAQUIM - Eu sei que vai acabar bem. Tem que acabar bem. Estou me referindo ao que aconteceu. HELENA - Entregamos nossa fazenda a essa gente at se decidir o processo, depois vamos voltar. No foi assim que o Olmpio explicou? JOAQUIM - Foi. HELENA - No h razo, portanto, para nos atormentarmos. No verdade? JOAQUIM (Com esforo)
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- . HELENA (Pausa longa) - Quim! Quem arrematou a fazenda? JOAQUIM - No conheo. HELENA - No so fazendeiros? JOAQUIM - Acho que no. HELENA (Pausa) - No melhor levarmos nossas cosias? JOAQUIM - Acho que no. HELENA - Nossos mveis... tudo, enfim. JOAQUIM - Helena! J disse que no vamos levar nada. No estamos fazendo uma mudana! HELENA - No posso imaginar uma casa sem meus mveis. (Olha os mveis) JOAQUIM (Pausa) - O que me preocupa mais so as minha jabuticabeiras. HELENA - Por qu? JOAQUIM - Ora, Helena! preciso soltar gua nas valetas para molhar as jabuticabeiras. Fiz isso a vida inteira, ser que voc no sabe?! HELENA - Naturalmente que sei. JOAQUIM - Se no molhar a florada no abre. HELENA - Podemos recomendar aos novos donos... (Pra) JOAQUIM (Furioso) - Que novos donos? O nico dono aqui ainda sou eu. Voc parece que tem prazer em entregar o que nosso! HELENA - Podemos pedir a eles que ponham gua de vez em quando! JOAQUIM - Gente que no conhecemos. No vamos pedir nada a eles. HELENA - Est bem, Quim. Como achar melhor. JOAQUIM (Pausa. Joaquim olha para o relgio) - Seria bom tirara agora? HELENA - O qu? JOAQUIM - O relgio. HELENA - Na hora de sair ns tiramos. JOAQUIM (Pausa) - Foi presente de casamento de meu avo Gabriel ao meu pai. Sabe? Vov Gabriel tinha um propsito. Os antigos no davam nada assim sem mais nem menos. Sabiam sempre o que era mais
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til. Junto com o presente veio a recomendao: Martiniano! No deixe nunca o sol pegar voc na cama, meu filho, e saiba dividir o seu tempo que tudo... Disto ningum poder me acusar, Helena. Em toda minha vida, s aquela vez quando tive maleita, no vi o sol nascer. HELENA - Ningum vai acusar voc de nada, Quim. J disse isso! JOAQUIM - At hoje no compreendi como foi que tudo isso aconteceu! HELENA - As cosias mudam, Quim. s vezes, no somos culpados do que nos acontece... (Disfara) embora tudo parea erro nosso. JOAQUIM Naquele dia, andei como um louco pela cidade; em cada casa que entrava, era como se no encontrasse ningum. Estamos ss, helena; nem parentes, nem amigos! No sei o que foi feito deles. HELENA - Ns nos afastamos de todos, Quim. No freqentamos nada! JOAQUIM - E para qu? Uma gentinha, que no sei de onde veio, tomou conta de tudo! HELENA - As cidades tambm crescem. por isso que aparecem tantas caras novas! JOAQUIM - Vivamos muito bem sem elas. Gentinha! HELENA (Sorri) - Ns no samos daqui, no acompanhamos nada. Antes, as reunies eram feitas nas fazendas! Hoje, so feitas nas cidades... e estivemos sempre longe de tudo! JOAQUIM - Fizemos muito bem. HELENA - A verdade, Quim, que no evolumos! JOAQUIM - No sei; pode ser. (De repente) Vou ver se j recolheram as vacas. HELENA - Voc viu que as formigar tornaram a sair? JOAQUIM - No. Onde? HELENA - Novamente ali. (Helena aponta para esquerda, entre a porta em arco e a de seu quarto) JOAQUIM - Precisamos pr gua quente. HELENA - So danadas, nunca vi! JOAQUIM - Espere. Vou buscar a chaleira. (HELENA FICA EXAMINANDO A PAREDE. ELVIRA APARECE EMBAIXO, NO PRIMEIRO PLANO) ELVIRA (Primeiro Plano) - Bom dia, Luclia. LUCLIA (Primeiro Plano) - Bom dia. (LUCLIA QUE ESTIVERA O TEMPO TODO SENTADA MESA, COSTURANDO MO, LEVANTA-SE E VAI MQUINA) ELVIRA (Primeiro Plano) - Onde est Helena?
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LUCLIA (Primeiro Plano) - No sei. Acho que saiu. ELVIRA (Primeiro Plano) - Posso experimentar o vestido? LUCLIA (Primeiro Plano) - Pode. ELVIRA (Primeiro Plano) (Pega o vestido) - O Olmpio voltou, no ? LUCLIA (Primeiro Plano) - Voltou. ELVIRA - Alguma novidade? LUCLIA (Primeiro Plano) - No sei. ELVIRA (Primeiro Plano) - Soube que no pretende costurar mais. LUCLIA (Primeiro Plano) - Quem disse? ELVIRA(Primeiro Plano) - Seu pai. LUCLIA (Primeiro Plano) - No sei, ainda. ELVIRA (Primeiro Plano) - Espero que faa exceo para mim. (Sai) HELENA (Segundo Plano) - Quim! JOAQUIM (Segundo Plano) (Entrando) - Onde? HELENA (Segundo Plano) - Olhe aqui. Est vendo? JOAQUIM (Segundo Plano) - No. HELENA (Segundo Plano) - Aqui. Viu? JOAQUIM (Segundo plano) (Agacha-se) - Vi. (Despeja gua) LUCLIA (Primeiro plano) (VAI PAREDE DO FUNDO E PASSA MO NO GALHO DE JABUTICABEIRA; TEM UM MOMENTO DE DESANIMO E DIRIGE-SE PARA A MQUINA DE COSTURA) JOAQUIM (Segundo plano) - Desta vez elas me pagam. Quero ver se tornaram a sair. HELENA (Segundo plano) - Nunca vi formiga mais daninha. JOAQUIM (Segundo plano) - Se deixarmos, elas tomam conta da casa. HELENA (Segundo Plano) - J invadiram o guarda-comida. JOAQUIM (Segundo plano) - Elas so sabidas. (Levanta-se) Saram na cozinha, tambm? HELENA (Segundo plano) (Levantando-se) - Saram. (Saem para a cozinha)
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PRIMEIRO PLANO ELVIRA (Entrando) Para falar a verdade, no gosto muito deste tipo de vestido, mas a moda, o que se pode fazer! LUCLIA - Fica bem na senhora. ELVIRA - Fica? Voc acha que fica? LUCLIA - Se no achasse, no teria dito. ELVIRA - Que foi? LUCLIA - Nada, por qu? ELVIRA - Parece nervosa. LUCLIA - Estou cansada. ELVIRA - No v me espetar. Tenho horror de alfinetes! LUCLIA - J aconteceu isso alguma vez? ELVIRA - No. Ah! esqueci de avisar o Quim: o caf vem amanh. LUCLIA (Seca) - Vou falar com papai. ELVIRA - O que que voc tem? LUCLIA - Nada, j disse. ELVIRA - Pensei que estivesse satisfeita. LUCLIA - Por que haveria de estar? ELVIRA - Aconteceu alguma coisa? LUCLIA - No. No poso ficar aborrecida? ELVIRA - No devemos nos aborrecer. Isso envelhece a gente. (LUCLIA AJOELHA-SE PARA AJUSTAR A BARRA DO VESTIDO DE ELVIRA. NO SEGUNDO PLANO, HELENA APARECE INDO DA COZINHA, OLHA A SALA E, DE REPENTE, VOLTA-SE E FICA OBSERVANDO A SALINHA; DEPOIS, LENTAMENTE, ANDA E DESAPARECE.) LUCLIA - Tenho a impresso de que a senhora no vai envelhecer nunca. ELVIRA - Por qu? LUCLIA - Por no ter nada com que se aborrecer. ELVIRA - Voc que no sabe! Se soubesse o trabalho, as dores de cabea que me d esse asilo! Se no tomar a iniciativa de fazer o que preciso, ningum toma. No me incomodo de ajudar, mas
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acho que preciso cooperao. Todos devem dar! S eu, sempre eu! J tenho muitas despesas. e depois, minha filha, o Augusto... LUCLIA (Corta bruscamente) - No me chame de sua filha. ELVIRA - Por qu? LUCLIA - Por que no sou sua filha. ELVIRA (Pausa. Elvira olha para Luclia) - O Augusto est ficando to ranzinza. LUCLIA - Ranzinza, como? ELVIRA - Acha que sou mo-aberta demais, que sustento sozinha o Asilo e... coisas assim! sempre soube fazer economia! LUCLIA - Aconselho a senhora a no nos trazer mais nada. ELVIRA - Por que no? Tambm tenho direito. Dou o que quiser, a quem quiser. LUCLIA (Ainda ajoelhada) - A senhora no pode ficar um instante parada/ assim no posso acertar esta barra. (PAUSA) ELVIRA (Desconfiada) - O Olmpio no trouxe mesmo novidade nenhuma? LUCLIA - Trouxe. Papai perdeu o processo. ELVIRA - Perdeu? LUCLIA - Exatamente. ELVIRA (Abatida) - Coitado do Quim! LUCLIA - Acho melhor assim. no se tem mais esperana e pronto. ELVIRA - E voc me conta isto, assim?! LUCLIA - Para a senhora, que diferena faz? ELVIRA - Muita! Por que que me diz isto? LUCLIA - Porque penso assim. ELVIRA (Pausa) - Acho que no fundo, bem no fundo, o Quim no esperava mais. LUCLIA - Por qu? ELVIRA - O Quim, como eu, sabe sentir suas culpas. LUCLIA (Tesa) - Como assim? ELVIRA - A gente sente quando uma culpa nos pesa na alma, tanto como um pecado qualquer.
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LUCLIA - E ento? ELVIRA - Afinal, seu pai cometeu muitos erros. A gente s paga pelo aquilo que deve. LUCLIA (Tentando se controlar) - Ainda no compreendi. ELVIRA - Primeiro, seu pai ficou com a melhor parte da fazenda, quando eu tambm tinha direito. Depois no soube aproveitar isso e endividou-se, por culpa exclusivamente dele, e acabou perdendo tudo. Reconheo que o Quim sempre foi um homem bom, de muita boa f, mas sem viso nenhuma , desastrado para os negcios. LUCLIA - E para terminar, agrediu tio Augusto naquele dia, no ? ELVIRA - Foi um gesto infeliz, mas perdovel. LUCLIA - Mas que vocs no perdoaram. ELVIRA - Quem disse...? LUCLIA (Corta) - Queriam, com certeza, que ele se arrastasse pelo cho? ELVIRA - Precisamos aprender a aceitar nossas prprias culpas. Pecamos, erramos, e continuamos a pecar e a errar porque estamos sempre pedindo prazo a Deus para nos corrigirmos. LUCLIA - muito fcil julgar os outros. ELVIRA (Amargurada) - Chega um dia em que esse prazo tirado definitivamente. LUCLIA - Ainda bem que a senhora pensa assim. ELVIRA - No mesmo? LUCLIA - Tenho certeza de que a senhora tambm pede prazo para os seus erros, para seu pecados. ELVIRA - Eu?! LUCLIA - . Esta ajuda que nos d porque tambm se sente culpada. ELVIRA - Que culpa tenho eu? LUCLIA (Descontrolando-se) - Que culpa? Acha pouco o desespero em que papai tem vivido?! ELVIRA - No fui eu quem arruinou seu pai. LUCLIA - Sei disto. Mas podia ter evitado. ELVIRA - Eu?! LUCLIA - . A senhora mesma. ELVIRA (Empertiga-se) - Quem agrediu primeiro foi o Quim e no o Augusto!
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LUCLIA - Depois daquela resposta grosseira, papai no podia fazer outra coisa. ELVIRA - Quem precisa dos outros no pode ter orgulho. LUCLIA - Isso mostra bem o que a senhora . A verdade que deixou a nossa fazenda ir praa e ser arrematada por gente que no tinha o menor amor s nossas terras. ELVIRA - Ns, como todos, tambm estvamos em m situao. LUCLIA (Levanta-se de um mpeto) - Mentira! ELVIRA - Luclia (Afasta-se) LUCLIA - isso mesmo. Mentira! Vocs no perderam nada. ELVIRA - Voc est louca! LUCLIA No estou louca, no. Sei bem o que estou dizendo. Esta culpa a senhora vai levar para o tmulo. ELVIRA - Luclia! LUCLIA - No vai poder resgatar nunca. O preo dela o nosso sofrimento, so nossas humilhaes. Vocs podiam ter ficado com a fazenda, papai teria onde morrer. Depois era s vender, no a queria para mim. ELVIRA - No tive culpa nenhuma. Deus sabe disso. LUCLIA - Preferiram ver a fazenda nas mos de gente estranha a dar oportunidade ao papai de morrer em sossego. Vocs souberam se vingar! ELVIRA - Voc no sabe o que est dizendo! LUCLIA - Sei muito bem. Quem sabe a senhora pensa que com um latozinho de leite, caf e outras coisas, pode resgatar duo isso? ELVIRA - No quero resgatar nada. Tenho a conscincia limpa. Tnhamos compromissos tambm. LUCLIA - Que compromissos? Compromissos com seu dinheiro? Nem filhos tem! ELVIRA - Nunca mais porei os ps aqui. LUCLIA - Pouca diferena faz. Sei e posso sustentar a minha casa. ELVIRA - Voc uma mal-agradecida. LUCLIA - A ajuda que nos deu j foi paga. No se esquea de que nunca lhe cobrei um tosto pelo meu trabalho. ELVIRA - Voc no tem respeito?! LUCLIA
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- Se a senhora merecesse respeito, teria tido um pouco de amor por seu irmo, piedade ao menos. Gostaria que tivesse assistido chegada deles, quando vieram da fazenda. S a poderia compreender at que ponto sofreram! Com o relgio, os quadros e esse... esse galho de jabuticabeira nas mos... apreciam duas crianas assustadas, com medo de serem repreendidas. Atrs de cada gesto, de cada olhar, havia um pedido de perdo, como se eu... eu pudesse censur-los em alguma cosia. Egosta! A senhora uma mulher m. Papai mesmo de boa f, tem bom corao, caso contrrio, teria posto a senhora daqui para fora. O que eles sofreram, voc e tio Augusto ho de pagar. (ELVIRA VIRA-SE E SAI PELO CORREDOR. LUCLIA, LENTAMENTE, CAI AJOELHADA JUNTO MESA. NO SEGUNDO PLANO, JOAQUIM APARECE COM UM GALHO DE JABUTICABEIRA CARREGADO DE FLORES) LUCLIA (Primeiro Plano) (No auge da angstia) - Papai! Papai! JOAQUIM (Segundo Plano) (Alegre) - Helena! (D uma volta na sala) Helena! Olha como est florido este galho de jabuticabeira. Helena! (Olhando pela porta em arco) Que foi? HELENA (Segundo Plano) (Voz) - Nada... Nada! JOAQUIM (Segundo Plano) - Voc est chorando, minha velha? HELENA (Segundo Plano) (Voz) - No. No estou. JOAQUIM (Segundo Plano) - Como no est? Venha para c. (Joaquim desaparece em direo salinha) ELVIRA (Primeiro Plano) (Aparece j vestida) Antes de sair tenho uma verdade a dizer; voc, os filhos, tambm no souberam perdoar. Nunca perdoaram a seu pai, a pobreza em que ficaram! LUCLIA (Primeiro Plano) - Porque vivamos desesperados. ELVIRA (Primeiro Plano) - Cada um tem suas razes. Se no ajudei foi porque no pude, e isto basta. LUCLIA (Primeiro Plano) - Pode ficar com seu dinheiro. Faa bastante caridade. ELVIRA (Primeiro Plano) - Luclia! LUCLIA (Primeiro Plano) - Ficamos pobres e continuaremos pobres nossa custa. Agora saia daqui! J esperei demais por este dia. Felizmente no moramos mais em sua casa, e devo isto ao meu trabalho. (ELVIRA SAI. LUCLIA VAI AT A MQUINA DE COSTURA E CAI SENTADA. JOAQUIM E HELENA APARECEM ABRAADOS, VINDO DA PORTA EM ARCO.) SEGUNDO PLANO JOAQUIM (Entra falando) - Foi a chuva desta noite! Parece que os galhos esto enrolados em algodo. At nas razes, fora da terra, abriram flores! O zum-zum das abelhas de ensurdecer a gente. Veja que beleza! E daquela jabuticabeira que parecia doente. HELENA - Aquela do fundo do quintal? JOAQUIM - . Eu sabia que ela ia arribar. HELENA - No pensei que ela fosse... (Vacila) resistir! JOAQUIM - Que foi, minha velha?
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HELENA - No foi nada. JOAQUIM - Voc me recomendava para ter calma e agora se desespera? HELENA - Trinta e cinco anos, Quim! Trinta e cinco anos aqui e agora... tudo isto! JOAQUIM J se esqueceu? Partir como se fossemos apenas fazer uma viagem. No assim. No assim? HELENA (Controlando-se) - JOAQUIM (Os dois voltam-se ao mesmo tempo para a porta) - Deve ser o Marcelo. (LUCLIA VAI AO CORREDOR DO PRIMEIRO PLANO) LUCLIA (Primeiro Plano) - Mame? voc? (SILNCIO. LUCLIA VOLTA MQUINA) JOAQUIM - Vamos tirar o relgio? HELENA - E os quadros. JOAQUIM - Tornaremos a por no mesmo lugar quando voltarmos. HELENA (Com esforo) - Naturalmente. JOAQUIM - Acho que s pegando uma cadeira. HELENA - Eu levo. (PAUSA LONGA. O BARULHO DA MQUINA DE COSTURA VAI AUMENTANDO POUCO A POUCO, AT ATINGIR O PONTO MXIMO. LUCLIA MOVIMENTA AS PERNAS COM INCRVEL RAPIDEZ. JOAQUIM SOBE COM CERTA DIFICULDADE NA CADEIRA E TIRA O RELGIO; PE O RELGIO EM CIMA DA MESA E FICA ADMIRANDO-O) HELENA - Quim! Os quadros! (TIRAM OS QUADRO, SUBINDO AO MVEL; PEM TAMBM NA MESA. HELENA ACARICIA-OS; DEPOIS VOLTAM-SE E OLHAM A PAREDE NUA.) JOAQUIM - Veja, Helena, como ficou arcada a parede. MARCELO (Voz) - Mame! HELENA (Abraa, aflita, Joaquim) - Quim! Quim! JOAQUIM - No se esquea: como se fossemos apenas fazer uma viagem. MARCELO (Voz) - Onde vocs esto? HELENA - Aqui... aqui na sala, meu filho. JOAQUIM - Eu sei o que voc est pensando. HELENA - No diga mais nada.
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(MARCELO APARECE PORTA EM ARCO E FICA OLHANDO PARA JOAQUIM E HELENA.) JOAQUIM - No entrego minhas terras sem lutar at o fim. HELENA - Est certo, Quim. (CONTINUAM ABRAADOS, DANDO, PORM, IMPRESSO DE ABANDONO, DE INDEFESOS. MARCELO CONTINUA RGIDO, OLHANDO PARA OS DOIS. LUCLIA LEVANTA-SE E VAI AO CORREDOR.) MARCELO (Primeiro Plano) LUCLIA (Segundo Plano) (Juntos) - Mame! JOAQUIM - Agora, nimo, minha velha. HELENA - As recordaes... essas, ningum poder nos tomar. JOAQUIM - Nem nossas terras. (Luclia volta mquina) HELENA - Mesmo que no... Devemos ter f, Quim. A justia de Deus a nica que no falha. JOAQUIM - Ns temos! MARCELO - Est tudo pronto. Podemos ir. HELENA (Pausa) Voc recomendou a Rosria para abrir a casa de vez em quando? No quero que fique suja de p. JOAQUIM - Recomendei. HELENA - Ser que as janelas esto todas fechadas? JOAQUIM - Esto. Voc mesma fechou. HELENA - Quem vai aguar os vasos e o jardim? JOAQUIM - O Benedito. HELENA (Pega um dos quadros) - Entoa, podemos ir. MARCELO - Pode deixar, mame. Eu levo. HELENA (Agarra-se ao quadro) - No. Eu mesma quero levar. (HELENA CAMINHA LENTAMENTE, PARA A PORTA. NO PRIMEIRO PLANO, CRESCE O BARULHO DA MQUINA DE COSTURA.) HELENA (Pra porta) - Quim! (Sem se voltar) Nossos mveis... Voc acredita que os novos donos... No demore, Quim! (Sai) (JOAQUIM E MARCELO FICAM OLHANDO PARA A PORTA POR ONDE SAIU HELENA. LUCLIA PRA A MQUINA E OLHA PARA O CORREDOR) LUCLIA (Primeiro Plano) (Ainda sentada) Papai! (Levanta-te impaciente, vai ao corredor e volta mesa, sempre segurando a costura) JOAQUIM (Segundo Plano) (Com esforo) - E o seu emprego?
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MARCELO (Segundo Plano) - Comeo na prxima semana. Vamos? JOAQUIM (Segundo plano) - Vamos. (Pausa) Ser por pouco tempo. MARCELO (Segundo Plano) - Mame est esperando. LUCLIA (Primeiro plano) ( De repente, olha para o corredor) - Mame? JOAQUIM (Segundo Plano) (Pega o relgio) - Vamos. HELENA (Primeiro Plano) (Voz) - J vou, minha filha. MARCELO (Segundo plano) (Segura o outro quadro) - A Luclia j arranjou a mquina de costura. JOAQUIM (Segundo Plano) (Violento) - No me fale nisto. MARCELO (Segundo Plano) - Antes de sair quero dizer ao senhor que... que farei o que for possvel para ajudar. Nunca trabalhei, mas... JOAQUIM (Segundo plano) (Corta) Est certo, meu filho. Vamos recuperar tudo que nosso. Tudo! No tenho a menor dvida. HELENA (Primeiro plano) (Entrando) - No agento mais esperar. (JOAQUIM ABRAA O RELGIO, E FICA OLHANDO A SALA COM GRANDE ANSIEDADE.) LUCLIA (Primeiro plano) - A senhora estava a na sala? HELENA (Primeiro Plano) - Estava esperando seu pai. MARCELO (Segundo Plano) - Vamos, papai. nimo! JOAQUIM (Segundo Plano) - Quem que est desanimado? LUCLIA (Primeiro plano) - A senhora... j sabe? MARCELO (Segundo Plano) - Ningum! Ningum! HELENA (Primeiro Plano) - J. (JOAQUIM E MARCELO OLHAM A SALA E SAEM COM RESOLUO.) LUCLIA (Primeiro Plano) - Papai onde foi? Ele tambm soube? HELENA (Primeiro Plano) - No. Saiu daqui para se encontrar com voc e Olmpio. (JOAQUIM VOLTA SALA NO SEGUNDO PLANO E PEGA O GALHO DA JABUTICABEIRA QUE HAVIA ESQUECIDO EM CIMA DA MESA. TORNA A SAIR, PROCURANDO NO OLHAR NADA. DEPOIS QUE JOAQUIM SAI, AS LUZES DO SEGUNDO PLANO VO DIMINUINDO POUCO A POUCO AT A SALA FICAR ESCURA.) PRIMEIRO PLANO LUCLIA - Com certeza, desencontramos. HELENA - Procurei o Quim e no consegui encontrar.
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LUCLIA - Deve estar com o Olmpio. HELENA - Fui ao emprio onde ele costuma ir, igreja, a toda parte! LUCLIA - A senhora no devia andar assim. HELENA - Se ele pelo menos no fosse to violento. LUCLIA - Precisamos deixar o papai protestar vontade, e ficar quietas. um direito que ele tem. No pense mais nisto. HELENA (aflita) - Voc sabe como seu pai, Luclia! Como no hei de pensar? LUCLIA - No vai acontecer nada, mame. Acalme-se. HELENA - Ele j no tem idade para enfrentar essas cosias. LUCLIA - Mais uma razo para nos mantermos calmas. (Impaciente) No podemos nos descontrolar. Assim ele no sofrer tanto. (Volta costura) HELENA (Olhando os objetos em cima da mesa) - No seria melhor guardar tudo isto? LUCLIA - Por qu? No foi ele mesmo quem ps a? HELENA - Foi, mas agora... pode ser que... LUCLIA - Ele ter que ver um dia; prefervel que veja de uma vez (Pausa) HELENA - Meu Deus! Por que que demoram tanto?! LUCLIA - Mame! Tenha calma HELENA (Entregando-se ao desespero) - No agento mais. No agento mais, minha filha. LUCLIA (Abraa Helena) - No se preocupe. O Olmpio saber dar a notcia. HELENA (Aflita) - Preferia... Preferia... LUCLIA - O qu? Diga mame. HELENA - Gostaria que o Olmpio mentisse. LUCLIA - No! Chega! Vamos enfrentar de uma vez a realidade. HELENA - Tenho medo, Luclia! LUCLIA - Precisamos aceitar e no pensar mais nisto. HELENA - Uma pessoa como seu pai no vive sem esperana. E era a nica coisa que lhe restava. LUCLIA (Perde a pacincia) - Mame! No fique pensando nisto, pelo amor de Deus! HELENA
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- No consigo. LUCLIA - Papai um homem forte. HELENA - Ele sempre desejou morrer no meio do campo, como o finado Martiniano, e agora....! LUCLIA - Onde ter ido? A senhora foi ao ponto das jardineiras? Ele vai l todos os dias. HELENA - Voc tambm tem medo, minha filha? LUCLIA (Controla-se) - No. Ele gosta de ver as jardineiras que chegam e partem para as fazendas. HELENA - Ele esteve l, mas... (Pra e fica muito excitada) LUCLIA (Temerosa) - Que foi mame? HELENA - Chegaram! LUCLIA - Por favor, acalme-se. HELENA - Me de Deus, rogai por ns! MARCELO (Voz) - Sente-se papai. Vou chamar a mame. JOAQUIM (Voz) - No. (OUVE-SE O BARULHO DE ALGUMA COISA QUE CAI NO CHO. LUCLIA FICA IMVEL, TESA, OLHANDO PARA O CORREDOR. PERCEBE-SE QUE HELENA CONTINUA REZANDO. JOAQUIM APARECE NO CORREDOR, PRA E FICA COM OS OLHOS PRESOS EM HELENA. FAZ UM GESTO COMO SE PEDISSE DESCULPA; H NELE UMA ANGSTIA INEXPRIMVEL) LUCLIA (Amargurada) - Papai! HELENA - Quim! (JOAQUIM VAI AT A MESA E ENCOSTA-SE) LUCLIA - Sente-se, papai. HELENA - Quim, meu velho! Que fizeram com voc? LUCLIA (Procurando se conter) - Papai! (Marcelo e Olmpio aparecem no corredor) HELENA - Sente-se, Quim. No quer se sentar? JOAQUIM (Tentando ser violento) - Por que que todos querem que eu me sente? HELENA - Por nada, nada! (JOAQUIM, DEPOIS DE PEGAR UM TRAPO NA MESA, SENTA-SE, LENTAMENTE. PAUSA LONGA. JOAQUIM COMEA A DESFIAR O TRAPO.) LUCLIA (Avana na direo do pai) - No! Isso no! Papai! Proteste, grite, fale alguma coisa. No fique assim! no fique assim, pelo amor de Deus! HELENA
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- Luclia! LUCLIA - isso mesmo. Proteste. Proteste, papai. O senhor tem direito, ns temos esse direito. As terras so nossas, sempre foram nossas. Ningum pode nos tomar. Papai! Ainda h esperana, daremos um jeito; preciso que o senhor no aceite, ns no podemos aceitar. OLMPIO (Tenta segurar Luclia) - Luclia LUCLIA (Repele Olmpio) - Deixe-me HELENA - Minha filha! Respeite o sofrimento de seu pai. LUCLIA - No! No quero ver meu pai assim. no quero, no quero. Deve haver um jeito. Olmpio! Diga que h. Minta. preciso que voc minta! OLMPIO - Mentir como, Luclia? LUCLIA - No quero que meu pai fique sem esperana. No quero (Bate com as mos no peito de Olmpio) No quero! No... (LUCLIA CAI SENTADA MQUINA, AINDA REPETINDO NO. POUCO A POUCO, COMEA A SOLUAR.) JOAQUIM (Olha para Luclia) - Eu... eu no sofro mais, no sofro mais minha filha. No precisa ter medo. Eu...eu... (LUCLIA NO RESISTE MAIS E COMEA A SOLUO FORTEMENTE. TODO SEU CORPO SACUDIDO PELA EXPLOSO DO DESESPERO E ELA SE AGARRA EM OLMPIO. OLMPIO LEVA-A PARA FORA DA SALA. HELENA CAMINHA LENTAMENTE E VAI FICAR ATRS DA CADEIRA DE JOAQUIM; PE A MO EM SEU OMBRO. MARCELO SENTA-SE NO BANCO.) JOAQUIM (Subitamente aflito) - Helena! E as minhas jabuticabeiras? HELENA - No pense, Quim, no pense mais nisto. No faltar chuva. JOAQUIM (Pausa) - Em que ms estamos? MARCELO - Em abril. JOAQUIM - Abril! (Pausa) O caf est sendo arruado! (AS LUZES VO ABAIXANDO LENTAMENTE) MARCELO - J no se ouve o canto das cigarras! JOAQUIM - O feijo da seca comea a soltar vagens! HELENA Os que plantaram... vo comear a colher! (AS VOZES SE TRANSFORMAM NUM MURMRIO E AS LUZES APAGAM DEFINITIVAMENTE)
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