Carícias - de Sergi Belbel - Adaptação de Diogo Liberano PDF
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Sala de estar
B
A gente ainda tem muito pra dizer um pro outro e voc sabe disso. Eu
sei que tem coisas que voc pensa e se cala, porque no quer falar sobre
elas, ou no quer falar pra mim, sim, falar pra mim, por algum problema
seu que eu ignoro ou que at mesmo voc ignora. E isso me ofende,
sabe? Me angustia, me di nos ver assim, enchendo com palavras vs
todos estes momentos de silncio e depois ainda tem os insultos, seus
insultos, porque uma ofensa o que voc acabou de me dizer. Me
ofende quando voc diz que no temos nada mais a dizer um pro outro.
Desculpa.
A esbofeteia B violentamente.
A
Silncio.
B
Sobrou pudim?
Prefiro pudim.
Eu iogurte.
Eu pudim.
Tudo bem, come seu pudim que eu como meu iogurte, sem problemas.
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A se ergue e B murra seu estmago, depois golpeia seu sexo. A cai ao cho.
B
No tem azeite.
Ah...
Voc vai ter que pedir um pouco vizinha. Levante! Pega um copo e
pede vizinha que encha com azeite de oliva. Tem que ser de oliva!
Voc um monstro.
B d um chute na cara de A.
B
Vai pedir o azeite pra vizinha ou no vai pedir o azeite pra vizinha?!
Silncio.
B
Ah...
Sim...
Parque
A
Sim. Sim.
Eu no sou sua me e pensei que o parque era o lugar ideal para te dizer
isso.
Beijo.
Me liga.
Sala de TV
B
No tenha medo.
horrvel.
Insuportvel.
horrvel.
A msica para.
B
horrvel.
Greve de fome.
Pausa.
B
Talvez sim.
No diga isso!
verdade.
O qu? O qu?
Desculpa.
O qu?
Eu no me lembro de voc.
Rua
B
T com fome.
E se essa for a ltima vez que a gente se v? Voc est louco. Eu estou
doente. E mesmo assim a gente sempre se entendeu. Antes, quando
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Ela morreu.
No verdade.
No fale tanto.
Estou morrendo.
Minha irm.
Me perdoa.
Quinze para as nove. O asilo fecha s nove. Voc no quer vir comigo?
Banheiro
B
Me conta!
E que carro ?
Eu pedi vermelho.
Mas ento hora de dormir. Voc tem que sair dessa banheira.
Tenho.
Nem comigo?
Cabem os dois?
Claro! J esqueceu?
Maneiro.
Ai. T pelando.
P. Muito maior, n?
Qu?
Que nada.
A mame?
A gua.
Papai.
Que foi?
Toca.
Por qu?
Ficou duro.
Silncio.
B
A mame t roncando.
Estao Central
A
Ento por que voc t chorando? Voc no tem motivo pra isso.
Ningum percebeu nem ouviu nada. Ningum se interessa, nem se
importa com a sua desgraa. Nem mesmo os lixeiros dessa estao.
Fica tranquilo. Essa boceta fedida e esse mau hlito se despedem de
voc sem gritos nem ataques nem ningum que nos escute.
Adeus.
Cozinha
B
Joga fora.
Que amiga?
Me disse que voc o homem maduro mais interessante que ela j viu.
Bem, muito bem. Estou felicssima por ter viajado e ficado um pouco
longe dessa cidade de merda.
Amo linguados!
Faz um ms que no venho e voc decide fazer o peixe mais insosso que
existe, acompanhado de uma salada triste e cheia de vermes. Eu
telefono a mil quilmetros de distncia e digo: chegarei amanh e irei
jantar com vocs, porque depois viajo de novo e voc prepara de
propsito os pratos mais inadequados. Filha chata, visita rpida,
reunio familiar forada e menu sem graa: salada e linguado!
Seria horrvel.
Seria normal.
Cozinhar com sua me, seria horrvel. Ela detesta a cozinha, no sabe,
estraga tudo. Assim como voc.
uma merda.
No falhei.
To difcil descasc-las.
Acaba em voc.
Quarto
B
um quadro?
Me d um usque.
A gente tinha que morar mais longe. Que merda de bairro. Todo mundo
acaba se encontrando. J no existe mais intimidade.
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No.
Me d gua.
Abro o presente?
Ainda no.
Me serve voc.
Fica vontade.
J estou.
Quer chupar?
Quero.
Seus lbios.
Vizinhos de merda.
Vem. Rpido.
Pe a mo.
Me deixa louco.
Gosto muito.
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O Pacote?
Depressa.
O seu no t duro.
um espelho.
Vem, se aproxima. Pega nele. Assim. Sua boca. Faz gostoso. Devagar.
Sem pressa. Quero ver tudo. At o final. Sua pele. Eu t vivo. Calma. Eu
gosto tanto. Voc faz to bem. No. No olhe. Voc no olha. No olha.
Sala de jantar
B
Vou mijar.
B sai. A se levanta e mexe nos bolsos da jaqueta de B que est pendurada na cadeira.
Enquanto fala, uma nota da carteira de B, que j tinha retornado sem que A percebesse.
A
Era uma amiga da minha irm, que vive nesses lugares pra pessoas
velhas. Mexendo em uns papis ela encontrou meu telefone e me ligou
pedindo que eu fosse visitar ela e suas amigas. Que horror! Imagina! Eu
me fiz de idiota e falei coisas sem importncia, do meu estado de sade
e da gentileza dela. Desliguei o telefone em dois tempos.
E o caf?
Que mulheres?
No quero mais.
No sei por que a gente gasta tanto tempo dessa maneira. Voc me liga
quase todos os dias e me pede que eu venha te ver. Eu venho te ver,
mas no sei por que fico tanto tempo aqui, deve ser masoquismo. Sabe
o que significa isso, n? Se voc sabe o que sdico, tambm sabe o
que significa masoquista. No se assuste, me. Mas a partir de agora,
eu no quero mais isso de ser roubado pela minha prpria me. Porra,
eu digo pra voc que me faa um caf e voc no faz e o tempo se
alonga e tudo se revela intil entre a gente, machucando ainda mais o
que j est doendo. Por isso, dessa vez no mude de assunto nem se
faa de surda, porque eu quero ir embora daqui e ter certeza que ainda
posso voltar, porque eu sou seu filho. Quanto voc quer?
Cem.
Tchau, filho.
Tchau.
Amanh eu te telefono.
Corredor
Toca a campainha. A abre a porta.
A
Desculpa a baguna.
Boa noite.
Desculpa a baguna.
No nada.
. Pois . A escada.
A vai at um mvel e pega algodo e gua oxigenada. Com muita delicadeza, passa um
algodo molhado na gua oxigenada no rosto de B, que olha A e se deixa curar.
A
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