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Ele Precisa Comecar Felipe Rocha

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Ele precisa começar

de Felipe Rocha

 
 
 

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Ele precisa começar


de Felipe Rocha

Ele Precisa começar.

Já vão ser 21h15 e ele já está com 35 anos, vocês já


vão estar todos sentados, olhando pra mim, esperando por
ele.

Hoje é dia 21 de outubro de 2007, são 12h37, ele


está sozinho num quarto de hotel, sentado na cama, as
costas na parede, um laptop no colo, vestindo um moletom
listrado, preto e amarelo, e uma samba-canção azul(que
vocês não vão ver, porque as pernas dele estão embaixo de
um lençol verde-água). O hotel é simples, quase cafona,
tem um pôster na parede com a palavra Champagne e o
retrato de uma mulher, com gel no cabelo e um blush azul
na bochecha, bem anos 80. Hoje é uma segunda-feira e ele
tem o dia inteiro de folga. Ele resolve começar.

Ele não projeta uma estrutura do que ele quer dizer


ou de onde ele quer chegar. Ele prefere começar da
primeira frase, sem saber aonde ela vai dar. E resolve
que a primeira frase é ele precisa começar. E que a
segunda é já vão ser 21h17 e ele já está com 35 anos,
vocês já vão estar todos sentados, olhando pra mim,
esperando por ele.
Agora ele pára um pouco.

(Posso te pedir um favor? Tem uma hora em que eu vou


dizer “Nessa hora, podia cair do teto um pano grande e
suave que cobrisse a gente lentamente.” Eu vou pedir pra
você, nessa hora, me cobrir com esse lençol verde água.
Vai ser daqui a uma meia-hora, então não precisa ficar
preocupado, pode ouvir a história tranquilamente e, na
hora, se você esquecer, provavelmente alguém vai te
cutucar. Obrigado.)

Ele se pergunta se vai tomar um café. Na recepção do


hotel. Tem uma cafeteira elétrica em cima de uma mesa
bonita, com tampo de mármore, uma pilha de xícaras de
louça com a logomarca do hotel; ou uma térmica bege,
encardida, uns copinhos de plástico, uns saquinhos
melados de açúcar e adoçante, um copo de geléia de mocotó
com uma água turva e uma colherzinha de alumínio; ou uma
daquelas máquinas grandes, de colocar moedas, de
capuchino... Ele se dá conta de que nesse ponto onde ele
está, a história dele ainda pode ir pra qualquer lugar,
pode ser qualquer coisa: pode ser um drama
existencialista, ou uma comedia suave, uma obra
conceitual, uma história de horror com monstros de lodo e

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acontecimentos sobrenaturais... Pode começar a pingar


água na pia do quarto de hotel, sem que ele tenha aberto
a torneira. Pode começar a pingar água do teto da sala
onde nós vamos estar, Primeiro do sistema de ar
condicionado, depois do sistema elétrico, uma gota de
água misturada com reboco, manchando a gola da sua camisa
(desculpe). Muitas gotas caindo do teto, até que uma
rachadura, maior do que as outras, se forme, e um naco de
concreto caia, no meio da sala, seguido por um volume
enorme de água, e a gente perceba que o andar de cima
está todo tomado pela água, e que ela quer se apoderar da
nossa sala, ela quer a nossa sala pra ela!,até que o
nível da água comece a subir, lenta e inexoravelmente, e
se a gente prestar bastante atenção vai conseguir ver um
estojo de óculos boiando, um exemplar do programa da
peça(aquela cadeira de plástico... será que ela bóia ou
afunda?) Um copinho de papel...

Alguém pode bater na porta do quarto, e ele pode


dizer que não quer ser interrompido, que ele não vai
abrir a porta. Ele não quer parar agora, ele não quer
perder o élan, ele já está na página 2, não é nada ainda,
e já é alguma coisa, ele demorou muito pra começar, agora
ele vai até o fim, e a pessoa, lá fora, pode continuar
batendo na porta, pode insistir pra entrar, e começar a
esmurrar a porta, aos berros, implorando pra ele abrir. E
ele fala eu não vou abrir, eu estou trabalhando, olhando
pros seus dedos, ágeis no teclado, como se nem fossem
dele, eu não vou abrir, não precisa, eu mesmo lavo, ele
diz, eu lavo com as mãos! Eu lavo as toalhas desse hotel
inteiro! Mas eu não vou abrir essa porta! Eu não vou
abrir! E a outra pessoa pode começar a urrar como um
porco sendo degolado, e pode se jogar contra a porta,
fraturando várias cartilagens e pequenos ossos, e pode
atear fogo às vestes, manchando a porta de pele
carbonizada e pelo queimado, e pode arranhar a porta com
as unhas, riscar o verniz da porta, deixando pedaços de
unha e pele e sangue na madeira(de modo que no dia
seguinte o gerente do hotel precise contratar um
marceneiro pra lixar e envernizar aquela porta, ou pra
arranhar todas as outras portas daquele andar, de modo
que aquilo pareça uma escolha estética, como uma pátina
ou um padrão qualquer), a pessoa pode começar a lamber a
porta...

E talvez lamber a porta seja demais.

Não?

Ok.

Ela.

Deve ter uns 28 anos, aproximadamente, um metro e...


sessenta e cinco, um uniforme branco e azul claro, e um

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avental de babados, Um carrinho com tocas de banho e


miniaturas de sabonete, um crachá no peito com o nome
Fátima, a respiração arfante, os cabelos desfeitos, as
meias sujas, caídas pelos tornozelos, o olhar apavorado
de quem acabou de voltar do inferno pra vir contar cá em
cima os horrores que viu, implorando a ele que a esconda
ali dentro, que deixe ela entrar no quarto. Que, pelo
amor de Deus, deixe ela entrar no quarto.

E ele deixa.

E a sensação dela... Quando entrar nessa sala... Vai


ser como se o chão se reajustasse sob os seus pés, como
se placas tectônicas de milhões de anos atrás se
reajustassem... Ela não vai entender... Ela estava num
corredor de hotel, em outra cidade, um papel de parede
vinho... Era vinho?... Ela não vai entender essa
operação, essa sala, vocês. Ela vai olhar pra porta,
assustada, vai tentar trancar a porta com apreensão, ou
com uma cadeira, vai olhar pra mim, perceber que eu
exerço alguma influência sobre vocês, vai pedir que eu a
esconda em algum lugar, qualquer lugar, pelo amor de
Deus.

(Aonde é que alguém poderia se esconder nessa sala?


Por favor.)

Ele tem vontade de ajudá-la. Mas acha que nenhum


lugar na sala em que nós vamos estar vai ser bom o
suficiente pra esconder uma pessoa. Pra esconder de
verdade. Que o que quer que fosse que estivesse
procurando por ela...

(Um monstro verde, com cinco fileiras de dentes


afiados, apontados pra frente, que deixasse um rastro de
lodo atrás de si?)

Ele tem uma idéia: ele vai pedir a um de vocês que


troque de lugar com a Fátima. E ele fica muito
entusiasmado com essa idéia, ele precisa confessar,
porque a idéia é ótima! Vai trazer um efeito dramatúrgico
instigante, inesperado, vai colocar cada um de vocês na
iminência de ocupar uma nova posição em relação à
história, vai dobrar o número de pessoas contando essa
história sem ônus algum, e o mais importante: vai
resolver o problema da Fátima, por que se a coisa da qual
ela está fugindo entrasse por aquela porta, qualquer
coisa (a gerente do hotel, com uma toalha nas mãos,
queimada do ferro-de-passar; uma gangue de mafiosos
romenos, sedentos de sangue), se entrasse por aquela
porta, na opinião dele não ia vê-la, no meio de vocês.
Ela se confundiria com vocês. Como um peixe num imenso
cardume, uma silhueta em contraluz, como lágrimas na
chuva, fumaça na neblina. O corpo dela se diluiria,
perderia o contorno, ela seria sugada pela massa.

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E eu vou dizer que a pessoa que topar trocar de


lugar com a Fátima não vai precisar fazer nada além de
levantar o braço, de modo que a gente saiba que é ela a
nossa voluntária, e sentar naquela cadeira, que vai estar
reservada para ela.

[Depois que Fátima se apresentar como voluntária eu


vou lhe dizer que] Ela não vai saber o que a espera. Mas
pelo estado emocional com que ela vai entrar na sala, a
gente vai precisar concordar que ela não estará fugindo
de nada muito amável.

Ele também ainda não sabe o que vai acontecer com


ela. Ainda não pensou nisso. Acabou de ter essa idéia.
Ele não sabe nem como ela vai ser, se vai usar brinco de
argola, bigode, óculos de aro grosso, piercing na
sobrancelha... Mas embora a gente não saiba o que vai se
passar, já vai haver uma espécie de acordo tácito entre
nós todos sobre o que pode e o que não pode acontecer com
ela. Por exemplo: A gente já vai saber que eu não vou
machucá-la, que eu não vou encostar nas suas partes
íntimas, que eu não vou estragar a sua roupa (de maneira
definitiva), eu não vou colocar suavemente a minha língua
dentro da sua orelha fazendo pequenos movimentos
circulares. Daqui a pouco eu vou me sentar do seu lado,
vou conversar com ela, vou cantar uma música pra ela,
dependendo dela talvez eu deite a minha cabeça no seu
colo, eu vou deixar que ela me salve, eu vou mostrar pra
ela o meu próprio super-herói, a gente vai sair dessa
sala, eu vou convidá-la pra um passeio de carro, vou
convidá-la a pular do alto de um prédio, sem
paraquedas... E cada uma dessas coisas, ela só vai
aceitar se quiser. Isso ele gostaria que estivesse claro
pra ela: Que nessa história, o que ela quiser fazer, ela
pode fazer. E o que ela não quiser fazer, ela não precisa
fazer. E sempre vai ser bom. E nunca ela vai estar
atrapalhando.

Agora ele se pergunta se essa história vai


interessar a alguém algum dia. Ele se dá conta do quanto
ele conta conosco pra criar as imagens da história.

Por exemplo: Se a gente resolver fazer essa cadeira


levitar? A gente vai precisar tentar junto.

[Tentamos.]

E Fátima? O que vai acontecer com Fátima? Tanto


barulho pra quê? Ele não sabe (e nessas horas, o melhor é
a pessoa ser franca, não é?). Então digamos que aqui
acontece alguma coisa contundente e tocante, tem uma
pequena passagem de tempo e que logo depois a Fátima vai
se rebelar. Primeiro ela vai se rebelar contra a minha
narração, toda no futuro, e traz a ação pra agora, pro

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presente, praquele senhor de óculos, coçando o joelho,


aquele carro passando lá fora. Ela vai pro centro dessa
sala, diz WWVVVUUHHÖÖÖÖ, faz um gesto largo com os braços
e puxa todo o ar da sala pro centro do seu corpo, com se
puxasse pra cá todos os ponteiros do relógio do mundo,
como o Super-Homem quando gira em volta da terra, na
direção contrária à da nossa rotação, mudando como um
deus o curso da história, por causa da mulher. É
exatamente isso o que vai acontecer, ela vai se rebelar.
Primeiro ela vai se rebelar contra a minha narração, toda
no futuro e traz a ação pra agora, pro presente, praquele
senhor de óculos, coçando o joelho, aquele carro passando
lá fora. WWVVVUUHHÖÖÖÖ.

Ela caminha na minha direção e senta do meu lado.


Ela diz “A”. Ela levanta um dos braços, me dá um tapa na
cara com força. Ela diz eu não aceito esse papel, eu não
sou como você, um boneco de ventríloquo, incapaz de dizer
uma palavra por conta própria. Sai dessa, bicho. Nessa hora,
ela tem a sensação de que aquele tapa não fez o menor sentido, que foi um ato
absolutamente despropositado, desproporcional, que se ela escrevesse a sua
participação nessa história, nunca começaria de maneira tão estúpida. Me
pede desculpas. Se enternece. Acaricia a marca vermelha dos seus dedos no
meu rosto. Me estende a mão. E saímos os dois por aquela porta ali.

E vocês, ficam meio sem ação... sozinhos. Uma


tripulação sem capitão... Uma colméia sem abelha-rainha.
Alguém tosse. Alguém cochicha uma coisa engraçada pra
pessoa do lado, pra quebrar o gelo, o constrangimento da
situação, essa senhora aqui pensa ah, essa novíssima
safra de autores contemporâneos, que delícia, que gente
anárquica, iconoclasta! Essa moça de tênis com estampa de
borboleta e aquele rapaz, sentado do outro lado, acabam
conversando um pouco e se perguntam se dá tempo de pegar
uma sessão às dez horas, no cinema. Resolvem arriscar.

Esse é mesmo um ótimo momento pra alguém ir embora,


se já estiver achando chato (à essa altura já deu pra
perceber mais ou menos por onde a coisa vai caminhar).
Não tem constrangimento nenhum. Eu não estou aqui. Eu não
estou vendo, ninguém fica sem graça. A pessoa
simplesmente se levanta, sem nenhuma crítica, caminha até
a porta, desce a escada, passa pelo Hall de entrada do
prédio, chega na rua, e fica muito surpresa ao encontrar
comigo e com Fátima, encostados num carro-esporte conversível que ela
estacionou rente ao meio-fio.

Nós três nos cumprimentamos, muito cordialmente, acariciados pela brisa


fresca do início da noite. Fátima nos convida pra um passeio de automóvel. E
nós aceitamos. Ela senta no banco do motorista, eu no banco do carona. E a
pessoa que saiu no meio da peça senta no banco de trás do carro. Fátima
dirige, eu não sei pra onde. Ela percebe um princípio de apreensão no meu
rosto. Me olha confiante, compartilhando a sua segurança. Acaricia os meus

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cabelos cacheados, o meu peito cabeludo. Com um suavíssimo meneio de


cabeça ela me mostra um smoking completo, ao lado da pessoa que está
sentada no banco de trás do carro, e coloca no meu bolso uma miniatura de
garrafa térmica, sem que eu conheça o seu conteúdo. Engata a terceira marcha
e desenha com precisão e segurança as curvas da estrada, de modo que eu
não sinto medo do abismo rochoso colado na auto-pista, nem do mar escuro e
silencioso, lá embaixo, iluminado por uma generosa lua cheia que desenha, no
topo da montanha e no fim da nossa estrada, a imponente silhueta do luxuoso
Hotel Cassino Luxemburgo.

Um brilho forte no retrovisor volta a minha atenção


para trás. Um carro. Um carro nos persegue em alta
velocidade. Se uma gangue de mafiosos romenos, sedentos de sangue,
estiver nesse carro, perseguindo Fátima, neste momento eu vou perceber no seu
pescoço uma correntinha dourada, com o nome Tatjana Nicolayevna (Tatjana
com J!), e raízes loiras sob a tinta negra que colorirá os seus cabelos (o que me
fará desconfiar de que talvez o nome dela não seja Fátima! E que o uniforme de
camareira talvez não passe de um mero disfarce!).

Mas a gangue de mafiosos não estará no carro. Só um


homem. Dois olhos. Dois arpões, cravados em mim, de
maneira magnética e enigmática. Uma expressão cansada,
aproximadamente 35 anos, vestindo um moletom listrado,
preto e amarelo. É ele! É ele, no carro, atrás de nós!
Ele arranca o cabo do laptop da tomada, veste um tênis,
uma calça, sai pelo corredor aos tropeços, esquecendo a
luz do quarto acesa, a porta destrancada, a torneira
aberta. Se joga pra dentro de um carro, voa pela auto-
pista na nossa direção, digitando no laptop aberto no
banco do carona, não, trazendo na mão um dictafone, um
desses gravadorezinhos K7, ele vai ditando o que vê e o
que faz enquanto dirige, ou um revólver, ele dirige com
um revolver na mão, não, um dictafone mesmo, Páh!
AaAAai!

Eu ouço um estampido seco, um grito grave: Hêêuhmm.


Uma sensação liquida na nuca, sem que eu consiga
distinguir entre um liquido quente ou gelado.

Sangue.

Muito sangue.

O pedal do acelerador ficando melado e gosmento. Uma


poça carmim no piso do automóvel. A pessoa no banco de
trás do carro. O olhar fixo na eternidade. Um lugar muito
estranho e preciso, entre um desespero abissal e uma
serenidade delicadíssima...

A pessoa no banco de trás do carro morre.

(Bom, também ninguém mandou ela sair no meio da


peça.)

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Uma tremenda pancada no nosso pára-choque, me trás


de volta pra perseguição. Ele joga o revólver no banco do
carona e pega o tal dictafone. Com uma certa dificuldade
eu consigo ler os seus lábios, encostados no aparelho,
dizendo parem esse carro, prendam essa mulher! Vocês
estão loucos! Vocês pegaram o caminho errado! Eu não
quero me hospedar no Hotel Cassino Luxemburgo! Eu não
quero beber um dry Martini, encostado na roleta, olhando
pra uma mulher linda de vestido longo, costas nuas,
preocupadíssimo se ela vai ou não acionar o detonador de
explosivos que ela traz na bolsa. Eu quero falar da
necessidade de comunicação humana, do desejo de
permeabilidade com o mundo. De alguém que precisa contar
uma história (ou abrir um restaurante vegetariano, ou
pintar o cabelo de azul) porque aquela é a maneira que a
pessoa encontrou pra ser atravessada pelo mundo e pelos
outros. Alguém que precisa cantar num karaokê, ou começar
um curso de cerâmica, telefonar pro pai e falar de coisas
das quais ela nem se dá conta, que estão guardadas há
décadas, alguém que precisa comprar uma camisa nova,
mudar de emprego, dar a cara a tapa, ter um filho, entrar
numa sauna gay pela primeira vez, branquear os dentes,
participar de uma audição pra um espetáculo musical, se
separar, viajar pro México, ter um salário fixo,
atravessar o Oceano Atlântico sozinha num barquinho à
remo, comprar uma guitarra elétrica, dançar nua escutando
Philip Glass, viajar para Miami e voltar carregada de
sacolas, e vocês me vêm com essa história de smokings e
mafiosos romenos? Que idade vocês têm? 12 anos? Vocês
acham que é só entrar num carro conversível e sair
fazendo uma história? Não é não, queridos. Vocês não
sabem com quem vocês tão mexendo. Aqui tem técnica, tem
estudo, tem estofo. Eu acabo com vocês em quatro
palavras: Eu acabo com vocês. eu cozinho vocês em óleo
fervente, seus maracas... ou talvez seus babacas.
Provavelmente seus babacas, não sei, porque à essa altura
ela crava o pé no acelerador, a distância entre os carros aumenta
consideravelmente e a leitura labial fica bastante prejudiantes que eu
complete essa frase, brota do chão, à vinte metros do
nosso carro, uma parede de caixas de som, dessas de mega-
shows de rock internacional, de onde eu escuto a voz
dele, com nitidez cristalina, perguntando ah é, bebé?
Querem conhecer a envergadura da taioba? Na seqüência
milhares de músicos aparecem pipocando ao longo da
montanha, a nata da música brasileira e internacional,
tocando cada um a sua música predileta, todos ao mesmo
tempo, um pandemônio indescritível! Ela mal tem tempo de desviar
daquela parede maciça de caixas de som e joga o nosso carro no vazio do
abismo profundo. Puffff...
estrada

carro

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mar

Uma gota de suor nervoso brota na testa de Fátima. Ao invés de escorrer,


desenhando o lindo contorno do seu rosto, sobe, plim, e se afasta de nós
lentamente, como um derradeiro aceno da mãe natureza. O carro cai cada vez
mais rápido no abismo, o mar cada vez mais perto, cada vez mais duro. Fátima
me abraça com força, eu sinto o seu hálito doce e quente quase lambendo o
meu rosto. Ela puxa do próprio peito uma fivela, com decisão e, PFUfHH, somos
arrancados do automóvel enquanto um enorme paraquedas se abre atrás das
suas costas.

Eu vejo o carro se espatifando contra a água. Me agarro ao corpo


torneado de Fátima com todas as forças. Muito menos pelo medo de cair do
que pelo desejo que, à essa altura, já incendeia cada glândula do meu corpo,
do meu sangue, da minha vida, do meu futuro, dos meus filhos, da minha
aposentadoria em Paquetá. Recosto minha cabeça no calor do seu peito e me
deixo embalar pelas batidas do seu coração, encostado na minha orelha, pelo
balanço do paraquedas ao vento, pela intensidade dos seus olhos a menos de
cinco centímetros dos meus, a pressão dos seus dedos das minhas costas,
aquela música maravilhosa, múltipla, impossível, que vocês podem imaginar, se
vocês quiserem, e da qual se destaca, por algum motivo que eu desconheço, a
voz de Maria Bethânia cantando Ó abelha rainha, faz de mim um instrumento de
teu prazer sim, e de tua glória, pois se é noite de completa escuridão, provo do
favo de teu mel, cavo a direta claridade do céu e agarro o sol com a mão. É
meio-dia, é meia-noite, é toda hora. Lambe olhos, torce cabelos, feiticeira vamo-
nos embora. É meio-dia, é meia-noite, faz zum zum na testa, na janela, na fresta
da telha. Pela escada, pela porta, pela estrada toda afora. Anima de vida o seio
da floresta, amor empresta. A praia deserta zumbe na orelha, concha do mar. Ó
abelha, boca de mel carmim, carnuda, vermelha. Ó abelha rainha, faz de mim
um instrumento de teu prazer sim, e de tua glória, e de tua glória.

Nessa hora, podia cair do teto um pano grande e suave que cobrisse a
gente, lentamente.

xx

A música doce, o paraquedas, lindo, cobrindo


lentamente o casal na beira de uma falésia, duas gaivotas
voando ao longe numa espécie de dança do acasalamento...
Seria um final lindo pra história. Um diamantesinho
lapidado... Mas ele ainda está na página 8. Difícil, não
é? Chato. Chato porque justo agora ele tinha achado um...
um trilho, a gente estava, FFFFFHHH, a coisa tinha, não
é? Estava tipo: UAU... A gente não tava mais pensando:
“ah, eu acho que na verdade, ele queria dizer...” Nãão! A
gente tava... ele... e ela... e ele, não, a gente ia

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IÁÀÀÀ, IÁÀÀÁ... não é? Tinha uma coisa, né, de um fluxo,


e agora ele tá lá, fodido, sem saber como continuar...

E agora ele tá lá, fodido, sem saber como continuar.

Agora

Ele

Fodido.

Fodido.

Ele repara que a palavra fodido aparece sublinhada


em vermelho na tela do computador. É o corretor
ortográfico. Coitadinho, não conhece essa palavra?
Fodido? (Ele deve ter sido gerado em algum outro tipo de
processo). Fodido não pode. É feio. Não. Não, fodido,
não. Desculpe. Nem puta que o pariu? Nem merda? Nem cocô?
Cocô não pode? Uma dúvida: O sujeito tá sozinho em casa,
entra no banheiro e tranca a porta com a chave. Ninguém
vai entrar. Ele abaixa as calças, pega jornal do dia,
senta no vaso, e... ele faz o quê? Toca flauta doce?
Recita poemas de Olavo Bilac? Qualquer coisa, menos cocô.
Ou xixi. Xixi? Ah, xixi pode? Xixi não fica sublinhado.
Então ele não deixa a pessoa cagar, sob hipótese alguma,
mas ela pode se mijar intei... Mijar não pode? Ah, não:
xixi pode e mijar não pode? E como é que a pessoa se
livra daquele material (que afinal existe!)? Enfia uma
sonda pela boca até a bexiga, e puxa? E se ele escrever
que o corretor ortográfico é babaca, pode? Repressor,
controlador, pode? Puritano, reacionário, careta, que se
mete aonde não tem que se meter! A tua função, palhaço, é
corrigir ortografia, não é dizer que palavras ele tem que
usar ou não pra contar a porra da história dele. Se ele
quer enfiar uma piroca na história dele, e essa piroca tá
escrita direito, você não tem que se meter. Vai tomar no
cú! Vai se foder! Vai tomar no seu cú, no seu cú, no seu
cuzinho, no seu cú, no seu cú, cú, cú, cú!

Ele escreve hortográfico com H, hor-to-grá-fi-co,


só pra você ficar vermelhinho também, palhaço.

Saco.

x x

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Essa moça de tênis com estampa de borboleta e aquele


rapaz, sentado do outro lado, conseguiram entrar no
cinema. Estão sentados na poltrona 12 G e H. Perderam a
primeira cena do filme, mas isso não tá interferindo na
compreensão do enredo. Eles preferiram dividir um pacote
grande de pipocas do que comprar cada um o seu.

Ele se pergunta se toma mais um café. Na recepção do


hotel. Tem uma cafeteira elétrica em cima de uma mesa com
tampo de mármore, uma pilha de xicrinhas de louça com a
logomarca do hotel... Até os 30 anos ele nunca tinha
tomado café. Minto. Aos sete anos. Ele soube que ia
passar na televisão o filme “007 contra o Satânico Dr.
No”. E ele não queria perder aquilo por nada. Ele não
lembra que horas eram, mas era uma época em que os filmes
do 007 passavam muito tarde na televisão. Pra não dormir
ele tomou uma xícara grande de café preto sem açúcar
(porque ele achou que sem açúcar, ele ficaria mais
acordado), ficou em pé em frente à televisão. E dormiu.

Aos 33 ele começou um trabalho que tinha uma


demanda física muito intensa, muito maior do que ele
poderia sonhar em dar conta. Foi nessa época que ele
descobriu o seu próprio super-herói. E era super! Ele
ficava animado, ágil, criativo, chato, potente, eu digo
isso com uma música bem alta, pra vocês experimentarem no
corpo a intensidade à que eu estou me referindo, ele
ficava, abobado, rítmico, meticuloso, feliz, meio rock,
bem alta, cardíaco, repetitivo, um microfone, com fio,
raquítico, para vocês me ouvirem apesar da música alta,
vibrátil, super, amoníaco, rocambolesco, anacrônico,
retumbante, analítico, frisbeee, people, rewqrewqerwq,
foi durante esse trabalho que ele descobriu o seu próprio
super-herói, e deu a ele o nome de Super-Café!!!

Nessa época ele contraiu uma crise de hemorróidas


lancinante (e nessa frase o verbo contrair é bastante
apropriado).

Ele passou uma semana sem ir pro trabalho. Ficou em


casa, folheando o catálogo de páginas amarelas, vendo o
nome dos médicos daquela região. O tal projeto com o qual
ele tava envolvido era feito só por homens. A
masculinidade era uma questão inerente ao próprio
trabalho. Ele pensava sobre isso (e sobre um jeito de
seguir trabalhando, mesmo longe dos outros) quando pensou
na seguinte proposição artística: Se consultar com todos
os proctologistas que constassem naquele catálogo de
páginas amarelas, e atendessem no bairro de Copacabana
(eram 18). Fotografar as salas de espera, marcar num mapa
de Copacabana o trajeto percorrido de um médico a outro,
guardar as receitas, os remédios, fazer anotações,
transcrever as conversas com os médicos, e depois ver se
esse material reunido resultava em alguma coisa:

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“Prefiro marcar a primeira consulta com uma mulher.


Marco o primeiro horário. Enquanto eu espero o elevador,
chega uma senhora com o cabelo mal pintado de loiro, um
batom vermelho-melado e umas unhas enormes, fico com medo
daquelas unhas, torcendo pra que não seja ela. Não é.
Sala de espera aconchegante, parece o cenário de um
programa do GNT. Pra fotografar a sala eu uso o argumento
de que um amigo tem um quadro muito parecido com outro
que tem ali. A secretária liga pra alguém oferecendo
amostras grátis de remédios, acho gentil. Procuro
encontrar algum sentido nesse projeto. Me pergunto o
porque de estar sentado aqui, nessa sala de espera.
Começo a pensar em outras idéias: Entrar travestido num
vestiário feminino, trabalhar numa empresa de
telemarketing, Ser flanelinha de um orelhão, duas horas
por dia durante uma semana, cobrando cinquenta centavos
de cada pessoa que use o aparelho. Me pergunto como
apresentar esses projetos? Um espetáculo? Um livro? Uma
exposição? Muito simpática e atenciosa. Não me pede pra
tirar a roupa, nem o sapato. Sai da salinha de exames
dizendo que eu só abaixe as calças e me deite na maca, de
barriga pra baixo. E só depois disso ela volta, como uma
ladra furtiva no meio da noite, não nos olhamos durante o
nosso momento íntimo, nessa hora eu não a vejo, só o
branco da parede e do lençol da maca, e ela sai antes que
eu me vire de volta. Posição deitado na maca é boa pra
cena.

No médico de amanhã, vou sem brincos e com uma


camiseta menos justa.”

Depois da quinta consulta, ele abandonou o projeto.


Mas no fim das contas a idéia não se perdeu de todo,
porque no momento em que eu entubo esse relato na
história, de algum jeito, parte do projeto dos
proctologistas finalmente encontra o seu público.

- No cú.

- Perdão?

- Eu disse No cú! Eu disse chega! Eu disse eu não tô interessado nas


hemorróidas dele. Ou se ele toma ou não toma café.

- Perdão. Desculpem. Eu acho que a gente tá com uma


interferência na conexão, quem tá falando?

- Sou eu.

- Eu quem?

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- Eu, aqui, na tua frente, ô palhaço! De óculos, camiseta sem manga e tênis
vermelho.

- Ah, oi, você quer que eu traga um formulário pra


você listar alfabeticamente as suas queixas e deixar ali
na recepç...

- Cala a boca, palhaço. Essa história é um lixo, não tem sequência, não tem
acontecimentos, não tem assunto, fala do quê, essa merda? Não tem história, não tem
diálogo.

- Não tem diálogo?

- Não, é um lixo. Cansei.

- É isso mesmo!
- Ele tem razão.
- É isso aí, cansamos.
- Cansamos!!
- É! Um lixo!
Esse momento é assustador porque todos vocês se
insurgem contra mim e contra ele, e os rostos de vocês
vão se remexendo e se transformando em figuras
assustadoras... Darth Vader; Chucky, o brinquedo
assassino; o réveillon de 89 que ele passou sozinho com a
vó Carminha em Araruama; a Cuca; João Figueiredo; minha
tia Zeza; Gerald Thomas; Sargento Garcia; a crítica de
teatro Bárbara Heliodora; George, o menino maior da
quinta série; a noite em que ele acordou procurando a
chupeta e viu que não tinha ninguém em casa; as contas do
mês; a responsabilidade... Todos vocês vindo na minha
direção como os zumbis do videoclipe Thriller, do Michael
Jackson. Eu não sei o que fazer, eu não sei para onde ir,
não sei como continuar, eu quero parar!

Ele também.

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Ele acha que já deu. Ele se pergunta: se a gente disser


que é assim que termina, tudo bem? Que a história que a
gente tem é essa. Tem gente que vai gostar, tem gente que
não vai gostar, mas chega uma hora em que o sujeito tem
que dizer: É isso aí, é o que temos. Pronto. Eu deixo o
cara fugir pela porta, ele sobe a escada até o topo do
prédio, perseguido pela platéia ensandecida, cadeiras nas
mãos, dando sustos uns nos outros. O cara chega na
beiradinha do prédio, acuado, e diz: Meu deus, estou na
beiradinha do prédio! E agora, o que eu faço? Eu pulo do
prédio? De repente o céu escurece, eu olho pro alto. Vejo
o ponto final da história, que ele lançou lá de cima. Uma
imagem apocalíptica: Uma bola preta, de mil toneladas,
cada vez mais perto de nós, a própria imagem da morte,
aquela esfera escura, gigantesca, cobrindo o sol e três
quartos do céu, despencando vertiginosamente na nossa
direção, eu pulo do prédio!!! Escuto o estrondo do ponto
final da história espatifando o edifício, vigas de ferro
e nacos gigantescos de concreto zunindo do meu lado, meu

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corpo projetado no vazio, o chão cada vez mais perto,


cada vez mais duro. Eu sinto um vulto do meu lado...É
Fátima!

Fátima, que louca! Como é que você se joga assim, no nada? Só pra
ficar do meu lado? E essa roupa? É um látex? Parece pintada no corpo,
revelando cada dobrinha... menina, ficou linda, você tinha que ver! Você ia
adorar. Tá uma coisa! Um amanteigado de Petrópolis! Uma porcelaninha chinesa
do século XIV antes de Cristo. Você aponta pro meu bolso, eu pergunto o
quêêêê?!? Os nossos corpos caindo no vazio, você aponta pro meu bolso, eu
vejo aquela garrafinha térmica que você me deu no princípio da história,
lembra? Eu abro a garrafinha e...

Ah!

E eu digo querida, queridos, chegou o momento de vocês conhecerem o


Supeeer-Café!!!

Eu te agarro com força, você fica louca com o meu apertão másculo, a
minha barba por fazer, os meus cabelos nas orelhas. Eu uso todo meu poder
mental, me concentro nessa cadeira [a cadeira que juntos a gente fez levitar],
ela começa a tremer, tremer, e sai voando na nossa direção, como mais um
cometa entre os meteóricos escombros voadores do edifício. Eu seguro a
cadeira com uma das mãos, com a outra seguro em você. Nós quase lambemos
o chão da rua e saímos sobrevoando os céus da noite carioca até pousar no
cocuruto de Jesus Cristo, no alto do morro do Corcovado.

Eu amparo a tua queda com meu próprio corpo, como se eu fosse um


colchão de amor.

Eu sinto o peso do teu corpo sobre o meu, teus ossos, tua carne, tuas
articulações sobre as minhas. O teu hálito doce e quente quase lambendo meu
rosto. Uma sensação de cumplicidade que eu não imaginava existir no mundo.
Penso em finalmente aproximar os meus lábios dos teus, mas eu sou
interrompido (Merda!) por um barulho metálico... O que é
isso?

Um gancho cravando o braço direito de Jesus, atrás


do gancho, uma corda, atrás da corda: Ele!, agora com uma
roupinha de tirolês, um macacãozinho de veludo marrom, um
chapeuzinho de feltro verde com uma pluma, uma escopeta
nas mãos...

É isso? É isso mesmo?

[Eu despenco estatelado aos pés do Cristo.]

Ele caminha na tua direção como um demônio possuído


por todas as forças do mal, e diz agora é entre você e
eu, mocinha. E então você tem a sensação de que alguma
coisa está mal contada nessa história. Porque eu estou

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morto, lá embaixo, estirado no chão, no meio dos


turistas, atônitos, como é que você continua ouvindo a
minha voz, hein? E é só nesse momento que você, pela
primeira vez, olha para ele. E você olha para mim. E para
ele. E para mim. E é só então que você se dá conta de que
eu e ele...

E nessa hora você se sente a mais solitária de todas


as criaturas, a mais abandonada, e você foge. Sabendo que
não adianta fugir, que nessa história ele está em toda a
parte, em cada pedaço de cascalho, em cada ponto-
parágrafo. E ainda assim você foge, até encontrar uma
porta, cravada na pedra do morro do Corcovado.

[Essa porta também é aquela por onde Fátima entrou no


início da história, a porta do quarto de hotel. Eu repito
um pouco do gestual de Fátima, no momento em que ela
entrou na sala pela primeira vez. Talvez com isso alguns
de vocês pensem que era dele, ou dessa história, que ela
fugia naquele primeiro momento].

Desde pequeno ele tem um sonho que se repete. Nesse


sonho, ele é perseguido por uma força mil vezes maior do
que a dele. Numa das últimas vezes em que ele teve esse
sonho, ele parou de correr, deu meia-volta, e caminhou na
direção da coisa. E ele não sabe se foi por coragem ou
por covardia, por preguiça, pra dizer: Chega, vamos ver,
então. Como é que termina? O que acontece depois? O que é
que tem do outro lado?

[Eu cochicho no ouvido de Fátima. Peço que ela vá até a minha mesa
(aonde está um laptop, um abajur, uma pequena mesa de luz e um gravador k7)
apague as luzes, feche a tampa do laptop, e saia pela porta por onde entrou.]

Sobre o texto

Esse texto estreou em 5 de setembro de 2008 na Sala


Multiuso do Espaço SESC, em Copacabana, Rio de Janeiro,
com direção minha e do Alex Cassal, e comigo em cena. É o
meu primeiro texto dramatúrgico. Eu comecei a escrever,
como está descrito na peça, no dia 21 de outubro de 2007,
às 12h37. Eu também estava num hotel (o quadro com a

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palavra “Champagne”, deve continuar por lá e a camareira,


romena, era muito simpática), em turnê com a Gaivota,
dirigida pelo Enrique Diaz, que a gente apresentava à
noite. E tinha os dias todos livres. Há muito tempo eu
tinha vontade de escrever uma peça e nesse dia resolvi
que ia começar a escrever um texto. E mesmo que fosse
muito ruim eu ia tentar terminá-lo. A Isabel Teixeira,
atriz paulista que também fazia a Gaivota, curiosa de ver
o cocuruto da minha cabeça debruçada na janela, sobre o
laptop, foi a primeira pessoa a escutar a peça (com uma
generosidade que me fez acreditar (até hoje) que ela
estava gostando).

Chamei o Alex pra trabalharmos juntos, sem dinheiro,


sem pauta e sem pretensões maiores do que mostrar a peça
pros amigos. Durante os ensaios a gente mexeu muito no
que estava escrito. A Dani Lima, que fez a orientação
corporal também foi muito importante em relação ao texto.
Sinto os dois muito parceiros na escrita da peça e muito
responsáveis pela versão que dela existe hoje.

A idéia era uma peça de estrutura muito simples, que


a gente pudesse montar sem um tostão, em qualquer tipo de
sala. Na nossa montagem eu opero a luz e o som, o que pra
mim fala desse sujeito que manipula todos os elementos
pra contar a história. A gente sempre se adapta ao local
da apresentação, então, por exemplo, o morro do
Corcovado, vira algum ponto alto na cidade onde a gente
está. E a peça tem um jogo de abertura pro que o público
propõe na hora, podendo desviar um pouco do texto escrito
pra depois voltar.

A musica “Mel”, que eu canto na peça é de Waly


Salomão e Caetano Veloso.

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