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As espirais dos arquivos:
Lento retorno e as paisagens
de um ilme sem telas1
Pablo Gonçalo Pires de Campos Martins
Resumo: O artigo apresenta, descreve e analisa o roteiro do ilme Lento retorno, de Wim Wenders, que
foi escrito em 1982 e nunca foi ilmado. A obra é a adaptação homônima de uma tetralogia
escrita por Peter Handke e representa uma guinada numa estética das paisagens, tanto
na obra daquele cineasta alemão como na do escritor austríaco. Do roteiro, retiram-se
aspectos temáticos, estéticos e dramatúrgicos que permearam outros ilmes e livros de ambos
os artistas. Inspirada pelas recentes pesquisas do screenwriting studies, a segunda parte do
artigo ensaia compreender o roteiro como protoarquivo de um ilme potente. Um arquivo, tal
como concebido por Jacques Derrida, também aponta para o futuro e, dentro dessa perspectiva,
os roteiros não ilmados anunciariam aspectos espectrais de uma história do cinema.
Palavras-chave: roteiro, arquivo, Wim Wenders, Peter Handke, Cinema Novo alemão, literatura alemã.
Abstract: Archives and spirals: Slow homecoming, the ilm that does (not) exist - The paper presents,
describes and analyzes the screenplay entitled Slow homecoming, by Wim Wenders, which
was written in 1982 and has never been ilmed. The work is an adaptation of the homonymous
tetralogy by Peter Handke and represents a shift in landscape aesthetics, both in ilm and
literature. This work led me to ask more speciic questions about the role of the script in
narratives that make up a certain history of cinema. Furthermore, I gradually discovered
the meaning and value of a script, whether historical or narrative, for a nonexistent ilm.
The script is deined as an archive, as conceived by Jacques Derrida, who also points to the
future and might announce spectral aspects of ilm history.
Keywords: screenplay, archive, Wim Wenders, Peter Handke, New German cinema, German literature.
No decorrer da nossa pesquisa sobre a colaboração entre o escritor Peter Handke e
o cineasta Wim Wenders, encontramos um roteiro que não foi ilmado e talvez esse tenha
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Este texto foi anteriormente apresentado na XXIV Compós, em Brasília, 2015, no GT Estudos de Cinema,
Fotograia e Audiovisual.
Galaxia (São Paulo, online), ISSN 1982-2553, n. 33, set.-dez., 2016, p. 94-106. http://dx.doi.org/10.1590/1982-25542016225353
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sido o motivo por que não foi analisado na bibliograia acadêmica sobre essa parceria2.
Trata-se de Lento retorno (Langsame Heimkehr), que, em 1982, Wim Wenders escreveu
sozinho, adaptando a obra homônima de Peter Handke. Esse “achado” – com essa
ausência de interpretações – nos levou a perguntas mais especíicas em relação ao papel de
um roteiro não ilmado – ou de uma genealogia de “roteiros invisíveis” – dentro da narrativa
que compõe certa história do cinema. Para além dessa constatação, fomos pouco a pouco
conduzidos sobre o que signiicaria e qual seria o valor de um roteiro como um arquivo,
histórico ou narrativo, de um ilme inexistente.
Curiosamente, Lento retorno signiica uma guinada mais radical a uma estética
das paisagens, tanto na obra literária de Handke quanto nos ilmes de Wenders. Desde
o início, portanto, ambas as obras – a tetralogia e o ilme – já lertavam com essas relações
inerentes à descrição de uma paisagem e à contemplação de um local, como experiência
visual e fenomenológica pura, utópica, e sua leitura, sua tradução em sensações e palavras.
De maneira intrínseca a essas obras e aos seus contextos, decidimos trilhar essa relação
entre arquivos literários – ou arquivos de mídia escrita – e a experiência estética
das paisagens, como arquivos que combinam a experiência da natureza e o seu registro
em mídias que buscam ixar e reproduzir uma imediaticidade da imagem.
O roteiro de Wenders representa uma primeira aproximação que visava a adaptar
uma tetralogia de Peter Handke composta pelas seguintes obras: Lento retorno (1979),
O mestre de Sainte-Victoire (1980), História da infância (1981) e Sobre as aldeias (1981).
As quatro obras possuem formas e linguagens distintas, como, respectivamente, um
romance de regresso (com uma linguagem próxima dos tons míticos e epopeicos
da Odisseia e do romance de formação alemão); um ensaio permeado por uma viagem
e uma ekphrasis3 dos locais das pinturas da obra de Cézanne; um relato autobiográico
da experiência de Handke como um pai solteiro; e, por im, um poema dramático, como
Handke chama a sua peça que descreve, narra e concentra um conlito familiar em torno
da herança da mãe de quatro ilhos e do futuro do povoado de onde eles vieram. Em todo
o material pesquisado sobre esse roteiro, há somente uma rápida menção de Wenders
numa entrevista na qual ele refere-se à complexidade do trabalho do ilme, da adaptação
e de como muito do seu esforço migrou para Paris, Texas (1984), seu ilme subsequente:
Se tivéssemos conseguido realizá-lo, Langsame Heimkehr [Lento retorno] teria
sido um ilme revolucionário. Eu inseri nele muito das descrições cênicas
2
3
Peter Handke assinou o roteiro de três ilmes de Wim Wenders. São eles: O medo do goleiro diante do pênalti
(1971), Movimento em falso (1975) e Asas do desejo (1986). No inal de 2014, o produtor Paulo Branco anunciou
que ilmará, com Wim Wenders, a adaptação da peça Die schonen Tagen in Aranjuez, que também é de autoria de
Peter Handke. Quando esse ilme for lançado, ele concretizará o quarto ilme da parceria dos dois artistas. Sobre
a bibliograia dessa colaboração, ver: BRADY; LEAL, 2011; MALAGUTI, 2008; AVENTI, 2007; BUCHKA, 1987.
Tradicionalmente, a ekphrasis é compreendida como a representação verbal de uma obra visual (HEFFERNAN,
2004). No caso do ensaio O mestre de Sainte-Victoire, Peter Handke (1984) faria uma descrição do espaço
físico e das paisagens que inspiraram as pinturas de Paul Cézanne.
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de Peter [Handke], principalmente as do Alasca e de São Francisco, onde eu
realmente queria ilmar. Mas eu só recebi respostas negativas quando procurei
inanciamento e, quando eu menos percebi, estava diante de uma enorme pedra
numa montanha, imóvel. (WENDERS apud PEKTHOR; KASTGEBER, 2012,
p.157-158, tradução nossa)
Primeira espiral: Lento retorno e a topologia dos andarilhos sem sombras
“Estamos no Alasca, sobre o Yukon. É outono. A câmera movimenta-se devagar,
sempre profunda, captando a paisagem que se espalha pela luz do sol poente”. Essas são
algumas das primeiras descrições de Wim Wenders, quando ele imagina a ambientação
para a sequência de abertura de Lento retorno. No roteiro, até hoje inédito e não ilmado,
Wenders (s.d.) descreve um pouco mais as locações até a câmera alcançar Sorger,
o protagonista, um geólogo, que está dentro de um laboratório, carregando um caderno
de desenhos. Valentin Sorger, diz o roteiro, “é um homem entre 30 e 40 anos, que,
à distância, mostra-se ausente. Sua roupa não o revelaria como um geólogo. Sorger também
não é um intelectual. No bolso da sua jaqueta está um bloco de desenhos” (ibidem,
p. 5, tradução nossa). Ao seu lado, vê-se Lauffer, outro geólogo e colega de Sorger, que,
ao longo da narrativa, comenta e interpreta os desenhos do protagonista. Se fôssemos
escrever uma sinopse sucinta de Lento retorno, airmaríamos que esta é a história de um
personagem ausente entre espaços presentes ou de lugares presentes a um personagem que
se desloca diante de um recurso de retorno. O ilme, contudo, seria bem mais complexo
que essa primeira sinopse.
Há anos, Sorger vive apenas entre as paisagens, diante das suas investigações
geológicas, seus desenhos, relatórios, suas pesquisas nos laboratórios, suas viagens.
Convive apenas com índios, geólogos, crianças e animais. Há anos, não possui contato
com o seu ilho, o qual, seja no romance, seja no roteiro, só aparece como imagem
onírica, como a emulação de presença em cartas, imagens e cartões postais. Há anos,
não estabelece mais vínculos com a Europa.
Se dividirmos o roteiro em atos, Handke (1984) e Wenders (s.d.), no primeiro
ato, mostrariam o ofício de geólogo de Sorger como uma prática direta e intimamente
vinculada à descrição de imagens. Numa das poucas palavras que Sorger pronuncia nessa
primeira parte, ele diz: “Também o meu ofício não é uma pesquisa, mas principalmente
uma descrição de imagens” (ibidem, p. 17, tradução nossa). Por isso, essa sensação de
abandono da primeira parte não é conotada a partir de um ponto de vista de desconforto,
de angústia, ou acompanhada por outros dissabores similares. Pelo contrário. Sempre
ausente, como é retratado, Sorger sente-se, nesse estado de torpor, totalmente integrado
ao ethos da descrição. É nesse gesto, ético e estético – e permeado por um abandono
dócil e necessário –, que descobrir a forma das formas incide sobre um ponto de vista do,
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para e com o mundo: um ponto de vista que não insere o sujeito nem totalmente fora,
nem apenas dentro das paisagens, mas entre e dentre elas. Uma perspectiva que abre um
mundo e, nele, abriga-se.
O ponto de virada – e, simultaneamente, o ápice – dessa relação de abandono
crescente rumo à natureza é uma carta que Sorger recebe do seu irmão, vinda direto
da Áustria, que contém a notícia da morte do seu pai. Sorger a lê enquanto pega o avião dos
correios, o único que faria a ligação entre o remoto povoado indígena, onde pesquisava,
e alguma cidade norte-americana maior, como San Francisco e Los Angeles. Podemos
ler todo esse longo instante do retorno como o segundo ato do ilme, que, no livro, é
denominado como Das Raumverbot (a proibição do lugar). Aqui, exerce-se o percurso
inverso: do espaço aos lugares. Deslindaremos a forma das formas, puras e voláteis, e
as formas urbanas, cheias de regras, os ritmos impostos de fora para dentro do mundo,
os horários, os humores e as regras, que, ao olhar de quem estava imerso no Alaska,
parecem um tanto absurdos. Parte da rota assemelha-se à passagem de um espaço puro,
e utópico, rumo aos desconfortos inerentes aos não lugares urbanos, que não abrigam
o sujeito do ilme e que privilegiam o efêmero à contemplação. No roteiro, uma das
imagens que sintetizam esses desalojamentos ocorre quando, na Mulholland Drive, em
Los Angeles, Sorger observa um índio pai com o seu ilho, um pequeno índio, de mãos
dadas, andando sobre o asfalto quente. Mais do que aculturada ou descontextualizada,
essa pequena família está simplesmente fora de lugar, vagando, como se seus passos não
pudessem aderir à fricção com o solo.
O terceiro ato do ilme Lento retorno seria justamente o regresso de Sorger à Áustria,
ao pequeno povoado onde ele passou a sua infância, após uma ausência de décadas,
e o instante em que reencontra a sua família. Além dos debates sobre o regresso e
a herança, o principal desarranjo sensível – e espacial – desse instante concentra-se nas ruínas
da casa dos pais, abandonada, e na construção de uma rodovia de alta velocidade, que
transforma, alterna e interfere no luxo sensível da paisagem de outrora. Por isso, a terceira
parte ganha um tom, de fato, estático, com a câmera que se desloca menos, a ausência
do narrador dos dois primeiros atos e uma proeminência da voz poética e epopeica.
No romance de Handke (1984), o nome mais próximo para traduzir esse instante seria
Die Gesetz, o julgamento, e não por acaso esse título sintetiza com perfeição alguns dos
conlitos entre os irmãos Hans e Sophie, que marcarão os diálogos emotivos com Sorger
até o inal do ilme.
Se realmente dirigido por Wenders, Lento retorno seria um ilme genuinamente
sensorial, cheio de percepções sutis, que ocorreriam em espaços e instantes transitórios:
entre o personagem, a natureza que o cerca – e a câmera; entre cidades, povoados
do Alasca e da Europa; entre instantes de abandono e outros de reencontro; e, inalmente,
entre linguagens, dos trânsitos da apreensão cientíica às maneiras como elas são transmitidas
às paisagens, às localidades. Como já ocorre em boa parte dos ilmes (de Wenders) e
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dos livros (de Handke), o projeto de Lento retorno aconteceria não apenas nas passagens
desses entrelugares, como instalaria acontecimentos fronteiriços entre a narrativa e
a descrição, e conotaria os conlitos de Sorger em meio aos espaços, aos lugares; suas
viagens, nos aviões, barcos, carros, táxis.
As duplicidades, por exemplo, de espaços e lugares entre o Alasca e a Europa,
as metrópoles norte-americanas e o povoado da Áustria, são alguns dos aspectos mais
notáveis desse roteiro. No Alasca, Sorger observa as barracas desoladas dos índios, seus
cemitérios tranquilos, e a maneira como as pequenas crianças brincam, à vontade, naqueles
espaços. Quando na Áustria, após o seu retorno, ele observa aspectos similares: as ruínas
da casa dos pais, o cemitério um tanto abandonado do povoado, onde estão enterrados
os seus antepassados, e o ilho de Hans, seu sobrinho, que brinca de forma, talvez, próxima
à que seu ilho brincaria. Em termos temáticos, Sorger não lida apenas com a herança,
como pode ser lido o fato dramatúrgico da morte do pai, mas é ele mesmo, no meio
dos intervalos e entrelugares do seu abandono e isolamento, como condição existencial
da sua escolha, quem lega abandono ao ilho.
Quando Sorger deixa Nova York para inalmente retornar à Europa, emerge um
hiperclose de um rosto de criança, que surge, autônomo, independente e inapreensível,
como imagem. Como num trauma não resolvido – entre fugas, abandonos e retornos –,
as imagens são as instâncias que coligam os Estados Unidos à Europa. Imagens que ocorrem
como sonhos despertados por cartas e cartões-postais, como o que Sorger recebe do seu
ilho, quando pousa em Los Angeles e entra no hotel em que icará hospedado. É, no entanto,
na parte inal, antes de embarcar à Europa, que Sorger visita uma exposição no Metropolitan
e se depara com a pintura O homem de braços cruzados, de Paul Cézanne (ig. 01).
Fig. 01. O homem de braços cruzados, Paul Cézanne, 1899.
Ao que Sorger comenta: “Este sou eu. Isto é agora” (WENDERS, s.d.). E parte.
Seus traumas e suas imagens, portanto, instalam-se nessa fronteira do sujeito, entre
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imagens que escapam e pinturas que duram. Entre a leveza do efêmero e a gravidade do
instante presente. As desventuras de Sorger são narradas entre a descrição do que está ao
redor, são descritas entre uma narrativa que conduz o observador a depreender sentido
frente ao ambiente e às paisagens mudas, estáticas e estéticas, tais como a proximidade
das pedras. Feita esta primeira e breve apresentação do enredo e da forma de Lento retorno,
podemos adentrar de maneira mais especíica o material do roteiro, as asperezas inerentes
a um arquivo provisório e incompleto.
Segunda espiral: o roteiro como um entrelugar
Um ponto genuinamente interessante do roteiro de Wim Wenders (ibidem) é como
ele mesmo explicita o processo de adaptação e mostra-se, nas suas relexões iniciais,
extremamente consciente dos riscos da leitura e da transferência das obras para um ilme4.
Desde a sua primeira página, o roteiro desdobra-se como o antetexto de uma adaptação,
em processo, a qual dialogaria com a procura das formas como um possível ponto
comum dos quatro livros, que se juntariam no luxo da experiência cinematográica. Mais
adiante, Wenders comenta como ele mesmo procura, entre o roteiro e a ilmagem, uma
forma que suscite uma abertura do mundo, como uma estética das paisagens, que seria
(e, nas palavras do autor, será) transportada do livro às telas.
Wenders (ibidem) lida com o ato de escrita para um ilme vindouro como um instante
de visualização, de busca e de procura das imagens, uma a uma, quando fragmentadas,
e pela ambiência do conjunto do ilme, quando o captamos numa perspectiva mais
sintética. Nesse viés, seu estilo de escrita de roteiro é mais ensaístico e distancia-se de
uma peça técnica que visaria a rodar ou montar um ilme numa linguagem próxima
à técnica industrial. É dentro desse recorte que, logo nas palavras da apresentação do
roteiro, Wenders (ibidem, p. 3, tradução nossa) airma:
Isto não é um ROTEIRO, com todas as informações necessárias, para conduzir
a um ilme. Este texto é uma etapa intermediária, à deriva, entre os quatro livros
e um ilme possível, uma rota rumo a uma forma para essa narrativa.
É nesse entrelugar que Wenders (ibidem) situa esse instante da escrita do ilme,
no qual o roteiro, como uma forma que procura outra forma, não deve tratar a narrativa
original como uma pré-escrita ou uma imagem prévia, mas deve descobrir, pelo próprio
processo de ilmagem, as imagens e os sons que inventam uma nova narrativa. Diante
dessas preocupações iniciais, Wenders dividiu o ilme em duas partes distintas. A primeira
tem cidades do Alasca, Los Angeles e Nova York como locais onde o protagonista Sorger
4
O roteiro pesquisado na Deutsche Kinemathek, em Berlim, e que guiou esta análise, refere-se ao segundo
tratamento de Wim Wenders. Caso ilmado, o roteiro certamente passaria por, no mínimo, mais uma versão
até chegar ao inal draft.
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trabalha e perambula, em locações que alternam paisagens puras com descrições
das formas naturais e das formas das cidades. Nessa parte, há muitos descolamentos,
e a câmera que Wenders descreve deveria interagir com a inquietação espacial do geólogo
que é o protagonista o ilme. Na segunda parte, a câmera torna-se ixa e explora a oralidade
das falas entre os irmãos de uma família e, aqui, Wenders enfatiza como a narrativa e
a mise-en-scène devem elaborar uma unidade de tempo e espaço, a qual acaba por enfatizar
um local ancestral das origens e do destino da família do protagonista.
Terceira espiral: por dentro do mal do arquivo
A primeira espiral desses arquivos – ou desse roteiro-arquivo – nos conduz às forças e
ambivalências da escrita, daquilo que ela resguarda, daquilo que ela dissimula. Contudo,
o que um roteiro como Lento retorno proporciona é menos uma única espiral do que
uma multiplicidade de formas de observar, ou de registrar e descrever as observações.
Há, inicialmente, a curva interna à narrativa de Handke (1984) ou mesmo à adaptação escrita
de Wenders (s.d.). Assim, nessa curva inaugural, o personagem Sorger inscreve e arquiva
paisagens; condensa, revela e suprime formas topográicas, geológicas e visuais. Por outro
ângulo, o fenômeno de Lento retorno – como um livro-roteiro-arquivo – conduz a desvelar
imagens implícitas que se tornariam explícitas. Desde o seu ato de instauração, portanto,
ainda na obra literária, o afã por um impulso de arquivamento já é visto e representado
como intermedial; numa intermedialidade latente5, possível e, até então, emergente e restrita
ao ato da leitura, ou no ponto de distinção da intertextualidade com a intermedialidade.
Nesse aspecto, é inevitável abordar as primeiras relexões de Jacques Derrida (1995)
em seu ensaio O Mal de arquivo, no qual retorna a Freud para ressaltar como toda a prática
analítica da psicanálise incorpora, renova e atualiza uma tradição judaica de recorrer
ao arquivo como força de impressão e de liberação. Ambivalente, o arquivo derridiano está
diretamente vinculado ao vocábulo grego da arkhe, que enuncia um local de autoridade
com forças de princípio e de comando. É o aspecto topográico desse arquivo, de um lugar
fundador que sempre aponta para outro lugar, que Derrida percebe nos cerceamentos
patriarcais que o circundam. Assim, o arquivo sintetiza forças de supressão com outras
de liberação, inscrições do visível que também engendram invisibilidades e, entre essas
antinomias, acaba por conluí-las nas formas simultâneas de abertura e dissimulação.
Sintético e disperso, o arquivo seria uma ampla impressão que agregaria e articularia
linguagens. É por essa toada transversal do arquivo que Derrida (ibidem) elucida
a importância pioneira de Freud numa prática de escrita, numa ética moderna da arquivação,
5
Sobre a diferença entre intermedialidade e intertextualidade, alinhamo-nos à distinção feita por Adalberto
Müller, na qual ele ressalta como a intertextualidade é derivada da linguística saussureana, que realça o signo,
o discurso, o texto e uma certa cultura do livro. Na intermedialidade, por outro lado, o livro e a literatura são
apenas uma etapa dentro da história das mídias e, com isso, nem mesmo a linguagem ocuparia um lugar central.
Ver: MULLER, 2012, p.169 – 170.
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que passa pela psicanálise. Freud, o arquivologista das pequenas insignificâncias
do indivíduo. Freud, que transpõe um ciclo interpretativo entre a arquivação do sujeito
– pela memória, pelo sonho e pelo discurso – e a arquivação da análise. Se, em Escritura
e diferença, Derrida (2011; 1995) já elucidava as contradições da prática de escritura de
Freud, em Mal de arquivo, ele mostra como o impulso pela escrita e pela interpretação
passa por uma forma moderna de transpor, ou talvez remediar, a prática judaica com o
arquivo, indo da circuncisão à impressão e daí culminando na prática da psicanálise, que
tanto marcou o século XX.
Indo além de Freud, Derrida (1995, p. 15) ressalta como o arquivo, como lugar de uma
autoridade patriarcal, é também uma instância que funda e institucionaliza uma prática
de arquivação. “Uma ciência do arquivo deve incluir a teoria dessa institucionalização,
ou seja, considerar a fé na lei que começa a se inscrever ali e o direito que a autoriza”.
O que Derrida, portanto, chama de os Archons dos arquivos acaba por engendrar
possibilidades restritas – pois previamente guiadas por um conceito “naturalizado”
de arquivo – de organizar, divulgar e analisar os arquivos. É nesse instante que o arquivo
coliga-se com a casa, não apenas como o espaço da autoridade patriarcal, mas, sobretudo,
como o local que gera uma ponte unívoca entre o privado e o público. É aqui, nesse
recorte institucional, que Derrida passa a desconstruir a casa de Freud; ou melhor, passa
a perceber os alicerces institucionais e os Archons dos arquivos que criaram um Freud
todo poderoso, como o pai da psicanálise, em que todos os seus objetos, todos os seus
arquivos ganham nuances metafísicas e de idolatria.
A estrutura do conteúdo do arquivo arquivador determina também a estrutura
do arquivo arquivável, mesmo no seu surgimento e na sua relação de devir. Essa
é também a nossa experiência política diante das mídias ditas de informação.
(ibidem, p. 34, tradução nossa)
Haveria, segundo Derrida (ibidem), uma ordenação institucional dos arquivos que
valorizam o que é considerado digno e legítimo de arquivação. Haveria, ainda nessa
linha, uma força de arquivação que produz, assim como registra, o evento – e, assim,
os conceitos de acontecimento e do seu registro, do seu arquivo, também passariam por
uma rede de discursos de legitimação institucional. Violenta e instrutora, essa forma de
ordenação de arquivo produziria as fronteiras dos conteúdos dos arquivos. Ao voltarmos
para o debate do roteiro como arquivo – nessa primeira espiral dentro da espiral de
Lento retorno –, desvelamos todas essas ambivalências captadas por Derrida. De um
lado, as forças inerentes a um arquivo qualquer: a sua (in)visibilidade, o seu impulso
à revelação e à dissimulação, esse vínculo constante entre forças que criam e condensam
um acontecimento. De outro, o aspecto institucional, já que as formas de roteirização
são, de forma recorrente, contaminadas por práticas de industrialização que ora geram
forças que impulsionam a criação por meio do roteiro, ora acabam por desconsiderá-las,
transformando o roteiro num objeto arquivado (MARAS, 2009; PRICE, 2013).
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Se continuarmos nessa ontologia do roteiro-arquivo, ou do arquivo-roteiro, veremos
como ele também se desdobra em aspectos singulares da escrita (e da arquivação)
cinematográica, assim como interage diferentemente com a história e a prática de roteiro
dentro daquilo que podemos chamar de “instituição cinema”. Se o roteiro, como nos
lembra Pasolini (2008), é um texto que não quer mais ser um texto, ele acaba, como um
arquivo híbrido e anteintermedial, que possui pesos oscilantes entre a tradição da arquivação
literária e o surgimento dos arquivos audiovisuais. Fronteiriço, o roteiro carrega consigo
tempos antagônicos. Ora pode ser restrito ao arquivo de um ilme – acabado, editado e que
reatualiza o roteiro, um ilme que já aconteceu nas telas. Ora expande-se e aponta para
o futuro – como o próprio Derrida realça ser o futuro um aspecto inerente ao arquivo. Similar
ao desempenho do texto de uma peça de teatro, o roteiro poderia, ontologicamente, gerar
uma série ininita de ilmes possíveis, já que resguarda e sugere um conjunto dramatúrgico,
técnico e visual que pede por um acontecimento concreto. Assim, compreender o roteiro
como um arquivo passa por enfatizar tempos passados e devires possíveis, arquivações
textuais e cinematográicas que dialogam e interagem com arquivos audiovisuais.
Num passo adiante, talvez seja o próprio campo institucional dos estudos de
cinema que leia e invente os processos de arquivamento, de valorização dos arquivos
e, consequentemente, até mesmo o conteúdo daquilo que é considerado e conceituado
como “arquivo audiovisual”. É pela história da história do cinema que percebemos uma
grande aproximação, e uma espiral de mútua legitimação, entre o papel das cinematecas
e as revisões históricas, críticas e acadêmicas que elas possibilitaram. Não há, assim,
como dissociar o esforço de compilação de Henri Langlois – para ressaltar apenas o
exemplo e o caso francês, talvez o mais conhecido – da criação de uma rede de processos
de registros, coleção, catalogação, distribuição, repressão, deslocamentos e condensação
da plêiade possível e perdida dos arquivos dos primeiros cinquenta anos de cinema. E se
a história dos discursos que ordenam os arquivos passa, inevitavelmente, por seleções,
a cronologia histórica das cinematecas e dos ilm studies é marcada por um privilégio
restrito ao arquivo audiovisual (em detrimento, talvez, do arquivo textual). É dentro
desse recorte que se instala o cânone crítico, que emerge o chamado “cinema de autor”,
que a linguagem e a história (da história) do cinema ganham uma ênfase de análise de
trechos, de cenas, da busca por estilos cinematográicos, assinaturas que enfatizariam
a encenação, a narrativa audiovisual e o papel autoral do diretor. Há, aqui, mais do que
uma peleja entre arquivos visuais e escritos – ou arquivos audiovisuais e arquivos paper
based –, pois se descobrem, nessa genealogia histórica dos ilm studies, as forças de
uma organização de arquivos que privilegia a projeção e o instante da experiência
audiovisual (RODWICK, 2007). A história da ordenação dos arquivos audiovisuais,
portanto, gera, ela mesma, todo o conteúdo possível de uma hermenêutica do cinema.
Não é preciso gastar muita tinta para perceber como os roteiros não
obtiveram a valorização de um arquivo de relevância dentro da história do cinema,
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seja o contemporâneo, o moderno, o clássico, o mudo e mesmo o early cinema. É como
um arquivo marginal, ancilar e com rara presença dentro dos ilm studies, que os roteiros
desdobram-se como se fossem arquivos sem Archons, sem forças que os organizam,
sistematizam, e sequer geram um processo narrativo de uma certa história espectral
do cinema, possível e invisível, que os roteiros podem anunciar, desvelar e compartilhar.
Sem Archons, o roteiro transforma-se num protoarquivo.
Dessa forma, alcançamos uma certa tendência dos ilm studies, na qual, por meio da
análise fílmica, destaca-se, descobre-se, revela-se e compartilha-se um roteiro implícito
ao ilme, como se houvesse um texto oculto, um texto literário, dramatúrgico, cênico
e visual que reivindicasse um ciclo de interpretação e canonização. Por outro lado,
o que queremos ressaltar nessas linhas é a força e a possível e complexa contribuição de
compreender o roteiro como material autônomo, que, longe de ser um arquivo à sombra
da projeção e do acontecimento cinematográico, nos sugere linhas possíveis para captar
o processo de consolidação de uma estética literário-visual, num devir. Enfatizar o processo
de roteirização, que é amplo e dinâmico, recai menos na compreensão de uma obra
deinida e acabada e abre portas para entrarmos na aluência de uma escrita labiríntica,
intermedial, fronteiriça entre a palavra e a imagem, uma escrita encarada também como
uma mídia. Ao desarquivar o roteiro, como um arquivo que engendraria novos Archons
aos ilm studies, abrir-se-iam, de forma inerente ao seu fenômeno, novas espirais, antes
invisíveis à história estética, sensível e tecnológica do cinema.
É no seio desse percurso, intrinsecamente curvilíneo, que chegamos, enim, ao papel
dos roteiros não ilmados, das peças cinematográicas que ainda não obtiveram uma
realidade em frente às câmeras, que, embora potentes e possíveis, furtaram-se a acontecer
diante daquilo que se considera um acontecimento cinematográico. Devemos, assim,
ressaltar, compartilhar e investigar uma série de perguntas encadeadas. Qual é o valor
– dramatúrgico, estético e histórico – de um roteiro que ainda não foi realizado? Quais
são as formas possíveis de organização e de interpretação de um roteiro que (ainda) não
aconteceu? É possível compará-lo com textos teatrais que, como arquivos cênicos, geram
outras peças e outros fenômenos teatrais aos espectadores?
Um caso de pesquisa que deve ser ao menos mencionado e compartilhado aqui é
o de Ian W. Macdonald (2013, p. 23), que analisa o roteiro de Nostromo, que David Lean
escreveu, em parceria com outros colaboradores, no inal dos anos oitenta, e teria ilmado
caso não tivesse morrido antes. Ao descobrir, desengavetar, analisar e valorizar a série de
arquivos que compilam o roteiro de Nostromo, Macdonald ressalta aspectos do trabalho em
grupo e aproxima-se da crítica literária genética, a qual procura enfatizar principalmente
o processo de criação e, assim, acaba por deixar a interpretação da obra acabada num
segundo plano. Ao descrever o conjunto de arquivos encontrados referentes à adaptação de
Nostromo, Macdonald salienta como esse diálogo entre textos já ocorre desde o seu instante
inaugural, quando a adaptação literária dialoga diretamente com outro texto, o roteiro.
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As espirais dos arquivos: Lento Retorno e as paisagens de um ilme sem telas
Macdonald (ibidem) observa como a escrita engendra outras escritas, cujo
inacabamento e a própria matriz revelam-se como inerentes ao processo de criação
cinematográica. Sobreposta, palimpséstica e prenhe de soisticados contrapontos,
a escrita cinematográica seria ontologicamente processual. Mesmo o tratamento inal
não pode ser compreendido como o texto deinitivo de uma obra cinematográica, já
que ele passará, inevitavelmente, por mais uma camada sensória, por outro layer, visual
e cênico, que acontecerá na tela. Nesse recorte, o antetexto, como Macdonald chama
o inal draft, também refuta um instante deinitivo da escrita cinematográica, já que passaria
necessariamente por outras camadas, como o storyboard, a cena, a edição etc. O caso de
roteiros não ilmados, como o de Nostromo, de David Lean, deixa essa indeterminação
e esse inacabamento ainda mais evidentes.
Embora seja inaugural, instigante e ofereça uma excelente metodologia de análise
de um roteiro não ilmado, o livro de Macdonald alinha o processo de escrita do roteiro
como o índice daquilo que ele conceitua como sendo a Screen idea. Nesse sentido, ele
almeja despertar sobretudo a visualidade latente, as descrições técnicas e a maneira
como o conjunto do processo e do trabalho em grupo, de Lean com a sua equipe,
nos permitiriam capturar a ideia geral do ilme. De certa forma, Macdonald retorna à análise
de roteiros especíicos, para um único ilme, e compreende os arquivos como um índice
de uma ideia geral, anterior e posterior, que ordena e coordena, ética e esteticamente,
o processo cinematográico que ela desencadeia.
Se Macdonald (ibidem) propõe uma análise sincrônica do roteiro de Nostromo,
sentimo-nos, num contraponto, mais curiosos em perceber uma possível genealogia
desse tipo de roteiro, que, mesmo dialogando com a Screen ideia, ainda geraria uma
complexa rede de fatos e acontecimentos cinematográicos vindouros. Dentro dessa linha
genealógica, seria preciso ampliar a noção de temporalidade do roteiro não ilmado.
Não o restringir, portanto, a um tempo historiográico de reconstituição do roteiro, que
culminaria na ideia ou no ilme. Tampouco abordá-lo isoladamente, já que, de forma
diversa, um roteiro não ilmado também interage com outras obras, outros textos, outras
mídias. Há uma possível dilatação temporal, ontológica e inerente ao roteiro não ilmado,
que permite vislumbrar os espectros dramatúrgico-visuais desses roteiros com tempos
passados e tempos futuros.
Numa palavra, e em síntese, Macdonald (ibidem) não compreende os roteiros como
arquivos. Nem ele, nem os demais autores do screenwriting studies, que transpõem
a metodologia da análise de obras, literárias e cinematográicas, para a análise de roteiros
e antetextos6. Não há demérito nisso. No entanto, se as espirais dos arquivos nos levam
a uma dinâmica processual entre a visibilidade e a invisibilidade de obras cinematográicas,
6
Deve-se esclarecer que os Screenwriting studies revelam um esforço recente, de pouco mais de uma década, de
acadêmicos em valorizar os estudos de autores-roteiristas, de gêneros e de dramaturgias audiovisuais. Por outro
lado, o tópico dos roteiros não ilmados e a genealogia que ele suscita ainda são temas inéditos e realmente
pouco explorados mesmo nesse campo.
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Pablo Gonçalo Pires de Campos Martins
elas também podem nos conduzir a distintas percepções da história cinematográica,
sejam elas a narrativa latente, a dramatúrgica, a visível ou a invisível, mas existente.
Trata-se de uma temporalidade dinâmica de história, de fatos que ainda não ocorreram
apenas na rede de classiicação do que compreendemos, hoje, como um fato histórico e
cinematográico. Ainal, quem pode airmar que um roteiro – quando escrito e acabado
– ainda não prenuncia e concebe um ilme pré-existente? Quem pode airmar que já
não há ali uma frequência da obra por vir? Quem poderia determinar que a história do
cinema só ocorreria durante a projeção? Seriam apenas textos acabados que gerariam
obras acabadas? Ou será que as versões, primeiras ou inais, de um roteiro já não indicam
ilmes pré-existentes? Será que esses roteiros não criam, endossam e repercutem, ainda
quando não ilmados, dentro da complexa rede que denominamos obra? De forma um
tanto tortuosa, essas espirais dos arquivos acabam por revelar a força de discursos –
conceituais e institucionais – que determinam o que ainda hoje compreendemos por
arquivo(s) cinematográico(s). E se a espiral gera forças de escape e de imersão, é hora,
entre as contradições dessas dinâmicas, de desentranharmos os Archons dos arquivos, que
geram arquivos arquivados, arquivos desencontrados, arquivos deslocados, sem pátria,
órfãos, errantes – arquivos sem Archons.
Pablo Gonçalo Pires de Campos Martins é professor da
UNILA, roteirista, curador de cinema , crítico e colaborador
da revista Cinética. É doutor em Comunicação pela
ECO-UFRJ. Foi bolsista do DAAD e realizou pesquisa
sanduíche na Universidade Livre de Berlim, FU. É membro
da SOCINE, da Society for Cinema and Media Studie
(SCMS), da Network for European Cinema Studies (NECS) e
da Screenwriting Research Network (SRN).
pablogoncalo@gmail.com
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Artigo recebido em novembro de 2015
e aprovado em fevereiro de 2016.
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