Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                
ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Alex Vailati | Matias Godio | Carmen Rial (Organizadores) ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Desterro, 2016 © 2016 by Alex Vailati, Matias Godio e Carmen Rial © Copyright da tradução Cultura e Barbárie e Sérgio Medeiros, 2016 Projeto gráico, diagramação e capa Rita Motta (Ed. Tribo da Ilha) sob coordenação da Gráica e Editora Copiart Imagem da capa Foto de Matias Godio Revisão ortográica e normativa Michela Silva Moreira Impressão Gráica e Editora Copiart 1ª Edição – 2016 – Florianópolis-SC Tradução e reprodução proibidas, total ou parcialmente, conforme a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. A636 Antropologia audiovisual na prática [Recurso eletrônico] / Alex Vailati, Matias Godio, Carmen Rial (organizadores). – 1. ed. – Desterro, [Florianópolis] : Cultura e Barbárie, 2016. 304 p. : il. Inclui referências Livro digital ISBN: 978-85-63003-50-8 1. Antropologia visual – Estudo e ensino. 2. Imagem (Filosofia). 3. Cinema na antropologia. 4. Comunicação de massa – Aspectos antropológicos. I. Vailati, Alex. II. Godio, Matias. III. Rial, Carmen Silvia Moraes. CDU: 397:77 Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071 Cultura e Barbárie Editora Conselho editorial: Alexandre Nodari, Flávia Cera, Fernando Scheibe, Leonardo D’Ávila, Marina Moros e Rodrigo Lopes de Barros www.culturaebarbarie.org - editora@culturaebarbarie.org Florianópolis/SC Impresso no Brasil / Printed in Brazil Powered by TCPDF (www.tcpdf.org) AGRADECIMENTOS Antropologia Visual na Prática é resultado de uma colaboração que se estabeleceu entre participantes do Ńcleo de Antropologia Visual e Estudos das Imagens da Universidade Federal de Santa Catarina. O contato entre os pesquisadores e as pesquisadoras que aqui colaboraram foi fortalecido pela criação, em 2014, da Rede de Antropologia Audiovisual Aplicada a Espaços Urbanos, inanciada pela Universidade Nacional de Três de Fevereiro e a Secretaria de Políticas Universitárias de Argentina. O trabalho de pesquisa e de organização deste livro foi possível através de inanciamentos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientíico e Tecnológico (CNPQ). Fundamental foi também a contribuição do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina. Enim, claramente, estamos em dívida com colegas que, não obstante não estejam presentes nas páginas deste livro, tiveram um papel fundamental no fortalecimento dessa rede de pesquisadores(as). SUMÁRIO Introdução ............................................................................. 9 Alex Vailati Matias Godio  RASTROS DE ETNOGRAFIA El poder y la mirada en la experiencia audiovisual ...25 Matias Godio O documentário social......................................................53 Alex Vailati  UM METODO COMPARTILHADO Antropología visual compartida: prácticas y límites ...................................................................................81 Gabriel Omar Alvarez Roubar a alma – ou as diiculdades da restituição......................................................................... 131 Carmen Silvia de Moraes Rial  IMAGEM E SOM NA ETNOGRAFIA Mulheres Encarceradas.................................................. 147 Micheline Ramos de Oliveira Imágenes fotográicas y fútbol .................................... 157 Santiago Uliana Ruidos silenciosos. Escucha antropológica en el barrio de Floresta, Ciudad de Buenos Aires.............. 173 Facundo Petit de Murat  ENTRE PESQUISA E AÇÃO Antropología visual aplicada: de ensamblajes, potencialidades y ubicuidades.................................... 201 Marian Moya Cultura, Narrativa e Estética da Periferia: o Rap do Pequeno Príncipe e a luta entre o bem e o mal ............ 235 Renato Athias  AUTONOMIA E RECIPROCIDADE Rien que les heures e Coal face: o documentário soberano de Alberto Cavalcanti .................................. 257 Marina Moros Jean Arlaud: etnografía fílmica con el otro y la ética de la reciprocidad ................................................. 271 Ana Luiza Carvalho da Rocha Cornelia Eckert INTRODUÇÃO Alex Vailati Matias Godio Primeiro contato A sequência que abre este livro revela o primeiro contato com a Antropologia Visual. Geralmente isto acontece, nas faculdades contemporâneas, naquele período de exploração radical do mundo das Ciências Sociais, durante os primeiros anos de estudo. Quem ensina geralmente percebe que a forte expectativa dos(as) alunos(as) na sala de aula, muitas vezes, é justiicada por aquela magia que as imagens em movimento produzem. Magia, uma categoria que, há mais de 100 anos, Frazer (1922, p. 11) deiniu no Ramo de Ouro e que parece bem se adaptar para deinir o meio cinematográico: “A magia é um sistema esṕrio de lei natural, bem como um guia enganoso de comportamento: é tanto uma falsa ciência quanto uma arte abortiva”. O cinema, “uma invenção sem futuro”, nas palavras dos uns dos seus inventores, logo depois da sua inserção no mundo da Antropologia acadêmica, dominada pela escrita, apareceu como um meio enganoso colocado na fronteira entre arte e ciência. Teóricos de ponta da Antropologia francesa como Claude Levi-Strauss e Marcel Griaule tiveram frente à projeção de um [9 ilme fundante pela Antropologia Audiovisual, Les Maîtres Fous de Jean Rouch (1955), a emblemática percepção da imagem etnográica como um objeto perigoso capaz de quebrar facilmente sistemas culturais fundamentais para as instituições. O ilme foi julgado como arriscado e nocivo, e Rouch foi convidado a não divulga-lo. Marcel Griaule, que orientou o doutorado de Rouch, sugeriu inclusive que o trabalho fosse destruído. Em efeito, as imagens do ilme mostravam um dos mais violentos rituais de possessão gravados na história. Os principais antropólogos da França airmavam que se tratava de uma imagem que podia reairmar a visão das sociedades africanas como primitivas por um ṕblico não “preparado”. Essa foi a reação da academia; então, Rouch encontrou-se no meio de “um fogo cruzado”, sendo acusado de “observar os africanos como se fossem insetos” (STOLLER, 1984, p. 203), como disse o intelectual senegalês Ousmane Sembene, o primeiro diretor de ilmes de toda a África Sul Sahariana. Se o ilme do Rouch pode ser considerado, hoje em dia, como um dos mais bem sucedidos cruzamentos entre arte e ciência, o debate daqueles anos mostra claramente a forma como foi percebido o documentário etnográico: como perigoso, seja no mundo da antropologia e seja no mundo da arte e da literatura. E essa capacidade especíica e subversiva do audiovisual na prática antropológica emerge muitas vezes na imaginação dos(as) estudantes. É nesse sentido, tentando estimular essa abertura epistemológica, que os percursos de estudo se articulam geralmente nas aulas. Percursos que analisam a história já centenária da Antropologia Visual na tentativa de revelar suas interconexões com as teorias que se sucederam, porém ao mesmo e sublinhando a autonomia desse campo especíico – campo epistemológico –, o qual, muitas vezes, 10] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA precedeu revoluções teóricas e epistemológicas hoje canonizadas na Antropologia. A prática da Antropologia Audiovisual é, todavia, um percurso que constantemente frustra as expectativas dos estudantes, como aconteceu com Jean Rouch diante dos ancestrais da Antropologia que visualizaram seu ilme. A subversão, muito comum na experiência artística, é, na sala de aula, objeto de operações classiicatórias necessárias para desconstruir e recodiicar a linguagem visual, esta que muitas vezes é percebida erroneamente como resultado de uma prática da liberdade por excelência. A linguagem do cinema, utilizada nas primeiras pequenas produções fílmicas dos(as) alunos(as), torna-se um objeto híbrido mediante uma ambígua relação com a tecnologia. Se a qualidade das imagens e o custo implicado ao produzi-las é um assunto que na Antropologia Audiovisual pode ser deixado em segundo plano, necessariamente essa escolha implica uma densa relexão crítica e um percurso de aprendizagem técnico especíico. Nesse sentido, a prática da Antropologia Audiovisual conigura-se como um dos campos mais complexos quando se torna objeto de ensino. Essa é, geralmente, contextualizada como uma subárea disciplinar e ocupa uma pequena porção de uma grade horária dos cursos de graduação em Antropologia ou Ciências Sociais. Assim, os desaios nas aulas são muito grandes, e a necessidade de mobilizar um debate crítico e epistemológico se cruza com a transmissão das competências técnicas, uma sabedoria que podemos deinir, ainda hoje, como artesanal no cinema. O primeiro contato com a Antropologia Audiovisual é, portanto, um momento fundamental que traz para nós grandes desaios. Atualmente, vivenciamos um momento histórico INTRODUÇÃO [11 em que a relevância das imagens em movimento cresce radicalmente; dessa forma, reairmar a autonomia da Antropologia Audiovisual é fundamental. Além de continuar o debate acadêmico e político, relativo ao incremento dos espaços do estudo do audiovisual nas Ciências Humanas e Sociais, é importante continuar mobilizando esse debate nas salas de aulas, pois estas são o campo inicial para uma reelaboração crítica de qualquer saber. Logo, este livro quer ser uma plataforma de mediação, seja para quem ensina que para quem estuda. Capturar imagens A segunda sequência do roteiro imaginário desta introdução mostra pessoas com câmeras, lutando com uma realidade que não pode ser capturada com facilidade. A metáfora da captura é bem-sucedida neste caso, referindo-se à ideia de apropriação. As mulheres e os homens com a câmera se tornam aqui caçadores que buscam uma presa e que, ao mesmo momento, se tornam parte dessa presa, capturados(as) elas(es) também em uma narração imagética (TOMASELLI, 1999). E essas pessoas com suas câmeras nos permitem reletir sobre a fronteira entre realidade e narração, que será apenas nos anos 1970 objeto de relexão da Antropologia escrita. Um ilme que geralmente não é lembrado como parte do corpus de estudo da Antropologia Audiovisual é O Homem Desaparecido (Ningen Jōhatsu), realizado em 1967 pelo diretor japonês Shoei Imamura. Como Flaherty, Vertov, Cavalcanti, Rouch e Arlaud – para citar alguns dos diretores que aparecem nas páginas deste livro –, Imamura contribui com uma radical desconstrução da linguagem cinematográica refundando o 12] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA gênero documentário. No ilme em análise, que é uma investigação sobre o desaparecimento de um homem, a câmera de Imamura olha os depoimentos, mostrando a conjunção entre memória e invenção na lembrança desse homem desaparecido. Essa “invenção da realidade” é, ao inal do ilme, radicalmente quebrada. Em um diálogo, em uma sala, uma voz diz “Desmontem o set”. E, assim, assistimos à transição entre uma sequência de uma conversa “real” dos protagonistas do ilme e a icção revelada pelos operários que desmontam o set cinematográico enquanto a conversa continua. Eles airmam que toda a história do ilme se desenvolveu “em modo innatural”. Quebrar a relação entre realidade e imagem em movimento, revelando a iccionalidade, é deinido com “innatural”. “Desmontar o set” é uma excelente metáfora para descrever estes primeiros passos a ser percorrido olhando através de uma câmera. Primeiros passos que já reletem relações de poder, nos modos e nas posições que cineatas e fotógrafos(as) adotam usando a câmera. A câmera desvela as diferenças de capital, sendo muitas vezes um objeto de dominação quan- do nas mãos de quem representa o poder ou se tornando pequena quando diante de detentores do poder. Michelangelo Antonioni no ilme “he Passenger” (1975), bem nos mostra como uma entrevista pode estar carregada de conotações micropolíticas. A sequência onde David Locke, um airmado repórter da BBC, entrevista um líder rebelde do Chad, mostra como é a subjetividade do repórter – e o poder que ele representa – a ser o verdadeiro objeto da entrevista. O líder rebelde vira a câmera, de modo que o repórter seja gravado, e diz que assim o ilme mostraria mais sobre os acontecimentos que lidaram a produção da entrevista. Essa enfática sequência, permite que se entenda a dinâmica da INTRODUÇÃO [13 entrevista, que é um gênero narrativo que se torna apenas tardiamente uma ferramenta de trabalho dos antropólogos visuais, mas que predomina atualmente. Gravar, além das imagens, as dinâmicas sociais que permitem a produção desse gênero é aqui um primeiro passo para conhecer o sujeito-câmera. Restituir Uma pergunta que tem uma resposta clara no mundo do cinema e do documentário é sobre quando a realização do ilme acaba. Com independência da discussão sobre a extensão representacional das imagens nos pensamentos e nos sentimentos dos espectadores, o ilme acaba assim que a Produção – uma equipe de realização que se corporiza no Diretor – determina que está “pronto” para ser exibido como uma totalidade coerente, como uma “obra” inalizada segundo uma sequência lógica: desenho, registro, montagem e reprodução. O ilme inaliza na projeção na sala ou na tela: “THE END”. Porém, na Antropologia Audiovisual, essa fronteira não ica assim transparente. Quem tem se comprometido seriamente em pesquisas sociais através dos meios audiovisuais sabe o quanto é difícil perceber quando realmente essa “obra” está acabada. Provavelmente, trata-se de uma demanda ḿtua de afetividades e compromissos intrínsecos a toda etnograia; porém, a perspectiva colaborativa e coletiva da Antropologia Audiovisual aprofunda essa “diiculdade”, transformando-a em uma questão quase epistemológica associada a uma ética do conhecimento especíica, determinante para a própria linguagem cinematográica da Antropologia Audiovisual. John Marshall, 14] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA um dos mais reconhecidos antropólogos-cineastas passou mais de meio século acompanhando com a câmera a experiência vital e de transformação social e cultural de uma família da tribo Ju/’hoansi no deserto do Kalahari na África. Exemplos disso sobram nos relatos nas trajetórias de muitos(as) outros(as) antropólogos(as) que trabalham com a produção de imagens. A restituição destas imagens é justamente um assunto que se torna central para um documentário que quer ser conotado com o adjetivo etnográico. Então, onde está exatamente situada essa restituição? Nos objetos, nas fotos, nas imagens em movimento? Ou no próprio corpo do etnógrafo? Provavelmente, seja tudo isso ao mesmo tempo. Entretanto, restituir signiica reinstituir um laço social, político e afetivo, produzido e reproduzido durante a experiência fílmica entre os participantes de um encontro etnográico. Compreender a restituição como um conceito-prática signiica desconstruir (e reconstruir) a noção de “obra” presente tanto na arte como na ciência, campos em que a Antropologia Audiovisual ancora seus debates e com os quais disputa seus espaços. A antropologia e a cinematograia concebem a obra ligada a um autor, mas como objeto cultural e de conhecimento que transcende e independe da experiência de vida dos sujeitos envolvidos, colocando-a maior parte das vezes fora da experiência social e política deles. Essa perspectiva, construída ao longo da trajetória de ambos os campos encontra-se fortemente justiicada pelas ind́strias culturais e as usinas acadêmicas. Mas a prática da Antropologia Audiovisual exige que se extraia desses percursos outros objetivos. A obra se resiste a inalizar por que a restituição expõe seus limites. INTRODUÇÃO [15 Antropologia visual na prática O objetivo deste livro é fornecer um panorama da prática da Antropologia Audiovisual. Os artigos que integram a obra analisam os principais debates da disciplina por meio de experiências especíicas dos autores, abordando o campo teórico da Antropologia Audiovisual, as suas articulações e as apropriações dela, as quais são especíicas em cada contexto territorial. O emprego de imagens, em muitos casos, torna-se uma ferramenta para a visibilização de grupos e sujeitos e para o reconhecimento de direitos, mediados por processos conlituais e negociações permanentes. Temas como a interculturalidade, a memória, a política e as formas de sociabilidade são objeto de relexão, esta desenvolvida pela produção e interpretação de discursos visuais e auditivos. Os contextos sociais e culturais que são analisados nos artigos permitem também de abordar problemáticas de gênero, gerações, poder, trabalho, migrações e etnicidade. E esses temas, por meio da ferramenta audiovisual, são colocados em um campo de conhecimento e ação ligado aos luxos comunicativos globais contemporâneos. A produção e a publicação de imagens e de texto constituem-se, então, como uma plataforma privilegiada para analisar espaços sociais heterogêneos, onde a interpretação das práticas sociais, ambientais e econômicas é resultado da interação entre pesquisadores e sujeitos de pesquisa. Estes contatos são, neste trabalho, considerados como importantes fragmentos de experiências, visto que as imagens e os sons se tornaram objeto fundamental para a criação de relações etnográicas. Reletir sobre os laços que estabelecemos com e por meio do audiovisual é considerado aqui um passo 16] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA primordial também para a prática de ensino. Nesse campo, a relação entre palavra escrita e produção imagética tem de necessariamente ser reforçada, fundamentalmente por uma intensiva autorrelexão dos realizadores. Na primeira seção, cujo título, nos põe em uma trilha etnográica, Matias Godio relete sobre as relações entre poder e olhar. Por meio da ideia de sociomontagem, quando a edição não é considerada como um ato resolutor inal mas uma etapa, visando à construção de uma representação compartilhada, o antropólogo relete sobre a exploração imagética dos “poderosos” evidenciando as contradições epistemológicas dessa operação. No contato com os “dirigentes de times de futebol”, objeto da pesquisa do Matias Godio, e a câmera bem mostra como a construção do poder se encontra na narração imagética. Esses encontros nos revelam o aspectos utópicos da prática do olhar etnográico, seja em relação aos seus aspectos potencialmente subversivos, seja em relação à parcialidade desse contato com a alteridade. Seguindo essa trilha, Alex Vailati propõe outro olhar sobre o tema da produção de audiovisual. A categoria de documentário social, que está se airmando na arena mundial das representações é apresentada como um espelho para reletir sobre o laço entre poética e política. Mediante uma relexão autoetnográica, o autor relete sobre o fato de as escolhas linguísticas serem o resultado do campo de atuação político onde o documentário e o antropólogo se colocam. O audiovisual, então, representa um objeto criado em uma especíica conjuntura; todavia, é incluído e age em processos políticos de longa duração. A ideia de compartilhamento é o foco dos artigos que compõem a segunda seção deste livro. Gabriel Alvarez propõe, analisando a própria experiência de pesquisa de campo INTRODUÇÃO [17 realizada através do audiovisual, uma desconstrução da ideia de compartilhamento. Novamente o tema do poder, na construção de uma representação, é objeto de relexão. Se o trabalho com pessoas que vivem em contextos de expropriação política impõe ao antropólogo uma necessidade de utilizar o compartilhamento como meio de empoderamento, a representação dos poderosos tem de, necessariamente, excluir estes da mesa de edição. Nesse sentido, o antropólogo redeine a ideia de reciprocidade que, em contextos de desigualdades sociais, precisa incluir os excluídos e desapropriar os poderosos do poder de intervenção e do controle sobre a imagem deles. A restituição, uma das palavras-chave da Antropologia Audiovisual contemporânea, é objeto da relexão de Carmen Rial. A prática do restituir uma pesquisa é, no campo da Antropologia, um imperativo moral na relação etnográica. A antropóloga aqui descreve a relevância desse momento como um necessário deslocamento do saber além das paredes da academia. A restituição, hoje em dia também chamada de extensão, é uma prática implicitamente fundante da Antropologia Audiovisual. Todavia é uma prática que resulta sempre parcial, que implica diiculdade e contradições que também são, necessariamente, parte do trabalho de pesquisa antropológica. A terceira seção nos permite confrontar o papel das imagens, os resultados de pesquisas etnofotográicas e com o áudio, considerado nesse momento como um objeto epistemológico em si. Santiago Uliana propõe uma abordagem socioantropológica ao uso das imagens, que se tornam um meio para explorar as relações entre futebol e sociedade. O autor sugere uma leitura das imagens como objeto epistemológico que nos permite analisar um especíico fenômeno social implicitamente ligado a uma veiculação mediática e imagética dos 18] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA signiicados. Já a antropóloga Micheline Ramos nos propõe uma série de imagens, realizadas no contexto de uma pesquisa de campo em um presídio feminino. Nesta pesquisa, realizada em uma instituição total, o controle sobre as imagens se torna objeto de apropriação pelas protagonistas, sendo fundamental para mediar a relação entre antropóloga e prisioneiras. A exploração do som de um contexto é o objeto do artigo do Facundo Petit de Murat. Por meio de uma pesquisa baseada na observação participativa, o antropólogo consegue propor uma análise sobre as passagens sonoras de alguns bairros da cidade de Buenos Aires. A pesquisa sobre o som permite uma implícita ação social, inalizada a desconstrução do ouvir, uma percepção neutral no imaginário, mas que é resultado de uma construção cultural interligada à camada social no contexto analisado. Um ouvir que é incorporado pelos interlocutores desta pesquisa e que naturaliza os ruídos e os silêncios da cidade, inluenciando e plasmando a vida do dia a dia. A relação entre pesquisa e ação, não obstante seja presente em todas as pesquisas apresentadas neste livro, é um tema abordado diretamente na quarta seção. Marian Moya estabelece uma relexão que, em primeiro lugar, evidencia as criticidade do campo da assim chamada Antropologia Aplicada. Como os ventos neoliberais contemporâneos muitas vezes impõem um “resultado produtivo” à academia, a ideia de pesquisa aplicada tem de ser necessariamente problematizada. Todavia, esta saída da “torre de marim” da academia pode ser considerada uma prática fundante da Antropologia Social, que sempre foi submissa a ventos hegemônicos como os empreendimentos coloniais ou, mais recentemente, humanitários. Moya propõe uma perspectiva que coloca como central o papel do visual no projeto antropológico que considere seja o potencial INTRODUÇÃO [19 transformativo deste meio e seja a sua relevância epistemológica na produção de teorias. O objeto fílmico se torna, então, uma ferramenta de transformação social. A análise do ilme O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas, proposta pela Renato Athias mostra como as narrações imagéticas têm um papel fundamental na construção do imaginário e como um especíico objeto fílmico pode propor visões transformativas da sociedade. Nesse sentido, o texto aborda a polarização maniqueísta entre bem e mal, entre periferia e bairros nobres, o que plasma as relações sociais nas grandes áreas metropolitanas. O ilme analisado estabelece uma peculiar desconstrução dessa visão binária das narrativas dos medias hegemônicos, interessados geralmente em manter uma ordem social baseada na separação das diferenças. Na ́ltima seção do livro, as autoras analisam a obra de dois entres os mais inluentes documentaristas da história do cinema. A vida urbana é, também, o palco desses dois autores, que, em épocas diferentes, reestabelecem como fundamental o laço entre mundo urbano e Antropologia Visual, muitas vezes deixado de lado na história da disciplina. Marina Moros dialoga com o a produção do Alberto Cavalcanti, mostrando como a soberania nas escolhas experimentais deste autor foi relevante para a construção de um imaginário sobre a cidade. Cavalcanti, pioneiro na produção das assim chamadas sinfonias urbanas, leva a linguagem cinematográica a suas consequências extremas. E através dessa aposta, como aconteceu muitas vezes na história, o documentário e a prática da Antropologia Visual se tornaram campos revolucionários seja pelo cinema que pela teoria antropológica. 20] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Na sequência, Ana Luiza Carvalho da Rocha e Cornélia Eckert descrevem as dinâmicas do encontro com Jean Arlaud, um dos maiores herdeiros do legado do Jean Rouch. A reciprocidade, no cinema documentário de Arlaud, é resultado de uma afeição pelas pessoas com quem o ilme é realizado. Logo, o objeto fílmico se torna consequência de uma ação recíproca dos atores sociais envolvidos na realização do ilme. A lição que Arlaud deixa para nós é o percurso voltado à procura de um sentido comum entre as pessoas, do qual o ilme é resultado. Olhares futuros Essa lição, fundamental pela prática do ensino da Antropologia Visual, torna-se um desaio na sala de aula. A realização de um ilme necessariamente pressupõe quebrar algum dos paradigmas da pesquisa. Signiica transmitir, aos estudantes e aprendizes, quanto é necessário estar alerta à redeinição dos eixos de relexão e interpretação teóricos ao assumir como necessárias da prática audiovisual as consequências de uma metodologia compartilhada inscrita na dialética mise-en-sène e auto-mise-en-sène. Em outras palavras, há a necessidade de assumir as condições de produção expressiva próprias da linguagem fílmica, afetando a pesquisa e o conhecimento social, bem como a forma em que estas ́ltimas têm relação com os objetos projetados oportunamente quando deinimos hipóteses, objetivos etc. Signiica fazer “equilíbrio” entre estas duas práticas, lançando reformulações em ambas as direções. Por um lado, em direção à instituição acadêmica; por outro, em direção ao luxo comunicativo e estético aberto no trabalho com técnicas audiovisuais. INTRODUÇÃO [21 A necessidade de constituir um campo acadêmico para a prática da Antropologia Audiovisual encontra-se justiicada m muitos pontos de vista. Em primeiro lugar, porque permitiria transitar de forma menos “auxiliar” à história da Antropologia Audiovisual e suas relações com a teoria antropológica e com a sua relação com o texto etnográico. Poderia ser abordada a própria “visualidade das teorias clássicas”, inclusive a enorme presença de um “universo ótico e pictórico” nos maiores e mais conhecidos escritos etnográicos da disciplina antropológica, usando as palavras de Anna Grimshaw (2001). Em segundo lugar, nota-se que a sistematização e a classiicação das produções audiovisuais com objetivos antropológicos permitem compreender técnicas, metodologias de interpretação na sua relação especíica e concreta com as tarefas de produção, inanciamento e comunicação resultantes. Por ́ltimo, percebe-se, na atualidade, uma crescente demanda global de produções audiovisuais comprometidas com a compreensão das problemáticas socioculturais que têm sido pilares da Antropologia na televisão, na web e outros meios de difusão, tais como museus, centros de documentação ou instituições educativas não universitárias. Não obstante o campo da Antropologia Visual ter conquistado, por meio do trabalho das ́ltimas duas gerações de antropólogos e antropólogas, um papel relevante nos sistemas acadêmicos da América do Sul, muito trabalho ainda tem que ser feito. Desde a implementação de programas de pós-graduação onde a Antropologia Visual seja o io condutor do ensino e das pesquisas até o reconhecimento dos meios visuais como ferramenta epistemológica. Todos estes passos são fundamentados na prática da realização de textos imagéticos e do ensino, este aqui pensado como meio para estimular uma criatividade crítica nos novos olhares. 22] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Referências A KALAHARI Family – Pentalogía. Direção: John Marshall; Claire Ritchie. Produção: Kalfam Productions. Estados Unidos, 1957 (360 min). DOUGLAS, Mary. Purity and Danger. An analysis of concepts of pollution and taboo. London: Routledge, 1966. FRAZER, James George. he Golden Bough. A Study in Magic and Religion. New York: he Macmillan Company, 1922. GRIMSHAw, Anna. he Ethnographer›s Eye. ways of Seeing in Modern Anthropology. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. LES MAîTRES fous. Direção: Jean Rouch. Produção/Distribuição: Les Films de la Pléiade. 16/35 mm [Vídeo]. França, 1955 (27 min). Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=z2jG3rQ0MNA>. Acceso en: 7 jan. 2016. NINGEN Jōhatsu. Direção: Shoei Imamura. Elenco: Shigeru Tsuyuguchi, Shohei Imamura, Sayo Hayakawa. Japão, 1967 (130 min). STOLLER, Paul. he Cinematic Griot: he ethnography of Jean Rouch. Chicago: Chicago University Press, 1984. THE PASSENGER. Direção: Michelangelo Antonioni. Elenco: Jack Nicholson, Maria Schneider, Steven Berkof, Ian Hendry, Jenny Runacre. Produção: Cia. Cinematográica INTRODUÇÃO [23 Champion; CIPI Cinematográica; Les Films Concordia; Metro-Goldwyn-Mayer. Distribuição: Metro-Goldwyn-Mayer. França, Itália, EUA, Espanha, 1975 (119 min). TOMASELLI, Keyan. Appropriating Images. he semiotic of visual representation. Hojbjerg: Intervention Press, 1999. 24] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA El PODER y lA MIRADA EN lA ExPERIENCIA AUDIOVISUAl Matias Godio1 “[…] aquellos ingeniosos guerreros, dejando en el suelo sus ficticios sacos, corrían en el vacío al ataque de enemigos imaginarios con estocadas imaginarias [...]”. Louis-Ferdinand Céline – Viaje al in de la noche Licenciado en Sociología (UBA). Es Magister en Antropología Social por la Universidad Federal de Santa Catrina (UFSC) y Doctor en Antropología Social por la misma universidad de Brasil, donde desarrolló su tesis sobre las prácticas dirigenciales en el f́tbol argentino. Fue docente de la Facultad de Ciencias Sociales de la UBA. Actualmente, es investigador y profesor en la Universidad Tres de Febrero (UNTREF), Argentina, e integra el Ńcleo de Antropología Visual y el Grupo de Antropología Urbana y Marítima ((NAVI-GAUM), en Brasil. Ha publicado Operación Sarli. Una crónica del conurbano bailantero (1999, Corregidor). Sus principales artículos publicados en libros y revistas tienen como eje los siguientes temas: poder, autoridad, antropología visual y trabajo. 1 [25 Desde las ́ltimas décadas existe un consenso en el ámbito de las ciencias sociales y los estudios culturales respecto de la necesidad de consolidar marcos teórico metodológicos relativos al estudio de las posiciones jerárquicas de poder y dominación (GODIO, 2010, p. 69-78). En la sociología y la antropología este “consenso” tuvo como objetivo básico la formulación de un campo propio. Fue quizás la preponderancia de objetos teóricos derivados de la etnografía clásica aquello que llamó la atención de algunos investigadores dispuestos a entrar en esta discusión, pues ponía de maniiesto los resabios inconscientes del colonialismo y las b́squedas de “armonía social” en que crecieron las perspectivas y paradigmas durante el siglo XIX occidental. A su vez, el debate tenía como telón de fondo la necesidad de producir una relexión ética sobre las fronteras tecno-metodológicas que el hecho tácito de trabajar casi exclusivamente con grupos subalternos y las llamadas “sociedades tradicionales” imponía a la práctica de campo. Este “consenso” ha venido dando un giro y se ha disipado en los ́ltimos años a favor de la ejercitación de la ciencia social en universos de conocimiento menos convencionales. En gran medida, la incorporación de nuevos actores sociales tradicionalmente excluidos en los estudios antropológicos se dio como consecuencia lógica de una mirada menos “exotizante” de sus objetos empíricos, un hecho que se ha visto impulsado por el fortalecimiento del trabajo de campo en los estudios y etnografías del espacio urbano – este ́ltimo, un territorio simbólico naturalmente atravesado por formas sociales, prácticas y rituales del poder o la dominación, cuyos ecos suenan más cercanos a occidente. Sin embargo, también se ha hecho presente una lenta institucionalización de perspectivas teóricas preocupadas por comprender los marcos de desajuste 26] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA e inequidad del capitalismo actual y la globalización, así como los modos en que act́an las elites – grupos de poder, políticos, altos funcionarios del Estado o directivos empresas – en estos contextos. Es decir, nuevos protagonistas e interlocutores adquieren visibilidad en la medida en que se constituyen ante la mirada analítica como un ethos especíico dentro de un sistema cultural. Estos elementos son algunos de los que pertenecen al mencionado “giro”, llaves que abren las puertas de la renovación, la actualización y la validación de trabajos y herramientas interpretativas lideradas por la antropología y la sociología en el campo del poder (BOURDIEU, 1979, 2004; LIMA, 2006; MARCUS; FISCHER 2000; GIDDENS, 1974; wAGNER, 2007; LE wITTA, 1995; BOLTANSKY, 1982, entre otros). Quizás Vincent Crapanzano (1986) sea un ejemplo iniciático de ello cuando, bajo el signo auto-relexivo y deconstructivo característico del período posmoderno de la antropología, problematiza esta tendencia sirviéndose de la etnografía. El camino de la antropología audiovisual contemporánea no ha estado exento de estos desafíos, particularmente puestos de maniiesto en su diálogo con distintos modos de representación propios del cine documental (NICHOLS, 2001, p. 135-139).2 De alǵn modo, y como lo demuestran varios artículos de este libro, su persistencia en dar batallas éticoestéticas desde el corazón del método antropológico (RIAL; GODIO, 2008) constituye su trayectoria en una suerte de historicidad sobre el debate y la experimentación del carácter político – en el sentido ṕblico – de las problemáticas propias Nichols distingue seis sub-géneros: poético, expositivo, participativo, observacional, relexivo y performático. 2 EL PODER Y LA MIRADA EN LA EXPERIENCIA AUDIOVISUAL [27 del ejercicio del poder material y simbólico de la ciencia. Esto ́ltimo, es decir su carácter “ṕblico”, es aquello que explicitan o buscan explicitar las herramientas audiovisuales cuando tensan su relación con el saber cientíico. Ante este panorama, no es un dato menor el papel que asume la expansión global de las nuevas tecnologías de la comunicación y la información y el modo en que preiguran el resurgimiento en nuevos territorios simbólicos para viejos objetos teóricos. Sin duda, aquellos asociados con los dispositivos de poder, dominación y control socio-cultural están entre los más representativos. En este ensayo se intentará atravesar esta problemática partiendo de la dimensión performática del documento audiovisual antropológico y de los modos en que ésta pone en juego iguraciones estéticas y escénicas asociadas con los modelos de participación de los actores sociales que lo protagonizan. Para ello revisitaremos pormenores y diicultades que enfrentó el trabajo con la cámara durante la realización de mi tesis de doctorado sobre los lazos culturales del poder y la política entre altos dirigentes del f́tbol argentino (GODIO, 2010). El concepto de elites en que pueden incluirse los dirigentes de f́tbol profesional ha vuelto a ser de interés después de muchos años, transformándose en una tarea de gran importancia teórica y metodológica (MOYSER; wAGSTAFFE, 1987, p. 2-3). Es en este sentido que problematizaremos las modalidades de presentación de una antropología audiovisual sobre el poder y los actores/sujetos en posiciones concretas de actualizarlo. la cámara y la imagen Los vínculos entre la antropología y el arte han sido tan signiicativos como aquellos instituidos a lo largo de los 28] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA ́ltimos cien años con disciplinas como la psicología, la historia o la sociología. La experiencia de formalización de la práctica antropológica en relación con la audiovisual se remonta a las primeras décadas del siglo XX y se encuentra fuertemente mediada por la emergencia de la sociedad de masas y la reproducción técnica de las imágenes, especialmente ligada con el desarrollo de la fotografía y el cine. A pesar de que el cientiicismo social ha interpelado esta relación durante casi toda la primera mitad del mencionado período, se producirá con el paso del tiempo un “giro semiótico” en el que la etnografía se proyectaría sobre el arte, y viceversa, de forma más “sincera”. Por un lado, se anunciará un “arte antropologizado”, fruto de un compromiso existencial con el entendimiento del artista de la sociedad en la que vive y de la asunción de la experiencia artística como encuentro con la “otredad” (KOSUTH, 1975; FOSTER, 1983). Por el otro, se planteará una “antropología como arte”, la cultura como textualidad y la etnografía como literatura y collage3 (CLIFFORD, 2001). Aun cuando esta doble proyección se actualiza en formas críticas en los quehaceres de ambos, la selección de lo que interesa y de lo que se hace con el “otro” no se da sin tensiones, selecciones arbitrarias o narcisismos (PINOCHET COBO, 2013). En la fotografía, la reconstrucción histórica de esa experiencia se hizo posible rastreando sus primeros pasos en De acuerdo con Cliford (2001), la relación entre la etnografía y el surrealismo – las exploraciones de Georges Bataille y Michael Leiris – durante las primeras décadas del siglo XX se fundó en la b́squeda de “una estética que valora fragmentos, curiosas colecciones, yuxtaposiciones inesperadas, (y) que act́a para provocar la manifestación de realidades extraordinarias extraídas de los dominios de lo erótico, lo exótico y lo inconsciente”. 3 EL PODER Y LA MIRADA EN LA EXPERIENCIA AUDIOVISUAL [29 dirección a la antropología: desde las etapas de conianza/ desconianza iniciáticas entre el registro fotográico y el texto etnográico durante el pasaje del siglo XIX al XX (PINNEY, 1996), hasta la recuperación canónica de sus “textos fundacionales” al interior de la propia disciplina durante el siglo pasado. Lo ha sabido mostrar Etinene Samain en relación al carácter epistemológico del uso de la fotografía en Los argonautas del Pacíico Occidental, de Malinowski, o en Balines Character, de Mead y Bateson (ALVEZ; SAMAIN, 2004; SAMAIN, 1995). También entre el cine y la antropología se construirán puentes durante la segunda mitad del siglo XX, especialmente con la exposición de las obras fundamentales de Jean Rouch y su originalidad para abordar la resigniicación local de la experiencia colonial/modernizadora en África. Rouch tendrá un gran papel en la defensa de la centralidad del proceso de iccionalización4 del registro a través de la cámara, la presencia del cineasta y el sentido de los interlocutores en la etnografía audiovisual. De allí en más, la etnografía audiovisual es recuperada y reinstituida en la interpretación metodológica de las experiencias artísticas de Robert Flaherty y Dziga Vertov, proyectando un elemento central al interior de la práctica audiovisual antropológica: el compromiso emocionaldescriptivo del montaje como hecho político y colectivo que incluye a los participantes del ilme y que presupone relaciones de desigualdad comunicativa a resolver. Estos son puntos de partida desde los que la tradición antropológica clásica entabló un vínculo relexivo con la práctica audiovisual y con el emergente arte de la imagen. Un vínculo tenso y de desencuentros en torno al concepto de lo 4 30] Rouch lo llamó “fabulación”. ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA real, pero que con los años retemplará los ánimos de nuevos antropólogos–cineastas, y las almas de quienes se servían de estas herramientas ya desde sus inicios en el recordado viaje iniciático de la primera etnografía al Estrecho de Torres en 1898.5 Sin embargo, a diferencia de una cierta “estabilidad complementaria” con el texto lograda por la fotografía en la etnografía cientíica, el cine mostró rápidamente su capacidad para liberarse del mandato cientíico sin desentenderse del mismo al actuar bajo condiciones estéticas, políticas y técnicas particulares. Como bien mostró Deleuze (1987), el montaje se posiciona en un primer plano durante el siglo de las masas como interlocutor meta-problemático de los “asuntos” del cine en términos de conocimiento. El cine sospechaba desde temprano que sus condicionamientos técnicos-organizativos podían ser parte central de una relexión epistemológicas y un campo de comprensión y cuestionamiento interno que incluía la cuestión del poder. Vertov y Flaherty habían desnudado en qué medida el cine imprimía una co-presencia en la serie de superposiciones expresivas que habitan entre su narrativa como totalidad y el sentido que adquiere el acontecimiento fílmico.6 En su trayectoria, la antropología audiovisual va a crecer desde el estudio de sistemas abstractos, como el parentesco o los sistemas económicos, hasta la consideración global de la experiencia humana liberada en el proceso de comunicación que le es propio (REBOLLO, 2005). Y es en esta Expedición organizada por el zoólogo Alfred Haddon (Universidad de Cambridge), de la que participaron personajes centrales en la actualización del trabajo de campo como eje de la ciencia antropológica como C.G. Seligman, w. Rivers, entre otros. 6 Después de la Segunda Guerra, el neorrealismo italiano y su “tiempo real” buscaba abrir sus temas a los espacios comunes entre el cine y lo real, donde se disuelve lo aterrador del fascismo: el humor, el amor, el trabajo, la ciudad. 5 EL PODER Y LA MIRADA EN LA EXPERIENCIA AUDIOVISUAL [31 trayectoria que se ha adoptado un enfoque más experiencial y fenomenológico. En cierta forma, y más allá de la discusión entre constructivismos o formalismos, documental o icción, Vertov estaba diciendo lo mismo que Eisenstein: el viaje del despertar de la consciencia al conocimiento se da en la técné. Es con el despertar de la mirada documental de Vertov, el de la “cámara en mano”, y la conciencia del montaje y el corte como “paralelo” de los ritmos de la vida, que esas relaciones posibles interpretan en y por la imagen. Es este también el principio fílmico que aparece en la famosa escena de los gusanos en la carne y la án imposible mirada totalizadora de los marineros para dirigir exitosamente el Potemkim hasta el puerto (donde inalmente la masacre zarista sella el in del intento de rebelión de 1905). Lejos de asumir las imágenes en movimiento apenas como ilustraciones de lo real o datos “duros” del objeto de estudio, la práctica del documental antropológico va ser considerada eje de la percepción de los campos conceptuales que ella suscita –inclusive los que por ella son silenciados y sustraídos, como bien ha mostrado la nouvelle vague en los años sesenta. Se trata de aquello que los antropólogos-cineastas han experimentado y teorizado a través de la conceptualización de la dialéctica entre la mise en scène y la auto-mise en scène que se produce en el hecho fílmico, y que adquiere su carácter epistemológico como iguración de la relación relexiva producida durante una película de exploración antropológica como instancia imaginaria y creativa7 (DE FRANCE, 1998; PIAULT, 2000). Por un lado, la mise en scène del cineasta-antropólogo, que construye un sistema de observación y de presentación de las imágenes y, por el otro, la auto-mise en 7 32] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Hay pues que remontarse al programa surrealista y el carácter relacional del registro etnográico que se explicitaba como confrontación de inconscientes colectivos entre investigadores e interlocutores. En este contexto, se ha desarrollado también una antropología más horizontal que comparte el control sobre la producción de los datos etnográicos y su posterior análisis, construcción y exhibición. Así, la mirada etnográica se torna hecho social como representación, haciéndose implícita en la textualidad imágetica y teatralizando la relación entre el fenómeno observacional y la autoridad, tal como airma James Cliford (2001) en referencia al frontispicio de Los Argonautas: frente a los trobriandeses y a los lectores está, al mismo tiempo, el etnógrafo Malinowski. O bien, entendiendo que en las alteridades hay deiniciones artísticas, estéticas y escénicas que permanecían opacas por el habitus colonial, tal como se puede aprender de Jean Rouch cuando relata la primera “gran lección” de Marcel Griaule, su maestro, quien lo ridiculiza por sentirse avergonzado de grabar con su cámara un rito funerario entre los dogón, que está siendo real solo porque va a ser visto y “¡los nativos lo saben”! La cámara solo lo explicitaba, no lo denunciaba ni invadía. Era una “colaboración artística”, como Rouch se encarga de recordar en ese simple, pero preciso y pedagógico, ilme de Rial y Grossi, Lições de Rouch (2009). scène que viene del habitus de los sujetos que “act́an” determinado objeto de estudio, pasa por su cuerpo y por sus palabras, y hace que las situaciones ilmadas exijan de ambos polos un ajuste a la propia operación cinematográica y sociocultural que está siendo abordada (GODIO, 2006). Esta antropología “por y en la imagen” implica estimular un “proceso de reconocimiento mutuo, donde el avance explorador no puede sustraerse a la interrogación sobre sus propios ines y a su pertinencia, tanto desde el punto de vista del espacio observado como del mundo que nos observa” (PIAULT, 2000, p. 269). EL PODER Y LA MIRADA EN LA EXPERIENCIA AUDIOVISUAL [33 Estos también fueron pasos muy signiicativos dados por la práctica audiovisual en dirección a exponer(se) al problema del poder de forma original durante el desarrollo de la antropología contemporánea. Es decir, al asumir los riesgos de sus roles en el plano de los procedimientos artísticos y menos en el de los problemas y temas antropológicos clásicos – como parentesco, religión, ritual o mito –, se reelaboraba el concepto de la mirada que observa/participa como eje fundamental de una dimensión estructurante de la práctica etnográica. No es casual que la práctica cinematográica en Rouch, especialmente su b́squeda etnográica como ejercicio de fabulación colectiva, se transforme tan intensamente en referencia obligada sobre el papel de la antropología audiovisual en la interpelación teórica de los “temas” fundacionales de la propia disciplina. El poder en la mirada del otro Urgences (2002), de Armelle Giglio Jacquemot, es un documental antropológico fundamental en mi decisión de investigar prácticas de poder. Realizado en las condiciones técnicas austeras típicas de la antropología, la cámara sale del interior de una ambulancia previamente solicitada “con urgencia” por habitantes de una vivienda de los suburbios paulistas. En ella, hay alǵn integrante con “problemas de salud”. Este ilme, centrado en comprender la dimensión social del concepto nativo de “emergencia” médica entre sectores pobres de la ciudad de San Pablo, es una excelente muestra de la capacidad de actualización estética del drama social en el campo de conocimiento antropológico. La intensidad emocional que experimentan los sujetos amplía 34] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA la dimensión artística del drama, solicitando visibilizar la situación y orientando los planos, la secuencia fílmica y su montaje interno. Sin embargo, lo que también deja ver el ilme es la dimensión ético-ideológica de lo estético y el modo particular en que la producción escénica del antropólogocineasta enfrenta el mismo dilema que enfrenta el artista en su “retirada” hacia la obra. Es cierto que este tipo dilemas son muchas veces explicitados dentro de la tradición documental no antropológica. Por ejemplo, en ilmes documentales como O princípio e o im (2005), de Eduardo Coutinho. Construido en torno a entrevistas con habitantes de un diminuto poblado del sertão brasilero, en este típico documental de exploración se explicita la ambigüedad más extrema de la posición de autoridad que asume el cineasta durante la investigación audiovisual. La elección del lugar y los personajes es casi un “accidente” y el cineasta lo hace saber con desazón, sin cesar. Araçá se vuelve un territorio donde los interlocutores parecen aceptar el documental como un acto de sumisión por su propia insigniicancia. Finalmente, Coutinho “dejará” hablar a uno de sus personajes para que le recrimine el autoritarismo intrínseco de la operación fílmica que dirige. Se trata de las dimensiones ética, ideológica y política (NICHOLS, 1997) en que se inscribe la tensión entre contexto social, la cámara etnográica y la posición intrafílmica de los sujetos y el antropólogo, aquella que estaba siendo problematizada indirectamente en la anécdota de Rouch durante su iniciación como etnógrafo audiovisual. Tal como apunta Ardevol (1998), en los años ochenta, la visión clásica de la cámara como herramienta secundaria de la etnografía ya era cuestionada por antropólogos y cineastas. EL PODER Y LA MIRADA EN LA EXPERIENCIA AUDIOVISUAL [35 Con ella se intenta formalizar estrategias de diálogo creativo con los interlocutores de la investigación. MacDougall (1975) criticará la ausencia de participación de los actores en la representación de su cultura y el carácter distanciado y supuestamente objetivo del documental naturalista. Al igual que Rouch, considera fundamental llevar la cámara al centro de la acción, hacerla “participativa” y “próxima”, evitar los comentarios explicativos y eruditos y buscar que sean los propios actores los que hablen y se dirijan al espectador. Jay Ruby (1980) cambiará el eje de relexión del producto al proceso, y propondrá que el antropólogo rompa con la tradición del cine documental para crear su propio lenguaje cinematográico. Se trata del llamado cine exploratorio, en contraposición al cine explicativo: En el cine etnográico relexivo, la cámara pasa a formar parte del propio proceso de investigación, no es independiente de la mirada del antropólogo que la sujeta y participa con él en el proceso de exploración cultural. La cámara no capta hechos objetivos, sino la relación entre el investigador y su contexto de investigación. Cuando la ilmación es simultánea con el trabajo de campo y no posterior a él, el investigador no tiene una comprensión plena de lo que está ilmando, no sabe todavía hacia dónde lo conducirá su observación. (ARDEVOL, 1998, p. 222). En la antropología audiovisual, el método se deinirá por un campo de posibilidades para la expansión de lo que llamamos socio-montaje, un concepto metodológico que se inscribe dentro de la extensa tradición de la “antropología compartida” inaugurada por Rouch y, luego, canonizada por la práctica disciplinar (RIAL; GODIO, 2008). Este concepto 36] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA de abordaje de los objetos de estudio opera fundamentalmente sobre tres dimensiones analítico-estéticas: a) los sujetos de la investigación son vistos como personajes performáticos del registro y de la narrativa; b) los contextos como escenarios en línea de continuidad y discontinuidades con las performances; y c) los discursos como proyecciones de un guión social y colectivo. A su vez, el feedback deja de ser una simple devolución de resultados de investigación y adquiere la potencia de la “proyección” fílmica por medio de presentaciones colectivas del material registrado y editado en una primera versión. Se busca así la participación y discusión con los actores involucrados en la investigación audiovisual y el establecimiento de condiciones para una relexión crítica de las cuestiones que se presentan durante las tres “capas” del socio-montaje.8 ¿Qué ocurriría si las cámaras Urgences y O principio do im irrumpiesen tan violentamente en medio de los dramas de sujetos menos “accesibles” para la investigación etnográica? ¿Podemos imaginar la misma “facilidad” con que muchas veces nos abren la puerta – rostros y voces del “otro subalterno y marginalizado” – durante la labor etnográica o artística? ¿Cómo llegar, en cambio, a la palabra e imágenes de grupos sociales que ejercen posiciones de poder, y cuyo hermetismo es la expresión primaria del “gesto visual” en sus prácticas de poder? Este socio-montaje debía trabajar concibiendo los datos de campo como constructores de los ritmos móviles de la vida que la componen, y supone como premisa epistemológica que la “democratización” de los medios de conocimiento impacta directamente sobre su dimensión política y, por ende, en su carácter de “cosa ṕblica”. Esta técnica de exposición y publicación de los datos e interpretaciones completa lo que podemos llamar una “gran entrevista abierta colectiva”. Con ella también se intenta colocar a los sujetos involucrados en la investigación en situaciones “fuera de contexto” con el objetivo de que interpreten la acción, sus motivaciones y objetivos. 8 EL PODER Y LA MIRADA EN LA EXPERIENCIA AUDIOVISUAL [37 Estos ejemplos exponen la forma en que las personas son solicitadas – y solicitan – una mirada que obtenga su performance dramática, es cierto. Pero también hay allí un fuera de campo que les es intrínseco y que se proyecta sobre un territorio más seguro, el de una gran galería-pantalla-museo, del arte o la ciencia. Y como si fuera poco, en su retirada hacia la obra, se dispara la dimensión estética de una alteridad extrema que se vuelve fuente de las nuevas artes visuales de masas y su manipulación de las representaciones del mundo.9 El poder como objeto empírico Es posible encontrar, en los llamados “ilmes de icción”, el tema del poder como objeto de investigación cinematográica. La historia de la violencia en Intolerancia, de Griith (1916); las jerarquías militares en Senderos de gloria, de Kubrick (1957); la lucha de clases con El acorazado Potemkin (1925) y Octubre (1927), de Serguei Eisenstein; la organización criminal en M (1931) y la turba de linchadores en Furia (1936), de Fritz Lang; el peso de las tradiciones en la remota isla de Stromboli, de Rosellini (1950); la compleja trama cultural del poder en Il Gattopardo, de Luchino Visconti (1963); los latifundistas y los jornaleros de Las uvas de la ira, de Ford (1940); los resentimientos de clase acumulados en La caza, de Saura (1965); el Estado en El proceso, de Orson wells; el clan familiar maioso en El padrino, de Ford Coppola (1972-1975); o la necesidad económica y los principios éticos En la Argentina, el tipo de programas como Policías en acción se nutren al extremo de este modelo. 9 38] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA en El verdugo, de García Berlanga (1964). Estos, por citar algunos de los más renombrados.10 Resulta sin embargo difícil hallar ilmes antropológicos – también trabajos escritos – que tengan como interlocutores a sujetos en posiciones de poder en contextos asociativos como empresas, partidos políticos, escuelas, iglesias, ejércitos, sindicatos o grandes clubes de f́tbol. Es cierto que la antropología ha rozado estos temas en paralelo a su diálogo con el cine documental. Ese trayecto va desde la denuncia de la miseria en Las Hurdes, de Buñuel (1933), o en la espectacularización del disciplinamiento del cuerpo de El triunfo de la voluntad, de Riefensthal (1936), hasta la extensa obra de autores como wiseman y su problematización de las instituciones de encierro; o en maravillosos documentales como First contact (1983), de Bob Connolly y Robin Anderson. Inclusive la “denuncia victimista” de Grierson, relativa al universo obrero de la década de 1930 en Gran Bretaña, puede asociarse con este movimiento de abordaje del poder. Sin embargo, el poder es ubicado en ellos en términos de un problema, una denuncia o inclusive una exégesis. Mientras tanto, los sujetos que lo encarnan, aquellos habilitados para ejercerlo de diversas formas, se mantienen ausentes, sin carne, sin huesos. Y no hablo de la interpretación de imágenes visuales en el campo de la moda, la política o el espectáculo desde una prospectiva del ejercicio cultural del poder. Hablo de la producción de imágenes audiovisuales de los sujetos concretos que lo poseen. Y si nos atenemos a uno de los géneros más importantes de la historia de cine, el western, se hace evidente la gran variedad de manifestaciones del poder: guerras contra los indios, disputas territoriales entre colonos y ganaderos, banqueros, bandidos, vaqueros héroes y villanos. 10 EL PODER Y LA MIRADA EN LA EXPERIENCIA AUDIOVISUAL [39 Pues bien, no siempre la mejor antropología audiovisual es hecha por antropólogos. Así lo demuestra de he act of killing (2012), de los cineastas Joshua Oppenheimer y Christine Cynn (y un tercer autor anónimo), una realización documental reciente, que encuadra etnográicamente la posición de poder de un “otro” muy lejos de las clases o grupos subalternos. Un ilme que actualiza la purga y exterminio de comunistas en Indonesia entre 1965 y 1966. En este documental, el protagonista y sus amigos aceptan narrar su mirada sobre estas matanzas de las cuales fueron partícipes. Lo hacen airmando desde el principio que “la historia la narran los que ganan”, y que ellos ganaron. La forma clásica del documental cinematográico cede ante la mirada émica y antropológicamente intensa que imprime la convicción de los interlocutores durante la construcción del relato. Los protagonistas asumen un papel central en la deinición de los objetivos y formas comunicativas del documental. Escriben los guiones y se autorretratan como estrellas de un cine de gangsters, del western y del musical. Ellos interpretan inclusive a sus propias víctimas, con cinismo y entusiasmo. En el caso de la realización del documental con dirigentes de f́tbol profesional, yo trataba con personas muy reacias a exponer aspectos de su vida y su trabajo fuera del discurso periodístico establecido. Cuando se trataba de enfrentar una cámara, uno de los puntos centrales a resolver era saber de qué modo establecería la interacción etnográica con sujetos cuyos papeles sociales estaban orientados a deinir posiciones de control del lenguaje y la comunicación (de forma muy sobria y descolorida, agrego). ¿Cómo producir aquí un tipo de intersubjetividad etnográica donde la alteridad no pertenecía a las clases subalternas ni a los “desconocidos de siempre”, 40] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA sino a personas que se veían fuertemente amenazadas por la presencia de una cámara? Hasta allí, es cierto, esto no difería mucho de lo que ocurriría con chicos de la calle, vendedores ambulantes u otras prácticas culturales y sociales para quienes la cámara representa un peligro objetivo (cárcel, persecución, estigmatización, etc.). En efecto, la extensa relexión sobre el trabajo de campo en la historia de antropología ha descripto la importancia de realizar ajustes permanentes en las estrategias y técnicas empleadas para el “encuentro etnográico”, seǵn las particularidades de los grupos sociales y de los objetos de estudio. El referencial empírico es coetáneo con el universo de signiicación que delimita la esfera de acción del trabajo de campo; condiciona la integración de los datos y la teoría que lo precede y redeine el proceso de enunciación del mismo (GUBER, 2004; PEIRANO, 1995). Pero aquí, el universo ni siquiera se parecía a la exuberante y atractiva brutalidad de los matadores de comunistas indonesios, inalmente, también algo exóticos y “marginales”. En consecuencia, el trabajo consistía fundamentalmente en tejer una red de conianza en torno al uso de la cámara acorde con las necesidades de un grupo social poco permeable. No es novedad que muchos antropólogos visuales hacen sus trabajos con poco presupuesto y con mucha simplicidad técnica. Los acuerdos de futuras ilmaciones con “equipos profesionales” se transformaron en una carta de presentación y de seducción de los personajes, que mostraron mucha eicacia. Mientras tanto, el cuaderno de notas se volvió fundamental para reproducir las impresiones de la mirada de la experiencia vivida en las entrevistas y encuentros. Así, las “extensas y limitadas entrevistas fueron el momento para comprender ese proceso” (KUSCHNIR, 2003, EL PODER Y LA MIRADA EN LA EXPERIENCIA AUDIOVISUAL [41 p. 38). Paciencia. Ellos me dirían cuándo, dónde y la duración de las entrevistas. Fue desde entonces que comencé a pensar en estrategias alternativas en el uso de la cámara con el objetivo de reducir el relejo que esta producía sobre los interlocutores en relación a prejuicios y valoraciones –en general mediáticas– negativas de su labor. Apenas en seis oportunidades puede participar en actividades en que desplegaban con mayor performatividad su papel de dirigentes y, en todas ellas, el uso de la cámara me fue vedado sistemáticamente. ¿Quién es él? ¿Un periodista? Con el objetivo de aprovechar la atracción por el discurso periodístico prefabricado por los dirigentes, consideré necesario evitar el uso de la cámara en los primeros encuentros, utilizando el cuaderno de notas y prometiendo una ilmación “especial” en futuros encuentros. Esta, me pareció, sería la mejor manera de vencer esa intriga que caracterizaba los primeros contactos. Con mucho esmero, me fui olvidando de la posibilidad de un encuentro “colaborativo” en la forma clásica en que conocí la etnografía audiovisual cuando trabajé con grupos de pescadores y trabajadores informales. El temor a que todo mi trabajo fracase se transformó en una guía. Utilizando casi exclusivamente el viejo cuaderno de notas y la memoria, las ilmaciones comenzaron a transitar el campo de una “promesa” de performance que tradujese mi labor en términos de respeto y autoridad. Se trataba de personas con vidas profesionales muy activas y exigentes, tanto desde el punto de vista de los horarios como de los compromisos que argüían al momento de concretar las entrevistas y los encuentros. En este contexto, las tareas de observación e interacción típicamente descriptas por las experiencias audiovisuales difícilmente se concretaban. 42] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Mi trabajo era considerado del orden de la “opinión ṕblica”, es decir, del periodismo, y era visto con recelo por sus juicios y sospechas sobre las “malas” conductas dirigenciales. A su vez, en un territorio fuertemente marcado por el secreto como estrategia de acumulación de poder, el registro audiovisual podía ser un “rastro” que llevase o trajese información que no debe ser ventilada (por ejemplo, el interés en la compra de un jugador o en la contratación de un técnico o una marca deportiva). Al mismo tiempo, información en imágenes de su vida privada era considerada “peligrosa” para su familia y para ellos mismos. Fonte: acervo pessoal. Por este motivo, la totalidad de las entrevistas fue realizada en sus lugares de trabajo. Empresas, consultorios médicos u oicinas notariales y estudios de abogados fueron casi siempre los lugares elegidos, y en los que, paradojalmente, se sentían más seguros y “libres para hablar”. Se trataba de EL PODER Y LA MIRADA EN LA EXPERIENCIA AUDIOVISUAL [43 una suerte de intimidad de la trayectoria, donde podían verse concentrados los signos de los capitales sociales y culturales acumulados. No es casual que el tema de las profesiones haya sido quizás el capítulo más “benjaminiano” de mi tesis, el más visual y sensorial de todos. Las oicinas profesionales parecían ser los lugares donde se sentían más seguros, espacios “privados” donde el tiempo y la visibilidad eran mejor controlados por ellos que en las sedes de los clubes, en las casas familiares o en los eventos ṕblicos. La presencia de la cámara durante los encuentros exigiría una mise en scène de mi parte que fui percibiendo con el tiempo, pues la mayoría de los interlocutores interpretaba la posición del investigador como un intermediario liminar en la comunicación con los “receptores subalternos” de sus discurso (los hinchas y socios del club). Las diicultades para establecer “diálogos narrativos” con los dirigentes, es decir instancias de interacción y complicidad estética, denunciaban la construcción de una relación de poder que se establecía bajo la forma tácita de una “amenaza”. Esos pequeños hombres circunstancialmente en la alta dirigencia de los clubes de f́tbol venían del comercio, del mundo empresarial o de las profesiones liberales. Y si bien habían sido “lanzados” a administrar coordenadas culturales como hombres de la “sociedad civil” y no de la “alta política”, los procesos institucionales adquirían, para ellos, el carácter gigantesco de la cosa ṕblica. Ese temor tuvo su punto más álgido cuando entregué en mano, a cada uno de los dirigentes que había participado, la primera versión del documental Dirigentes en fútbol (2009)11 11 44] Disponible en: <https://vimeo.com/65429781>. ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA para que dieran su opinión, intentando un primer ejercicio de feedback. A los pocos días recibí el llamado de uno de mis principales interlocutores, quizás con el que más conianza tenía. El tono de voz me indicó rápidamente que algo estaba mal. Me increpó por haber usado las imágenes “sin su autorización”, y mucho más án por el peligro que signiicaba para su trayectoria la utilización de “malas palabras” o algunos términos ofensivos con los que se dirigía a ciertos simpatizantes o a personas del club rival de la ciudad. No fue nada sencillo desandar ese embrollo. La peor recriminación consistía en que este material había caído en manos de otros dirigentes: “esa no es la forma en que habla un dirigente social” – este ́ltimo, un término con el que la mayoría solía autodenominarse. Logré convencerlo a medias y me apresuré a recuperar los DVD entregados. Pacté rápidamente una nueva entrevista con el despechado interlocutor para sustituir cada una de las partes en que intervenía en el documental. Así lo hice, junto a un camarógrafo profesional que contraté especialmente para la ocasión. Finalmente, presenté la ́ltima versión del documental en un centro cultural12 de la ciudad de La Plata. Al contrario de lo que ocurría en otras experiencias, esa exposición ṕblica era vista como peligrosa por ellos. No se trataba de una “visibilización” llena de gratitud por parte de los interlocutores. Al contrario. Muy lejos de tener un carácter celebratorio, la exhibición generó resistencia en casi todos los dirigente involucrados en el ilme. De un total de siete Asociación Cultural Daniel Omar Favero, ubicado en un lugar periférico de la ciudad de La PLata, fue creado por sus padres y amigos como homenaje a su joven hijo desaparecido durante la dictadura militar argentina entre 1976 y 1983. 12 EL PODER Y LA MIRADA EN LA EXPERIENCIA AUDIOVISUAL [45 dirigentes entrevistados, cuatro asistieron aquella helada noche de invierno en La Plata. Sin embargo, fue allí cuando me di cuenta de que la voz en of de este primer documental13 había sido fundamental para producir una cierta empatía con los presentes y dar otra oportunidad a la investigación visual. Al contar algunos aspectos de mi propia vida, disolvía el carácter unívoco de las revelaciones que proponía el ilme en torno a las representaciones sobre el poder que los dirigentes deslizaban. Las constantes negativas de parte de mis interlocutores a ser objetos de registro audiovisual en el devenir más cotidiano de sus vidas familiares se convirtieron, para mí, en una información central para construir la categoría de dirigentes de f́tbol a la luz de las teorías de las élites con las que intentaba comprender este universo. La insistencia en producir las entrevistas ilmadas en sus contextos profesionales revelaba el poder de estos espacios en el proceso de construcción de su imagen como dirigentes, y la fortaleza y la debilidad de su poder como tales. “Looking down, looking up”: Mirar el poder pese a todo La experiencia del poder en la mirada etnográica es tan necesaria como la utopía del encuentro y del diálogo intercultural ponderado siempre por esta ́ltima. Y hay algo El segundo documental, La Cena del Dirigente, fue ilmado durante un homenaje ṕblico a representantes de entidades civiles y deportivas de la ciudad de La Plata. Fue editado exclusivamente como forma de retribución para uno de los interlocutores. El objetivo fue fortalecer lazos de reciprocidad. 13 46] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA de “lacaniano” en todo este asunto. En la medida en que lo pre-existente al encuentros etnográico y el sistema de signos en el que este nace como necesidad de conocimiento es la alteridad extrema a que se enfrenta la soledad del etnógrafo y su obra, la brecha ontológica en la que se juega la negociación del hecho fílmico con el otro y la condición de existencia de los temas que son habitados como lo común se dan en un campo de “transferencia” meta-terapéutica. El ilme antropológico explicita esa brecha y la distancia que separa a los actores en una trama de signiicados y sentidos a los que Geertz hace siempre referencia. Es, por así decirlo, una relación fundante de “algo” colectivo que se da como imposibilidad e interrupción originaria, pero al mismo tiempo como devenir necesario por medio de la mirada y lo que se hace visible en el encuentro que, como dirá Marc Augé (2014), es un encuentro de y con el antropólogo. Nos hemos preguntado aquí: ¿cuál es la tarea de la antropología audiovisual cuando la alteridad está habilitada “desde antes” por lo común, primero para poseerlo y luego para narrarlo? Es decir, ¿qué ocurre con el poder que nos atraviesa? Habrá que entender mejor qué ha hecho la antropología audiovisual por cuestionar esa obsesiva necesidad de la ciencia positivista de separar la teoría de la práctica. O quizás, como dice Nichols de forma un poco más osada, por qué no, ya hemos entrado en el terreno psicoanalítico, un poco “freudiano”: Tanto la pornografía como la etnografía prometen algo que no pueden cumplir: el placer deinitivo del conocimiento del Otro. Dependen de esta promesa de conocimiento sexual o cultural, pero también están condenadas a limitarse a hacerlo asequible para su representación. (NICHOLS, 1997, p. 284). EL PODER Y LA MIRADA EN LA EXPERIENCIA AUDIOVISUAL [47 Este es, a pesar de todo, el escenario que ha revitalizado el peril epistemológico de la experimentación del método audiovisual que ha hecho la antropología desde sus primeros pasos. Sahlins (2006, p. 149) advertía la importancia de comprender “los efectos históricos de experiencias de personas investidas de poder por órdenes culturales que, sin embargo, son vividas por ellas de maneras particulares”. No se trata de airmar que este campo “se salva” de las resistencias y silencios de la tradición disciplinar en el molesto trabajo de abordar grupos de poder como locus de campo de la relexión teórica. Ni siquiera es un juicio en esa dirección. Se trata más bien de recuperar la especiicidad que habita en su trayectoria en torno a ese problema – el del poder y la mirada –, estremeciendo nuevos y viejos temores – su lugar en la disciplina –, y proyectando su carácter subversivo y comprometido socialmente hacia las nuevas alteridades comunicativas que nos desafían. Referencias SAMAIN, Etienne. Balinese character (re)visitado. In: ALVEZ, André. Os argonautas do mangue. Campinas: Editora Unicamp, 2004. ARDEVOL, Elisenda. Por una antropología de la mirada: etnografía, representación y construcción de datos audiovisuales. Revista de Dialectología y Tradiciones Populares del CSIC, Madrid, v. 53, n. 98, p. 217-240, 1988. AUGÉ, Marc (2014). El antropólogo y el mundo global. Buenos Aires: Siglo XXI Editores. 2014. 48] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA BOLTANSKI, Luc. Les cadres. La formulation d´un groupe social. Paris: Minuit, 1982. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. _____. La distinction. Paris: Les éditions de minuit, 1979. GIDDENS, Anthonny . Elites in the british class structure. In: STANwORTH & GUDDENS. Elites and power in british societry. Londres: Cambridge University Press. 1974. CLIFFORD, James. Dilemas de la cultura. Antropología, literatura y arte en la perspectiva posmoderna. Barcelona: Gedisa, 2001. CRAPANZANO, Vincent. Waiting: he whites of South Africa. Nueva York: Random House, 1986. DE FRANCE, Claudine. Cinema e Antropologia. São Paulo: Editora Unicamp, 1998. DELEUZE, Gilles. La imagen-tiempo. Estudios sobre el cine II. Barcelona: PAIDOS, 1987. FOSTER, Hal. he Anti-Aesthetic. Essays on Postmodern Culture: Washinngton: Bay Press, 1983. GODIO, Matias. As Conseqüências da Visão: Notas para uma Sócio-Montagem Etnográica. Antropologia em primeira mão, Florianópolis, n. 83, p. 5-21, 2006. _____. “Somos hombres de platea”. A sociedade dos dirigentes e as formas elementares do poder e da política no futebol EL PODER Y LA MIRADA EN LA EXPERIENCIA AUDIOVISUAL [49 proisional na argentina. 2010. 433 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social ) – Centro de Filosoia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010. Disponible en: <https://repositorio.ufsc.br/handle/ 123456789/93989?locale-attribute=en>. Acceso en: 10 jan. 2016. GUBER, Rosana. El salvaje metropolitano. Buenos Aires: Paidós, 2004. KOSUTH, Joseph. he artist as anthropologist. he Fox, New York, n. 1, p. 18-30, 1975. KUSCHNIR, Karina. Uma pesquisa na metrópole. Identidade e socialização no mundo da política. In: VELHO, Gilberto; KUSCHNIR, Karina (Org.). Pesquisas urbanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. p. 20-42. LE wITTA, Beatrix, Ni vue ni connue. Approche ethnographique de la culture bourgeoise. Editions de la MSH: París, 1995, LIMA, Antonia. Grandes famílias, grandes empresas. Lisboa: Dom Quixote, 2003. MACDOUGALL, David. Beyond Observational Cinema. In: HOCKINGS, Paul. Principles of Visual Anthropology. La Haya: Ed. Mouton Publishers, 1975. p. 109-124. MARCUS, George & FISCHER, Michael. La antropología como crítica cultural. Buenos Aires: Amorrortu editores, 2000. MOYSER, George & wAGSTAFFE. Margaret. Studying elites: theoretical and methodological issues. In: MOYSER, George & 50] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA wAGSTAFFE. Margaret (eds.). Research Methods for Elite Studies, winchester: Allen and Unwin, 1987. p. 1-25. NICHOLS, Bill. La representación de la realidad. Buenos Aires: Paidós, 1997. _____. Introdução ao documentário. San Pablo: Papirus, 2001. PEIRANO, Mariza. A favor da etnografía. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995. PIAULT, Marc Henri. Antropologie et cinéma. Paris: Nathan, 2000. PINNEY, Christopher. A história paralela da Antropologia e da Fotograia. Cadernos de Antropologia e Imagen, Rio de Janeiro, n. 2, p. 29-52, 1996. PINOCHET COBO, Carla. Arte y antropología en torno a los acentos y omisiones de una adscripción disciplinar. Revista Sans Soleil – Estudios de la Imagen, v. 5, n. 1, p. 74-81, 2013. REBOLLO, Jorge G. Antropología, cine y refracción. Los textos fílmicos como documentos etnográicos. Gazeta de Antropología, n. 21, p. 1-19, 2005. Disponible en: <http:// hdl.handle.net/10481/7177>. Acceso en: 10 jan. 2016. RIAL, CARMEN; GODIO, Matias Visualizando a antropologia: estética e autoconsciência cinemática. In: ZIKAN CARDOSO. Vânia (edit). Diálogos transversais em Antropologia, Florianópolis: PPGAS/UFSC. 2008. EL PODER Y LA MIRADA EN LA EXPERIENCIA AUDIOVISUAL [51 RUBY, Jay. Is an Ethnographic Film a Filmic Ethnography? Studies in the Anthropology of Visual Communication, v. 2, n. 2, p. 104-111, 1975. SAHLINS, Marshall. História e Cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. SAMAIN, Etienne. Ver e dizer na tradição etnográica: Borislaw Malinowski e a fotograia. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 1, n. 2, p. 23-60, jul./set. 1995. Disponible en: <http://www.ufrgs.br/ppgas/ha/pdf/n2/HA-v1n2a04.pdf>. Acceso en: 12 mar. 2016. VAILATI, Alex. Novos cenários para as pequenas mídias: para uma exploração etnográica do cinema de família. In: Ana Ĺcia Marques Camargo Ferraz; João Martinho de Mendonça (Org.). Antropologia Visual perspectivas de ensino e pesquisa. Brasília: Associação Brasileira de Antropologia, 2014. wAGNER, Anne-Catherine. Les Classes sociales dans la mondialisation. La Découverte: París, 2007. 52] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA O DOCUMENTÁRIO SOCIAl Alex Vailati1 Saberes visuais As representações visuais, cada vez mais, fazem parte da vida quotidiana e da arena de estudo da Antropologia. Além disso, onde é possível perceber uma hostilidade com relação à produção de teorias antropológicas através do medium visual, podemos encontrar a presença deste, seja inalizada a complementar o conhecimento antropológico, seja como um meio para aplicar tais saberes a práticas sociais, políticas e de ativismo cultural. As buscas por deinições daquele espaço de contato entre Cinema e Antropologia Cultural foram objeto de muitos debates na história. Também, hoje, são utilizadas categorias classiicatórias, como ilme etnográico, documentário, ou etnoicção, o que, talvez, ainda cria uma confusão, em particular entre os estudantes, sobre aquela interconexão transdisciplinar que é a Antropologia Audiovisual. Alex Vailati é professor no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É integrante do Ńcleo de Antropologia Visual e Estudos de Imagens da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 1 [53 O foco deste artigo é sobre a categoria de documentário social, a qual, fora do mundo acadêmico, é muito utilizada para deinir um campo do visual contemporâneo, em particular em relação ao documentário. É interessante ver como já há mais de 20 anos essa deinição foi utilizada para descrever a airmação do documentário na América-Latina, como um meio para produzir contrainformação e narrações contra-hegemônicas (BURTON, 1990, p. 6). A recém-proliferação de festival de Cinema e de instituições que utilizam a categoria de social é um fenômeno evidente. Mas qual é o campo especíico do documentário social e quais as suas relações com o mundo acadêmico? O adjetivo social, historicamente, é mutuado do campo da fotograia estadunidense. Nos anos 1920, essa categoria foi ligada aos trabalhos de fotógrafos que documentavam a existência dos subalternos, pessoas de camada social baixa, negros ou trabalho de menores de idade. A consciência dessa documentação oscila entre o interesse pelos mundos não ainda fotografados e a pesquisa por novos estilos estéticos. O nascimento e a airmação de revistas como Life ou Times (FREUND, 1974) foi a plataforma de lançamento para a criação de um novo jornalismo fotográico, visto que a divulgação da existência desses espaços sociais era ligada a uma atenção estética pelas imagens produzidas (AGGE; EVANS, 2009). Essa embrionária atenção pela dimensão política, atualmente, é incorporada a ilmes que estamos deinindo como documentários sociais. E essa deinição, em relação à fotograia ou ao audiovisual, normalmente se refere ao complexo das relações entre produção imagética, o contexto social onde esta é realizada, e uma postura politicamente ativa de suporte a uma causa especíica. 54] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA O trabalho de realização de documentários e de ensino da Antropologia Visual, hoje, muitas vezes, tem de passar por essa trilha. Se os proissionais do documentário ignoram, com frequência, a densa relexão teórica sobre as interações entre produção de imagens e contexto, também muitas vezes os antropólogos não conseguem perceber as potencialidades dessa ferramenta teórica, que se liga a uma prática acadêmica e política. A marcação da necessidade de repensar como “as arquiteturas de produção de conhecimento” são construídas (APPADURAI, 2000) ou, utilizando as palavras do Ingold (2011, p. 238), a como “educar nossa percepção do mundo” coloca o papel do audiovisual como um objeto fundamental da Antropologia contemporânea. Devido a essas motivações, neste artigo será experimentada a dissolução de divisões categoriais que encontramos no mundo do audiovisual com o im de repensar as práticas produtivas e as relexões que os documentários propagam. Antropologia e documentário (pós) social O debate sobre a constituição da Antropologia Visual é um campo privilegiado para dialogar com o mundo da prática. Em primeiro lugar, é necessário evidenciar como aquela distinção entre Antropologia Escrita e Antropologia Visual ainda é muito comum na academia. A primeira geralmente é descrita como interessada pela construção de teorias e relexões transversais; a segunda, mais direcionada ao mundo das representações. Parece que a revolução pós-moderna, que foi um “terremoto” pela Antropologia Escrita, “congelou o visual”, deixando-o coninado somente na arena das representações. O DOCUMENTÁRIO SOCIAL [55 Daqui chegamos a um debate que é central neste artigo: “como lidar com a necessidade classiicatória – que é claramente presente na mente dos antropólogos – e como teorizar uma categoria onde colocar a produção audiovisual deles?”. Filme etnográico, ilme antropológico, documentário: estes são alguns exemplos da busca que, para ser analisada, precisa de uma contextualização histórica. worth e Adair (1972), um pioneiro dos estudos antropológicos sobre a comunicação visual, claramente airmava que qualquer ilme é antropológico, porque propõe dados sobre um contexto cultural e/ou sobre as dinâmicas que estão “por trás” da produção do ilme. Se uma deinição desse tipo é claramente universalista, na história da Antropologia muitas variações foram produzidas. Reduzindo o foco dessa exploração, podemos encontrar deinições que se referem à teoria antropológica e a semiótica. Um ilme etnográico é um ilme com base na incorporação no tecido fílmico de umas ou mais relexões teóricas da Antropologia. Encontramos isso em Jean Rouch – Moi, un noir, de 1958 – por exemplo, pois o tema da relação com os “sujeitos” foi fundamental e os ilmes inalizados evidenciam a criação de representações compartilhadas. Podemos encontrar outro exemplo na elipse produtiva do John Marshall (THE HUNTERS, 1957), que começa com um olhar distante e observacional, em linha com a corrente do estruturalismo-funcionalismo, e propõe, no im do percurso dele, uma relexão sobre o papel social e político das representações, em A Kalahari Family (2005) (DURINGTON, 2004; MCLUHAN, 1964). Uma segunda linha procura, na linguagem utilizada, o lócus da deinição de ilme etnográico. A ampla utilização do conceito pierciano de índice, para descrever uma contiguidade entre imagem fotográica e contexto que ela indica é um 56] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA exemplo. Transportando a relexão semiótica em um plano fílmico, encontramos a necessidade, na etnograia audiovisual, de contextualizar a presença do autor, para dar uma resposta para essa complexa relação entre imagem e contexto. Novamente, a câmera a mão do Rouch (1955a, 1955b) é uma resposta por essa exigência. Também, em John Marshall – N!ai, the Story of a !Kung Woman (1980) – encontramos tentativas nessa direção, através do uso da entrevista ou com a presença “física” do antropólogo nas gravações do ilme A Kalahari Family (2005). E essa pequena análise focada no trabalho de dois entre os mais importantes antropólogos visuais da história revela a oscilação entre linguagem e teoria antropológica (DURINGTON, 2004; MCLUHAN, 1964). Voltando à relexão de worth e Adair (1972), percebemos que a produção dele foi um relexo da airmação do interpretativismo (GEERTZ, 1973), porque a presença do receptor começava a ser uma presença que precisava de consideração, como bem descrevem Banks e Ruby (2011, p. 4): After Malinowski’s functionalist “revolution” there was an increasing concern with what primitive art “does,” and later, with the rise of structuralist and semiotic approaches in anthropology, with what primitive art “means” or says. What was sometimes lacking was a consideration of how art “looks,” with how it is seen.2 A ênfase sobre a ideia de ver arte e, em particular, imagens em movimento, propõe uma nova centralidade na visão. Depois da “revolução” funcionalista, proposta pelo Malinowski, observamos um crescente interesse sobre o que a arte primitiva “faz”. Em seguida, com a airmação do estruturalismo e das abordagens semióticas, focou-se sobre o que a arte primitiva signiica ou diz. Uma coisa que sempre faltou foi uma consideração de como a arte é “vista” e como ela aparece (tradução livre). 2 O DOCUMENTÁRIO SOCIAL [57 Já MacDougall (1998), colocou ênfase sobre esse ponto, evidenciando a dimensão transcultural do Cinema, que possibilita o atravessamento das barreiras subjetivas e culturais. Também na recente antropologia da arte encontramos muita relevância na experimentação, que permite a “[...] go-betweens transdisciplinary subjects who can fulill a mediating and brokering role”3 (SCHNEIDER, 2011, p. 132). Logo, a distinção entre antropólogo e artista se dissolve e os objetos ou as performances produzidas são analisados com base na recepção e no modo como eles podem ser mediadores. Antigamente, o campo de recepção dos documentários produzidos por antropólogos era muito restrito. Quanto aos ilmes de antropólogos, era comum icarem presos entre acervos pessoais ou de departamento. E as gravações diicilmente chegavam além dos especialistas. Uma exação emblemática nesse sentido é Chronique d’un été (1960)4, dirigido por Jean Rouch e Edgar Morin, que ganhou a atenção do grande ṕblico com a sua inserção na rede da Novelle vague francesa. Neste [...] sujeitos intermediários e transdisciplinares de assumir um papel de mediador e negociador (tradução livre). 4 Chronique d’un été (Crônica de um verão) é um documentário não distribuído comercialmente no Brasil), sete anos depois de sua realização, e ao ouvir Edgar Morin falar da experiência cinematográica que fez ao lado de Jean Rouch, é reforçada a sensação de que as críticas contrárias ao cinema verdade resultam mais de uma imagem verbal, o fato de este estilo de ilme documentário ser chamado de cinema verdade, que do que efetivamente se vê nas imagens destes ilmes. Trata-se de um mal-entendido a partir de um jogo de palavras e de uma recusa injustiicável de reconhecer a ampliação das possibilidades do documentário cinematográico a partir dos novos equipamentos e materiais sensíveis. Como observou Morin,”[...] “um cinema-verdade começou a tornar-se possível porque podemos utilizar uma câmera-caneta para escrever quase sozinho, como um autor de cinema, o seu próprio ilme, a câmera de 16 milímetros com um gravador portátil” (AVELAR, 1968, [s. p.]). Mais informações em: <http://www.escrevercinema.com/chronique_dun_ete.htm>. 3 58] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA caso, uma atenção extrema por uma linguagem que codiicasse uma pesquisa estética se juntou a uma relexão socioantropológica densa, sobre a natureza do ilme. Além de uma análise densa da recepção dos ilmes, interessa-nos evidenciar como esse quadro mudou radicalmente nos ́ltimos 50 anos. Agora, a produção fílmica é veiculada em novas arenas (VAILATI, 2012), produzida em qualquer lugar, por quaisquer pessoas e disponibilizada através da internet. A hegemonia de uma linguagem codiicada em standard ligados as TVs é ainda forte, mas a pluralidade dos meios de distribuição deixa “aberta a porta” para a recepção de inovações. O objeto documentário, nesse sentido, pode ser analisado como um híbrido (LATOUR, 1994) dotado de uma agência própria, que cria consequências no contexto social onde ele é gravado, na subjetividade do autor e/ou nos receptores que o veem. Voltando à necessidade classiicatória, salientamos que o perspectivismo fornece elementos interessantes. O objeto audiovisual é um olhar de diferente natureza, que nasce através de uma interação – ou mediação – entre homens e tecnologia e que produz consequências no mundo. O documentário social é, então, ligado a essa perspectiva, a uma mudança da relação entre uma dimensão social, autonômica, e a uma perspectiva heteronômica, que liga o social a um pós-social que está desvinculado do lócus de produção da subjetividade das pessoas envolvidas e das redes de distribuição do produto. Lócus de produção Um documentário começa geralmente com uma ideia, com a frequentação de um contexto de uma rede de pessoas O DOCUMENTÁRIO SOCIAL [59 ou com a exploração de um conceito. Falar de lócus da produção é importante para analisarmos como essas frequentações ou relações são estabelecidas e construídas. Os primeiros documentos audiovisuais produzidos por antropólogos eram caracterizados por uma distância entre observador e observado. O antropólogo Alfred Cort Haddon, membro da importante expedição ao Estreito de Torres, produziu umas das primeiras gravações cinematográicas realizadas durante uma pesquisa de campo. Nessas gravações, além de um distanciamento, podemos encontrar um desejo de gravar as sensações do exótico (PINK, 2007, p. 6), o que era uma prática contextualizada na Antropologia Evolucionista daquela época. Podemos também deinir essa atitude com o adjetivo “museológica”, visto que visava a produzir uma narração multissensorial de um contexto “primitivo” e a capturar a atenção dos observadores “ocidentais”. Os sujeitos, nessa relação de produção cinematográica, são ainda sem agência e sem subjetividade. Para gravações que tinham considerado essas perspectivas, foi necessário esperar até a im dos anos 1920, pelo trabalho do Robert Flaherty, o qual inaugurou um Cinema com base na relação com os “nativos”. No ilme Nanook of the North (1922), considerado o primeiro documentário em longa-metragem da história do Cinema, Flaherty empregou uma linguagem iccional para recriar uma ilusão de objetividade no espectador (RUBY, 2000). A ilusão fílmica é utilizada por Flaherty para desvelar a própria presença no campo e a participação dos esquimós na realização das gravações. Ademais, se observamos as práticas que ele utiliza na realização desse ilme, encontramos uma intensa colaboração com os “nativos”, desvelada em várias sequências, por exemplo, na famosa sequência da caça à foca, onde foi utilizado um animal 60] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA já morto para mostrar ao espectador a luta contra a natureza, um dos temas clássicos do Flaherty. Essas intuições além de colocarem um “não antropólogo” na genealogia dos ancestrais míticos da disciplina, abriram uma janela mediática enorme. O ilme Nanook of the North (1922) foi, de fato, um sucesso comercial e conirmou a relevância e a função das imagens na descrição da alteridade. O antropólogo francês Rouch explorou amplamente as ideias do Flaherty. A trajetória do Rouch envolve uma procura para a criação de narrações imagéticas onde a narração produzida é objeto de negociação entre antropólogos e nativos. Filmes como Moi, un noir5 (1958) ou Jaguar (1955a) mostram claramente a busca criativa para soluções que permitissem a transferência aos sujeitos da pesquisa daquela autoridade etnográica que foi, logo depois, considerada como uma das maiores produções do Rouch, e a causa da crise da antropologia tout-court. A autoridade etnográica, segundo a importante crítica, é aquela construção que permite aos textos produzidos pelos antropólogos serem percebidos como verdadeiros pelo leitor (CLIFFORD; MARCUS, 1986). Essa relexão gerou uma progressiva reelaboração do papel do antropólogo. Se antes ele era “um olho que descrevia objetivamente uma realidade”, depois, o seu olhar tornou-se subjetivo. As representações incluíram a subjetividade do pesquisador e a descrição dele foi objeto de interpretação. Na produção fílmica do Rouch, já nos anos 1960 esse tema teórico metodológico foi problematizado; assim, com o recursos técnicos daquela época, várias soluções fílmicas foram propostas. Em Moi, un noir (1958), por exemplo, a transferência da autoridade aconteceu através 5 Título em português: “Eu, um negro”. O DOCUMENTÁRIO SOCIAL [61 de um comentário of-line realizado pelos sujeitos do ilme e depois utilizado como trilha sonora. Além disso, a palavra inal (ou o corte inal em vários sentidos) foi negociada com os atores sociais que o ilme descreveu. Nos anos 1970, outras experimentações foram realizadas, com Sol worth e John Adair, que, pela primeira vez, tentaram ensinar a prática de realização de ilmes a “nativos”. O processo de transferência de conhecimento era um meio para explorar o imaginário visual de um grupo de jovens navajo. Além de uma documentação sistemática desta experiência, os pesquisadores estudaram, também, os ilmes realizados pelos navajos, revelando as peculiaridades da linguagem fílmica utilizada em relação às narrações orais. E essa experiência foi uma das referências por aquele que hoje é chamado vídeo participativo, ou seja, quando o as técnicas de realização são ensinadas aos “sujeitos” da pesquisa (wORTH; ADAIR, 1970). Com os anos 1980 e a difusão das primeiras ferramentas de gravação com baixo custo, o vídeo começou a ser percebido como um meio de empoderamento. Nesse sentido, o caso do projeto “Vídeos Nas Aldeias” aparece ser um dos mais relevantes. Através de uma reelaboração do projeto de worth e Adair, foram realizadas oicinas de vídeo em aldeias indígenas brasileiras (GALLOIS; CARELLI, 1995). Mas, se a atenção dos primeiros era inalizada, a observação das peculiaridades da linguagem utilizadas pelos Navajos, na experiência de Vídeos Nas Aldeias, era uma preocupação ligada ao tema indigenista (TURNER, 1992). Assim, o objetivo da transferência das competências técnicas era inalizado com o emponderamento dos grupos através da entrada das produções deles na arena das representações visuais. Destacamos que aqui o lócus da produção muda de posição. Se, no começo da história da Antropologia 62] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Audiovisual, a autoridade etnográica estava toda nas mãos dos antropólogos, a história mostra um percurso para mudar esse posicionamento e para transferir o poder (TOMASELLI, 1989). A linguagem do ativismo social A posição do diretor no campo político onde o ilme é realizado é um tema diretamente ligado às conexões entre pesquisa etnográica e produção audiovisual. Esse primado da antropologia, na maioria das vezes, é pouco reconhecido no mundo do documentário contemporâneo. Mas, se na época do Flaherty, não era presente uma preocupação política em relação aos ilmes que eram produzidos, esta parece ser hoje uma das mais importantes características do processo produtivo do documentário. Uma genérica busca na internet de festivais ou organizações que utilizam a deinição de documentário social mostra como esses tipos de produções são fortemente ligados ao ativismo social. Um exemplo é o objetivo de um mestrado chamado SocDoc da Universidade da Califórnia Santa Cruz, nos Estados Unidos: “SocDoc is a one-of-a-kind program designed for future documentarians committed to social change and to documenting communities, cultures, issues, and individuals who are marginalized in our current landscape of representation”6 (SOCDOC, 2014, [s. p.]). Ademais, observando a arena dos festivais focados em uma área especíica do ativismo social, encontramos deinições SocDoc é um programa, ́nico no seu gênero, pensado para futuros documentaristas, e engajado com projetos de mudança social e na documentação de comunidades, culturas, objetos e indivíduos que são marginalizados no panorama contemporâneo das representações (tradução livre). 6 O DOCUMENTÁRIO SOCIAL [63 similares. Os direitos humanos são aqui um exemplo: “Human rights ilm festivals have blossomed all over the world. hey present Cinema at the forefront of struggle: a struggle for human rights and dignity, against censorship and repression”7 (HUMAN RIGHT FILM NETwORK, 2014, [s. p.]). No mesmo sentido, encontramos a relevância da produção audiovisual em relação ao tema do gênero, uma das áreas mais fortes do ativismo social contemporâneo. O audiovisual é, por exemplo, englobado em projetos sobre o gênero inalizado “[...] à transformação de mentalidades através do debate e difusão de obras audiovisuais” (CURTA O GÊNERO, 2014, [s. p.]). Todas essas experiências sublinham que o audiovisual é percebido hoje como uma das ferramentas mais importantes para uma transformação social. Não somente o momento da distribuição e da recepção é importante mas também a produção se vira um momento denso sob o ponto de vista político. No Brasil, é particularmente interessante como as políticas ṕblicas dos ́ltimos dez anos focaram sobre a inclusão digital da juventude. O projeto Pontos de Cultura, criado pelo Ministério Brasileiro da Cultura é um exemplo. Na criação de espaços culturais em ḿltiplos contextos brasileiros, a prática do ensino da realização audiovisual foi uma das ferramentas mais utilizadas. Aqui podemos encontrar muitas conexões com os trabalhos dos antropólogos. Uma das plataformas mais utilizadas foi, de fato, a transferência das ferramentas de produção de vídeos com o objetivo de empoeirar jovens ou outros grupos que têm pouca agência social. A iliação dessa ferramenta com o trabalho dos antropólogos visuais é clara. Os festivais de ilmes sobre direitos humanos loresceram em todo o mundo. Estes apresentam o cinema na vanguarda da luta: a luta para os direitos humanos e pela dignidade, contra censura e repressão (tradução livre). 7 64] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Hoje dia é também uma prática muito difundida, em particular na área da educação popular, mas que parece mais e mais distante da relexão antropológica. Esta distância é claramente criada pela ênfase na eicácia do vídeo como ferramenta de empoderamento, que, em projetos desenvolvidos na área social, muitas vezes desconsidera aquele dublo laço com o vídeo (GINSBURG, 1991). Se, por um lado, essa ferramenta tem o efeito de fornecer um meio para visibilizar as condições dos grupos sociais subalternos e as lutas deles; por outro, muitas vezes impõe um particular patrão na construção das representações. A análise da cultura visual Navajo era o objetivo primário da pesquisa de worth e Adair (1972, p. 144). O “passeio”, normalmente um “plano de raccord” (conjunção entre dois planos) no Cinema, virava, na produção visual dos jovens navajo, uma estrutura narrativa em si, não para conectar o movimento de uma pessoa de um ponto A até um ponto B, mas para descrever a importância do movimento mesmo. Esse tipo de experimentação colide parcialmente com a exigência de um documentário voltado ao ativismo social, que tem de se codiicar em padrões que possam interessar a um ṕblico já amplamente inluenciado pelos padrões estéticos hegemônicos. Essa relexão estava já presente na trajetória do John Grierson, um dos pioneiros do documentário social. Já realizador de documentários, Grierson, nos anos 1960, envolveu-se em muitos projetos políticos ligados ao uso do documentário com inalidades sociais. O projeto mais famoso, desenvolvido quando Grierson era diretor do National Film Board of Canada, é, nesse sentido, o Challenge for Change program, criado, em 1967, com a inalidade de dar voz às comunidades desfavorecidas através do vídeo e do acesso às mídias (wAUGH; BRENDAN BAKER; wILTON, 2010). Novamente, a O DOCUMENTÁRIO SOCIAL [65 ferramenta da transferência da competência de produção de audiovisual foi a plataforma, e esse empoderamento produziu resultados importantes do ponto de vista social. Grierson, entrevistado pela ́ltima vez no ano 1972, evidencia que, no começo da sua trajetória, junto com outros documentaristas, ḿsicos e poetas: “We worket together and produced a kind of ilm that gave great promise of very high development of the poetic documentary”8 (SUSSEX; GRIERSON, 1972, p. 24). A poética e a atenção estética à linguagem do documentário foram as diretrizes das primeiras explorações audiovisuais do Grierson. Mas esse projeto, conforme Sussex e Grierson (1972, p. 24) comentam, não lidou com um desenvolvimento desta dimensão: I think it’s partly because we ourselves got caught up in social propaganda. We ourselves got caught up with the problems of housing and health, the question of pollution […]. We got on to the social problems of the world, and we ourselves deviated from the poetic line. But nobody has encouraged on the poetic line, not even the BBC which is the strongest force in the whole documentary ield and the one that ought to have carried on the poetic line.9 Sussex e Grierson (1972) exprimem uma tensão entre a subordinação da dimensão estética a dimensão política na Trabalhamos juntos e produzimos ilmes que eram muito promissores por um desenvolvimento da dimensão poética do documentário (tradução livre). 9 Eu acho que é uma consequência do fato que nos fomos “capturados” pela propaganda social. Nós mesmos fomos atrás dos problemas habitacionais, de sáde publica e de poluição [...]. Olhando esses problemas, perdemos o nosso foco sobre a poética. Mas ninguém nos encorajou a continuar na linha poética, nem a BBC que é uma das forças mais poderosas no mundo do documentário (tradução livre). 8 66] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA realização de documentários. Os autores, ainda, sublinham a dimensão hegemônica que as grandes corporações inanciadoras de documentários estabelecem. A segunda metade dos anos 1970 foi, também, o período de criação de programas televisivos dedicados aos documentários. A primeira transmissão de documentários do National Geographic aconteceu em 1964, na estadunidense CBS e a inluência dessa transmissão foi fundamental para a criação de um ṕblico cujo olhar se acostumasse ao documentário. O National Geographic criou, em 1997, um canal televisivo autônomo pela transmissão de documentários. No inal da década de 1990, com a difusão da tecnologia satelitar, vários canais desse tipo foram criados. O caso de History Channel é, talvez, o mais criticado sob o ponto de vista da linguagem do contédo dos documentários que transmite, voltados à reconstrução sensacionalista de fatos históricos, unicamente inalizados a captar a atenção do espectador. E esse fenômeno, que Grierson já descreveu, repete-se em muitos sentidos, também na contemporaneidade. O emprego de uma linguagem videoclíptica é, por exemplo, uma ferramenta fundamental para atrair um ṕblico acostumado aos “blockbusters contemporâneos” e à propaganda ou às transmissões da televisão. Por isso, esse tipo de inserção audiovisual se torna, talvez, fundamental para atrair o ṕblico jovem, por exemplo. Em contrapartida, revela-se – ao mesmo tempo – um resultado e uma causa da inluência hegemônica neoliberal, seguindo as famosas palavras “the medium is the message” de Marshall McLuhan (1964). Nessa trilha, surge o dilema do documentarista contemporâneo: lidar com as diretrizes impostas do ativismo social e com o rigor ético da etnograia audiovisual. Esse talvez seja hoje, mais do que no passado, um desaio de complicada resolução. O DOCUMENTÁRIO SOCIAL [67 A produção de ideias visuais Realizar um documentário signiica, na época atual, lidar com uma complexa rede de sujeitos, um fator que amplia aquela “guerra representativa” que se veriica em qualquer tipo de produção de representações audiovisuais. É interessante constatar, que além das categorizações relativas ao contédo dos ilmes, nos ́ltimos 20 anos se airmou a categoria de diretor independente. Como descreve Krawitz (1986, p. 49), são: […] independents, individuals working outside the aegis of the ilm studio or television network. In recent years, many ilmmakers have chosen to circumvent the networks and sponsored ilm arenas to produce ilms on subject matter of their own choosing and to retain autonomy in the production of those ilms.10 Essa transformação envolve o uso de ferramentas de gravação e edição a baixo custo. Em um sentido “ideal”, ser diretor independente signiica ter total controle do processo de realização de audiovisual e liberdade na escolha estilística. Mas Krawitz (1986), analisando alguns pedaços do sistema estadunidense de inanciamento ṕblico e particular ao audiovisual, evidencia, por exemplo, o sistema dos editais, que impõe linhas temáticas, já nos anos 1980, pois as diretrizes eram ligadas às impostações ideológicas das instituições inanciadoras. O uso da categoria independente é um meio retórico [...] Independentes, pessoas que trabalham fora da égide do est́dio de cinema ou rede de televisão. Nos ́ltimos anos, muitos cineastas optaram por contornar as redes e arenas de ilmes patrocinados para produzir ilmes sobre assunto de sua própria escolha e para manter a autonomia na produção desses ilmes (tradução livre). 10 68] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA para estimular a criatividade e a liberdade na realização, esta que, todavia, é fechada em padrões ideológicos e estilísticos. Krawitz (1986, p. 49) conclui: “Crisis to Crisis” proceeded to fund ilms on nuclear energy, environmental issues, racism, and other topics of indisputable national concern. However, the independent perspective of each ilm was homogenized by the packaging of the series […]. he individual voice and view point of the ilmmaker was not as salient as one might expect given the stated goals of “Crisis to Crisis”.11 Uma das primeiras barreiras que o documentário social tem de enfrentar para a procura de uma autonomia é ligada ao sistema de inanciamento. Se nos anos 1980 a revolução tecnológica permitiu uma menor atenção ao nível técnico das imagens, na época atual estamos assistindo a um momento de forte expectativa sobre a qualidade das imagens, fator que aumenta muito o custo da produção. A área da Antropologia Audiovisual permite, ainda, uma experimentação livre dos constrangimentos da qualidade audiovisual. Normalmente, os requisitos técnicos mínimos para permitir de reconhecer a qualidade de um documentário são mínimos. Outros fatores geralmente são mais relevantes do que o “ńmero de pixels” das imagens, por exemplo, a profundidade da presença no contexto do antropólogo e a relexão teórica na qual se baseia o ilme. Contudo, fora desses contextos, e chegando à arena dos “Crise em crise” passou a inanciar ilmes sobre energia nuclear, questões ambientais, racismo e outros temas de interesse nacional indiscutível. No entanto, da perspectiva independente de cada ilme, foi homogeneizada pela embalagem da série [...]. O ponto de voz e visão individual do cineasta não foi tão marcante quanto se poderia esperar devido aos objetivos declarados da “crise em crise” (tradução livre). 11 O DOCUMENTÁRIO SOCIAL [69 festivais documentários, essas características icam em segundo plano, havendo mais respeito ao tema da qualidade da imagem. Normalmente um documentário etnográico, no sentido estrito do termo, tem objetivos diferentes do documentário social, este que estamos aqui tentando teorizar. Se o primeiro foca na ideia de construção crítica de uma representação, o segundo é diretamente ligado à ideia de intervenção. Obviamente não temos polaridades ixas e opostas, mas um hipotético continuum, no qual cada audiovisual se coloca. Logo, precisamos distinguir o tipo de intervenção que já foi desenvolvido na antropologia, através da transferência das competências pelo uso da tecnologia vídeo. Assim, o nível de intervenção é ligado ao empoderamento de indivíduos de um particular grupo cultural. E esse empoderamento geralmente quer garantir ao grupo uma maior autonomia na construção de representações audiovisuais e, também, ser uma ferramenta para a divulgação das próprias exigências. No documentário social, em muitos casos, a ideia de intervenção é normalmente baseada sobre a criação de uma representação inalizada a divulgar um tipo especíico de subjetividade ou de uma ideia, aplicada a um especíico contexto. Nesse tipo de processo, muitas vezes, podemos observar representações construídas com base em contédos ideológicos, unicamente utilizados para a criação de estruturas narrativas e imagéticas que possam capturar a atenção do espectador. Se a análise antropológica, escrita ou visual, comporta uma estrema tentativa de desconstrução das ideias, dos conceitos e das categorias utilizadas, em muitos documentários que entram na arena do social contemporâneo aparecem narrações estereotípicas. Apenas para fornecer um exemplo, a representação audiovisual da pesca artesanal é, geralmente, baseada sobre 70] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA uma ideia de tradição, de ausência de mudança e de um romanticismo que, muitas vezes, bloqueiam aquelas transformações necessárias para a subsistência do mesmo grupo que foi representado. Nesse caso, os documentários sociais produzidos aparecem como uma ferramenta englobada em um novo sistema de produções midiático, e os níveis críticos que a antropologia poderia fornecer são colocados em segundo plano para ser mais aceito do ṕblico. Uma autoetnograia Muitos antropólogos que decidiram realizar audiovisuais passaram por esse desaio. Se Cliford (1988), em forma muito poética, falava que os produtos puros enlouquecem, no mesmo sentido o documentário etnográico tem de lidar com as outras produções, realizadas fora do mundo da antropologia, mas que também reivindicam uma contiguidade com as ḿltiplas realidades sociais. Percorrendo essa trilha com atenção autoetnográica, podemos analisar como no próprio percurso há uma necessidade progressiva de atrair um ṕblico especíico; ainal, em minhas produções audiovisuais, esse se tornou um dos maiores desaios a ser enfrentado (VAILATI, 2014). Em um projeto de vídeo participativo realizado em 2010, em uma área rural do Kwazulu-Natal, África do Sul, essa dimensão não era contemplada nas primeiras fases do projeto (VAILATI, 2014). Os vídeos que foram realizados, com base em um processo de transferência das competências de produção audiovisual a um grupo de jovens zulu, mantiveram, sob muitos pontos de vista, uma elevada autonomia no processo de produção. E isso aconteceu não somente pelo O DOCUMENTÁRIO SOCIAL [71 vídeo mais “oicial” do projeto, cuja linguagem e contédo são, com certeza, consequência de uma autorrepresentação estandardizada inalizada ao empoderamento. Mas, em outros clipes produzidos, que icaram na “gaveta”, emergiram peculiaridades narrativas muito interessantes, como a classiicação dos clipes através da cor dominante. Uma interpretação desta prática é ligada à cultura visual zulu, visto que nesta as cores têm uma elevada relevância semântica, como demostram vários estudos sobre o papel das cores na comunicação visual (BIYELA, 2013). Voltando ao momento da edição dos vídeos, o emprego das cores se tornou a mais intuitiva estratégia de edição dos jovens, cujo valor semântico era a base pela criação de sequências narrativas. Sem d́vida, a inalidade desse projeto era explorar a cultura visual. Mas é interessante aqui notar como os jovens contrapuseram uma narrativa baseada sobre estes princípios para vídeos “privados” a outra, mais similar aos padrões televisivos para um vídeo ṕblico. Em 2012, reencontrei esse desaio, com a tentativa de criar uma representação audiovisual dos performers de isicathamiya, um estilo de dança e canto criado por trabalhadores migrantes na época da apartheid12 (VAILATI, 2012). Não obstante a relevância que essa performance teve no exterior, sendo por exemplo os Ladysmith Black Mambazo os mais importantes representantes desse estilo a serem convidados para a entrega do prêmio Nobel a Nelson Mandela, na África do Sul, foi sempre uma ḿsica colocada em segundo plano. O mercado musical, já voltado a outros estilos de ḿsica mais heteronômicos, deixou a isicathamiya na arena da ḿsica tradicional. O documentário que realizei, no intuito de respeitar 12 72] Reiro-me ao documentário Slow walker. ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA a polifonia que se encontrava entre os performers, sobre o que esse estilo teria de ser para se tornar mais relevante, criou vários conlitos no momento da restituição. Conlitos que relevei entre os dois planos, dos contédos e da linguagem. No plano dos contédos, a ética etnográica que adotei, colocando as ḿltiplas posições e opiniões no mesmo plano, gerou críticas ao documentário. Não adotar uma posição clara gerou reprovação da maioria dos performers. Em segundo lugar, no plano linguístico, a adoção de um estilo fundamentado sobre a câmera na mão e a total ausência de efeitos visuais foi percebida como uma diminuição da força sonora e visual da isicathamiya. Se o objetivo do trabalho era estimular o debate social sobre um objeto, foi atingido. O documentário, considerado positivamente no nível da academia, porém, não foi utilizado pelos atores sociais como meio de reivindicação política. Essa rápida trilha continua em um trabalho mais recente (NAUFRÁGIO, 2014) realizado com uma equipe mais ampla, para enfrentar os padrões qualitativos do mercado da imagem. O documentário é uma reconstrução da vida de um ativista político, um educador fortemente ligado aos princípios da educação freiriana, que faleceu antes de o projeto de pesquisa audiovisual começar. Neto, o protagonista do ilme, teve uma trajetória de declínio na comunidade onde ele trabalhou, um contexto do litoral sul brasileiro em transição entre uma economia baseada sobre a pesca e a exploração turística. Sem conseguir se recolocar politicamente na época da abertura democrática brasileira, Neto, progressivamente, afastou-se da vida política local, morrendo sozinho na casa dele. Em paralelo, com referência ao título do trabalho, os ideais deles, ligados a uma relação educativa antiautoritária e libertadora, “naufragaram” no panorama pedagógico local e, podemos O DOCUMENTÁRIO SOCIAL [73 airmar, também internacionalmente. Nesse trabalho, as escolhas linguísticas se afastaram dos padrões mais comuns da Antropologia Audiovisual para procurar um efeito político maior, seja na comunidade, seja no delicado debate sobre a problemática da Educação Básica no Brasil. Alguns exemplos são aqui a linguagem investigativa, a utilização de um estilo videoclíptico e jornalístico. Longe de ter recebido uma aprovação incondicionada da comunidade sobre como a enigmática trajetória do protagonista foi representada, o ilme foi percebido como um estímulo para vários membros da comunidade reivindicarem espaços sociopolíticos onde a educação fosse ligada e mais integrada à cultura local, em contraposição à progressiva airmação de padrões heteronômicos na escola. Como a história da Antropologia Visual demostra, as consequências de uma produção documental têm de ser analisadas em longo prazo. Todavia, a importância do uso da ferramenta antropológica no momento da produção e nas fases sucessivas da divulgação é bem evidenciada nesse parcial percurso autoetnográico, uma prática que teria de ser ligada a qualquer produção audiovisual. Principalmente por este motivo, surgiu a ideia de utilizar a categoria de documentário social para ligar âmbitos, intimamente ligados, mas que ainda pouco dialogam, como a esfera do ativismo social e político com a Antropologia Audiovisual. A arena das representações visuais, neste momento histórico, parece ser, cada vez mais, um “campo de batalha” relevante pelos processos políticos e sociais; por isso, somente por meio de uma interconexão entre contexto de realização e imaginário global, onde as imagens são jogadas, será possível propor uma conscientização ética do universo da produção. 74] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Referências A KALAHARI Family – Pentalogía. Direção: John Marshall; Claire Ritchie. Produção: Kalfam Productions. Estados Unidos, 1957 (360 min). AGGE, James; EVANS, walker. Elogiemos os homens ilustres. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. APPADURAI, Arjun. “Grassroots Globalization and the Research Imagination”. Public Culture, v. 12, n. 1, p. 1-19, 2000. BANKS, Marcus; RUBY, Jay. (Org.). Made to be seen: Perspective on the History of Visual Anthropology. Chicago: University of Chicago Press, 2011. BIYELA, Ntandoni. Color Metaphor in Zulu Culture: Courtship Communication in Beads. American International Journal of Contemporary Research, v. 3, n. 10, p. 37-41, 2013. Disponível em: <http://www.aijcrnet.com/journals/Vol_3_ No_10_October_2013/6.pdf>. Acesso em: 5 ago. 2014. BURTON, Julianne. Toward a History of Social Documentary in Latin America. In: ______. (Org.). he Social Documentary in Latin America. Pittsburg: University of Pittsburg Press,1990. p. 3-30. CHRONIQUE d’un été. Direção: Jean Rouch; Edgar Morin. Elenco: Angelo, Régis Debray, Jacques. Distribuição: Domaine cinema. Formato original: 16 mm. França, 1960 (90 min). Disponível em: <https://vimeo.com/54909410>. Acesso em: 6 jun. 2014. O DOCUMENTÁRIO SOCIAL [75 CLIFFORD, James. he Predicament of Culture: TwentiethCentury Ethnography, Literature and Art. Cambridge: Harvard University Press, 1988. ______.; MARCUS, George E. (Org.). Writing Culture: he Poetics and Politics of Ethnography. Santa Fe: University of California Press, 1986. CURTA O GÊNERO. 2014. <http://curtaogenero.org. br/?page_id=489>. Acesso em: 4 ago. 2014. DURINGTON, Matthew. John Marshall’s Kalahari Family. American Anthropologist, v. 106, p. 589-594, 2004. FREUND, Gisèle. Photographie et Société. Paris: Éditions do Seuil, 1974. GALLOIS, Dominique T.; CARELLI, Vincent. Vídeo e diálogo cultural. Experiência do projeto Vídeo nas aldeias. Horizontes Antropológicos, v. 1, n. 2, p. 61-72, 1995. GEERTZ, Cliford. he interpretation of culture. New York: Basic Book, 1973. GINSBURG, Faye. Indigenous Media: Faustian Contract or Global Village? Cultural Anthropology, v. 6, n. 1, p. 92-112, feb. 1991. HUMAN RIGHT FILM NETwORK. 2014. <http://www. humanrightsilmnetwork.org/about>. Acesso em: 6 ago. 2014. INGOLD, Tim. Being alive: essays on movement, knowledge and description. London: Routledge, 2011. 76] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA JAGUAR. Direção: Jean Rouch. Produção: Les Films de la Pléiade. Formato original: 35 mm. França, 1955a. (110 min). KRAwITZ, Jan. he independent documentary ilm: prospects for survival. Journal of Film and Video, v. 38, n. 1, p. 49-53, 1986. LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de Antropologia simétrica. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1994. LES MAîTRES fous. Direção: Jean Rouch. Produção/ Distribuição: Les Films de la Pléiade. Formato original: 16/35 mm. França, 1955. [Vídeo]. (27 min). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=z2jG3rQ0MNA>. Acesso em: 7 jun. 2014. MACDOUGALL, David. Transcultural Cinema. Princeton: Princeton University Press, 1998. MCLUHAN, Marshall. Understanding Media: he Extensions of Man. New York: MacGraw-Hill, 1964. ______.; FRANCIS J. Kelly. he Social Organization of an Aboriginal Video workplace. Australian Aboriginal Studies, v. 1, p. 28- 49, 1984. MOI, un noir. Direção: Jean Rouch. França, 1959. Produção: Les Films de la Pléiade. Formato original: 16/35 mm. França, 1959 [Vídeo]. (73 min). Disponível em: <https://www.youtube. com/watch?v=_jJspPtRmkQ>. Acesso em: 7 jun. 2014. O DOCUMENTÁRIO SOCIAL [77 N!AI, the Story of a !Kung Woman. Direção: John Marshall. Produção /Distribuição: John Marshall; Sue Marshall-Cabezas. Estados Unidos, 1980 (59 min). Digitally remastered 2009. NANOOK of the North. Direção: Robert Flaherty. Intérpretes: Allakariallak; Nyla Cunayou. Estados Unidos; França, 1922 (79 min). NAUFRÁGIO. Direção: Alex Vailati; Matias Godio. Produção: Cristhian Caje; Marina Moros. Fotograia: Alex Vailati. Brasil, 2014 (52 min). PINK, Sarah (Org.). Visual Interventions: Applied Visual Anthropology. New York- Oxford: Berghahn, 2007. ROUCH, Jean. On the Vicissitudes of the Self. Studies in Visual Communications, v. 5, n. 1, p. 2-7, 1971. RUBY, Jay. Picturing Culture: Explorations of Film and Anthropology. Chicago: University of Chicago Press, 2000. SCHNEIDER, Arnd. Uninished Dialogue: Notes toward an Alternative History of Art and Anthropology. In: BANKS, Marcus; RUBY, Jay. (Org.). Made to be seen: Perspective on the History of Visual Anthropology. Chicago: University of Chicago Press, 2011. p. 108-134. SLOw walker. Direção/Produção: Alex Vailati. Brasil, 2012 (50 min). SOCDOC. About the Social Documentation Program. 2014. <http://ilm.ucsc.edu/socdoc/about>. Acesso em: 5 ago. 2014. 78] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA SUSSEX, Elizabeth; GRIERSON, John. Grierson on Documentary: he Last Interview. Film Quarterly, v. 26, n. 1, p. 24-30, 1972. THE HUNTERS. Direção: John Marshall. Produção: Documentary Educational Resources. Estados Unidos, 1957 (72 min). TOMASELLI, Keyan. Appropriating Images: he Semiotics of Visual Representation. Højbjerg: Intervention Press, 1996. ______. Transferring video skills to the community. he problem of power. Media Development, v. 4, p. 11-15, 1989. TURNER, Terence. Deiant Images. he Kayapo appropriation of video. Anthropology Today, v. 8, n. 6, p. 5-16, 1992. VAILATI, Alex. New Arenas For Small Media: Towards an Ethnological Exploration of Family Cinema. Vibrant – Virtual Brazilian Anthropology, v. 9, n. 2, p. 253-271, 2012. ______. Seeing in Distance. Video production among rural South African youth. Visual Anthropology, v. 27, n. 1-2, p. 91104, 2014. wAUGH, homas; BRENDAN BAKER; Michael; wINTON, Ezra (Org.). Challenge for Change: Activist Documentary at the National Film Board of Canada. Canada: McGill-Queens University Press, 2010. wORTH, Sol; ADAIR, John. “Navajo Filmmakers”. American Anthropologists, v. 72, n. 1, p. 9-34, 1970. ______.; ______. hrough Navajo Eyes. An exploration in ilm communication and anthropology. Bloomington – London: Indiana University Press, 1972. O DOCUMENTÁRIO SOCIAL [79 ANTROPOlOGÍA VISUAl COMPARTIDA: PRÁCTICAS y lÍMITES Gabriel Omar Alvarez1 Antropología y Hermenéutica Uno de mis primeros trabajos publicados en el área de antropología visual fue una serie de registros de la participación de colegas seniors que invité a las clases de métodos y técnicas en la Universidad de Brasilia (ALVAREZ, 2008a, 2008b, 2008c). En esos relatos, realizados para los alumnos, Julio Cezar Melatti, Roque de Barros Laraia y Roberto Cardoso de Oliveira presentaron sus vivencias en el trabajo de campo, una cara complementaria que enriquece la lectura de los trabajos clásicos de estos autores. Las clases son un espacio tan importante como los libros en la construcción disciplinar de la antropología. A pesar de esto, existen pocos registros de esta narrativa antropológica. En las clases, los discursos sobre el “estar en el campo”, mediante la evocación, y el “estar en la academia”, como lugar de producción de la disciplina ganan contornos vívidos, anécdotas humoradas, tonos dramáticos. Las clases son en primer lugar una performance mediante 1 PPGAS-UFG. [81 la cual transmitimos/construimos conocimiento, testeamos hipótesis, verbalizamos ideas que todavía no fueron volcadas al papel. En este sentido, quiero recuperar algunas de las ideas esbozadas por Cardoso de Oliveira en el clip sobre Antropología y Hermenéutica2. Varios autores atribuyen a Geertz haber retomado el diálogo entre la antropología y la hermenéutica. Yo creo que este diálogo está presente en la base de la airmación de EvansPritchard (1985) de la antropología como traducción cultural. En Brasil (CARDOSO DE OLIVEIRA 1988, 1998, 2006; CARDOSO DE OLIVEIRA; CARDOSO DE OLIVEIRA, 1996), que tenía formación en ilosofía en la graduación, retoma el diálogo de la antropología con la hermenéutica. La idea de ciencia positivista está estrechamente relacionada con la idea de método cientíico. De la aplicación del método resultaría un conocimiento racional, comprobable empíricamente, implicaría la formulación de leyes predictivas y la matematización del lenguaje cientíico para alcanzar un saber universal, ahistórico y objetivo. Cardoso de Oliveira llama la atención respecto de los momentos metódicos y no-metódicos de la investigación. El método es válido para una parcela del conocimiento. Podemos ejempliicar que el método es como una regla que sirve para medir supericies rectas, pero si enfrento una supericie curva o cóncava, la regla ya no me sirve para medirla. No debemos evitar el método; sin embargo, cuando el método se presenta como limitado, debemos trascenderlo. Cómo hablar de la empatía, de las situaciones enfrentadas en el trabajo de campo, de los aspectos Este vídeo “Antropología y Hermenéutica”,video subtitulado en español, está disponible en: <http://vimeo.com/16463163>. http://vimeo.com/16463163. 2 82] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA emotivos envueltos en una investigación, si no desde una perspectiva humanista (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1998).. Por otro lado, la cuestión de la matematización se presenta como un falso dilema. Las ecuaciones, inclusive las más abstractas – principalmente estas – requieren del lenguaje natural para ser explicadas. Hacemos ciencia con lenguaje natural, no con la matematización y lenguajes artiiciales. Otra de las críticas se reiere a la supuesta universalidad del conocimiento cientíico y su carácter de ahistoricidad. La ciencia, como señaló Kuhn (1975), es producto de una comunidad de investigadores históricamente situados que participan de tradiciones nacionales. De esta airmación se desprende que el conocimiento cientíico está históricamente situado y se corresponde con tradiciones nacionales. Por otra parte, en algunas disciplinas académicas, como en la física, los paradigmas cientíicos se suceden en el tiempo; en el caso de la antropología, coexisten diferentes paradigmas. De acuerdo con la interpretación de Cardoso de Oliveira (1988), en la antropología coexisten diversos paradigmas, que remiten a diferentes tradiciones nacionales: un paradigma histórico cultural, con sus desdoblamientos interpretativos en la academia americana; un paradigma marcado por el empirismo en la antropología británica; y una especial preocupación en las categorías del espíritu humano, que marcó la antropología francesa. Estas antropologías de los países centrales coexisten con las tradiciones desarrolladas en las antropologías periféricas. Sin embargo, no debemos interpretar esta oposición entre centrales y periféricas a partir de la teoría de la dependencia. Cardoso de Oliveira señala que mientras quienes se socializan en las antropologías de los países centrales tienen la mirada limitada por el peso de la ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [83 tradición, las antropologías periféricas tienen la libertad de transitar entre los diversos paradigmas. En la medida en que estamos trabajando con una comunidad de investigadores convencidos de la validez de un paradigma, la objetividad del conocimiento se transforma en intersubjetividad. Lo que sustenta los paradigmas es el consenso inter-pares sobre su validez. En la antropología, la cuestión de la intersubjetividad adquiere una dimensión desdoblada, ya que los antropólogos enfrentamos una intersubjetividad en el campo, en el momento de la investigación, y una intersubjetividad en la academia, cuando presentamos los resultados de la investigación para un grupo más amplio, en principio la comunidad de investigadores, y también la esfera de un ṕblico más amplio. Retomaremos más adelante la cuestión de los momentos interpretativos de la antropología. La hermenéutica, como señala Cardoso de Oliveira, no es nueva. Con la hegemonía del paradigma positivista, esta disciplina había sido relegada al campo de la interpretación de los fenómenos religiosos y la interpretación jurídica. La hermenéutica es el arte de la interpretación. ¿Qué nos señala la hermenéutica? En primer lugar, que los símbolos tienen que ser interpretados en el contexto de una tradición cultural; debemos tener en cuenta el signiicado del símbolo en las diferentes interpretaciones y variaciones. Por otro lado, indica también que las tradiciones culturales se transforman para permanecer las mismas. Es interesante señalar que la hermenéutica toma su nombre inspirada en Hermes, el mensajero entre el mundo de los hombres y el mundo de los dioses. Podemos observar que esta igura del mensajero entre dos mundos aparece reiteradamente en diversas tradiciones. Por ejemplo, el ángel 84] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Gabriel, símbolo compartido por la tradición judeo-cristiana y la musulmana, o el Ex́ en la tradición afro-americana. El antropólogo, en ́ltima instancia, es también un traductor entre mundos culturalmente distantes. Cardoso de Oliveira (1998) analiza los diferentes momentos interpretativos que marcan la práctica antropológica. El primer momento interpretativo se da en el campo, y está marcado por el mirar y escuchar. Mirar en el sentido de una mirada informada, por la base teórica, por la formación del antropólogo. El escuchar, en el sentido hermenéutico de la fusión de horizontes de comunicación, donde se busca la comprensión del otro, y este movimiento implica también empatía e involucramiento. El segundo momento interpretativo se da en la academia, en el debate inter-pares, en las clases, seminarios y encuentros en que estos datos son verbalizados y debatidos. Durante este segundo momento, uno vuelve al campo mediante la evocación, al releer los diarios de campo, al recordar los episodios, al evocar las experiencias. En este momento la tarea del antropólogo consiste en traducir la experiencia para la comunidad de los pares. Cardoso de Oliveira señala un tercer momento interpretativo, que es cuando el material es publicado. En ese momento, el autor pierde control sobre el material, que se torna ṕblico. No puede estar al lado del lector para corregir la interpretación. Esta perspectiva hermenéutica nos habla también de la antropología como traducción. A partir de una experiencia existencial nos confrontamos con el otro, traducimos esta experiencia en la comunidad interpares de la academia y publicamos esta traducción para el ṕblico en general. ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [85 Antropología como traducción cultural: experiencias Relexionamos sobre nuestras experiencias de investigación donde intentamos realizar la antropología como arte de la traducción cultural. Arte implica sensibilidad, movilizar sentimientos, transmitir experiencia, provocar la subjetividad. Intenté realizar esta traducción cultural como arte mediante la realización de ensayos antropológicos fotográicos. Estos ensayos fueron realizados para el Ministerio de la Previsión Social de Brasil (ALVAREZ, 2000, 2004). En Amazonia Ciudadana, el eje del trabajo fue los usos del dinero de las pensiones entre las poblaciones tradicionales de la región norte de Brasil. En esta investigación focalizamos en grupos indígenas, quilombolas, riberreños y Soldados da Borracha. En el caso de los pueblos indígenas, entrevistamos Marubos, Kanamarí, Ticunas y Sateré-Mawé. Los Marubo y Kanamaríviven en la tierra indígena Vale do Javarí, donde todavía se encuentran grupos no contactados. Los Ticunas tienen una larga historia de contacto marcada por la explotación del caucho. Estos grupos están localizados en la zona de la triple frontera, de Brasil, Peŕ y Colombia. Los Sateré-Mawé se encuentran localizados en el medio Amazonas, en el límite entre los estados de Amazonas y Pará (ALVAREZ, 2002). En el caso de los Marubo y Kanamarí, observamos que los usos del dinero se concentran en las ciudades en que reciben los beneicios. Las principales compras son aźcar, aceite, tabaco, pólvora y munición, anzuelos y gasolina para los motores. Al ser interrogados acerca de si no preferían recibir directamente los productos en forma de cestas básicas, la respuesta fue negativa. Era clara la visión de que con el 86] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA dinero en la mano podrían elegir donde hacer las compras sin caer en el clásico esquema de dependencia por deudas. Otro caso interesante fue el de un pensionista casado con una mujer Marubo; el ńcleo doméstico se completaba con dos hermanos de ella que también vivían juntos en una maloca próxima a la ciudad de Atalaya del Norte. En una parte de la entrevista, el pensionista dijo que él, su esposa y los dos hermanos recibían pensiones de la Previsión Social. Antes de recibir los beneicios, él tenía que trabajar afuera para sustentar la familia. Después de la jubilación, es él quien contrata a alǵn joven para que lo ayude en la huerta. “No soy mandado, soy pensionado” fue la frase con la que se transformó en uno de los personajes del libro. Entre los sateré-mawé encontramos una situación social reveladora de los usos del dinero. Cuando estábamos realizando la visita de campo visitamos la aldea Vida Feliz, en la que estaba siendo realizado el ritual de la Tucandira. Cuando llegamos fuimos presentados al organizador de la iesta, quien gentilmente nos dijo que podríamos asistir al ritual, pero manifestó sus reservas en relación a las fotografías. Fue entonces cuando le explique que era una investigación sin ines de lucro que estaba siendo realizada para el Ministerio de la Previsión Social. Fue hablar de la previsión social que mudó el semblante del interlocutor indígena. “Ah, si es para la previsión social pueden”. Asistimos a la ceremonia, entrevistamos ancianos con ayuda de un traductor, sacamos fotos del ritual y de los pensionistas. Inclusive, el propio cantador que dirigía el ritual se ausentó por un momento de sus funciones para concedernos una entrevista y posar para las fotos. Fue en ese momento que nos preguntamos: ¿Cuál es el lugar de los jubilados en este ritual y por qué la insistencia ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [87 en el registro, casi como un mensaje concreto enviada para la Previsión Social? Al hacernos esta pregunta percibimos que los pensionistas ocupan un lugar prominente en la realización del ritual. Por un lado, fue el dinero de la pensión el que permitió la realización del evento, pues fue con el apoyo de los jubilados de la aldea que se compró parte de la carne. Estos recursos sirvieron también para pagar al cantador. Por otro lado el cantador, que tan solícitamente posó para las fotos, también es jubilado. La atención que dedicó a nuestra visita fue también una deferencia para con el Ministerio de la Previsión Social que, involuntariamente, representamos. Los Sateré-Mawé, al menos en esta oportunidad, mostraron el modo en que los recursos de la Seguridad Social son incorporados en el orden ritual: refuerzan el papel tradicional de los ancianos y son utilizados de acuerdo con los padrones tradicionales del grupo. Podemos decir que los Sateré-Mawé consiguieron incorporar, antropofágicamente, la renta de la jubilación en su universo sociocultural. Otras situaciones signiicativas visualizadas por la investigación fueron los usos colectivos del dinero, como por ejemplo la compra de un barco comunitario con los aportes de los jubilados en una de las comunidades quilombolas visitadas. Los usos del dinero no se restringen al comercio y al consumo individual de los productos. El dinero de la pensión es utilizado también para gastos como la salud de los ancianos, educación de los niños, compras comunitarias. Estos recursos recorren redes de relaciones sociales que incluyen en primer lugar la familia y, en un otro momento, la realización de la comunidad como un todo. Un ejemplo es la participación de los jubilados en los rituales indígenas o la participación de los ribereños en las iestas patronales. 88] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Un hilo conductor de este trabajo fue el uso del dinero en estas comunidades y, en particular, el uso de los recursos de las pensiones. El dinero se presentaría, en la lectura marxista, como el gran solvente de relaciones sociales; a partir de una lectura weberiana sería responsable de un desencantamiento del mundo; desde el punto de vista desarrollista, sería el motor del pasaje entre una sociedad tradicional y una sociedad moderna orientada para el mercado. Los testimonios registrados y las situaciones sociales analizadas en la investigación sobre los impactos de la Previsión Social en estas poblaciones rurales nos muestran un fenómeno más complejo. El dinero es incorporado a partir de patrones preexistentes; es usado en la realización de la vida social de la comunidad, transciende el uso individual que pueda hacerse con estos recursos. El dinero es incorporado antropofágicamente y, en el caso de las jubilaciones, refuerza la posición de los ancianos en la estructura social de los diferentes grupos. Este dinero, principal fuente de ingresos de muchas de esas comunidades, tiene impacto sobre la vida cultural de estos grupos, revitaliza a tradición a partir de la posición social de los ancianos. La investigación también reveló que la política de previsión social estaba teniendo otro impacto signiicativo: la documentalización de las poblaciones tradicionales. Tanto entre los quilombolas como entre los riberreños son incontables los casos en que estas personas en condiciones de jubilarse comienzan su periplo por las iglesias para conseguir las actas de bautismo, para poder gestionar el registro de nacimiento y solicitar su identidad. Los documentos se presentan como una condición necesaria para la ciudadanía. Estas poblaciones saben por su historia que la ciudadanía no puede reducirse a ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [89 los documentos, pero también saben, por experiencia, que sin documentos no hay ciudadanía posible. Como traducción de estas políticas para el ṕblico más amplio, la investigación también mostró que la Previsión Social estaba cumpliendo su papel al llevar los beneicios hasta poblaciones históricamente postergadas. La Seguridad Social es un derecho de todo ciudadano brasileño inscripto en la Constitución Federal de 1988. Ellos son jubilados, no por haber aportado – en un sistema bismarkiano– sino por ser ciudadanos brasileños. La narrativa escrita gana nuevos contornos al ser presentada con el ensayo fotográico. Los retratos transforman en personas a los anónimos entrevistados. Cuando en las presentaciones son proyectadas en la pantalla y el espectador ve el rostro, lee el testimonio, un fragmento de entrevista, asocia el texto con la imagen e imagina hasta la voz. En algunas oportunidades realicé la presentación con ḿsica de fondo y yo hablando al tiempo que proyectaba las imágenes. Esta presentación fue eicaz, tanto entre los antropólogos como con el ṕblico en general. El libro, en tapa dura y papel couche fue distribuido entre ministros, senadores, diputados, es decir entre aquellos que tienen poder de decisión, como estrategia para consolidar la inclusión de estas poblaciones tradicionales en la política de previsión social. Nuestra tarea como antropólogos fue mostrar, visibilizar, traducir las voces de estos pensionados, distantes de los centros de poder. La incorporación de la fotografía en esta narrativa fue eicaz para poder realizar esta traducción cultural. La otra experiencia que traigo a discusión fue la realización de un ensayo antropológico fotográico: Tradiciones Negras, Políticas Blancas (ALVAREZ, 2004), también 90] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA producido para el Ministerio de la Previsión Social. En esta investigación focalizamos diferentes grupos de tradición afro-brasilera. La muestra estuvo compuesta por quilombos, hermandades negras, candomblés y maracatús. La estrategia fue focalizar en los diferentes grupos identiicados a partir de la tradición cultural, para observar cómo llegan las políticas previsionales a cada uno de ellos. La investigación mostró que los grupos quilombolas tienen una buena cobertura al ser contemplados por la política previsional rural, no-bismarkiana; las baianas del acarajé y los pais de santo solo fueron recientemente reconocidos e incluidos en las políticas previsionales: las baianas en 1998 y los ministros de cultos afro-brasileros en 2000; la investigación también reveló que el gran déicit de políticas previsionales está en la periferia de las grandes ciudades, donde localizamos los maracatus y vive una población mayoritariamente negra, con altos índices de desempleo y altos índices de mortalidad. Otro punto a resaltar fue que las instituciones analizadas, hermandades, terreros de candomblé y maracat́ operan como formas de organización social de apoyo mutuo para estas poblaciones que hasta hace poco no eran contempladas por las políticas asistenciales del Estado. Entrevistas, retratos y rituales Una de las cosas que más llamó mi atención en estas investigaciones, realizadas con los fotógrafos Nicolas Reynald y Luiz Santos, fue la relación fotógrafo-retratado. Imagínese un antropólogo argentino y un fotógrafo francés llegando en lancha a una casa en la zona rural en el medio de Amazonas. ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [91 Un antropólogo argentino y un fotógrafo pernambucano en los candomblés de Bahía o en los quilombos de Minas Gerais. Como antropólogo, hacía las entrevistas y después pasábamos al ensayo fotográico. Me llamó la atención cómo los fotógrafos les sugerían poses a los ocasionales modelos, y ellos aceptaban en un diálogo que incluía posturas corporales, localización, inclusive el vestuario. Los pais de santo vestían sus collares y sus ropas lit́rgicas, los quilombolas organizaban una performances que incluía ropas, danza y cachaça. En Amazonas los personajes posaban contra un paño de fondo de plástico negro. Este diálogo entre fotógrafo y retratado me llevó a pensar hasta qué punto no hacemos algo similar cuando realizamos una entrevista. Nuestras técnicas de entrevistas semi-estructuradas son una serie de retratos, donde pedimos al entrevistado una pose, su punto de vista sobre un determinado tema o el testimonio de una experiencia personal. Podemos decir que las entrevistas tienen una parte referencial que buscamos más o menos conscientemente: – “hábleme de los usos del dinero”. Pero al mismo tiempo, la entrevista envuelve un contexto más amplio, es la excusa para entrar en el espacio social del entrevistado, nos coloca en medio de situaciones sociales que son más ricas que el contenido referencial de la entrevista. Las entrevistas son como un ritual a través del cual intentamos develar una tradición que no es la nuestra. A lo largo de estas experiencias de investigación enfrenté diferentes situaciones de entrevista. Entrevistas con traductor, entre los indígenas; entrevista con ingestión de rapé con paricá, con un indígena marubo. Hubo otras entrevistas en las que sólo registré un diálogo en lenguas indígenas, traducido posteriormente. En los candomblés de Bahía, 92] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA donde el secreto es un valor, realicé entrevistas sin preguntas. Como antropólogo sólo podía escuchar lo que los sacerdotes me hablaban; claro que ellos sabían de mis intereses y de una forma un tanto elíptica me hacían llegar su mensaje a través de casos e historias cariñosamente contados. En esas conversaciones muchas cosas trascendían mi entendimiento de las tradiciones afro-americanas, como cuando pasaban cantos tradicionales para mi interlocutor, cuyo signiicado ignoro casi completamente. Una de las situaciones más desconcertantes ocurrió cuando me llevaron a un terrero en Egu-gun. Los terreros de Egun son una de las instituciones más secretas en los candomblés de Bahía. Bastide (1961), que realiza una de las descripciones más acabadas de los candomblés, observa en su libro que no había conseguido informaciones sobre estos terreros dedicados al culto de los antepasados. Quebrar el secreto era sentenciado a muerte por el grupo. Juana Elbein dos Santos (1990) realizó la descripción del terrero de Pai Didí, en Itaparica. A partir de ese trabajo se forjó una imagen que asocia la isla de Itaparica con el culto a los eguns y la sugestión, falsa, de que habría un ́nico terrero de Egun. Durante la investigación, fui llevado a un terrero de Egun en Lauro de Freitas, en la periferia de Salvador. En un diálogo posterior, un odjé me informó que existen más de veintín terreros de Egun en la ciudad. Después de colaborar con tres cabritos para la realización del sacriicio me condujeron al terrero de Egun-gun. Para mi sorpresa, el pai de santo que me acompañaba me dijo: “Puedes grabar todo, puedes ilmar todo”. Realizada la invocación aparecieron los eguns, todos cubiertos con sus ropas rituales. Los eguns no pueden ser vistos directamente, ni pueden ser tocados sin riesgo de muerte. A diferencia de los orixás, hablan ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [93 con una voz gutural, mientras se balancean en su sillón. Cuál no fue mi sorpresa cuando me dijeron: “Entrevista a babá Egun”. ¿Qué preguntar? “Cuál es el orixá de la asistencia previsional” balbuceé atontado por la situación inesperada de tener que entrevistar una entidad. “Esa no es una pregunta para Egun, me dijo el pai de santo –, eso se les pregunta a los buzios”. Me sentí como un niño que no puede comprender lo que pasa a su alrededor. Reconociendo mis limitaciones interpretativas, agradecí a Egun-gun por su presencia y recibí una bendición por el trabajo realizado. Durante esa investigación tuve que enfrentar otra situación análoga durante el ritual de la calunga en un terrero de maracatú. Esa noche, el espíritu de la calunga encarnó en la reina del maracatú. Después de realizar una evolución de danza con los hombres del maracatú, se sentó junto a la pared y se formó una ila de personas que iban a consultar la entidad. Más una vez fui instado: “Entrevista la reina”. ¿Qué preguntar? Reconocí, una vez más, las limitaciones de mi competencia comunicativa para entrevistar entidades. Hacer una entrevistas no es sólo preguntar; uno debe saber qué preguntar. La competencia comunicativa nos lleva al campo de la interpretación de las performances. Una performance es eicaz porque los que act́an y el ṕblico participan de la misma tradición cultural, como señala Lévi-Strauss (1967) para el caso del hechicero y su magia. La cura funciona porque el hechicero cree en lo que está haciendo, porque el paciente cree y, más importante aun, porque el ṕblico también cree. La eicacia simbólica puede ser explicada para los procesos de cura, para los rituales y, por qué no, para las entrevistas consideradas como ritual. Con esto dislocamos el peso de la entrevista del plano referencial del testimonio y las conducimos hacia un plano simbólico más complejo. 94] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Los rituales son poderosos aparatos comunicacionales multimedia, en los que las performances involucran ḿsica, danzas, posturas corporales, alimentos compartidos, estados alterados de conciencia (LEACH, 1966; TAMBIAH, 1985; TURNER, 1974, 1975). Los rituales se caracterizan por un estado liminar, que nos arroja de la posición en la estructura social, y nos lleva hacia el plano de la anti-estructura, un lugar de potencialidad, de realización de otro orden social. En el caso de una buena entrevista, comprendemos también por empatía, por la inmersión en una situación que transforma el entrevistado en personaje de nuestra narrativa y nos permite comprender y traducir el punto de vista del otro. Las entrevistas son una situación liminar para el entrevistador y también para el entrevistado, quien a veces cuenta cosas que no contaría en el cotidiano. Las entrevistas no pueden ser disociadas de la situación social en que se realizan, y esto implica un tipo de comunicación más complejo. Finalmente, debemos dar menos importancia al discurso y más a los símbolos, que tienen que interpretarse en el seno de una tradición cultural, que debemos traducir. Al inalizar la investigación en Salvador, consultamos a los buzios para conirmar un dato que ya estaba siendo indicado por diferentes situaciones de campo. Omolú era el orixá que mejor traducía el concepto de asistencia social de la política previsional. Omolú, hijo de Nanã, criado por Yemanjá, era el orixá que mejor representaba estos principios. Había sido abandonado en la playa por su madre, los cangrejos comieron su carne, y fue encontrado y criado por la orixá de los mares. La paja de la costa que cubre su cuerpo esconde las heridas, asociadas también con las cicatrices de la varicela. Este orixá, tradicionalmente asociado a la igura de médico de ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [95 los pobres, es al que los ieles recurren en casos de necesidad. En el sincretismo religioso, esa especie de mimetismo con el catolicismo está asociada a San Lázaro en Bahía y a San Sebastián en Río de Janeiro. Todos los lunes, frente a la iglesia de San Lázaro en Salvador, mães de santo bendicen a los ieles con un baño de pochoclos. Cuando le pregunté a la mãe de santo por qué pochoclos, ella me respondió: “Porque solo Omolú tiene esta lor”. La poética que usa los pochoclos como metáfora está anclada en los relatos de orixás, en la cosmología por detrás de este ritual. Figura 1 – Fotograia de Luiz Santos3 Fonte: Alvarez (2006a). Nuestro ejercicio de traducción cultural no fue producto de un testimonio aislado sino resultado de los diversos índices reunidos a lo largo del trabajo de campo. Esta conclusión se 3 96] Capa do livro Tradições Negras Políticas Brancas. Ver: Alvarez, 2006a. ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA obtuvo de una mirada informada teóricamente y también como fruto de la sensibilidad del antropólogo al confrontarse con una tradición cultural diferente. Los diversos índices recogidos en entrevistas y situaciones sociales cobraban sentido teniendo en cuenta las religiones afro-brasileras como una tradición cultural. Un conjunto más o menos coherente de símbolos entrelazados a lo largo de la historia. Una historia con raíces africanas, pero desarrollada en Brasil, con las marcas de la esclavitud invisibilizada en las entrevistas. Una cosmología de grupos tradicionalmente no contemplados por el Estado y que eran ahora objeto de políticas de inclusión social. No fueron las entrevistas las que me ayudaron a comprender el candomblé. Fueron las situaciones vivenciadas en los terreiros, con sabios ministros de cultos religiosos afrobrasileros. Con sus parábolas, con la rigidez de las jerarquías y una inconmensurable humildad domesticaron al antropólogo. Compartimos charlas, comidas, rituales de incorporación. Compartimos conidencias, complicidades, emociones. La antropología no se hace con entrevistas, ellas son la excusa para una vivencia más profunda, para dejarse domesticar por el otro, para construir una antropología compartida. Antropología visual, una tradición en la antropología social Cardoso de Oliveira (1988) propone ver los paradigmas en antropología como tradiciones. Esta perspectiva humanista, hermenéutica, nos abre un nuevo horizonte para pensar nuestra disciplina, al mismo tiempo que nos interpela sobre la antropología visual como un campo tradicional dentro de ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [97 la antropología. Al analizar las diferentes tradiciones, Cardoso de Oliveira trabajaba metodológicamente a partir de autores claves y monografías ejemplares (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1988). En este sentido, mencionaremos algunos antecedentes de la relación entre la Antropología y el registro audiovisual, para después referirnos a un autor central, Jean Rouch, y a las inluencias que marcaron su estilo. Existe una estrecha relación entre la antropología y el registro audiovisual. Algunos ejemplos históricos sirven para evidenciar este vínculo. Cuando Haddon realiza la primera expedición al Estrecho de Torres en 1888, lleva consigo una máquina fotográica creada pocos años antes. En ese viaje cambió el foco de la investigación y dejó de lado la biología para dedicarse al estudio de las tradiciones nativas amenazadas por el creciente intercambio comercial. En su viaje, Haddon registró los nativos, tanto con sus ropas tradicionales, como con las ropas entregadas por los pastores de la isla.4. Cuando Haddon realiza la segunda expedición, acompañado por Seligman y Rivers, pocos días antes de inalizar el viaje reciben una máquina de ilmar, creada un año antes, y realizan el primer registro cinematográico de los nativos. Suman a su colección, además de los ilmes, los sonidos grabados en cilindros de cera5 (PINNEY, 1996). No fueron sólo los padres fundadores de la tradición británica quienes exploraron este medio de registro. Este material fotográico está disponible en: <http://www.britishmuseum.org/ research/collection_online/search.aspx?people=39331&peoA=39331-2-8.> http://click.si.edu/Story.aspx?story=463. Sitio visitado en junio de 2014. 5 Los ilmes están disponibles en Australia screem, [s. d.]: <http://aso.gov. au/titles/historical/torres-strait-islanders/notes/>.http://aso.gov.au/titles/ historical/torres-strait-islanders/notes/. Sitio visitado en junio de 2014. 4 98] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Malinowski dejó un registro de más de mil fotografías tomadas durante su trabajo de campo en las islas Trobiand6. Otro antropólogo ejemplar, Evans-Pritchard, dejó un legado de más de dos mil fotografías de los diferentes grupos con que trabajó. Este material está disponible en el museo Pitt Rivers7. Gregory Bateson y Margaret Mead exploraron la fotografía y el registro audiovisual durante su trabajo de campo en Bali. Bateson llegó a publicar parte del material sistematizado en Balinese Character: a fotographic analisys (BATESON; MEAD, 1942). Bateson presenta su material ordenado en planchas que pretenden retratar de forma sintética diversos aspectos de la cultura balinesa. Estas planchas están organizadas de diversas formas: en secuencia, agrupadas temáticamente, o en forma de gestal, asociando fotografías y grabados tradicionales. La mirada estuvo inluenciada por las preocupaciones de Margaret Mead y el paradigma de cultura y personalidad, que colocaba un peso especial en la socialización de los niños. A pesar del carácter innovador, este trabajo recibió diversas críticas (SAMAIN, 1995; PINNEY, 1996). Explorar la relación entre antropología y cine requiere en primer lugar tener en claro cuál es el lugar a partir del cual estamos hablando. En mi caso, ese lugar es la antropología y no el cine. Pero, al mismo tiempo exige un posicionamiento acerca Las fotograias de Malinowski están disponibles en: <http://archives.lse. ac.uk/TreeBrowse.aspx?src=CalmView.Catalog&ield=RefNo&key=MALINO wSKI/3>. http://archives.lse.ac.uk/TreeBrowse.aspx?src=CalmView.Catalog& ield=RefNo&key=MALINOwSKI/3. Sitio visitado en junio de 2014. 7 Las fotograias de Evans-Pritchard están disponibles en: <http:// southernsudan.prm.ox.ac.uk/quick_search.php?q=evans+pritchard&db_ choice=photos&go=search>. http://southernsudan.prm.ox.ac.uk/quick_search. php?q=evans+pritchard&db_choice=photos&go=search. Sitio visitado en junio de 2014. 6 ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [99 de qué entendemos por antropología. Pretendemos que sea una ciencia positivista, o nos posicionamos del lado de los que como Evans-Pritchard (1985) entienden que la antropología es el arte de la traducción cultural. Esta airmación indicaba ya el giro hermenéutico de nuestra disciplina al colocar dos elementos claves. Por un lado, el propósito de la disciplina, comprender al otro para realizar una traducción orientada a un ṕblico más amplio. Por otro lado, al invocar el arte nos está hablando de sensibilidad y empatía para intentar captar el way of life de un pueblo. La fotografía puede considerarse una técnica de registro; una forma de observación indirecta; un medio de presentar los resultados de una investigación; puede ser también una parte de la metodología de investigación. Lo que nos interesa en esta línea es la antropologización del uso de la cámara en el trabajo de campo antropológico. Una de las referencias fundamentales en la antropologización del cine y que marcó la antropología visual tal como la practicamos actualmente en Brasil fue Jean Rouch, antropólogo y cineasta francés, quien además realizó su doctorado sobre rituales de posesión en África en la tradición francesa de la antropología. Entre los autores claves que inluenciaron la obra de Jean Rouch se destacan dos: por un lado Robert Flaherty, autor de Nanook (1922), y, por otro lado, Vertov, de quien destacamos cuya Kino-Glaz como es considerada su obra ejemplar (COLLEYN, 1995; LOIZOS, 1995, PIAULT, 2000; RIBEIRO, 2007; ROUCH, 2000; STOLLER, 1994; SZTUTMAN, 2014). Vertov, cineasta vanguardista, retrató la Rusia de la revolución bolchevique. Uno de los más importantes documentalistas, defendía a inicios del siglo XX el carácter 100] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA revolucionario del cine de masas. Para Vertov, en sus maniiestos, – citados en Kino-Glaz – el cine naciente no debería imitar las artes burguesas. El cine no es teatro ni literatura sino un dispositivo que permite capturar la realidad a través del ojo mágico de la cámara. El cine-verdad trabajaba con imágenes captadas con gente del pueblo, un cine del pueblo y para el pueblo y, en el contexto soviético de ese momento, un cine revolucionario. En sus documentales, Vertov exploró el ojo mágico de la cámara. La cámara permite localizar el detalle con un zoom, mirar sin ser mirado, aunque para eso sea necesario un mago chino o un elefante en Mosć, literalmente. La cámara puede tomar planos diversos a ser combinados. En la edición podemos invertir el sentido de la película y, como en la escena del matadero en Kino-Glaz (1924), iniciar la secuencia en el mercado para retroceder hacia el matadero y ver, en el proceso inverso, las vacas vivas. Los cadáveres se visten de piel y vuelven al vagón del tren que las transportó. En este clip, Vertov revela todo el proceso de trabajo que está por detrás del pedazo de carne comprado en el mercado. Sin duda un maestro en el arte de la edición, Vertov señaló que este proceso no se inicia en la mesa de montaje. Tenemos que tenerla en mente al pensar en el tema a ser trabajado y en las tomadas realizadas. El proceso de edición se inicia en el momento en que planeamos que ilmar, aunque no sepamos qué peces caerán en la red. A partir de estos fragmentos de realidad creamos un inventario, un catálogo que servirá para montar una narrativa. En ese tiempo de cine mudo y registros de pocos segundos, Vertov consiguió crear narrativas, sea por contrastes, por fragmentos de realidad que apelan a un fondo moral, por acciones ejemplares o por ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [101 anti-ejemplares. En este sentido, la escena del vicio de cocaína en la Rusia zarista y los manicomios contrastan con la imagen de los jóvenes soviéticos empeñados en construir un mundo nuevo. Narrativa sin diálogos, sólo planos cortos, pocos segundos por plano, que adquieren un ritmo frenético en el proceso de edición. De Flaherty, Rouch señala dos aspectos centrales: por una parte, la cámara participante; por otra, la importancia del personaje. Sin duda, la obra ejemplar de Flaherty es Nanook (1922). A pesar de los trabajos magistrales de Boas (2004) y de Marcel Mauss (2003) sobre los esquimales, son las imágenes de Nanook las que crearon el imaginario sobre el grupo. Flaherty convivió con los esquimales durante la realización de la película. Después de la ilmación, en las duras condiciones del Ártico, revelaba las películas y las proyectaba, compartiendo los resultados con los esquimales. A partir de esta cámara participante, Flaherty logró que el grupo se involucrara profundamente en la realización de la película, y por qué no, una cierta complicidad. Otro de los destacados en esta producción fue el personaje protagonista, Nanook, a partir del cual se recrea la vida de un grupo esquimal con sus expediciones de caza y su adaptación a las condiciones extremas que imperan en el Ártico. A partir de estas inluencias Jean, Rouch creó un estilo propio, que él mismo gustaba de describir como antropología compartida. Esta supone un contacto casi cómplice entre el antropólogo y el grupo. Lo interesante es que este estilo se manifestó en la experimentación de serie formatos diferentes. En La chasse au Lion à l´arc (1965a),, Rouch (1965) optó por una estructura clásica, con la descripción de las técnicas de caza al león, incluyendo los rituales de preparación del 102] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA veneno y la cacería de varios ejemplares que acompañó, “heroicamente”. En Les Maîtres Fous, Rouch (1955) exploró una cámara transe que participa de rituales de incorporación en el contexto de urbanización africana. Lo notable es que las entidades incorporadas, el gobernador, la locomotora, el guardián, el médico, son representaciones de las fuerzas del colonialismo, que modelaban las sociedades tradicionales africanas. En Moi un noir, (1959), Rouch acompaña un grupo de jóvenes africanos, migrantes en la capital. A través de la performance de estos jóvenes, describe las reuniones en los clubes de migrantes, sus esperanzas y frustraciones como trabajadores no cualiicados en la ciudad. Se trata de una descripción de las problemáticas urbanas que estaban siendo trabajadas en ese momento por la escuela de Manchester a partir de los trabajos del Rhodes Livington Institute orientados por Gluckman. En Croniques d´un été, Jean Rouch y Edgar Morin (1960) acompañan un grupo de jóvenes parisienses en el verano de 1960. La película retrata el cotidiano de la juventud rebelde contra el modelo conservador de la generación anterior. Termina con un diálogo de Rouch y Morin sobre los límites entre la realidad y la actuación de los jóvenes durante la ilmación, el compromiso emocional durante el proceso. En esta película, el cine verdad se transformó en la verdad en el cine. En Petit à petit (1965b),, Rouch (1965) llevó los límites entre la icción y la realidad al extremo. Esta película es ejemplar en un género explorado por Rouch: la icción etnográica. A partir de una historia, iccional, Rouch crea una de las más geniales críticas al colonialismo en la antropología. El argumento se inicia con un grupo de “empresarios” africanos que deciden construir un ediicio de varios pisos en ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [103 África. Con este motivo, uno de ellos va a Paris para planear la construcción. En Paris sigue el consejo de realizar una antropología de los parisienses. Las actitudes de extrañamiento del africano frente a las costumbres francesas permiten realizar una crítica cultural a los franceses y a la propia antropología. La propuesta de una antropología compartida por detrás del cine se apoya en el profundo lazo de amistad y de complicidad entre Rouch y sus amigos africanos: Ian, Lamure y otros. La propuesta de trabajar de forma colaborativa, compartiendo el material con el grupo, y promover la participación en la investigación se ve facilitado por los cambios tecnológicos. La revolución digital bajó expresivamente los costos del registro de material audiovisual. Internet facilita la creación de redes y circuitos de circulación del material. Incorporar el vídeo en la metodología de investigación dejó de ser una alternativa onerosa para ser una metodología de investigación con costos razonablemente económicos. La cámara permite compartir el material trabajado; provoca performances, comportamientos considerados como ejemplares, que pueden ser preservados por el registro audiovisual. La cámara participante permite una relación de mayor paridad con el grupo con el que estamos envueltos en el trabajo, puede provocar importantes momentos relexivos. la experiencia Sateré-Mawé. El video compartido Entre 2003 y 2007 realicé mi investigación de posdoctorado en el Departamento de Antropología de la Universidad de Brasilia. Esta investigación, en el área de 104] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA etnología se centró en el análisis de la tradición cultural del grupo tupí Sateré-Mawé, y en la inserción de líderes del grupo en la política local y en el movimiento indígena. Este proyecto, titulado Tradición y Política Sateré-Mawé resultó en la publicación de un libro y dos vídeos, uno centrado en la tradición, el otro en la política (ALVAREZ, 2009). Durante esta investigación exploré el uso del vídeo como metodología de acuerdo con las orientaciones de Rouch: cámara participante y edición compartida. Durante el trabajo de campo en la aldea ilmaba lo que mis interlocutores indígenas pedían para ser ilmado. Así, registré algunas entrevistas con actores claves, visité lugares que fueron escenario de conlictos, escenas cotidianas y una colección de cantos. Al retornar de las ilmaciones, colocaba gasolina para encender el generador y pasaba las grabaciones del día mientras se cargaba la batería para el día siguiente. Durante mi periodo en la universidad editaba los clips y al volver a la aldea pasaba estos fragmentos y observaba la reacción de la platea. Invariablemente se congregaba un numeroso ṕblico que me permitía observar la aprobación o desaprobación del trabajo en las miradas de los jóvenes, niños y ancianos. La investigación tuvo dos ejes, la tradición y la política. La tradición cultural, con la hipótesis de que cada sociedad tiene su modo de tratar con el poder en su dimensión simbólica. Los rituales inscriben el peso de los símbolos de las generaciones pasadas en el cuerpo de los iniciados. La investigación se centró en los principales rituales del grupo – el ritual de la Tucandira y el çapó, consumo ritual de guaraná – pero no quedó limitado a estos momentos. Para comprender al grupo tuve que entender también su cosmología y sistema de parentesco, aspectos importantes en la interpretación de ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [105 los rituales. El eje de la política, centrado en las luchas por el reconocimiento, se centró en luchas históricas, en la articulación del movimiento indígena y en la participación de candidatos indígenas en la política local. Entre los hechos históricos nos focalizamos en dos conlictos de inicios de la década de los 80, como la oposición de los sateré a la construcción de una ruta que cortaría la tierra indígena, y el conlicto con la petrolera ELF Aquitane; por otro lado acompañé las reuniones de la organización indígena Consejo General de la Tribu SateréMawé – CGTSM, y sus proyectos, en particular el proyecto waraná; inalmente, en el campo de la política local acompañé la trayectoria de Mecias Sateré, que en ese proceso fue candidato a intendente del municipio, campaña política que también fue analizada en la investigación. La representación del ritual de la Tucandira fue el desafío que estructuró la narrativa del vídeo 3 Interpretaciones. Durante el transcurso de la investigación escribí varios artículos en los que analicé la estructura del ritual, sus aspectos simbólicos y la poética política que subyace a la interpretación de los cantos; analicé el ritual a partir del parentesco, lo que me llevó a interpretarlo como ritual de casabilidad, que organiza los intercambios matrimoniales (ALVAREZ, 2003, 2004, 2005, 2006c, 2007). ¿Cómo representar estos aspectos analíticamente complejos en un vídeo? Al inalizar la investigación, cuando estaba el pequeño hotel del villarejo amazónico, analizando y organizando el material para la edición, me di cuenta de que había registrado toda una colección de cantos. Tenía los cantos que habían sido registrados a capela, lejos de la aldea; tenía la explicación del signiicado de los cantos, realizada por los ancianos de la aldea, y tenía esos mismos cantos ejecutados durante el ritual. 106] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA El tiempo del ritual aparecía marcado por tres tipos de cantos: los del tiempo mítico, de cuando los bichos eran como gente; el tiempo de la guerra entre los clanes; el tiempo de la guerra contra el blanco, que nos remite a los hechos históricos de la Cabanagem8. A partir de este material, organicé el vídeo 3 Interpretaciones, en el que presento tres cantos, uno Mypynkury, del tiempo mítico; el canto de la lecha, del tiempo de la guerra entre los clanes; y el canto del collar, de la época de la cabanagem. Cada uno, a su vez, aparece desdoblado en los diferentes sentidos del término “interpretación”: como ejecución, cuando pasaban los cantos en la loresta, lejos de la aldea, porque los cantos tienen poder de invocación; como performances, como actuación con todo el aparato ritual; interpretación en el sentido hermenéutico, el signiicado de la poética política. Podríamos hablar de un cuarto sentido, la traducción como interpretación. Cuando inicié la investigación, grababa las entrevistas en vídeo y las pasaba para el reproductor, en la época un iPod, colocaba el aparato para funcionar y un grabador digital para que mi eventual auxiliar realizase la traducción. Con el tiempo y mis incipientes conocimientos de la lengua, fui percibiendo que estas traducciones eran “sucias”, en el sentido de que nuestro eventual traductor suprimía partes que él creía que no tenían importancia y agregaba informaciones La Cabanagem fue una revuelta popular que ocurrió en gran parte de Amazonas entre 1835-40. Durante esta revuelta, indios, caboclos y negros derrotaron a los portugueses y tuvieron tres presidentes cabanos. Los SateréMawésateré-mawé participaron activamente de esta revuelta y la represión a los cabanos casi llevó a la extinción del grupo. Algunos de estos cabanos se juntaron acon los indios en la cabecera de los ríos. 8 ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [107 que creía interesantes. Esto fue evidente a la hora de colocar los textos de la traducción de sateré para portugués en los vídeos. Pasamos a trabajar frase a frase. Mis conocimientos rudimentarios de la lengua nativa se complementaban con un léxico mayor en portugués que el de mi asistente sateré. Determinadas palabras, como “embajadas”, “invocación”, fueron sugeridas por mí e incorporadas con la aprobación del auxiliar. Por otro lado, cabe destacar que mis interlocutores indígenas no realizaron traducciones literales de los cantos. Hay traducciones de las letras de los cantos en Nunes Pereira (2003) y en Figueroa (1997). Estas traducciones sólo refuerzan el carácter hermético de los cantos, que puede ser penetrado a partir de las interpretaciones hermenéuticas siguiendo la exégesis nativa. Para un lector informado, el vídeo sobre el ritual muestra los desdoblamientos de los símbolos a lo largo del tiempo ritual. La hormiga tucandira, como símbolo ritual, presenta lo que Turner (1974, 1975) denomina de polarización de sentidos: como polo oroético o sensorial, la hormiga representa a la mujer; como polo ideológico representa la guerra. Mypynukry, uno de los cantos de la época en que los bichos eran como gente, cuenta cómo el Tat́ Grande entrega tres hormigas para que el hermano menor realice el ritual. La exégesis nativa nos revela que estas hormigas eran las mujeres. Una representación desdoblada de la mujer: como madre mítica, Oniawasapp, madre del guaraná; como transformación, Moiriat-etiat; y como la muerte que nos llama desde el fondo de la tierra. En el canto de la lecha, de la época de la guerra entre los clanes, tirar la hormiga al agua signiica que la guerra va a ser en el río. En el canto del collar, de la época de la guerra con los portugueses, la letra dice “quiebra 108] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA el collar”, que signiica matar a los portugueses que nos están cercando. Las metáforas tienen que ser interpretadas a partir de la tradición cultural, revelada por la interpretación nativa. La poética política sateré se revela en las metáforas empleadas en los cantos de la guerra. Uno de los cantos relata que los portugueses venían y pedían llevar a los chicos a que estudien en las ciudades, pero cuando el barco emprendía el viaje los colocaban dentro de bolsas con piedras y los tiraban en el medio del río. La exégesis nativa explica que cuando los niños eran llevados a la ciudad eran esclavizados; las niñas, prostituidas o convertidas en empleadas domésticas. Esos niños nunca más regresaban a la aldea, era como si los hubieran metido en una bolsa y tirado en el medio del río. Otra de las narrativas cuenta que cuando los hombres trabajaban en la loresta llegaban a la aldea comerciantes portugueses con un barco lleno de mercancías. El tuxaua, jefe de la aldea, acepta feliz los productos. Pero los portugueses piden que pague con el cuero de la planta de sus pies. Arrancan así la piel de los pies del tuxaua con un cuchillo, que nunca más pudo andar solo. Puede haber una metáfora más clara de la dependencia creada por el comercio. “3 Interpretaciones”9 fue un vídeo pensado en primer lugar para los sateré, con el in de guardar un registro históricamente construido; para otros indígenas para que puedan ver cómo valorar sus rituales y, en tercer lugar, para antropólogos. No fue pensado para tener una difusión mediática entre los blancos. La película fue presentada sólo en O vídeo está disponible em: <https://vimeo.com/24517568>. El video 3 Interpretações. Os cantos do ritual da tucandira está disponible en https://vimeo. com/24517568 9 ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [109 el circuito universitario, del que en más de una oportunidad participan los propios indios. Cierta vez proyecté la película para los alumnos indígenas de la licenciatura intercultural de la Universidad Federal de Goiás, UFG. Pocos días después el profesor del curso me hizo llegar una nota, escrita por un alumno krahô, grupo Jé del centro-oeste brasilero. Cuál no fue mi sorpresa al leer que el alumno indígena me pedía “una Xerox del DVD”. Era la forma que encontró, en su parco portugués, de pedir copia del DVD. A pesar de ser de tradición Jé, bien diferente de los Tupí de la loresta amazónica, él quería llevar la grabación del ritual a la aldea para mostrar a los parientes. El vídeo realizó alǵn tipo de traducción eicaz para los propios indígenas, no fue una traducción sólo para blancos. En “Toiro, tóiro, toiró. Vamos juntos trabalhar. Política Sateré-Mawé”10 construí una narrativa más occidental, con cierta profundidad histórica. En el vídeo exploro, a través de testimonios, los conlictos de inicio de la década de los ochenta, con las luchas contra la construcción de un camino que cortaría la tierra indígena y contra la explotación de petróleo. Recurrí a entrevistas con los tuxauas más viejos, recorrí los lugares donde fue realizada la exploración de petróleo. Conseguí también registrar las memorias de Renato Athias, colega antropólogo que en la época era coordinador del CIMI y apoyó la lucha de los tuxauas. Registré también la campaña política del candidato indígena a la intendencia del municipio de Barreirinha (AM) y, en el ́ltimo año, presencié el encuentro de Mecias Sateré con el gobernador del estado de Amazonas. Mecias, el candidato indígena, fue uno de los personajes centrales de este vídeo. 10 110] Disponible en: <https://vimeo.com/74398008>. ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Trabajé los diferentes clips y mostré el material a los indígenas en diversas oportunidades. Estos grupos focales orientaron lo que debía ser incluido. Uno de los episodios más reveladores fue el clip que había preparado sobre el proyecto waraná, que consiste en vender el guaraná directamente en el mercado global, con lo que consiguen pagar al productor local diez veces el valor del producto en el mercado local. En la entrevista, Obadias habla del etno-desarrollo, critica la educación y construye su narrativa sobre el proyecto guaraná criticando el desarrollismo. Cuando pasaba este clip a los indígenas de las aldeas, para mi sorpresa el ṕblico comenzaba a dispersarse. En una de las presentaciones, uno de los sateré que estaba en el ṕblico señaló irónicamente al “bandido”, realizando un juego de palabras que indicaba una visión crítica acerca del proyecto, que estaba introduciendo dinero para una parte de la población, los productores de guaraná. Fue entonces que comprendí que el discurso por detrás de la performance de Obadias era un discurso de blancos, para blancos, que había aprendido en sus viajes a Europa para divulgar la comercialización de guaraná. Uno de los “grupos focales” más interesante fue el que realicé en el viaje desde Manaos hacia la Tierra Indígena. Conecté la computadora en la televisión del barco y pasé los clips a los profesores indígenas y tuxauas que habían participado del encuentro de Mecias con el gobernador. Fue emocionante ver las lágrimas cayendo de los ojos del tuxaua Norato al ver en el vídeo una copia de la carta manuscrita enviada al Poranting, en 1980. En esta carta invitaba al CIMI a realizar la asamblea indígena en la que se denunciaban los abusos cometidos por la compañía petrolera francesa ELF Aquitane en la tierra indígena. Desde el fondo del barco, el tuxaua general ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [111 observó atentamente los clips. Cuando terminó la exhibición, mandó un mensaje por medio de un profesor indígena. Le había gustado mucho el material, pero quería agregar algunos comentarios. Una vez en la aldea, el tuxaua general agradeció el trabajo dándome el tratamiento de hermano en sateré y dijo que quería resaltar la importancia de “la lucha por salud, física y espiritual, y por la educación de los niños, porque ellos son el futuro del pueblo Sateré-Mawé”. El testimonio del tuxaua general cerraba con llave de oro, mostrando con estas observaciones el potencial de la dimensión relexiva que podemos introducir en la investigación al usar la antropología visual compartida como herramienta metodológica. Al inalizar mi ́ltimo viaje a la tierra indígena, pasé varios días en el cuarto del humilde hotel editando el material con la ayuda de Augusto Sateré, quien me auxilió en la interpretación del material. En ese periodo realizamos la primera edición de los vídeos sobre tradición y política. Cuando terminamos la primera versión, le entregué copias en DVD para que lleve a Molongotuba, aldea que fue mi base en la tierra indígena. Al salir esa noche, fue interceptado por partidarios de la facción política del intendente y contrarios a la candidatura del indio. Compraron cachaça para emborrachar al indio y apropiarse del material. El DVD sobre política mostraba la campaña del indio, con duras críticas al intendente y la élite local. A la noche siguiente, la ́ltima en Barreirinha, mientras tomaba cerveza en el margen del río, vino un adolescente y me sacó una foto con celular, con el lash en mi rostro. Me informó que era para el vice-intendente, que era quien de hecho mandaba en el municipio. Yo sabía lo que eso podía signiicar en el contexto de la política local. En esos municipios, cualquier ebrio sería capaz de tirar mi material de investigación 112] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA al río por una botella de pinga. No son extrañas las muertes en confusos episodios en el interior de Amazonas. Pasé la noche preocupado con la potencial amenaza, editando el clip del encuentro de Mecias con el gobernador. Mi embarcación partiría al mediodía siguiente. Ese día me desperté temprano, alquilé una moto-taxi para que me lleve a la casa de Mecias, me despedí y le entregué diez copias del clip del encuentro con el gobernador. Después llevé mi equipaje al barco, puse mi red en un lugar bien visible y me acosté a esperar la partida. La replicabilidad es una de las características de la revolución digital. El DVD del encuentro de Mecias con el gobernador fue copiado y reproducido millares de veces. Cuentan que fue el mayor suceso en las comunidades del interior. En la campaña siguiente, Mecias logró vencer la elección y fue posteriormente reelecto, quebrando la hegemonía de los “doctores” que siempre mandaron en el municipio. Para cerrar esta sección, volvamos a los momentos interpretativos de la antropología de Cardoso de Oliveira (1998), interpelándolos a partir de la experiencia del trabajo con vídeo para la construcción de una antropología compartida. En primer lugar, la introducción de la cámara fue una herramienta importante para la observación participante. El trabajo del antropólogo consistía en hacer un documental y la cámara era parte de sus instrumentos de registro. La metodología participativa de la cámara provocó la participación del grupo. Las personas realizaban performances para la cámara que eran evaluadas colectivamente cuando asistíamos al material después de la grabación. En estas oportunidades, un comentario o un chiste realizado desde la ventana es un índice que vale más que una conversación “racional”. La presentación ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [113 del material creaba un espacio ṕblico tradicional que tiene su centro y sus márgenes. En una sociedad no coercitiva como la tradición tupi, para que las cosas avancen tiene que haber armonía entre el centro y las márgenes, si no nada se ha hecho. La aprobación de las performances en el video estimuló un mayor compromiso y permitió que los actores deinieran el rumbo de las ilmaciones. La extensión de cuatro años del proyecto de investigación permitió reiteradas idas y vueltas entre el campo y la academia. Fue durante el período de clases y seminarios que editaba el material y producía los diferentes clips que se integrarían en el vídeo inal. Estos clips fueron sistemáticamente sometidos a la observación del grupo, tanto en la aldea como en reuniones más amplias. Las reacciones del ṕblico fueron determinantes para la selección del material que debía ser incluido y el que sería archivado. Estas exhibiciones permitieron que el grupo acompañase y comprendiese el proceso de investigación y posibilitaron la introducción de una dimensión relexiva, como lo indica el episodio inal, con las palabras del tuxaua general. El primer momento interpretativo, el del mirar teóricamente orientado y escuchar en la busca de una fusión de horizontes se desdobla, con la introducción del vídeo, en un mirar compartido – por la cámara participante y en un escuchar colectivo con la edición compartida. Desde el plano de una antropología compartida, esta investigación fue ejemplar en la realización de una cámara participante, una edición compartida y una dimensión relexiva en la que el propio grupo puede participar de las conclusiones formuladas por el antropólogo. 114] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA límites de la antropología compartida La perspectiva de la antropología compartida es una estrategia que permite el empoderamiento de grupos subalternos, sirve para dar voz a aquellos que no son escuchados en el espacio ṕblico. Para inalizar este trabajo quiero traer otro escenario. ¿Qué pasa cuando trabajamos con los que tienen poder, con los que tienen la hegemonía, inclusive, de imponer su punto de vista a sus dependientes? Enfrentamos una situación de este tipo cuando realizamos “Coroneles, Azadas y Puentes” (ALVAREZ et al., 2012)11. En esa oportunidad fuimos invitados a emitir un laudo en una situación de conlicto entre la administradora de una represa y la comunidad involucrada en la demanda de construcción de un puente. Los impulsores de la demanda eran emprendedores locales, que invocaban a la comunidad para beneicio de sus intereses particulares. Para realizar esta pericia realizamos dos trabajos de campo de aproximadamente quince días cada uno. En el local visitamos las diferentes localidades, hicimos relevamientos genealógicos con los habitantes más ancianos de las diversas localidades, visitamos las asociaciones de productores, entrevistamos los responsables por estas asociaciones, y otros moradores. Entrevistamos también a los propietarios de los principales emprendimientos así como a trabajadores ey comerciantes locales. Durante el trabajo de campo, las genealogías revelaron un bajísimo índice de intercambios matrimoniales entre las El vídeovideo Coronéis, enxadas e pontes está disponible en el link: <https:// vimeo.com/88676220>. . 11 ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [115 localidades, inclusive menor que lo esperado, desde tiempos anteriores a la construcción de la represa. Estos datos duros, en el sentido de no manipulables, derrumbaban el argumento de que era una comunidad dividida por la construcción de la represa. Focalizamos nuestra atención en la estructura social de la región, la población local, los pequeños propietarios, campesinos, los emprendedores capitalistas, los migrantes establecidos en la región. En la región encontramos una población formada por campesinos orientados al auto-consumo pero que venden el excedente en el mercado, haciendas de creación de ganado, emprendimientos agrícolas, granjas avícolas y emprendimientos de turismo rural. Estos dos ́ltimos se caracterizan por ser de capital y mano de obra intensivos. El documental focalizó la cuestión del poder local en el contexto posterior a la construcción de la represa. Nos apropiamos del término coronelismo para visibilizar los mecanismos de poder local. El término coronelismo fue acuñado por Nunes Leal (1975) para explicar la hegemonía política que marca el poder en las regiones rurales. Este término es similar al de caciquismo, mandonismo y otras expresiones similares utilizadas en América Latina. El coronelismo es una manifestación del poder privado que se impone sobre los mecanismos representativos de la política local. Tiene sus bases asentadas en la estructura agraria, en el intercambio de favores con el poder ṕblico, la desorganización de los servicios ṕblicos locales. Por su parte, el mandonismo o ilhotismo podría ser traducido como padrinazgo. En su esfera, el coronel resume importantes instituciones sociales en su persona, ejerce amplia jurisdicción sobre sus dependientes, arbitra conlictos a partir de intereses particulares y tiene poder de policía sin carácter oicial. 116] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Las entrevistas realizadas son ejemplares sobre la vigencia de este mecanismo de poder. El coronelismo se reproduce en un nuevo contexto en el que los dueños de los emprendimientos de capital y trabajo intensivo se valen de prácticas tradicionales del poder local. En esta región con débil presencia del poder ṕblico, son estos nuevos coroneles los que tienen interlocución con el intendente del municipio, que ignora las asociaciones de pequeños productores. Los coroneles son los que imponen su punto de vista hegemónico a sus dependientes y familias. La entrevista con el propietario de la granja avícola fue ejemplar sobre el mecanismo llamado ilhotismo. Este propietario convocó una reunión, con la presencia de otros hacendados y los peones para presentar performáticamente su punto de vista. ¿Cómo trabajar cuando los actores mienten, o manipulan y controlan el discurso desde los intereses particulares? Creo que el camino está en darles la voz a todos los actores, explorar las contradicciones, erosionar el discurso hegemónico a partir de los márgenes. Para crear este diálogo disonante iniciamos el vídeo dándoles la voz a los coroneles, para después contraponer esos discursos con el de los campesinos que no son sus dependientes, y con el discurso de un viejo “coronel” que, como no tiene nada que perder, tampoco tiene reparos en sus comentarios sobre el conlicto iniciado por los nuevos coroneles. Este vídeo presenta una crítica al sentido referencial del lenguaje al mostrar, mediante las contradicciones, que los actores mienten. Cuando trabajamos con vídeo debemos prestar más atención a las performances que a los discursos. No podemos ser ingenuos y creer lo que se declara ante las cámaras. En este caso, a diferencia del ejemplo anterior, no ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [117 quiero el coronel participando de la edición y manipulando la investigación. El vídeo retrata cómo estos nuevos coroneles se apropian del discurso antropológico, manipulándolo en función de sus intereses privados. El documental expone los mecanismos de poder e intereses subyacentes al discurso, contrapone el valor referencial del habla con las performances de diversos actores sociales. En el trabajo de edición, el valor referencial del discurso de los coroneles es erosionado por las contradicciones, por los desplazamientos de sentido provocados por las performances, por los lapsus y otros elementos indexicales del discurso. Pretendimos con esta polifonía crear un meta-discurso, producto de la acción relexiva del espectador, que se identiica y contra-identiica con los personajes y situaciones presentadas de forma dramática. Fue posible realizar un retrato complejo de la violencia simbólica que marca las relaciones sociales en un contexto de cambios que involucra nuevos actores y la recreación de mecanismos tradicionales de poder. Alcanzamos un nivel que, como señaló un espectador, hasta produce risas, y como cientíicos sabemos que la risa es también un fenómeno complejo. La risa réne la lectura de la performance, la competencia comunicativa para evaluarla y un sentido que transciende la contradicción, es relexiva e instantánea. Por otro lado, con esta narrativa dejamos la interpretación en manos del ṕblico, que debe tener la competencia comunicacional para ver los mecanismos de hegemonía, los ilhotismos y la erosión del discurso de los coroneles a lo largo del ilm. Esta situación compleja expone los límites de la edición compartida. Como antropólogo no me aparto de mi perspectiva crítica y no quiero al coronel en la mesa de edición. 118] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Como antropólogos, nuestra comunidad de comunicación inter-pares debe prevalecer. La reciprocidad es compleja: tanto permite empoderar al subalterno como erosionar al poderoso. Cuando encendemos la cámara lo que registramos son performances que, en el sentido de Turner, involucran retrospección y relexión, un pasado, una historia. Hablamos de tradición cultural y no de cultura, como una opción teórica. Tradición nos remite a “visión de mundo”, a la weltanschauung de Dilthey (TURNER, 1988, p. 48). Una visión de mundo dinámica es sometida a constante revisión, es mutable, expresa una experiencia colectiva plasmada en performances. La visión de mundo se presenta como la cristalización de la experiencia coḿn, heredada de formas y simbolismos culturales sorprendentes o vigorosos, impregnados de orexis (sentimiento y voluntad) más que de razón (TURNER, 1988). El hombre como animal actuante, este homo performáticus, opera en un contexto social, la relexión es plural. Conclusión. Antropologia assenyat Esta conferencia en la Universidad de Barcelona permitió presentar a los colegas mis trabajos y relexiones sobre aprendizajes en el área de antropología visual. Al relexionar sobre las experiencias, nos posicionamos también sobre cuestiones de fondo, como la idea de ciencia positivista en contrapunto con la idea humanista, preocupada por la comprensión del otro y no por la predicción. Este desplazamiento del eje nos coloca en una perspectiva que deja de lado la preocupación por un saber universal, ahistórico y objetivo y nos ubica en aquella que considera ese saber históricamente construido, ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [119 en el interior de una tradición cultural. En este cambio de eje, la objetividad da lugar a la intersubjetividad. En el caso de la antropología, esta intersubjetividad se desdobla: por un lado está la intersubjetividad al interior de la comunidad de investigadores, pero al mismo tiempo hay una intersubjetividad con el grupo con el que trabajamos. Esta perspectiva de doble intersubjetividad está contenida en la perspectiva de la antropología como arte de la traducción cultural. Una traducción que puede apropiarse de los medios audiovisuales no como forma de registro objetivo sino como herramienta para la construcción de una relación intersubjetiva. Al relexionar sobre las experiencias de traducción intercultural que realicé como antropólogo señalamos también una crítica al peso referencial del discurso, a las entrevistas, para llamar la atención respecto de las performances realizadas frente a las cámaras. Las entrevistas son importantes como puerta de entrada; sin embargo, como ya señale anteriormente, pueden también ser pensadas como rituales. No debemos olvidar que los rituales son, antes que nada, poderosos aparatos de comunicación. Son los rituales los que construyen esa sensación de perspectiva compartida. Pensar la antropología visual como tradición académica nos remite a las experiencias realizadas por Jean Rouch, y los principios metodológicos de la cámara participante y de la edición compartida para transformar la cámara en herramienta de investigación. Estos principios pueden y deben ser aplicados siempre que sea posible en el trabajo de campo. La aplicación de estos principios en una investigación de mediano o largo plazo permite que el grupo se apropie de los medios audiovisuales, e introduce una dimensión relexiva que difícilmente se logra en el trabajo escrito académico. La 120] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA antropología visual es, sin dudas, una herramienta importante para la construcción de una antropología compartida y puede fortalecer, directa e indirectamente, a los grupos que participan de la investigación. Volvemos aquí al doble carácter interpretativo de la antropología como traducción cultural. En la investigación no debemos perder de vista que la comunidad interpretativa a la que va dirigido el producto de la investigación es la comunidad inter-pares, los investigadores que juzgarán pertinente o no el producto de nuestro trabajo. En este sentido, no podemos asumir una posición ingenua, coniando píamente en las declaraciones de los informantes. Las palabras mienten, y como antropólogos debemos estar atentos a las performances que son un poderoso aparato comunicacional. Lo que captamos cuando encendemos la cámara es la performance, la actuación, que no es necesariamente verdadera ni falsa. Ella pude o no ser eicaz, y quien juzga la eicacia de la performance es el ṕblico. Cuando Cardoso de Oliveira (2006) realizó su trabajo de campo en Barcelona hizo un análisis de las identidades en el modelo de identidades contrastivas, pero también analizó la catalanidad como tradición cultural. Al abordar estos aspectos se centró en un término de difícil traducción que desde su perspectiva resume ese carácter catalán: seny. En síntesis: la subjetividad, como base de la agencia permite introducir cuestiones culturales, históricas y afectivas. En ese sentido nos permite vincular aspectos que desarrollaremos con nuestros datos. Por ejemplo, vincular lo que en el colegio llamamos el sentido conferido por los actores al vínculo escuela y familia –percepciones y emociones– con la capacidad de política y acción sobre ese vínculo (agencia). Por otra parte, nos permite inscribir esa agencia en dimensiones subjetivas (imaginarios ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [121 como los de comunidad educativa, nosotros y ellos y la cultura escolar, etc.). Esas dimensiones subjetivas no lotan en el vacío, sino que son estructuras de sentimiento historizadas y culturales. es esa forma de ser de los catalanes, irónica, desconiada, un tanto cerrada, que puede ser varias cosas pero nunca ingenua. Parafraseando a Roberto Cardoso de Oliveira, a partir de estas experiencias prácticas con la antropología visual proponer pensar una antropologia assenyat. Bibliograia ALVAREZ, Gabriel Omar. Amazônia Cidadã. Previdência rural e populações tradicionais da região norte do Brasil. Brasília: Ministério da Previdência e Assistência Social, 2002. v. 1. (Coleção Previdência Social – Série especial). ______. Etno-políticas Sateré-Mawé: da moral tradicional à ética transnacional – projeto de pesquisa, PRODOC-DAN/ UnB. Brasília: mimeo, 2003. ______. Sateré-Mawé: do movimento social à política local. Brasília: Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília, 2004. (Série Antropologia, n. 366). Disponible en: <http://www.unb.br/ics/dan /Serie366empdf.pdf>. Acceso en: 6 junio 2014. ______. O ritual da Tocandira entre os Sateré-Mawé: aspectos simbólicos do waumat. Brasília: Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília, 2005. (Série Antropologia, n. 369). Disponible en: <http://www.unb.br/ ics/dan /Serie369empdf.pdf>. Acceso en: 7 junio 2014. 122] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA ______. Tradições Negras, Políticas Brancas: previdência social e populações afro-brasileiras. Brasília: Ministério da Previdência Social, 2006a. v. 2. (Coleção Previdência Social – Série especial). ______. A institucionalização da Antropologia em Brasília. Brasília, 2006b. Disponible en: <https://www.youtube.com/ watch?v=4iunwnza3rs>. Acceso en: 6 junio 2014. ______. Pós-Dradiviano: parentesco e ritual. Sistema de parentesco e rituais de ainabilidade entre os Sateré-Mawé. Brasília: Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília, 2006c. (Série Antropologia, n. 403). Disponible en: <http://www.unb.br/ics/dan /Serie403empdf.pdf>. Acceso en: 6 junio 2014. ______. Aspectos simbólicos do waumat: o ritual da Tocandira entre os Sateré-Mawé. In: CABRAL, Ana Suelly Arruda Câmara; RODRIGUES, Aryon Dall´Igna (Org.). Línguas e Culturas Tupí. Campinas: Curt Nimuendaj́; Brasília: LALI/ UnB, 2007. v. 1. ______. Os Terena e outros temas. A antropologia de Roberto Cardoso de Oliveira. (DVD) Brasília: ABA, 2008a. ______. Os Suruí, parentesco e cosmologia Tupi. A trajetória de Roque de Barros Laraia. (DVD) Brasília: ABA, 2008b. ______. A experiência etnográica. Julio Cezar Melatti. (DVD). Brasília: ABA, 2008c. ______. Satereria: Tradição e Política Sateré‐ Mawé. Manaus: Ed. Valer, 2009. ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [123 AUSTRALIA SCREEM. Torres Strait Islanders (1898). Disponible en: <http://aso.gov.au/titles/historical/torresstrait-islanders/notes/>. Acceso en: 15 junio 2014. BASTIDE, Roger. O Candomblé da Bahia (Rito Nagô). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961. BATESON, Gregory; MEAD, Margaret. Balinese Character: A Photographic Analysis. New York: Academy of Sciences, 1942. BOAS, Franz Uri. Um ano entre os Esquimó. In: STOCKING JR., George w. (Org.). Franz Boas: a formação da Antropologia Americana (1883-1911). Rio de Janeiro: Contraponto; UFRJ, 2004. p. 67-80. CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Sobre o pensamento antropológico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Brasília: CNPq, 1988. ______. O trabalho do antropólogo. São Paulo: Editora Unesp; Brasília: Paralelo 15, 1998. ______. Caminhos da Identidade. São Paulo: Editora Unesp; Brasília: Paralelo 15, 2006. ______. Antropología y Hermenéutica. 3 nov. 2010. [Vídeo]. (8 min 44 s). <https://vimeo.com/16463163>. Acceso en: 5 junio 2014. ______.; CARDOSO DE OLIVEIRA, Luís R. Ensaios Antropológicos sobre Moral e Ética. Rio de Janeiro: Biblioteca Tempo Universitário, 1996. 124] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA CHRONIQUE d’un été. Dirección: Jean Rouch; Edgar Morin. Elenco: Angelo, Régis Debray, Jacques. Distribución: Domaine cinema. Formato original: 16 mm. [Vídeo]. Francia, 1960 (90 min). Disponible en: <https://vimeo. com/54909410>. Acceso en: 6 junio 2014. COLLEYN, Jean-Paul. Entrevista. Jean Rouch, 54 anos sem tripé. Cadernos de Antropologia e Imagem, Rio de Janeiro, n. 1, p. 65-74, 1995. CORONÉIS, enxadas e pontes. 10 mar. 2014. [Vídeo]. (36 min 13 s). Disponible en: <https://vimeo.com/88676220>. Acceso en: 5 junio 2014. DZIGA Vertov. Dirección: Kino-Glaz. URSS, 1924. [Vídeo]. (73 min). Disponible en: <https://www.youtube.com/ watch?v=Zy_TK0SyQeY>. Acceso en: 13 junio 2014. EVANS-PRITCHARD, Edward E. Antropologia Social. Lisboa: Edições 70, 1985. FIGUEROA, Alba Lucy Giraldo. Guerriers de l´écriture et comerçants du monde enchanté: historie, identité et traitement du mal chez les Sateré-Mawé (Amazonie centraal, Brésil). 1997. Tesis (Doctorado en Sciences Sociales) – Ecole de Hautes Etudes em Sciences Sociales, Paris, 1997. NANOOK of the North. Dirección: Robert Flaherty. Intérpretes: Allakariallak; Nyla Cunayou. Estados Unidos; Francia, 1922 (79 min). KUHN, homas S. A Estrutura das revoluções cientíicas. São Paulo: Perspectiva, 1975. ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [125 LA CHASSE au Lion à l´arc. Dirección: Jean Rouch. Producción: Les Films de la Pléiade. 16/35 mm. Francia, 1965a (80 min). LES MAîTRES fous. Dirección: Jean Rouch. Producción/ Distribución: Les Films de la Pléiade. 16/35 mm [Vídeo]. Francia, 1955 (27 min). Disponible en: <https://www.youtube. com/watch?v=z2jG3rQ0MNA>. Acceso en: 7 junio 2014. LEACH, Edmund R. Ritualization in man in relation to conceptual and social development. Philosophical Transactions of the Royal Society of London – Series B, n. 772, v. 251, p. 403-408, 1966. LEVí-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967. LIBRARI SERVICES. Malinowski. [s. d.]. Disponible en: <http://archives.lse.ac.uk/TreeBrowse.aspx?src=CalmView.Ca talog&ield=RefNo&key=MALINOwSKI/3>. Acceso en: 7 junio 2014. LOIZOS, Peter. A inovação no Filme etnográico (19551985). Cadernos de Antropologia e Imagem, Rio de Janeiro, n. 1, p. 55-64, 1995. MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva – Uma categoria do Espírito Humano: a noção de pessoa, a de Eu. In: ______. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosacnaify, 2003. p. 369-397. MOI, un noir. Dirección: Jean Rouch. Producción. Les Films de la Pléiade. 16/35 mm. [Vídeo]. Francia, 1959 (73 min). Disponible en: <https://www.youtube.com/watch?v=_ jJspPtRmkQ>. Acceso en: 7 junio 2014. 126] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA NUNES LEAL, Victor [1949]. Coronelismo, Enxada e Voto – O município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa ômega, 1975. PEREIRA, Nunes. Os índios Maues. Manaus: Valer Editora, 2003. PEIRANO, Mariza G. S. O dito e o feito: ensaios de antropologia dos rituais. Rio de Janeiro: Relume-Dumara, 2001. PETIT à Petit. Dirección: Jean Rouch. Producción/ Distribución: Les Films de la Pléiade Coproducción: CNRS Niger, CFE. 16/35 mm. [Vídeo]. Francia, 1965b (91 min). Disponible en: <https://www.youtube.com/watch?v=_ CtbeFfzE7I>. Acceso en: 8 junio 2014. PIAULT, Marc Henri. Antropologie et cinéma. Paris: Nathan, 2000. PINNEY, Christopher. A história paralela da Antropologia e da fotograia. Cadernos de Antropologia e Imagem, Rio de Janeiro, n. 2, p. 29-52, 1996. RIBEIRO, José da Silva. Jean Rouch, Filme etnográico e Antropologia Visual. Doc On-line, n. 3, p. 6-54, dez. 2007. Disponible en: <http://www.doc.ubi.pt/03/artigo_jose_ ribeiro.pdf>. Acceso en: 6 junio 2014. ROUCH, Jean. O comentário improvisado na imagem. Entrevista com Jean Rouch. In: FRANCE, Claudine de (Org.). Do ilme etnográico à antropologia fílmica. Campinas: Editora da Unicamp, 2000. p. 1-42. ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [127 SAMAIN, Etienne. Ver e dizer na Tradição etnográica: Bronislaw Malinowski e a fotograia. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 1, n. 2, p. 23-60, jul./set. 1995. Disponible en: <http://www.ufrgs.br/ppgas/ha/pdf/n2/HA-v1n2a04. pdf>. Acceso en: 4 junio 2014. SANTOS, Juana Elbein dos. Os Nàgó e a Morte – Páde, Àsèsè e culto Égun na Bahia. Petrópolis: Vozes, 1990. SOUTHERN SUDAN. Evans-Pritchard. [s. d.]. Disponible en: <http://southernsudan.prm.ox.ac.uk/quick_search.php?q= evans+pritchard&db_choice=photos&go=search>. Acceso en: 5 junio 2014. STOLLER, Paul. Artaud, Rouch, and the cinema of cruelty. In: LUCIEN, Taylor (Ed.). Visualizing heory – Selected essays from V.A.R. 1990-1994. New York: Routledge, 1994. p. 84-98. SZTUTMAN, Renato. Imagens Perigosas: a possessão e a gênese do cinema de Jean Rouch. Cadernos de Campo, n. 13, p 115-124, 2005. <http://www.lch.usp.br/da/cadcampo/ ed_ant/revistas_completas/13.pdf>. Acceso en: 5 junio 2014. TAMBIAH, Stanley Jeyara. Culture, hought, and Social Action: an anthropological perspective. Cambridge: Harvard University Press, 1985. THE BRITISH MUSEUM. Disponible en: <http://www. britishmuseum.org/research/collection_online/search.aspx?pe ople=39331&peoA=39331-2-8>. Acceso en: 10 junio 2014. TOIRó, toriró, toiró… Vamos juntos trabalhar. Política Sateré-Mawé. 12 set. 2013. [Vídeo]. (59 min 11 s). Disponible 128] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA em: <https://vimeo.com/74398008>. Acceso en: 7 junio 2014. 3 INTERPRETAÇõES. Os cantos do ritual da tucandira. 1 jun. 2011. [Vídeo]. (52 min 7 s). Disponible em: <https:// vimeo.com/24517568>. Acceso en: 7 junio 2014. TURNER, Victor witter. Dramas, Fields, and Metaphors: Symbolic Action in Human Society. Ithaca, London: Cornell University Press, 1974. ______. he Forest of Symbols: Aspect of Ndembu Ritual. Ithaca, London: Cornell University Press, 1975. ______. From ritual to theatre: he human seriousness of play. New York: Perform Arts Journal, 1982. ______. he Anthropology of Performance. NewYork: PAJ Publications, 1988. ANTROPOLOGíA VISUAL COMPARTIDA [129 ROUBAR A AlMA – OU AS DIFICUlDADES DA RESTITUIÇÃO1 Carmen Silvia de Moraes Rial 2 Introdução Restituição é um termo novo no vocabulário da Antropologia Audiovisual brasileira. Como tantos outros conceitos que ingressaram no nosso repertório acadêmico, traduzimos restituição – no caso, do francês, restituition. Restituir, devolver. Embora a palavra seja nova, a ideia não o é. Há muito tempo, os antropólogos3 que se interessaram pelo audiovisual no país reletiram em torno da devolução de seus produtos, mas o izeram através de outra categoria, compartilhamento. Quem examinar os textos escritos há alguns anos, diicilmente encontrará restituição, mas é altamente provável que se depare com relexões em torno da “Antropologia Compartilhada”. Devolver as imagens aos protagonistas das imagens, e, também, – se Agradeço à CAPES e ao CNPq pelos inanciamentos que tornaram possíveis as pesquisas às quais me reiro neste artigo. Artigo anteriormente publicado em: RIAL, Carmen Silvia de Moraes. Roubar a alma: ou as diiculdades da restituição. Tessituras, Pelotas, v. 2, n. 2, p.201-212, jul./dez. 2014 2 Departamento de Antropologia, UFSC. 3 Ao longo do texto, usei palavras no masculino e no feminino intercaladamente. Elas podem ser convertidas para um ou outro gênero. 1 [131 possível – construir as imagens juntamente com eles estava no centro da ideia da Antropologia Compartilhada, remetendo a processos heurísticos e práticas de pesquisa que evocavam, de modos diferentes, ao menos dois grandes mestres do passado: Robert Flaherty e Jean Rouch. Ensinávamos aos estudantes os procedimentos de uma Antropologia Compartilhada, usando como exemplo Nanook of the North4, explicando o quanto o ilme era devedor das Inuit, que assistiam os “rushes” tão logo eram revelados por Flaherty, passando um feedback e sugerindo novas cenas. Toda uma nova ética na relação antropólogo-pesquisado (dialógica) estava subentendida ali, antecipando, em décadas, as propostas dos pós-modernos norte-americanos. Todavia, por mais que louvássemos esse procedimento como vanguardista, não podíamos deixar de mostrar sua “outra face”. Apontávamos os limites deste compartilhar: os “Inuit de Nanook” pouco viram acerca dos ganhos do ilme, embora tenham sido corresponsáveis por partes do “roteiro” (indicando cenas, como as da caçada do urso) e por muito mais do que isso (já que, como Flaherty reconhecia, teria tido diiculdades em se localizar e sobreviver no Ártico sem seus saberes). Sucesso de bilheteria desde o seu lançamento, o ilme Nanook of the North trouxe glória e dinheiro ao seu diretor. E o modo oposto em que, posteriormente, morreram Flaerthy e o protagonista de Nanook bem demonstra a enorme distância entre um e outro – enquanto o cineasta faleceu em um acidente a bordo de um automóvel de luxo adquirido com os lucros do ilme, o Inuit-caçador que protagonizou Nanook morreu de fome. Um compartilhamento mais justo parece ter conseguido Jean Rouch com os seus interlocutores africanos, que Documentário, produzido por Estados Unidos e França, em 1922, com direção de Robert Flaherty. 4 132] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA inventaram personagens, improvisaram falas e conduziram as narrativas em mais de um caso. Rouch soube reconhecer isso, atribuindo aso personagens um surpreendente status de coautores em alguns dos seus ilmes, criando uma sociedade e repartindo as gratiicações inanceiras. Mesmo que poucos tenham repetido a fórmula radical proposta por Rouch, seus procedimentos, sem d́vida, foram decisivos para outras maneiras de se praticar uma Antropologia Compartilhada na Antropologia Audiovisual, aprofundada no trabalho de MacDougall. E restituição? Para as francesas que se inserem na Antropologia Audiovisual (mas não apenas estas, já que o termo é popular entre antropólogos de modo geral), a categoria tem dois sentidos: “devolver as imagens”, como izeram Flaherty, Rouch, MacDougall e tantos outros; mas, também, o de “divulgação dos resultados da pesquisa” – o que, entre nós, era (e é) contido na palavra extensão ou na ideia de além-muros. Restituir signiicando Extensão Como sabemos, a Extensão é parte das obrigações de todos os professores nas Universidades Federais brasileiras (junto com o Ensino e a Pesquisa) – e isso ao contrário do que ocorre em outros países, como a França ou nos Estados Unidos. Na França, que apenas recentemente uniu institucionalmente a pesquisa e ensino, pois antes estas atividades podiam ou não ser realizadas concomitantemente por um professor/pesquisador, a extensão/restituition é alvo de grandes relexões5. Algumas Ver “Colloque International Ethnographies Plurielles IV. Restitution et difusion des données d’enquête Université de Bourgogne” (ZONABEND, 2014). 5 ROUBAR A ALMA – OU AS DIFICULDADES DA RESTITUIÇÃO [133 apontam para o caminho de sua idealização, transformando a devolução em uma obrigação ética do pesquisador, outras expressam profundas desconianças6. Restituição aqui engloba o compartilhamento, sem ser dele sinônimo. Devolve-se aos interlocutores da pesquisa, mas não apenas a eles, pois o termo restituição se aplica, também, às entrevistas a jornais ou televisões, aos artigos de divulgação, às palestras a um ṕblico não acadêmico. Por razões que não “valem a pena” explorar aqui, mas que pude observar ao longo dos anos que vivi no país, os intelectuais na França têm muito maior resistência ao contato com a mídia do que os brasileiros7. A atuação dos acadêmicos Como é o caso de Françoise Zonabend, conforme podemos conirmar na palestra proferida no Colóquio de Dijon, em 2014 (evento referido na nota precedente). 7 Conforme escrevi em outro lugar: “Não há novidade nesta negação da imagem”. “L’image est la folle de la raison”, dizia Sartre. O movimento anti-imagem tem suas raízes em Platão, segue na Idade Média, com os iconoclastas, e a polêmica em torno da reprodução ou não de imagens sacras. Lyotard (1986), citando Êxodo 2,4 – “Não esculpirás imagem” –, considera a passagem como sendo a mais sublime da Bíblia, pois proíbe qualquer representação do absoluto. Ele a aproxima dos axiomas da estética da vanguarda da pintura (portanto, moderna), que fará ver o invisível sem representá-lo ou, nas palavras de Lyotard: “como pintura esta estética ‘apresentará’, sem d́vida, algo, mas o fará negativamente, evitará pois a iguração ou a representação. Será ‘branca’ como um quadro de Malevitch. Fará ver, na medida em que proíbe de ver; procurará prazer, dando dor”. A pós-modernidade, ao contrário, recupera a força dos ícones: sua retórica passa do convencimento à sedução, da argumentação à imagem. Para Mafesoli (1985, 1987, 1990), a televisão é vista como o exemplo máximo da imagem, como tendo uma função agregadora. Contrapondo-se a McLuhan (1969) e a Mafesoli, Umberto Eco (1989) diz que nós não vivemos absolutamente na idade da imagem: voltamos à época da escrita, com o computador, o videotexto, a conferência televisionada, na qual as informações são transmitidas por intermédio da tela: uma época de uma nova alfabetização. E prediz que a maior parte do que veremos pela tela nos próximos anos será palavra escrita e não imagem, uma palavra que deverá ser lida a uma velocidade acelerada. Para Eco, estamos vivendo esse processo de re-alfabetização, mesmo que as novas letras deste alfabeto possam parecer “sem alma” aos intelectuais: “dir, park, copy, delete” (RIAL, 1989, p. 37). 6 134] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA que frequentam os programas de televisão e buscam estar nas páginas dos jornais e revistas é vista com enorme reticência – e até preconceito – por grande parte dos seus colegas, como se estivessem “espetacularizando suas ideias”. Bourdieu (1996), em Sur la télévision, chegou a criar um termo pejorativo para designá-los: “fast-thinkers”, os pensadores-rápidos, capazes de opinar sobre tudo e qualquer coisa. Como restituir – no sentido de divulgar – sem passar pelos meios de comunicação de massa? E vale fazê-lo, correndo o risco de ver suas ideias, no melhor dos casos, retiradas do contexto e banalizadas, ou pior, podendo acabar em um tribunal – como no caso que Zonabend (2014), que nos conta sobre a “quebra” do anonimato de seus interlocutores de Minot, mantidos no anonimato nos livros que ela e Yvonne Verdie, Tina Jolas e Marie-Claude Pingaud8 escreveram, mas que tiveram suas identidades reveladas por uma jornalista menos consciente das implicações desta revelação? O dilema é confrontado pelas antropólogas francesas hoje, não apenas no audiovisual mas especialmente nele. A situação e os riscos não variam muito “deste lado do Atlântico”, onde os pesquisadores também são constantemente assediados pela mídia e, muitas vezes, veem suas declarações serem distorcidas. O preconceito entre os colegas, porém, não parece ser da mesma ordem. Há antropólogos conhecidos que escrevem regularmente para jornais (como Roberto Da Matta) ou em blogs jornalísticos (como Yvonne Maggie), e esse tipo de trabalho tem tido boa repercussão no campo acadêmico. A restituição no sentido de divulgação é, não apenas bemvista, como é, também, uma das obrigações dos professores, 8 Zonabend, 1980 e Zonabend et al., 1990. ROUBAR A ALMA – OU AS DIFICULDADES DA RESTITUIÇÃO [135 pelo menos dos que integram o quadro dos departamentos de universidades federais, que preconizam a tripla atuação dos docentes: pesquisa, ensino e extensão (a administração costuma icar de fora, embora também seja uma “quase obrigação” assumir, em algum momento da carreira, cargos administrativos). Ainda que faça parte de suas tarefas, a divulgação sempre teve um papel menor diante da Pesquisa e do Ensino. Os trabalhos de Extensão historicamente têm sido pouco valorizados na audit cultur (cultura da avaliação) – seus resultados recebem pontuações menores comparados aos da Pesquisa ou Ensino. Por exemplo, uma entrevista em uma rádio, por mais que seja ouvida por milhões de pessoas, receberá poucos pontos no relatório da CAPES, bem menos do que um artigo em periódico acadêmico, ainda que este seja “qualisicado” como local. É possível que isso venha a se modiicar nos próximos anos. Recentemente, o CNPq iniciou um processo de alterar esse quadro, passando a incentivar as ações de extensão através de notação própria no Currículo Lattes. Voltemos ao signiicado do termo: no Brasil, Extensão signiica transmitir a um grande ṕblico os resultados de uma pesquisa, ou a expertise sobre um determinado assunto. Isso pode ser feito tanto por meio de um pôster em feiras promovidas pelas universidades uma vez por ano, quanto pela ocupação de espaços na mídia, por ilmes na internet, por palestras ou ilmes abertos ao ṕblico, além de diversas outras maneiras. Espera-se, com essa forma particular de restituir o conhecimento, contribuir para uma melhora do social. E tem-se obtido resultados positivos. Uma característica particular da academia brasileira, e que tem chamado a atenção de outras Antropologias, é nossa capacidade de impactar no espaço ṕblico com nossas pesquisas, inluenciando políticas 136] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA governamentais, legislações, ações de agentes ṕblicos em diferentes esferas9. Essa é uma forma de relação com o conhecimento democrático, e que tem se aprofundado, paralelamente à internacionalização do conhecimento acadêmico, que é um grande objetivo posto pelas instituições inanciadoras no país. Desenvolver-se para fora, visando a um ṕblico estrangeiro, é um objetivo louvável, assim como também o é o espalhar o conhecimento para um ṕblico de fora da academia (não uso “extramuros”, pois raramente a universidade os tem). Isso posto, e reconhecendo a importância de se pensar a restituição no seu signiicado de extensão, devo alertar o leitor de que não trataremos dela aqui. Vamos no centrar na segunda acepção do termo restituição na Antropologia, que é o de uma Antropologia Compartilhada com os interlocutores, ou seja, com a devolução da pesquisa aos que a tornaram possível10. Restituir signiicando devolver Restituir seria, então, retornar os dados retirados sob outra forma – de um artigo, um ilme etc. Foram retirados Apenas para lembrar exemplos recentes relacionados às relações de gênero: a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (BRASIL, 2006) assim como a aprovação da união estável homoafetiva no país – como estabelece a Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013, aprovada durante a 169ª Sessão Plenária do Conselho Nacional de Justiça –, foram resultados de ideias feministas que emanaram, na sua grande parte, da Academia, transbordando e impactando os movimentos sociais, e deles, os agentes formadores de políticas ṕblicas e os legisladores. 10 Haveria, ainda, outra acepção, muito presente hoje na área de Patrimônio e Museus, a qual que trata do retorno dos objetos retirados dos grupos estudados e mantidos em instituições museais. Não tratarei aqui desta forma de restituição (dos objetos ou de seus clones ou imagens), visto que o tema já tem sido bastante estudado. 9 ROUBAR A ALMA – OU AS DIFICULDADES DA RESTITUIÇÃO [137 de conversar ou entrevistas, e voltam sob uma roupagem antropológica. Todavia, o que eu gostaria de defender aqui é a impossibilidade desta restituição. Assim como um mesmo leitor não lê o mesmo livro duas vezes, pode-se oferecer de volta às falas, mas elas já não serão as mesmas – portanto, não serão “res-tituídas”. E não apenas porque as águas do rio não cessam de mudar, mas porque o artigo ou o ilme serão percebidos de um modo que não dominamos e que podem ter pouca relação com o que foi antropologicamente realizado. Tomo um exemplo: o ilme “Djero encontra Iketut em Bali”11 (RIAL; GROSSI, 2011). O ilme resultou de um feliz acidente: fomos até o vilarejo onde George Bateson e Margareth Mead izeram uma pesquisa, a qual resultou no livro Balinese Character12; e, por um feliz acaso, encontramos um dos balineses que tinham sido “pesquisados”. Destaco o seguinte trecho do diálogo: “ – Você conheceu a estrangeira? – Perguntou em balinês Djero, nosso motorista, para um senhor que lhe pareceu ser o mais velho em uma concentração de pessoas na rua. – Sim, Margareth. – respondeu Iketut, sem hesitar”. (informação verbal). E nos levou à sua casa, para ver o livro que Mead tinha lhe presenteado em sua ́ltima visita à Desa Bayung Guede, nos início dos anos 1960, e que Iketut guardava, com todo o cuidado, enrolado em um saco plástico. A dedicatória do livro dizia “o bebê que eu vi nascer”; mas; como ele explicou, sua foto não estava no livro, apenas a dos seus amigos, que ele 11 12 138] Acessível em: <https://www.youtube.com/watch?v=f6ZeKYRaLxI>. Ver Bateson e Meada, 1985. ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA nomeava ao apontar para as páginas viradas com interesse por Djero, repetindo “estão todos mortos... Todos mortos”. Mead havia visitado a escola onde estavam os seus amigos, mas foi para Iketut que ela dedicou o livro – possivelmente por ter sido amiga da mãe de Iketut, acompanhado a gravidez dela e ilmado o nascimento deste. Dado o exposto, percebemos que ali estávamos diante de um caso paradigmático de restituição: a antropóloga que retorna ao local de pesquisa com o resultado da pesquisa – no referido caso, nada menos do que o livro considerado fundador da Antropologia Visual. Nós olhávamos para as fotos dos gestos cotidianos, das relações entre pais e ilhos, mães e ilhos e ilhas, e víamos expressões que captavam o ethos balinês, tal como Bateson e Mead intencionaram. Mas Iketut? O que ele percebia na obra preciosamente preservada da umidade e insetos do vilarejo incrustado nas montanhas, não muito distante da turística capital de Bali? Para Iketut, tratava-se de um livro de recordação, dos amigos que estavam “todos mortos”, e que ele nomeava um a um ao folhar as páginas. Balinese Character, para ele, era um álbum de família, capaz de emocionar e trazer recordações do mesmo modo que nossos (LEITE, 2001)13. O gesto de Mead em trazer e doar Balinese Character – eticamente irreparável e elogiável sob muitos pontos de vista, entre os quais o de uma Antropologia que preconiza o compartilhamento e a restituição – não pode, no entanto, ser tomado como restituição. Margaret Mead devolveu Balinese Character; ainal, segundo o ponto de vista dessa pesquisadora, tratava-se de uma restituição. Porém, Iketut recebeu um “álbum de fotograias”, não a pesquisa de Bateson e Mead, não Balinese Character (BATESON; MEAD, 1985). 13 Refere-se ao livro “Retratos de Família: leitura da fotograia histórica”. ROUBAR A ALMA – OU AS DIFICULDADES DA RESTITUIÇÃO [139 Seria possível poderia pensar, a partir desse exemplo, que a restituição é uma impossibilidade quando é grande a “distância cultural” (para usar termos de Mead), como entre os antropólogos e os moradores de Bayun Gedé. Talvez fosse possível restituir em casos em que os antropólogos e pesquisados experienciassem uma distância menor. Quem sabe se outro antropólogo tivesse sido pesquisado recebesse Balinese Character como Balinese Character? (BATESON; MEAD, 1985). Sem d́vida, isso parece mais do que provável. No entanto, não se deve pensar que esta restituição ocorre sem problemas. Nesse sentido, recorro ao relato de outra experiência. Quando terminamos de editar “Mauss segundo suas alunas”14 (RIAL; GROSSI, 2012), quisemos restituir o ilme e obter o aval das entrevistadas antes de exibi-lo. Na ocasião, apenas uma das três protagonistas do ilme, Germaine Tillion, ainda estava viva, e passando o verão na sua agradável morada no interior da Bretanha, em Plouhinec – e abriu suas portas a visitantes, em setembro de 2014, por iniciativa da Associação Germaine Tillion. Para que ela pudesse ver o ilme, teríamos de ir até lá ou esperar mais um ano, até que retornássemos à França. Fomos, então, à Bretanha, alugando um carro na estação de trem, pois não havia transporte ṕblico até sua casa. Com a generosidade de sempre, ela ofereceu nos hospedar, mas o ilme não lhe parecia interessar muito. Entendi o porquê mais tarde, durante uma conversa em que Miriam disse tê-la ouvido em um programa de rádio com Jacques Derrida e Hélène de Cixous, e Tillion, ocasião em que respondeu: “ah... De fato, os dois vieram tomar um chá e conversar comigo numa tarde. Foi muito agradável!”. Para ela, o encontro foi 14 140] Ver Maus e Grossi, 2012. ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA com eles, o programa de rádio, ela nem se lembrava de que tinha sido realizado. De qualquer modo, conseguimos saber, com antecedência, que, sim, Germaine Tillion tinha uma televisão na casa da Bretanha, mas não um aparelho de VHS. “Pas de problème!”, pensei: levaremos um aparelho de VHS. Fizemos uma estratégica parada em Auray, a cidadezinha mais próxima, e depois de algumas indagações, localizamos uma loja que vendia e alugava aparelhos de VHS. Para evitar problemas de conexão, tomei o cuidado de alugar diferentes cabos, todos os disponíveis, de modo a garantir que um deles se ajustasse ao aparelho de TV de Tillion. Ficamos de devolver na segunda-feira, já que era um sábado. E desembarcamos na casa da nossa “informante”, com o aparelho de VHS, todos os cabos possíveis por precaução e o ilme sob o braço, para realizar o que considerávamos nossa obrigação ética: conseguir sua aprovação antes de divulgarmos o resultado na pesquisa. Como era de esperar pelas conversas anteriores, Germaine não parecia muito interessada em ver o ilme – ao contrário de Denise Paulme, por exemplo, que, em uma das visitas, pediu à Miriam a cópia de uma entrevista que tinha dado para a rádio France Culture – pois a emissora demandava 100 euros para a sua disponibilização, ou seja, estações de rádio, mesmo as subvencionadas pelo Estado como é o caso, restituem mediante pagamento. Mas voltemos a Tillion. Quando, ao inal da tarde, inalmente conseguimos convencê-la a assistir o ilme, e retirei aparelhos e cabos da sacola... Tivemos uma surpresa e decepção. A televisão era de um modelo tão antigo, que não possuía entrada adequada. Tinha sido fabricada antes da invenção dos aparelhos de VHS! ROUBAR A ALMA – OU AS DIFICULDADES DA RESTITUIÇÃO [141 Conclusão (ou melhor, moral da história): a restituição, em alguns casos, implica diferenças geracionais, e estas podem signiicar questões técnicas bastante risíveis. Assim, para terminar o caso da restituição do ilme “Mauss segundo suas alunas”, no ano seguinte, conseguimos que Madame Tillion, inalmente, assistisse ao ilme: levamos um computador, que foi colocado na mesa de comer da sala da sua casa em Meudon. Germaine Tillion o viu, comentando certas passagens, como se estivesse conversando com as outras protagonistas: “C’est bien ça”, “Oui, tout a fait”. E, ao inal, para nosso alívio (pois o ilme já havia sido projetado), deu seu veredito: “É muito bom o que vocês izeram! É... (pausou buscando as palavras) Como um livro”. “Como um livro”. Sem contar com um grande repertório de ilmes, como o que tínhamos feito, ela foi buscar, no que conhecia (o dos livros), um lugar para situar o ilme, muito embora ela tenha sido a “grande mão” por trás de um dos dois mais importantes ilmes sobre campos de concentração da II Guerra Mundial, o Nuit et brouillad15, de Alain Resnais, com base no seu livro Ravensbrük16. Se essas experiências apontam diiculdades pela ausência de um repertório comum, ainda assim estão longe dos mal-entendidos que enfrentei em outra pesquisa, entre pescadores/agricultores e seus descendentes em bairro da Ilha de Santa Catarina17. Devo mencionar dois episódios sobre a pesquisa denominada “Mar-de-dentro: a transformação do espaço social na Lagoa da Conceição”. O primeiro episódio foi a visita que recebi “Noite e Neblina”, um curta-metragem produzido na França. Acessível em: <http://www.wat.tv/video/nuit-brouillard-2-ilm-alain-2yez5_ 2fquh_.html>. 17 Ver Rial, 1988. 15 16 142] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA de meus interlocutores durante a passagem de uma bandeira do Divino. Como visitava regularmente a casa de pescadores/ agricultores, achei que era hora de tê-los também na minha, não analisando que as reproduções de pinturas de quadros que eu tinha em minha sala, alguns com nus, estavam longe das reproduções de santos e santas que fotografara em suas casas, e que poderiam “prejudicar” a visita. Na verdade, eles somente tiveram olhos para os nus nos quadros. E eu, constrangida, então, me “dei conta” da existência dos quadros – que foram retirados dali para sempre e deslocados para lugares menos ṕblicos (RIAL, 1988). Além disso, outro momento foi mais dramático. Convidei alguns estudantes a me acompanharem em uma visita à matriarca de uma família que vivia em um grande sítio em um lugar isolado. Embora em área urbana, não era possível acesso por automóvel. Lá havia um engenho de farinha, tocado pela força de bois. Estávamos em um grupo de uns dez pessoas, conversamos com a matriarca, aceitamos o café. Os estudantes fotografaram e gravaram a visita, registrando a casa, o engenho, o pátio e a roça, em um exercício de pesquisa coletiva bastante produtivo. Passados dois meses, tornei a visitá-la, mas a encontrei muito irritada comigo: “você trouxe aqueles funcionários da Prefeitura, e eles vieram, fotografaram tudo, e aumentaram o IPTU18 em seguida!”. Considerações inais Dar novamente, restituir, é um exercício bastante complicado. Pode-se (e deve-se) tentá-lo, mas sabendo que o que se dá nunca é o mesmo que se recebe. Acho que foi Lacan que 18 Imposto Predial e Territorial Urbano. ROUBAR A ALMA – OU AS DIFICULDADES DA RESTITUIÇÃO [143 disse isto, de um modo mais convincente, em uma frase mais ou menos assim: “sou responsável pelo que digo, mas não pelo que você escuta”, a qual poderíamos transformar em “sou responsável pelo que dou, mas não pelo que é recebido”. Dessa forma, a restituição é possível quando os participantes da troca compartilham a mesma enciclopédia, como foi o caso com Tillion – e ainda assim... Entre muitos, em muitos lugares, ser fotografado não é um ato anódino. Alguns falam até em “roubo da alma”. Há um pouco disso em cada pesquisa que realizamos, com ou sem imagens. E muito de ilusão na esperança de que a restituição da pesquisa devolva a alma roubada. Referências BATESON, Gregory; MEAD, Margaret. Balinese Character: a Photographic Analysis. New York: New York Academy of Sciences, 1985. BOURDIEU, Pierre. Sur la télévision. Paris: Liber; Raisons d’agir, 1996. LEITE, Miriam Moreira. Retratos de Família: leitura da fotograia histórica. 3. ed. São Paulo: Edusp, 2001. NANOOK of the North. Direção: Robert Flaherty. Intérpretes: Allakariallak; Nyla Cunayou. Produção: Robert J. Flaherty. Estados Unidos; França, 1922. (65 min). NUIT et brouillard. Direção: Alain Resnais. Elenco: Michel Bouquet (narração). Roteiro: Jean Cayrol, Chris Marker. Ḿsica: Hanns Eisler. Fotograia: Sacha Vierny, Ghislain Cloquet, 144] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Constantine Makris. Produção: Argos Films. França, 1955 (32 min). RIAL, Carmen. 1988. Mar-de-dentro: a transformação do espaço social na Lagoa da Conceição. 1988. 372 f. Tese (Doutorado em Filosoia e Ciências Humanas ) – Instituto de Filosoia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1988. ______. Mídia e Sexualidades: Breve Panorama dos Estudos de Mídia. In: GROSSI, Miriam; BECKER, Simone; LOSSO, Juliana; PORTO, Rozeli; MULLER, Rita de Cássia. (Org.). Movimentos Sociais, Educação e Sexualidades. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. p. 107-136. ______.; GROSSI, Miriam Pillar Grossi. Djero encontra Iketut em Bali. data? 11 abr. 2011. [vídeo]. (2 min). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=f6ZeKYRaLxI>. Acesso em: 6 jun. 2016. ______.; ______. Mauss segundo suas alunas. 1 mar. 2012. [vídeo]. (40 min 43 s). Disponível em: <https://vimeo. com/37724989>. Acesso em: 6 jun. 2016. ZONABEND, Françoise. La mémoire longue – Temps et histoires au village. Paris: PUF, 1980. ______. et al. Une campagne voisine. Minot, un village bourguignon. Paris: Maison des Sciences de l’Homme, 1990. ______. Colloque International Ethnographies Plurielles IV. Restitution et difusion des données d’enquête Université de Bourgogne. Dijon, p. 27-29, jan. 2014. ROUBAR A ALMA – OU AS DIFICULDADES DA RESTITUIÇÃO [145 Foto 1 – Germaine Tillion assiste Mauss segundo suas alunas Foto 2 – Iketut, Djero, Balinease Character Foto 3 – Sobrinhos de Iketut assistem o ilme Djero encontra Iketut em Bali dias depois da morte do tio 146] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA MUlHERES ENCARCERADAS Micheline Ramos de Oliveira1 As fotograias a seguir foram confeccionadas em momentos ĺdicos, quando entrevistei minhas interlocutoras, durante meu estudo acerca do tempo subjetivo (campo de doutorado), realizado em um presídio feminino, localizado em uma cidade do sul do Brasil, nos idos de 2007. Essas imagens captadas foram confeccionadas sob a direção das interlocutoras, ressaltando o confronto entre o tempo subjetivo da antropóloga – mulher letrada, oriunda de camadas médias, intelectualizada –, e o tempo subjetivo de mulheres encarceradas, provenientes de camadas populares, semialfabetizadas e pobres, sendo este o foco do referido estudo. Aqui problematizo o sentido daquilo que é narrado pela etnógrafa como “dado etnográico” e o caráter interpretativo que está por trás das situações sociais e culturais vividas por essas mulheres que apresentam uma vida, além de biograias atravessadas por violências. Com os recursos da máquina fotográica em campo, objetivando angariar mais elementos para a perscrutação das feições fabulatórias dos jogos de memória do ato etnográico, exercito o que denomino de uma “etnofotograia”, em que o Doutora em Antropologia Social – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); pesquisadora NAUI/PPGAS/UFSC; professora titular do PMGPP – Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). 1 [147 processo de confecção de imagens revela aspectos sobre a própria etnograia, trazendo ao leitor imagens de cenas da vida no cárcere legitimadas pelas próprias protagonistas. Essas narrativas fotográicas podem ser interessantes por destacarem que o “caráter dramat́rgico” e o emprego da “representação” no contato com a antropóloga e o mundo externo ao presídio pode ser um artifício utilizado por essas mulheres no exercício de manipulação (BECKER, 1977) de uma “imagem deteriorada” (GOFFMAN, 1989), e de certo controle moral de suas imagens, no sentido de elas terem aprendido a relatar e a narrar suas identidades sociais para especialistas em suas trajetórias dentro de instituições totais onde circulam esses proissionais. Existe, nessas narrativas, um controle daquilo que é narrado em razão de as interlocutoras dominarem parte dos códigos de interpretação da pesquisadora e dos demais acerca da interpretação que elas fazem de si. Enim, convido o leitor a aderir, não mais a uma posição de escuta, mas a um olhar sobre os olhares de minhas interlocutoras sobre o cotidiano no interior de um Presídio, acreditando que o “estar lá” do antropólogo em campo, por intermédio de algumas sequências de imagens fotográicas obtidas em campo, com a cumplicidade das minhas interlocutoras, situa estas no “estar aqui” do texto etnográico, no momento de sua leitura.2 Referências BECKER, Howard S. Uma teoria da ação coletiva. Rio de Janeiro, Zahar, 1977. GOFFMAN, Erving. Representações do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1989. 2 148] Todas as imagens são do acervo pessoal da autora (2007) ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA MULHERES ENCARCERADAS [149 150] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA MULHERES ENCARCERADAS [151 152] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA MULHERES ENCARCERADAS [153 154] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA MULHERES ENCARCERADAS [155 IMÁGENES FOTOGRÁFICAS y FúTBOl Santiago Uliana En el texto que aquí presentamos analizaremos la construcción de un objeto cientíico a partir del uso del uso de imágenes fotográicas, con la intención de realizar un aporte de carácter teórico y espistemelógico general respecto de las posibilidades que brinda la fotografía en el marco de la investigación en ciencias sociales. Para ello, se desmenuzará analíticamente la investigación “Futbol y territorios. Análisis de identidades sociales a través de murales y pintadas de hinchas de f́tbol en contextos urbanos”1 que como bien señala su título consistió en una b́squeda por comprender el f́tbol como un fenómeno de la cultura a través de imágenes pictóricas que los hinchas producen. La inclusión de este texto en un volumen dedicado problematizar el campo de la antropología audiovisual nos lleva a realizar necesariamente la siguiente advertencia; no podríamos decir que éste es un trabajo de corte netamente antropológico, sino que valiéndose del uso de las imágenes realiza lecturas que implican una especie de imbricación entre La investigación pertenece a la programación cientíica 2011 – 2012 de la Universidad Nacional de Tres de Febrero. 1 [157 sociología y antropología. De la primera, la investigación recoge la necesidad de enmarcar las interpretaciones de los sentidos que se observan en las fotografías en procesos sociales más amplios que son les que permiten asignarles causalidad e inteligibilidad, de la segunda, se toman los diálogos teóricos con autores y categorías analíticas, y sobre todo, la pregunta referida a una cuestión central de la antropología como es la de las identidades sociales. Creemos que resultará por demás fecundo entablar un diálogo entre antropología y sociología, en torno a un objeto como el f́tbol, porque como sostiene Giddens (2001), hablar de ciencias sociales en un tiempo en el cual los campos disciplinarios nacidos en el ya lejano siglo XIX tienden a disolverse resulta cada vez más obsoleto. Cabe señalar desde un comienzo que la particularidad del objeto f́tbol considerado en el marco de la investigación expresa una doble representación en imágenes; en primera instancia se considera a los murales y pintadas de f́tbol callejeras como vehículos mediante los cuales los hinchas de f́tbol, actores sociales para el caso, construyen y expresan un conjunto de signiicados colectivos, y en segunda instancia se toman en consideración otra serie de imágenes fotográicas que son las que capturan y resigniican a partir de la interpretación del investigador dichas imágenes, para transformarlas inalmente por la lente de la cámara y la “lente teórica” del interprete cientíico en objetos de ciencia. En síntesis, nuestra investigación ha desarrollado un ejercicio de traducción de los leguajes y discursos de las imágenes originales en otras imágenes, las fotografías “cientíicas”. Una suerte de relexión sobre otra relexión, lo que Giddens (2003) encuadro en el concepto de hermenéutica doble. 158] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Ventajas de construir un objeto con imágenes Desde un comienzo queremos notar que las imágenes fotográicas producidas asumen la calidad de data cientíica, en la medida que resultan de lo que Bourdieu, Chamboredom y Passeron (2000) llama operación de construcción, que implica esencialmente la mediación de categorías teóricas en la observación empírica. Ya volviendo a las imágenes iniciales, las de los murales y pitadas, decimos que éstas tienen la función social precisa en los territorios en las cuales están emplazadas, la de reforzar la construcción de un conjunto de procesos y relaciones sociales que se dan en y a través f́tbol. Así, las imágenes futboleras plasmadas en las calles abordan tópicos muy amplios como: identidades sociales (nación, genero, clase social), relaciones sociales (violencia, de proximidad territoriales, políticas, de disciplinamiento, de autonomía, de genero), procesos políticos (elecciones en los clubes, luchas de los clubes frente al estado, estatización de los derechos de televisación del f́tbol, reivindicación de la soberanía por las Islas Malvinas) e hitos en las historia del f́tbol y los clubes (ascensos, descensos y obtención de campeonatos, victorias épicas, rivalidades). Estas imágenes constituyen discursos que desde lo pictórico producen y refuerzan sentidos sociales al interior del f́tbol en tanto campo con relativa autonomía, a la vez que también construyen y refuerzan conexiones con procesos sociales externos a él. De ahí su relevancia como objeto de estudio al inluir decisivamente en la construcción el mundo social. Hecho que deinitivamente termina por revestir al f́tbol y a las pintadas de relevancia cientíica, y de ahí nuestro interés. IMÁGENES FOTOGRÁFICAS Y FúTBOL [159 Retornando la cuestión de la reconversión que provoca la captura en imágenes fotográicas del material pictórico original encontrado, nos asentamos para su tratamiento en la perspectiva de Barthes (1985), para quien no hay dibujo sin estilo, y aunque en este caso muchas de las pintadas fueron realizadas por personas que no posean un conocimiento formalizado sobre técnicas de dibujo, sin embargo si son portadores de saberes que se encuentran naturalizas, que es lo que haría posible la codiicación del mensaje que las imágenes futboleras expresan en las paredes. Es decir, que esta suerte de dimensión del conocimiento sobre la técnica del dibujo referida a cómo codiicar y trasmitir un signiicado, forma parte del análisis que el cientista social debe considerar como construcción del objeto cientíico. El mensaje que las pintadas trasmiten es siempre codiicado y la tarea del analista cientíico radica en su decodiicación. Así encontramos en el trascurso de la investigación que la fotografía constituía no solo un medio de acopio de información sino una forma especíica para capturar sentidos. Ahora veamos este planteo con un ejemplo: hallamos durante el trabajo de campo una aparente y simple leyenda en una de las paredes de un predio de ediicios en la ciudad de Avellaneda cercanos al estadio del club Independiente, donde hinchas del Racing Club se referían a sus antagonistas de Independiente bajo el insulto de “rojo puto”. Lejos de lo que aparentaría esta airmación no es para nada sencilla, expresa un conjunto de signiicados vinculados a la particular construcción de las relaciones de género que suceden entre los hinchas de f́tbol argentino, en donde “el otro” del hombre no es la mujer sino el homosexual (ARCHETTI, 1985). Se observa aquí una compleja articulación de sentidos en torno a la particular deinición de la masculinidad en los hinchas, 160] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA donde la posibilidad de reducir esa construcción con un máximo de simpleza se asienta en el relato que las trasmite con tan solo dos palabras. En la misma línea fotograiamos grandes murales en las adyacencias de los estadios, hecho que nos habla de la utilización de una técnica pictórica históricamente característica de Latinoamérica como son los murales. Lo que los hinchas procuran en sus pintadas es la producción simbólica que les permita fundar y reirmar sus vínculos en el marco de un orden cultural particular ya sea a través del uso de reinadas técnicas o de sencillas leyendas que no por ello dejan de tener densidad signiicativa y codiicación en su intención comunicativa. La selección de las imágenes como objetos de investigación se realizó buscando retomar la centralidad que adquieren éstas para los propios actores del mundo de f́tbol. Pensamos además que trabajar las relaciones sociales en el marco del futbol como cultura con imágenes posee la virtud de contribuir a la construcción de una mayor legitimidad del f́tbol como objeto de estudio para las ciencias sociales, la imagen posee un carácter comunicativo más “directo”, esta característica le permite enfrentar y resolver de otro modo eicaz la siempre compleja distancia entre entendimiento de sentido coḿn y discurso cientíico. En el devenir de la investigación tampoco dejamos de lado el necesario desarrollo de lo que actualmente se conoce como esfera de divulgación cientíica, que marca una preocupación por acercar el conocimiento cientíico de las ciencias sociales a la vida coḿn de las personas. El uso de imágenes se sit́a directamente en este punto, en un campo como el de los estudios sociales del deporte al cual se le diiculta ser observado como cientíico por los propios colegas. A la IMÁGENES FOTOGRÁFICAS Y FúTBOL [161 inversa, los actores sociales puedan reconocer la importancia que imprime el acceso a las observaciones cientíicas, sobre un objeto en apariencia banal. Al respecto, pensamos entonces que el uso de la fotografía permite echar algo de luz sobre la invisibilidad de lo social, en tanto objeto oculto tal como lo consideraba Durkheim (1982) al airmar que no existe una transparencia de lo social. En este sentido uso de la fotografía en el marco de nuestra investigación ha sido de gran utilidad para entablar un diálogo con personas ajenas al mundo académico, pero que si conocen de f́tbol. Utilizar fotografías ha permitido que otros, ajenos a los lenguajes académicos, pudieran realizar una relexión más profunda sobre el f́tbol como un hecho cultural. A su vez, y siguiendo a Sazbon (2011) cabe remarcar que tanto en el campo cientíico local como en el internacional el deporte en general y el f́tbol en particular han adquirido estatus cientíico de manera tardía, debido a una supuesta menor carga de signiicación. Así han prevalecido visiones reduccionistas como los trabajos de Bhrom (1993) que desde una postura marxista han analizado al deporte solo desde una supuesta carga ideológica que operaría como artefacto para la dominación del capitalismo, como lo sintetiza su metáfora del deporte como “opio de los pueblos”. Para estas visiones los fenómenos deportivos no serían otra cosa que objetos mercantiles que nada “escondería” en término de signiicaciones sociales más allá de su peso en la esfera de los negocios y el mercado. El uso de las fotografía sobre las imágenes de los pintadas creemos colabora para desmontar este tipo de interpretaciones, al mostrar tanto a al ṕblico en general como a los especialistas la diversidad de signiicaciones que se construyen a través del f́tbol. 162] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Sobre cómo seleccionar imágenes y otras preguntas Como se ha dicho la utilización de la fotográica y la reconstrucción en objeto de ciencia de las imágenes originales implicó una operación de edición fundada en criterios teóricos. Este hecho nos conduce de manera ineludible hacia nuestra discusión central respecto de si resulta adecuado el uso del lenguaje de las imágenes en ciencias sociales. Dicho de otro modo podríamos preguntarnos: ¿la fotografía es un vehículo de expresión cientíica y de producción de conocimiento? La posibilidad de expresar desde las ciencias sociales ideas con imágenes ha provocado discusiones y tensiones en un campo que utiliza como forma excluyente para la comunicación el lenguaje escrito. ¿En qué medida la necesaria rigidez de las reglas semánticas propuestas para trasmitir ideas cientíicas son preservadas en un relato con pretensiones cientíicas que incorpora imágenes? Para acercarnos a la resolución de estos cuestionamientos resulta interesante volver a remitirnos a las ideas de un clásico de las ciencias sociales como Durkheim (1982), quien embarcado en la empresa por avanzar en la legitimidad del discurso cientíico a comienzos del siglo XX, sostenía que la posibilidad de construir conocimiento en el caso de la sociología se hallaba en la producción de un discurso que se distanciara el sentido coḿn y por tanto de las palabras que lo trasmiten. Su llamada “primera regla de observación” airmaba que era condición para la producción de un saber cientíico el distanciamiento con las palabras utilizada por el lenguaje coḿn y su redeinición de nuevos conceptos técnicos en función de los objetivos de investigación. Es decir que la ciencia para Durkheim no es ni más ni menos que una cuestión IMÁGENES FOTOGRÁFICAS Y FúTBOL [163 de lenguaje, ahora, ¿pueden imágenes fotográicas expresar el mismo grado de objetivación que los conceptos cientíicos? Durkheim (1982) no nos resuelve medularmente el problema de si se puede hacer ciencia desde las imágenes, pero si nos deja en claro que para las ciencias sociales se plantea siempre una diicultad respecto de la deinición y uso de los lenguajes que vulgarmente se utilizan en la vida práctica y cotidiana. Entonces es aquí donde creemos necesario introducir las ideas epistemológicas de Khunn (1971) en torno a los objetos cientíicos. Khunn entiende que la ciencia y sus lenguajes especíicos deban distinguirse del sentido coḿn a partir de un uso más riguroso de las palabras, pero como la ciencia no es nunca un compendio de ideas absolutas, sino que se trata de acuerdos de parte de la comunidad cientíica sometidos a los vaivenes de las relaciones de poder al interior del propio campo, siempre estará presente la posibilidad de introducir nuevos lenguajes siempre y cuando se sigan ciertas reglas que la propia lógica de la comunidad cientíica ha establecido. Una vez airmados en la idea de que la imagen fotográica cuando cumple ciertos requisitos puede conducirnos a la construcción de un objeto cientíico, consideramos que la cuestión de la selección de las imágenes de murales y pintadas a fotograiar ha sido parte fundamental de esta operatoria del orden de lo epistemológico que hace a la deinición del objeto. En tal sentido sostenemos que el f́tbol es un universo cultural fuertemente atravesado por la dimensión territorial, y que esta relación se plasma en la conexión entre el espacio geográico y la apropiación del mismo por parte de los actores-hinchas, relación formalizada simbólicamente y presente en cientos de pintadas, y por lo tanto primer criterio teórico que debe estar a la hora del recorte plasmado en las imágenes fotográicas. Veamos a continuación un ejemplo que nos permita dar 164] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA cuenta de la relación entre espacio geográico y construcción de signiicados que las fotos reproducen. Al respecto, Garriga Zucal (2005) entiende que la categoría nativa aguante en el marco de las cultura futbolera adquiere signiicación para las relaciones locales en el orden de lo territorial. Pintadas con leyendas como “el bicho tiene aguante” o “aguate la Pandilla de Liniers” realizadas por los hinchas de Asociación Atlética Argentinos Juniors o de Vélez Sarsield respectivamente en las paredes de los barrios de Paternal y Villa Luro en la ciudad Buenos Aires van en esa dirección. Pintadas que hablan del aguante son bien típicas de los barrios que rodean a los estadios y áreas de inluencia en donde los hinchas reivindican precisamente por la posesión de aguante el dominio del territorio. Espacios ṕblicos como plazas, monumentos, paredones cercanos al ferrocarril, avenidas de acceso al estadio, paradas de colectivos son los lugares elegidos para enunciar el aguante y mostrar la identiicación del lugar con equipo de f́tbol, dato clave en la construcción de este tipo de identiicaciones locales. Veamos a continuación algunas de las imágenes producidas para la investigación en una ejercitación de descomposición, prestando especial atención a los recortes temáticos propuestos y su vinculación con las categorías teóricas que sostienen y justiican las fotografías como discursos cientíicos, y a su vez observando los criterios estéticos originales de las pintadas. Clubes, trenes y territórios La territorialidad de los clubes de f́tbol tiene un origen ya centenario en muchos casos. Así en los comienzos muchos IMÁGENES FOTOGRÁFICAS Y FúTBOL [165 de los clubes han estado ligados a las empresas inglesas de ferrocarriles (FRYDEMBERG, 2011), ńmeros equipos llevan por nombre el de líneas de trenes y se ubicaron en terrenos lindantes a las vías. Son los casos de Rosario Central y Central Córdoba de la ciudad de Rosario, de Ferrocarril Oeste en la Ciudad de Buenos Aires o de Independiente y Racing Club en la Ciudad de Avellaneda son algunos entre otros. La apertura económica de la década de los ’90 junto al procesos privatizador de los ferrocarriles generaron una profunda crisis económica y social, los clubes no estuvieron exento de ello. Los territorios lindantes al ferrocarril son espacios vacíos que reciben el marcaje del emblema de los clubes de gran visibilidad. En la imagen que se presenta a continuación se observa una pintada del escudo del club Defensores de Belgrano, equipo del barrio conocido como Bajo Belgrano que milita en las categorías del ascenso del f́tbol argentino. Fonte: la colección de autor 166] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA En el caso de la fotografía 1 el recorte realizado por la cámara busca componer en una misma imagen la presencia de los clubes a través del emblema en las paredes de las casas lindantes con las zonas pertenecientes al ferrocarril, marcando así una de las relaciones básicas de la cultura futbolera; el territorio barrial, espacio que le da existencia, pertenencia y deine parte sustancial de la identidad del club y del barrio. Vías de tren y una pared con el escudo de Defensores de Belgrano muestran al despreocupado transénte o al pasajero de tren que no es un espacio vacío, y que tiene un dueño. Ese mismo escudo realizado a mano como un fresco fue encontrado seis veces por las vías del tren y calles lindantes, lo que habla de la relación antes mencionada, abrir el foco de la lente y tomar la imagen en contexto –en este caso las vías del tren- es una decisión que contempla un punto de vista teórico en la observación de la relación territorial entre barrio y club. Fútbol y política Otra de las conexiones que caracteriza a la cultura f́tbolera es la dimensión política. De diferentes maneras se ha problematizado esta relación en los estudios sociales del deporte. En la imagen que se presenta a continuación en la Fotografía 2 se procura señalar un hecho signiicativo para el f́tbol argentino de los ́ltimos cinco años, la relación entre el estado nacional y el f́tbol profesional. La consigna pintada en la una de las paredes del club Gimnasia y Esgrima de La Plata habla del programa de la Televisión Ṕblica que posee los derechos sobre las trasmisiones de todos los partidos de las categoría más importantes (1ra División y B Nacional) IMÁGENES FOTOGRÁFICAS Y FúTBOL [167 así como de los partido que dispute la Selección Nacional en los torneos oiciales de FIFA. La imagen fue fotograiada durante el año 2011, aproximadamente a un año de inicio del programa y el acuerdo de la Asociación del F́tbol Argentino y el Gobierno Nacional. La pintada se orienta a dar difusión al apoyo a una medida para aquel momento iniciático por demás polémica, en la b́squeda de conquistar mayores niveles de consenso. Si en la fotografía 1 se resaltaba una relación del orden de lo local entre el barrio y el club, aquí se observa una conexión entre el signiicante colectivo más amplio por excelencia, la nación y el f́tbol como elemento central de la cultura del país. Fonte: la colección de autor La fotografía toma la leyenda en primer plano y de frente, retomando el enmarcado de la propia imagen que genera la pintada como si se tratara de un cuadro, se buscó 168] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA resaltar los equilibrios que propone la pintada. A su vez, está pintada expresa la estética típica de una pintada de la política callejera, en el extremo superior derecho la irma, una letra v con una letra p en su interior simbolizan al grupo político autor, el peronismo, partido de gobierno. Articulaciones simbólicas La cultura futbolera se construye en diálogo con otros discursos. En la imagen de la Fotografía 3 se observa una caricatura de Juan Roman Riquelme jugador e ídolo de los hinchas del club Boca Juniors junto a la del cantante del grupo inglés Rolling Stones Mike Jaggers. F́tbol y rock se referencian en una misma imagen y construyen sobre la reairmación de sujetos que representan valores colectivos un nuevo espacio de sentidos. La caricatura como toda forma del humor busca en palabras de Bergson (2011) trabajar sobre las características físicas más sobresalientes del personaje. Riquelme es retratado en la imagen de un festejo de un gol cuando de manera irónica llevándose las manos a las oreja reclamaba aumento de sueldo al presidente de la institución. La sobredimensión de la boca en la caricatura de Jaggers como característica física del cantante, asociada en la imagen del famoso logo de la banda diseñado por John Pasche para el interior de uno de los discos en la década de los ’70, ícono de la cultura pop de aquellos años. La foto tomada en el barrio de La Boca en la ciudad de Buenos Aires permite visualizar tras los dibujos las derruidas paredes y las antiguas casas de chapas habitadas por inmigrantes italianos de comienzos del siglo XX. La fotografía permite dar cuenta del uso de ciertos componentes estéticos IMÁGENES FOTOGRÁFICAS Y FúTBOL [169 seleccionados por los autores para trasmitir sentidos, la estética de la caricatura que nos hablan de valores que encarnan las iguras dibujadas en articulaciones intertextuales (f́tbol y rock) en un contexto territorial determinado que también es construido por las caricaturas y sus sentidos originarios. Fonte: la colección de autor Hemos seleccionado hasta aquí tres imágenes de pintadas que recortan solo tres entre cientos de sentidos hallados en las paredes, pero que nos han servido de ejemplo de los usos posibles de imágenes en la investigación en ciencias sociales Concluimos entonces, que con la medida que las fotografías estén antecedidas de decisiones teóricas fundadas en conceptos y teorías pueden ser de gran aporte para comprender con mayor profundizar la complejidad de lo social. 170] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Referencias ARCHETTI, Eduardo. Futbol y ethos, en Monografías e informes de investigación – Serie Investigaciones. Buenos Aires: CLACSO, 1985. BERGSON, Henri. Ensayo sobre el signiicado de la comicidad. Buenos Aires: Godot, 2011. BARTHES, Roland. Ensayos críticos. Buenos Aires: Six Barral, 1985. BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDOM, Jean-Claude; PASSERON, Jean-Claude. El oicio del sociólogo. México: Siglo Veintiuno Editores, 2000. BHROM, Jean-Marie. Veinte tesis sobre el deporte. In:______. et al. Materiales de sociología del deporte. Madrid: Ediciones La Piqueta, 1993. p. 39-46. DURKHEIM, Émile. En las reglas del método sociológico. Buenos Aires: Hispamérica Ediciones Argentina S.A, 1982. p. 167-182. GARRIGA ZUCAL, José. Soy macho porque me la aguanto – Etnografía de las prácticas violentas y la conformación de identidades de género masculino. In: ALABARCES, Pablo et al. Hinchadas. Buenos Aires: Prometeo, 2005. p. 59-74. FRYDEMBERG, Julio. Historia social del fútbol. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2011. GIDDENS, Anthony. Las nuevas reglas del método sociológico. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 2001. IMÁGENES FOTOGRÁFICAS Y FúTBOL [171 ______. La constitución de la sociedad – Bases para la teoría de la estructuración. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 2003. KHUNN, homas. La estructura de las revoluciones cientíicas. México: Fondo de Cultura Económica, 1971. SAZBON, Daniel. F́tbol y ciencias sociales. Problemas e intersecciones. In: MATIAS, Godio; SANTIAGO, Uliana (Comp.). Futbol y sociedad – Prácticas locales e imaginarios globales. Saenz Peña: EDUNTREF, 2001. p. 147-159. 172] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA RUIDOS SIlENCIOSOS. ESCUCHA ANTROPOlóGICA EN El BARRIO DE FlORESTA, CIUDAD DE BUENOS AIRES Facundo Petit de Murat1 “[…] espero haber contribuido modestamente a diseñar modos de escucha del entorno que, a guisa de ‘cuidado auditivo de sí mismo’, puedan proporcionarnos algún placer sonoro en un mundo poblado de ruidos. Probablemente así el entorno sonoro dejaría de ser lo que con frecuencia es, una tortura, para transfigurarse en fugaces epifanías que iluminen nuestras vidas entre dos eternidades de silencio”. Ramón Pelinski (2007). Introducción Si rastreamos la consideración que han tenido históricamente el sonido y el oído como potenciales herramientas de investigación social, el lugar ocupado en las mentes y las palabras de los cientíicos, salvo contadas excepciones, oscila entre la marginalidad y la nulidad. Instituto de Ciencias Antropológicas, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires. facundo_petit@hotmail.com 1 [173 Quien ve, quien observa, se encuentra legitimado a priori por encima de aquel que oye o accede a su objeto de estudio desde sensibilidades alternativas. Incluso Georg Simmel (1981), considerado como introductor del paradigma de los sentidos en las ciencias sociales, acusa a lo auditivo de pasivo, de codependiente, de que no posibilita sino una “revelación parcial de los seres humanos” (FORTUNA, 2009). El oído, al ser un órgano destinado a recibir información en forma ininterrumpida, es neutralizado. Su propia naturaleza imposibilita focalizar la atención en aquello que nos interesa. Sin embargo, en cuanto a lo social, Simmel destaca que los sonidos de un ambiente sonoro especíico habilitan la construcción de un sentimiento de colectividad en un grupo de personas (SIMMEL, 1981). El protagonismo incuestionable de la vista en la producción de conocimiento no ha venido acompañado de un correlato sonoro. No ha existido una epistemología o una metodología que destaque el rol que cumple la sonoridad en el campo de las relaciones sociales. Al menos no de forma hegemónica, sino más bien ligada a esfuerzos individuales o de pequeños colectivos, construyendo parcialmente el saber desde la pregunta por lo sonoro o fundamentándola teóricamente. Este es el caso de Cliford y su pregunta: ¿Pero qué pasa con el oído etnográico? Eso es lo que Nathaniel Tarn más valora en la prospección que hace de la cultura norteamericana. El oído, el sentido del oído, como clave de la experiencia tricultural; el oído como valor que uniica lo francés, lo inglés y lo autóctono: ‘Debe el etnólogo, y también el antropólogo, mantener bien abiertos sus oídos para disociar lo exótico de lo familiar’. (1991, p. 41). 174] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Paul Stoller (1992) anuncia, a su vez, en he taste of ethnographic things cómo el pensamiento occidental ha ignorado categóricamente la dimensión del sonido en los estudios sociales. Comprender a los Songhay de África Occidental imprime la necesidad de entender que el sonido es la fundación de la experiencia: “Cuando un ḿsico o un aprendiz de hechicero Songhay aprende a oír, él o ella empieza a aprender que el sonido permite la interpenetración de los mundos interno y externo, de lo visible y lo invisible, de lo tangible y lo intangible” (p. 120). Al igual que la vista, el oído genera conocimiento; estructura relaciones sociales; es parte de relaciones de poder; discrimina información; naturaliza conceptualizaciones tales como las dicotomías naturaleza/cultura, coḿn/extraordinario, bueno/malo, sano/enfermo. Esto se da, por ejemplo, en aquellos casos donde el espectro urbano se asocia al ruido, caracterizado en forma homogénea como contaminación sonora, sin dar cuenta de las fuentes de las cuales provienen los sonidos de la ciudad. A la inversa, lo mismo sucede cuando el fondo sonoro se transforma en parte de nuestra cotidianeidad, a partir de lo que se lo ignora inconscientemente, mientras sigue repercutiendo en nuestras maneras de percibir el mundo. Ahora bien, el oído contiene almacenadas incluso las señales aćsticas ante las cuales debemos sentirnos a salvo o en peligro. Tiene memoria. Teniendo en cuenta el rol de la construcción social de los símbolos, Noel García López (2005) destaca el rol de la antropología del sonido para el estudio histórico de las alarmas en la coniguración sonora del espacio en las ciudades modernas. También sucede en esos momentos en que fuertes ruidos cercanos ponen al cuerpo en defensiva, temiendo un posible peligro. En cualquier caso, el sonido forma parte de RUIDOS SILENCIOSOS. ESCUCHA ANTROPOLóGICA EN EL BARRIO DE FLORESTA, CIUDAD DE BUENOS AIRES [175 la cotidianeidad humana, por lo cual es susceptible al análisis antropológico. Olivia Harris y hérèse Bouysse-Cassagne (1988) enuncian, por ejemplo, que comprender el pensamiento aymara conlleva realizar un ejercicio mental que integre todas sus manifestaciones como un conjunto indisoluble. Lo ritual, lo musical y lo social son parte de un todo en el que “[…] el año ritual se entiende como una larga composición musical con sus tiempos fuertes – correspondientes a las fechas importantes del calendario, como las siembras y las cosechas – y sus tiempos menores, que son acontecimientos de la vida individual: nacimiento, boda, muerte” (1988). Steven Feld (1991), por su parte, categoriza al sonido como un sistema simbólico intermedio entre la aćstica y el análisis cultural. No le interesa en sí mismo, sino que a través de su investigación busca dilucidar sus cargas sociales y culturales, estableciendo el foco en la construcción del tambor que los kaluli hacen a partir del pájaro tibodai, cuyo canto es interpretado como las comunicaciones de los muertos. En el presente artículo se introduce un recorrido histórico de tres epistemologías de la escucha, a partir de los desarrollos conceptuales de Raymond Murray Schafer (paisaje sonoro y ecología aćstica), Steven Feld (acustemología) y Ramón Pelinski (fenomenología de la escucha). Este abordaje implica establecer posibilidades epistemológicas, teóricas y metodológicas para el estudio antropológico de la sonoridad del espacio, en este caso, urbano. Tras esta puesta a punto teórica y metodológica, se dedicará una sección a la aplicación empírica de la propuesta en el barrio de Floresta, ubicado en el centro-oeste de la ciudad de Buenos Aires, Argentina. Este ejercicio analítico toma como 176] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA base la escucha antropológica, buscando establecer cuáles son las percepciones sonoras de las personas que habitan, transitan e imaginan este espacio urbano. Por ́ltimo, se desarrollan las conclusiones que se han podido elaborar por medio de la investigación. Epistemologías de la escucha A mediados de la década de los sesenta, Pierre Schaefer (2003) escribe Tratado de los objetos musicales (1966) estableciendo las deudas de la investigación respecto de lo sonoro y propone un nuevo concepto: objeto sonoro. “Lo que oye el oído no es ni la fuente ni el ‘sonido’, sino los verdaderos objetos sonoros, de la misma forma que el ojo no ve directamente la fuente, o incluso su ‘luz’, sino los objetos luminosos”. Resume, mediante esta frase, la propuesta de “una fenomenología general de lo audible” (POLTI, 2011), en tanto comienza a deslizar la impronta que posee lo subjetivo y lo biográico al enfrentarse a diversos aspectos de la realidad, dando cuenta de cómo el cuerpo y los sentidos son mediadores de una realidad que es permanentemente interpretada. A partir de estos aportes, Raymond Murray Schafer desembolsa en 1969 un concepto clave para la investigación socioaćstica como lo es el paisaje sonoro (soundscape), realizando un juego de palabras a partir de landscape (paisaje), término que remite a una imagen casi estrictamente visual. Mediante el concepto de paisaje sonoro, Schafer designa, en primera instancia, a “[…] cualquier campo aćstico que pueda ser estudiado como un texto y que se construya por el conjunto de sonidos de un lugar especíico” (POLTI, 2011). RUIDOS SILENCIOSOS. ESCUCHA ANTROPOLóGICA EN EL BARRIO DE FLORESTA, CIUDAD DE BUENOS AIRES [177 A su vez, es un campo en el cual lo sonoro les otorga un sentido a sus habitantes y que, casi a modo de contraprestación, está conformado por sus comportamientos, actividades, quehaceres cotidianos y extracotidianos. De esta manera, el paisaje sonoro es “[…] el resultante de usos, representaciones, expresiones, conocimientos y técnicas que los sujetos reconocen como parte de su mundo cultural” (POLTI, 2011). Tras fundar el World Soundscape Project en Canadá, con el objetivo de concientizar acerca de la problemática aćstica desde una perspectiva ecológica, Schafer culmina deiniendo el paisaje sonoro como una “composición universal en la que todos somos compositores” (TRUAX, 2000). De esta manera, todos somos tanto productores como receptores de nuestro entorno sonoro, y mediamos los sonidos a través de nuestras percepciones, las cuales son eminentemente subjetivas y dependen de cada biografía de audición, tan personal y ́nica como las huellas digitales. Un mismo sonido al mismo nivel aćstico puede motivar dos o más reacciones dispares, dependiendo de la extensión de la audiencia. Esto pone en cuestión las críticas mencionadas al comienzo del artículo. Es cierto que el oído, exceptuando alǵn impedimento biológico, es un órgano destinado a recibir información en forma ininterrumpida. Sin embargo, mucha de esa información pasa a ser parte de un fondo fundante del paisaje sonoro de nuestro entorno. La valoración que cada uno de nosotros realiza de ese fondo sonoro parte de premisas estrictamente culturales. Más allá de su concepción clave para la instalación de un paradigma que realce al sonido como protagonista de la relexión social, algunos lineamientos de Schafer, accesibles en sus escritos de los años setenta, pecan de un sesgo naturalista. En un artículo publicado en el año 1976, denominado “El mundo 178] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA del sonido. Los sonidos del mundo”, se advierte la asociación directa de la contaminación sonora con la ampliación de los centros urbanos y el desarrollo de las telecomunicaciones: “Lo primero que observamos cuando estudiamos un paisaje sonoro silvestre o incluso rural o aldeano es que resulta mucho más silencioso que el de la ciudad moderna” (SCHAFER, 1976). Por esta razón, vincula los sonidos del ambiente urbano a la idea de la baja idelidad, indicando que la relación entre la señal y el ruido es poco favorable. Por más que sea evidente el tipo de aproximación que Schafer realiza y que sus conclusiones estén ancladas en una época en la que las distopías urbanas y la crítica a las telecomunicaciones comenzaban a exhibirse en forma extendida, no corresponde al análisis antropológico quedarse allí. Es cierto que, desde un nivel físico, el sonido en las zonas rurales es más bajo y menos cargado. Sin embargo, también operan, en este tipo de representaciones, construcciones mentales respecto de lo natural y de lo intervenido, de lo rural y lo urbano. Contrastar dualmente lo urbano y lo rural anula la posibilidad de percibir las heterogeneidades sonoras de estos dos grandes conglomerados, así como de lograr una articulación entre lo que se oye y cómo se construye categóricamente eso que se oye. Como analizaremos más adelante, dos avenidas no suenan igual por el hecho de ser avenidas, sino que se diferencian a partir de los sonidos de las actividades principales que se desarrollan allí y se vinculan metonímicamente en las mentes de los sujetos. Carles (2004) y Truax (1984, 2000) construyen sus aportes académicos desde este paradigma. José Luis Carles se preocupa por la necesidad de profundizar en el conocimiento de la estética del sonido. Es decir, en la relación entre el ser humano, el medio ambiente y la producción de sonidos, por RUIDOS SILENCIOSOS. ESCUCHA ANTROPOLóGICA EN EL BARRIO DE FLORESTA, CIUDAD DE BUENOS AIRES [179 un lado, y en las relaciones emocionales y afectivas que cada sujeto establece con la sonoridad a partir de su subjetividad, por el otro. Si el sonido forma parte del entramado cultural, y cada entorno posee marcas sonoras, entendidas como “[…] sonido comunitario ́nico o que posee cualidades que lo hacen especial cuando es percibido por la gente que vive en dicha comunidad” (SCHAFER, 1976 apud ALONSO et al., 2007, p. 5), es plausible una etnografía sonora que privilegie “la escucha como herramienta analítica” (ALONSO et al., 2007, p. 9). Es a través de este tipo de metodología que uno puede acceder a las construcciones de categorías que los sujetos realizan de su entorno sonoro, tales como sonido, silencio, ruido, contaminación sonora, las cuales se cristalizan a partir de las propias subjetividades personales o colectivas. De manera directa, el recurso metodológico de la observación participante fue utilizado como complementario de la escucha participante. La observación participante consta de una actitud de presencia de investigador en el campo, que no inhibe la posibilidad de acción y de participación en las actividades desarrolladas por los sujetos. Este “estar allí” (GUBER, 2005, p. 119), sumado a una posición de relexión permanente, supone la posibilidad del investigador de dar cuenta del universo de signiicados de los diversos actores sociales que forman parte de su unidad de análisis. La escucha participante que incluyo implica una postura similar a la de la observación, inclinada hacia la actitud del investigador de abrir sus horizontes de percepción y entablar una conexión sensorial con el ambiente. Es la actitud de mantener, en palabras de Ramón Pelinski (2007), el oído alerta y comenzar a deconstruir tanto las sonoridades del entorno, como los 180] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA conceptos y preconceptos a través de los cuales los sujetos construyen y son construidos por la sonoridad de ese entorno. En esta línea de pensamiento que conjuga lo social y lo sonoro incluyo, en virtud de su inluencia para mi investigación, a Pelinski. En el texto que desarrollo aquí, “El oído alerta: modos de escuchar el entorno sonoro” (2007), comulga con el ideario de que todos los sonidos, ubicables entre el silencio y la ḿsica, poseen signiicados, interpretados estéticamente a través de la cultura en una escala que va desde el deleite hasta el tormento. Pelinski (2007, p. 2) concibe al entorno aćstico como “fuente de experiencias estéticas y existenciales” y al paisaje sonoro como un “fenómeno de la percepción y del recuerdo”, asequibles a través de tres modos de escucha: natural, reducida y privilegiada. Se distancia, así, de las perspectivas ecologistas o musicales y se focaliza en la conciencia individual y colectiva, estableciéndose desde un paradigma más bien cercano a la fenomenología. La escucha natural se reiere a aquella que se centra en el entorno menos los sonidos: es pasiva, distraída, desenfocada, referencial (identiica la fuente); es simbólica (interpreta el sonido como una señal de otra cosa) ya que “[…] la atención se desliza por encima del sonido sin penetrar en su interior (p. 3). Es también “ingenuamente realista”; produce la sensación de sonidos externos al sujeto que los oye y a su conciencia, opuesta a la concepción fenomenológica, a través de la cual se comprende que “[…] no estamos en medio de los ruidos del entorno: somos los sonidos del entorno” (p. 4). La escucha reducida, por contrario, es consciente e implica una actitud estética y un “viaje analítico al interior del sonido” (p. 5). Permite distinguir diversos sonidos por sobre un fondo sonoro sobre el que disponemos nuestra atención perceptiva. Es el RUIDOS SILENCIOSOS. ESCUCHA ANTROPOLóGICA EN EL BARRIO DE FLORESTA, CIUDAD DE BUENOS AIRES [181 sonido menos su entorno: se desentiende de los vicios de la escucha natural y se centra en las características inherentes a los sonidos por sobre su fuente de producción. Por ́ltimo, la escucha privilegiada o experiencial implica una dialéctica entre las dos anteriores. No sólo es el sonido más el entorno, sino también “[…] sedimentación de aprehensiones pasadas revividas en el presente, sea en el recuerdo, sea en ocasión de impresiones presentes que nos evocan aprehensiones sonoras privilegiadas del pasado” (p. 9). Produce emoción y se desata en momentos de desatención de la conciencia, donde un sonido puede remitir a alguna experiencia pasada e incluso infundir sensaciones sinestésicas en las que una ḿsica puede representar una fragancia o una textura almacenada en la memoria. Mediante estos tres modos de escucha, Pelinski abarca las experiencias que los sujetos aprehenden a través de lo sonoro, consciente o inconscientemente, brindando herramientas para el ejercicio analítico de nuestro paisaje sonoro y la memoria. La ́ltima epistemología que desarrollaré en este artículo corresponde a la acustemología propuesta por Steven Feld en el año 2013. Este autor realiza, en la década del setenta, un estudio del sonido como sistema simbólico en los kaluli de Paṕa Nueva Guinea. Logra una articulación entre el ambiente en el que los kaluli desarrollan su vida social y la relación de éstos con la sonoridad, la poética, la estética y la musicalidad. Ahora bien, en este artículo reciente, Feld (2013, p. 221) advierte que es necesario ir más allá en este tipo de investigaciones, como crítica “[…] a las investigaciones sobre ecología aćstica que separan artiicialmente los entornos sónicos de la omnipresencia de la invención humana”. Prevalece la idea, así, de que no solamente los sujetos atravesamos espacios sonoros: 182] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA somos los sonidos del entorno, somos productores y productos de la sonoridad del espacio. Con el uso del término acustemología quiero sugerir una unión de la aćstica con la epistemología, e investigar la primacía del sonido como una modalidad de conocimiento y de existencia en el mundo. El sonido emana de los cuerpos y también los penetra; esta reciprocidad de la relexión y la absorción constituye un creativo mecanismo de orientación que sintoniza los cuerpos con los lugares y los momentos mediante su potencial sonoro. (FELD, 2013, p. 222). La fusión de estos dos conceptos le otorga vitalidad a la investigación social que ancle su objeto de estudio en las diferentes formas de sonoridad del mundo, haciendo hincapié en las nociones de los sujetos y de sus relaciones primarias con el espacio, producto y productor de su existencia. Contemplando estos aportes teóricos, metodológicos y epistemológicos, concentraremos el análisis en el barrio porteño de Floresta, ubicado en el sector centro-oeste de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. El barrio de Floresta se encuentra delimitado estructuralmente por las calles Mariano Acosta-Segurola al oeste; Juan A. García, Joaquín V. González y Gaona al norte; Cuenca-Portela al sur; y Directorio al oeste, conformando, visualmente, una forma algo extravagante. Sus barrios vecinos son Vélez Sarsield, Monte Castro, Villa Santa Rita, Flores y Parque Avellaneda, cuyas características principales no pueden desligarse de su heterogeneidad de ser barrios principalmente residenciales, con arterias de fuerte circulación vehicular, transportes que suelen atravesar estos sitios sin una profunda descarga de pasajeros, y un impulso, en estas ́ltimas décadas, de sitios con un gran desarrollo comercial y de actividades textiles. RUIDOS SILENCIOSOS. ESCUCHA ANTROPOLóGICA EN EL BARRIO DE FLORESTA, CIUDAD DE BUENOS AIRES [183 Figura 1 – En torno al barrio de Floresta Mapa de la Ciudad de Buenos Aires con el barrio de Floresta resaltado Fonte: Latido Buenos Aires (2016). Los primeros datos de las delimitaciones espaciales del barrio de Floresta mencionan la entrega de una chacra a Gaspar Méndez por parte del adelantado Juan Torres de Vera y Aragón en el precoz año 1588. El terreno comprendía una dimensión de medidas similares aunque desplazado hacia el oeste de la actual ciudad. Dicho terreno fue pasando de manos y títulos a través de los años, hasta que en 1895 una ordenanza establece el perímetro (mucho más amplio que el actual), bajo el nombre de Vélez Sarsield. La separación y legitimación del barrio de Floresta se concreta el 26 de octubre del 1972 tras la ordenanza municipal nº 27.161, donde adquiere los límites actuales (VATTUONE, 1991). 184] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Figura 2 – Detalle del barrio de Floresta Fonte: La Floresta (2016). RUIDOS SILENCIOSOS. ESCUCHA ANTROPOLóGICA EN EL BARRIO DE FLORESTA, CIUDAD DE BUENOS AIRES [185 La primera metodología de trabajo utilizada fue reconocer, a partir de recorridos por los perímetros del barrio y charlas con vecinos, qué elementos del espacio de Floresta podrían ser considerados como ejes sonoros. En diversas instancias de entrevistas con habitantes y trabajadores del barrio, surgieron cinco zonas como plausibles de ser reconocidas en términos de su sonoridad, a partir de características divergentes: la avenida Rivadavia; la presencia de las vías del tren Sarmiento; la avenida Avellaneda; una zona de casas bajas, dispuestas en seis pasajes, de características residenciales; y la presencia del estadio del Club de f́tbol All Boys, cuyo emplazamiento se encuentra fuera de la estructura barrial pero dentro del imaginario de los habitantes de Floresta. Dicha heterogeneidad hace de Floresta un caso ejemplar para desarrollar en este desarrollo teóricometodológico, con el objetivo de apreciar las posibilidades de un estudio basado en las características sonoras del espacio y las interpretaciones sociales. Cabe destacar que, a diferencia del trabajo realizado con anterioridad en el barrio de Flores (POLTI et al., 2011), no parecerían existir espacios que uniiquen a Floresta en el imaginario del barrio, como sí sucedía con la Plaza Flores, ícono de esta zona. A medida que avanzaba hacia un lugar u otro del barrio, en distintos días de la semana y alternando entre la mañana y la tarde, estas referencias se iban modiicando en virtud de la experiencia cotidiana de las personas. La estrategia metodológica seleccionada, en este sentido, consistió primero en abordar a los interlocutores bajo el objetivo de que seleccionen lugares o situaciones representativas del barrio, cuyas primeras respuestas, generalmente, aludían tanto a experiencias visuales como a sensaciones (reunidas bajo nociones de seguridad/inseguridad). Esta primera pregunta 186] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA rara vez tuvo como respuesta una referencia explícita a la sonoridad del barrio, más bien enmascarada bajo sentimientos como “tranquilidad” o referencias al “caos del tráico”. Teniendo en cuenta que la principal intención de esta primera aproximación al barrio consistió en generar un diagnóstico de su sonoridad, que ponga en valor tanto las percepciones de los vecinos como las propias, un segundo momento de entrevista fue dirigido especíicamente a la pregunta por los sonidos. A continuación caracterizaré brevemente los resultados de esta primera etapa de investigación, desglosando los diferentes ejes sonoros del barrio de Floresta. los ejes sonoros del barrio de Floresta La avenida Rivadavia Rivadavia, conocida por ser una de las avenidas más largas del mundo, tiene una extensión de aproximadamente 35 kilómetros y conecta desde zonas cercanas al puerto de Buenos Aires hasta bien pasada la General Paz; encierra a la Ciudad de Buenos Aires y la separa de la Provincia. En este largo trayecto, atraviesa durante ochocientos metros el barrio de Floresta, siendo escenario, en un ancho de seis carriles, del paso de veintidós líneas de colectivos e innumerables autos y motos. Todas las menciones a Rivadavia por parte de vecinos y trabajadores de la zona, constatadas en el registro simultáneo y posterior, relatan al tráico como la característica sonora ineludible de esta avenida. Colectivos que atraviesan este lugar desde orígenes diversos, cargados de pasajeros hasta el punto de que hay horarios (tanto a la mañana hacia el Centro, como RUIDOS SILENCIOSOS. ESCUCHA ANTROPOLóGICA EN EL BARRIO DE FLORESTA, CIUDAD DE BUENOS AIRES [187 a la tarde desde allí) en los que los transportes no pueden afrontar la carga de más personas en sus unidades. La bocina recurrente que inunda el aire de sonidos estridentes, superpuestos e intermitentes, es otra característica de esta avenida, cuya cercanía al subte línea A, que conecta Flores con el centro, y al tren Sarmiento, que une el centro con zonas bastante alejadas de la ciudad, vuelve a los usuarios y a los conductores susceptibles de largas esperas para realizar sus recorridos. El tren Sarmiento La percepción del tren es algo más compleja que la de la avenida Rivadavia. En un trabajo anterior, realizado en el barrio de Flores (POLTI et al., 2011) ya habíamos constatado cómo se producen diferentes vínculos con la sonoridad del tren, en virtud de la mayor o menor cercanía y mayor o menor permanencia en el entorno de las vías. En dicho artículo, advertimos que los factores que se destacaban eran el timbre continuo que anunciaba el acercamiento del tren, por un lado, y la bocina del mismo, la cual funcionaba como un índice de un inminente accidente, por el otro. En el caso de la estación de Floresta, la situación es algo distinta y se ha modiicado sustancialmente desde el año 2011. En principio, la instalación en los ́ltimos años de trenes más modernos ha disminuido la producción de sonido. En segundo lugar, el timbre que acompaña la barrera es totalmente distinto al escuchado en la estación de Flores (a un kilómetro de distancia), en tanto consta de tañidos suaves y espaciados, bastante menos intensos que en la estación vecina. A su vez, durante el año 2015 hizo aparición, y fue registrado 188] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA en distintos cruces de barrera de esta línea de tren, un nuevo actor social, cuya función consiste en hacer sonar un silbato como aviso a los peatones de que cruzar la vía supone un peligro real para sus cuerpos. En este sentido, sumado a la barrera y a las campanas, este agente implica un reconocimiento estatal de que las prácticas de los sujetos se distancian tanto de las normas como de las concepciones básicas en torno al espacio, al tiempo y a la cercanía de una máquina, cuyo colapso con la carne produce, casi necesariamente, consecuencias letales en la vitalidad. Una vez baja la barrera y activadas las campanas, estos trabajadores deben esperar aproximadamente tres minutos y advertir a quienes cruzan que, de allí en más, las posibilidades de un accidente se vuelven irremediables. Más interesante se torna si consideramos que el uso generalizado de auriculares (y la consecuente desatención) por parte de los peatones hizo necesario que, además de la implementación del silbato como medida de prevención, estos sujetos debieran improvisar banderines de color rojo, como apoyo visual de su labor. Estas prácticas de los sujetos advierten que el proceso de escucha se vincula más con la idea de lo “natural” que categoriza Pelinski (2007), en tanto las personas parecerían oír los sonidos pero no identiicar su fuente y menos asimilar su función. Muy distinta es la conciencia del sonido del tren que ha sido investigada en mi tesis de licenciatura en torno a las sonoridades de ex Centros Clandestinos de Detención, Tortura y Exterminio (CCDTyE) utilizados durante la ́ltima dictadura militar argentina. Enfocándome en el caso de “Automotores Orletti”, ex CCDTyE ubicado en las orillas de las vías del Sarmiento (también dentro del barrio de Floresta), el sonido del tren, en vínculo con otros factores RUIDOS SILENCIOSOS. ESCUCHA ANTROPOLóGICA EN EL BARRIO DE FLORESTA, CIUDAD DE BUENOS AIRES [189 sonoros típicos de este espacio, fue insumo de la ubicación y denuncia de los sobrevivientes de este sitio. En este caso, la escucha realizada por los sobrevivientes era más bien de tipo privilegiada (PELINSKI, 2007), en tanto había un análisis especíico de la ubicación del centro clandestino, y la b́squeda de más indicios que permitieran vislumbrarla en la esperanza de escapar. La avenida Avellaneda Así como la avenida Rivadavia fue deinida casi en forma unánime por su tráico, Avellaneda también tuvo menciones al respecto. Sus tres líneas de colectivos y su amplio caudal de autos y motos se transforman en una referencia para las personas que, ante la pregunta, desnaturalizan su entorno y lo vuelven inteligible a su conciencia. En dos casos, incluso, los bocinazos se hicieron presentes en medio de las respuestas, lo cual indujo a los interlocutores a dar cuenta del tráico como esencial para pensar esta avenida. Sin embargo, hay otro aspecto que complejiza la realidad de Avellaneda, avenida que atraviesa Floresta durante un kilómetro. El recorrido comenzó en el extremo oeste de Floresta, donde Avellaneda se ensancha hasta los cuatro carriles, y se destaca la presencia del ruido de los autos, una escuela y, más adelante, una plaza de mucha circulación, principalmente los ines de semana, momento en el cual la plaza Vélez Sarsield es epicentro de festividades religiosas, murga y marchas policiales. Seguir el recorrido y atravesar la plaza implica el adentramiento en un universo de características paralelas. Es que se ingresa en una avenida Avellaneda que se destaca por su actividad comercial textil. La expansión comercial de 190] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA esta avenida ha inluido en calles paralelas y perpendiculares aledañas. Figura 3 – La avenida Avellaneda y su impacto en calles perpendiculares (Campana y Cuenca) y paralelas (Aranguren y Bogotá) Fonte: La Floresta (2016). Transitar la avenida Avellaneda implica recorrer una multiplicidad de locales de venta mayorista, galerías y pasillos internos de venta de ropa, con colores y ḿsicas fuertes (algunas provenientes de las galerías y otras directamente de los locales internos). Las charlas y discusiones de precios, talles y ropa son lo coḿn, así como el grito de vendedores ambulantes que ofrecen sus productos tanto a los compradores como a los vendedores de esos locales. Esta explosión comercial de los ́ltimos años ha visto su correlato en la disposición de vendedores “ilegales”, denominados “manteros”, quienes ofrecen sus productos en las veredas y en las calles, compitiendo directamente con los locales. Esto da lugar a un tránsito de personas a lo largo de un océano de cantos, gritos, charlas y discusiones, paralelo a las bocinas de los autos que no pueden avanzar, en tanto su paso es interrumpido por seres y productos, dejando libres dos carriles de los cuatro mencionados anteriormente. La voz de los que eligen imponer su sonoridad es su arma principal para ofrecer sus productos a un precio barato, así como la RUIDOS SILENCIOSOS. ESCUCHA ANTROPOLóGICA EN EL BARRIO DE FLORESTA, CIUDAD DE BUENOS AIRES [191 musicalización en dispositivos de fácil traslado, mientras que otros eligen estratagemas más visuales y silenciosas. El fuerte desarrollo desorganizado ha llevado a los sujetos a establecer prácticas sonoras disímiles para afrontar la competencia. En muchos casos, las personas entrevistadas han mencionado la idea de “murmullo constante” asimilada a Avellaneda, siempre reiriéndose a lo ajeno, en tanto no reconocen su participación en la sonoridad del entorno. Si se habla de murmullo ajeno, también se frasea el “yo voy en la mía” o “nosotros venimos pero mucho no hablamos”. Todos los días (excepto los domingos), desde horarios cercanos al alba, hacen su aparición los ruidos de carritos, cuyas ruedas raspan las veredas en una cacofonía asimilable a las entradas y salidas de colegios. La actividad comercial avanza fuertemente hasta las cinco o seis de la tarde, cuando el sonido imperante es de las cortinas metálicas de los negocios que dan por inalizada su tarea, dando lugar a los sujetos que viven de la recolección y reciclado de los residuos de cartón y telas. Todo ese sonido de tipo comercial es intercambiado en forma abrupta por la imagen (visual y sonora) de un pueblo fantasma, incluso post apocalíptico. Otra característica de esta zona, mencionada principalmente por los vecinos que coexisten en medio de esta actividad comercial sin formar parte activa de ella, es la presencia de la diversidad étnica, representada en la sonoridad a partir de sus entonaciones, lenguajes, códigos verbales. Tanto desde el norte de Argentina, como desde países limítrofes, semana a semana se trasladan miles de personas en viajes relámpago, motivadas por los bajos precios de los productos textiles. Floresta, en este sentido, ha vivenciado en los ́ltimos años un gran crecimiento de la población boliviana, así como 192] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA de coreanos, también vinculados fuertemente con la actividad textil. La expansión comercial visible también tiene un correlato oscuro, dado que los precios y la alta cantidad de ropa se vinculan con una presencia cada vez mayor de talleres clandestinos, donde las personas trabajan de manera esclava en la confección de prendas. En la investigación realizada en Flores, por ejemplo, un vecino percibía un cambio cualitativo en la sonoridad del barrio, plasmado en “una correlación de sonidos que se conforman de la sonoridad de una maquinaria que intenta ser minimizada con el sonido de radios que sintonizan generalmente la misma frecuencia” (POLTI et al., 2011, p. 16). En el imaginario de los vecinos, estas máquinas (invisibles pero no insonoras), sumadas al bajo control del consumo energético en la ciudad, producen permanentes cortes en el abastecimiento eléctrico. El corolario de esto, teniendo en cuenta que la actividad comercial no puede detenerse, es la instalación de grupos electrógenos a nafta, cuyos motores resuenan a un volumen tal que inhiben toda la sonoridad descripta anteriormente. Zona de casas bajas: los pasajes del Barrio Segurola Cercanos al extremo norte de Floresta, se distribuyen, en una serie de pasajes (calles angostas y de poco tránsito), casas bajas, arquitectónicamente idénticas. Pertenecen al Barrio Segurola, construido durante la segunda mitad de la década del 20’. Aquí se encuentra asentada, de manera residencial, una población de clase media. La alta concentración de viviendas, sumada a la poca circulación de tránsito, vuelve la sonoridad de este lugar más “silenciosa”, atributo reproducido por los habitantes y transéntes del lugar. Tras la eliminación RUIDOS SILENCIOSOS. ESCUCHA ANTROPOLóGICA EN EL BARRIO DE FLORESTA, CIUDAD DE BUENOS AIRES [193 del fondo sonoro presente en las demás zonas, hacen una aparición más clara otros sonidos frecuentes y distinguibles en su ubicación y procedencia: sonidos de construcción, ladridos, voces de vecinos provenientes del ámbito privado, toses, vasos rotos y sonidos metálicos de cocina. Club Atlético All Boys Por ́ltimo, describiré brevemente los sonidos asociados al Club Atlético All Boys, cuyo estadio se encuentra emplazado fuera de los límites estructurales de Floresta, pero cuya presencia implica un fuerte arraigo barrial, asumido en los distintivos colores blanco y negro. En la serie de entrevistas mantenidas con habitantes y trabajadores de Floresta, la pregunta por sitios que marquen la identidad del barrio siempre incluyó en la respuesta alguna mención a “All Boys” o al “albo”. Esto responde a una fuerte asociación del barrio con este club de f́tbol. Ahora bien, cuando la entrevista se orientó a la percepción sonora, la mención al club estuvo presente pero relegada. Esto responde a que la pregunta por el sonido se asume en los interlocutores, en forma general, a la idea del ruido, a la molestia, cuya referencia principal se le atribuye al tráico. Tratar de desligarse de esta prenoción resultaba en alguna mención aislada de la murga que se ha apropiado simbólicamente de la plaza circundante al estadio y del encuentro quincenal de hinchas y simpatizantes que alientan en voz unísona la salida del plantel, cuyos sonidos atraviesan las paredes en cada situación de gol o penal. 194] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Discusiones y conclusiones Los aportes de la acustemología, el paisaje sonoro y los modos de escucha habilitan a pensar las distintas relaciones que se establecen con la sonoridad y cómo ésta nos interpela en tanto interlocutores necesarios de su vibrar. Los sonidos se naturalizan en nuestras conciencias, dando lugar a concepciones que aparentan naturalidad pero que, como toda interpretación, nuclea construcciones sociales de diversa índole. ¿Por qué pensar que toda avenida tiene un mismo referente empírico sonoro? ¿Por qué pensar sólo en ruido, si, como vimos en el caso trabajado, Rivadavia y Avellaneda desglosan desde su sonoridad una cantidad de vínculos con la historia lejana y reciente totalmente heterogéneos? La escucha participante desarrollada en Avellaneda permitió revelar ciertas cuestiones relacionadas con la diversidad lingüística (inherente a la presencia de sujetos de procedencias geográicas disímiles) e inclemencias del sistema capitalista que en Rivadavia no se perciben a simple oído. Sin embargo, pensar en esa cantidad de vehículos que, al igual que el tren, transporta cientos de miles de personas de un destino a otro en forma diaria en razón de asistir al trabajo desde lugares periféricos, contribuye a elaborar conclusiones que van en la misma línea. Las características del tren Sarmiento, por su parte, posibilitaron poner en práctica los modos de escucha señalados por Ramón Pelinski: dieron lugar a la concientización de que no ejercemos el mismo tipo de atención en forma continua, tomando como base la cuestión de que el oído funciona en forma permanente y desarrolla iltros, mediados por la cultura, para subsistir. El contraste se puso de maniiesto en la identiicación de sitios con menos cargas sonoras vinculables al ruido, e hizo RUIDOS SILENCIOSOS. ESCUCHA ANTROPOLóGICA EN EL BARRIO DE FLORESTA, CIUDAD DE BUENOS AIRES [195 posible deconstruir esta prenoción de que lo ́nico que se oye en los espacios urbanos es molesto. La mención a lugares más tranquilos como “los pasajes” puso en evidencia un lugar elegido para el paseo, vinculado a su monotonía silenciosa, apreciable en sus sonidos individuales. Por ́ltimo, en virtud de la necesidad de vincular el barrio con sus rasgos identitarios, incluí al Club Atlético All Boys, cuyas marcas y símbolos visuales son recurrentes en todo la zona, tanto como la posibilidad de encontrarse con sujetos o grupos tarareando canciones de cancha reiriéndose al club. El sonido, en este caso, relativiza las fronteras, extendido tema de discusión en tanto algunos incluyen al club en el barrio aledaño de Monte Castro (los más estrictos), mientras que otros, a pesar de reconocer este hecho, lo siguen vinculando a Floresta. Esta aproximación a la sonoridad del barrio de Floresta ha permitido arrojar diversas conclusiones. En principio, ha servido para establecer diferentes maneras de abordar a los interlocutores en preguntas que implican un alto grado de relexión, en tanto no es coḿn en la vida cotidiana realizar este ejercicio de extrañamiento sensorial-auditivo. Uno de los objetivos de este proyecto consiste en comenzar a deconstruir las prenociones con las que los sujetos construyen su entorno sonoro, generalmente utilizando para todo, en forma acrítica, la concepción de ruido. Tallar el espacio sonoro en una división que va homogéneamente del ruido (molesto) al sonido (apacible) oculta las formas en las que nosotros mismos somos parte del entorno sonoro, lo modiicamos y somos construidos por él. Inhibe a los sujetos de su potencial real de cambio de actitudes hacia lo sonoro, cuyas producciones propias muchas veces son tomadas como ajenas y percibidas como molestas. La idea, entonces, es dar cuenta de la complejidad sonora que existe en un gran 196] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA espacio urbano como es la Ciudad de Buenos Aires, dando cuenta no sólo de la sonoridad física sino de las apropiaciones y conceptualizaciones de sus habitantes y visitantes. El sonido es físico. Implica tanto una onda sonora, medible, cuantiicable, como un acto de percepción. De acuerdo con Basso (2006), el lenguaje cientíico denomina señal aćstica a la primera y sonido al acto perceptivo. Lo interesante es comenzar a desglosar las intermediaciones culturales que tornan adjetivable la percepción. Nada es lindo o feo, sano o molesto de por sí, sino que estamos atravesados por diferentes “biografías de audición” (GARCíA, 2007, p. 63). De esta manera, todos somos tanto productores como receptores de nuestro entorno sonoro, y mediamos los sonidos a través de nuestras percepciones, que son eminentemente subjetivas y dependen de cada biografía de audición, tan personal y ́nica como las huellas digitales. Un mismo sonido al mismo nivel aćstico puede motivar dos o más reacciones dispares, dependiendo de la extensión de la audiencia. Tras este trabajo antropológico de relexión y deconstrucción del sentido coḿn sonoro, queda al descubierto la necesidad de elaborar un mapa estrictamente sonoro, de carácter tridimensional, que borre las fronteras barriales estructurales y ponga en valor y en forma asociada tanto al sonido en su cuestión física, las percepciones de los habitantes y la relexión antropológica. Referencias ALONSO, Miguel et al. Escuchando la ciudad. Una propuesta de investigación socioaćstica en el espacio urbano de la ciudad de Barcelona. Barcelona: Colectivo Ciudad Sonora, 2007. RUIDOS SILENCIOSOS. ESCUCHA ANTROPOLóGICA EN EL BARRIO DE FLORESTA, CIUDAD DE BUENOS AIRES [197 BASSO, Gustavo. Percepción auditiva. Buenos Aires: Editorial Universidad de Quilmes, 2006. (Colección Ḿsica y Ciencia). BOUYSSE-CASSAGNE, hérèse; HARRIS, Olivia. Pacha: en torno al pensamiento Aymará. In: ALBó, Xavier. (Comp.) Raíces de América: El mundo Aymará. Madrid: Alianza Editorial, 1998. p. 216-281. CARLES, José Luis. El paisaje sonoro, una herramienta interdisciplinar: análisis, creación y pedagogía con el sonido. Madrid: Centro Virtual Cervantes, 2004. Disponible en: <http://cvc.cervantes.es/artes/paisajes_sonoros/p_sonoros01/ carles/carles_01.htm>. Acceso en: 26 abr. 2016. CLIFFORD, James. Introducción: verdades parciales (1986). In: ______.; MARCUS, George (Ed.). Retóricas de la Antropología. Madrid: Ediciones J́car, 1991. p. 25-60. FELD, Steven. Sound as a symbolic system: the kaluli drum. In: HOwES, David (Ed.). he varieties of sensory experience. A sourcebook in the Anthropology of the Sense. Toronto: University of Toronto Press, 1991. p. 79-99. ______. Una acustemología de la selva tropical. Revista Colombiana de Antropología, v. 49, n. 1, p. 217-239, jun. 2013. FORTUNA, Carlos. La ciudad de los sonidos. Una heurística de la sensibilidad en los paisajes urbanos contemporáneos. Cuadernos de Antropología Social, n. 30, p. 39-58, 2009. GARCíA, Miguel Ángel. Los oídos del antropólogo. La ḿsica pilagá en las narrativas de Enrique Palavecino y Alfred Métraux. Runa, n. 27, 49-68, 2007. 198] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA GARCíA LóPEZ, Noel. Alarmas y sirenas: sonotopías de la conmoción cotidiana. In: ANTENBI, Andrés et al. Espacios Sonoros, Tecnopolítica y Vida Cotidiana. Aproximaciones a una Antropología Sonora. Barcelona: Orquesta del Caos, 2005. p. 12-25. GUBER, Rosana. El salvaje metropolitano – A la vuelta de la Antropología Posmoderna. Buenos Aires: Legasa, 1991. LA FLORESTA. 2016. Disponible en: <www.la-loresta.com. ar>. Acceso en: 10 jan. 2016. LATIDO BUENOS AIRES. 2016. Disponible en: <www. latidobuenosaires.com>. Acceso en: 10 jan. 2016. PELINSKI, Ramón. El oído alerta: modos de escuchar el entorno sonoro. In: ENCUENTRO IBEROAMERICANO SOBRE PAISAJES SONOROS, 1., Madrid, 12-15 junio 2007. Anais electrónicos... Madrid: Centro Virtual Cervantes, 2007. [s. p.]. POLTI, Victoria. Aproximaciones teórico-metodológicas al estudio del espacio sonoro. In: CONGRESO ARGENTINO DE ANTROPOLOGíA SOCIAL, 10., 29 nov.-2 dec. 2011, Buenos Aires. Anais electrónicos... Buenos Aires: UBA, 2011. [s. p.]. ______. et al. Cartografías de la escucha. La dimensión etnográica en la confección de mapas sonoros urbanos. 2011. In: CONGRESO ARGENTINO DE ANTROPOLOGíA SOCIAL, 10., 29 nov.-2 dec. 2011, Buenos Aires. Anais electrónicos... Buenos Aires: UBA, 2011. [s. p.]. RUIDOS SILENCIOSOS. ESCUCHA ANTROPOLóGICA EN EL BARRIO DE FLORESTA, CIUDAD DE BUENOS AIRES [199 SCHAFER, Raymond Murray. El mundo del sonido. Los sonidos del mundo. El Correo. Una Ventana Abierta Al Mundo, París, n. 11, p. 4-8, nov. 1976. SCHAEFFER, Pierre. Tratado de los objetos musicales [1966]. Madrid: Alianza Editorial, 2003. SIMMEL, Georg. Sociologie et Épistemologie. PUF: París, 1981. STOLLER, Paul. he taste of ethnographic things. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1992. TRUAX, Barry. Acoustic Communication. New Jersey: Ablex Publishing Corporation, 1984. ______. La composición de paisajes sonoros como ḿsica global. In: SOUNDSCAPE CONFERENCE, Trent University, Ontario, julio 2000. Ontario: Trent University, 2000. Disponible en: <www.icesi.edu.co/blogs/labsonoropcc/ iles/2013/10/La-composici%C3%B3n-de-paisajes-sonoroscomo-m%C3%BAsica-global-B.-Truax.pdf> Acceso en: 26 abr. 2016. VATTUONE, Emilio Juan. La Floresta, Nuestro Barrio. Reseña Evocativa. Buenos Aires: Talleres Gráicos Segunda Edición, 1991. 200] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA ANTROPOlOGÍA VISUAl APlICADA: DE ENSAMBlAjES, POTENCIAlIDADES y UBICUIDADES Marian Moya1 Las llamadas “ciencias aplicadas” han ganado protagonismo en el mundo contemporáneo. Este fenómeno surge en los marcos político del neoliberalismo y epistemológico del posmodernismo. La ciencia como ocupación contemplativa o como mero refugio para el conocimiento y la relexión “puros” parece incompleta, incluso inane. La ciencia hoy, encuadrada en el pragmatismo neoliberal, debe “servir para algo”, tener una inalidad concreta, resolver problemas prácticos. Algunos puristas o conservadores sostienen que la ciencia aplicada respondería a un proyecto “mercenario”. Otros creemos que esta subdisciplina debe ponerse al servicio Marian Moya es Ph.D. y M.A. in Sociology (Rikkyo University, Japón) y Lic. en Ciencias Antropológicas (Univ. de Buenos Aires). Es Profesora Adjunta a cargo de la cátedra “Antropología Aplicada” de la Univ. Nacional de San Martín, Argentina. Es docente de posgrado en la UBA, en la UNSaM, y profesora invitada en universidades del exterior. Tiene una vasta trayectoria académica en el área de Antropología Visual. Ha trabajado durante muchos años en el Ministerio de Cultura de la Nación como asesora cultural y actualmente, es consultora independiente en temas de cultura, desarrollo y relaciones socioculturales entre Japón y América Latina. 1 [201 de una acción transformadora y, en ocasiones, perseguir casi un propósito militante. En el contexto de esta demanda coyuntural, propongo un ensamblaje entre antropología visual y antropología aplicada: dos áreas históricamente desvalorizadas en el campo de la ciencia antropológica. Hoy, y a un ritmo sostenido, ambas están logrando ser respetadas como legítimos espacios de producción de conocimiento cientíico, gracias a ese nicho de oportunidad favorable que combina lo práctico aplicado con lo evidente y taxativo visual. Cada vez más antropólogos están siendo empleados en diversas instituciones y organizaciones fuera de la academia. Los especialistas en antropología ponen su amplio rango de conceptos, su entrenamiento etnográico y otras herramientas de investigación al servicio de la intervención social y la solución de asuntos sociales y culturales. Los antropólogos participan en el diseño, planiicación, implementación y evaluación de programas y proyectos, políticas y leyes, además de contribuir en la elaboración de productos o en la oferta de servicios (Nolan 2003). Asimismo, intervienen en la predicción y/o evaluación de efectos de cambio producidos por la implementación de políticas, a nivel local, nacional, regional e internacional. El espectro temático abarca la justicia social (discriminación, derechos humanos, desigualdad social), estrategias de desarrollo y “alivio de la pobreza”2, problemáticas indígenas, educación y salud, gestión de recursos naturales, patrimonio cultural, turismo y espacios protegidos, dinámicas Tal y como se expresa en la retórica del sistema de Naciones Unidas, incluyendo UNESCO y la agenda de los Objetivos del Desarrollo del Milenio (ODM). 2 202] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA culturales en las organizaciones, hábitos de consumo, entre otros asuntos. Cabe hacer un paréntesis en este punto, para aclarar un concepto sobradamente empleado y a la vez cuestionado en antropología aplicada: “gestión”. El término gestión está vinculado con el campo de la economía, más especíicamente con el ámbito corporativo (empresarial). Gestión se asocia con administración o gerenciamiento. Entendida desde esa lógica económica, la gestión incluye investigación y praxis en un marco de planiicación, aplicación de conceptos, métodos y técnicas para esa planiicación y el refuerzo de las estrategias, estructuras y procesos que llevan a la efectividad de las acciones en un marco institucional. Por cierto, es una de las varias nociones que demandan relexión y revisión crítica – al igual que otras que iré mencionando – en este campo. Si bien la antropología aplicada viene siendo objeto de relexión académica en otras latitudes, en el medio local la revisión y el ajuste conceptual son án apenas embrionarios. Los/as antropólogos/as en ámbitos de la gestión ṕblica y/o privada han realizado tres aportes esenciales: 1) un aporte metodológico, a partir de la aplicación de la investigación etnográica y cualitativa, implementando sus técnicas más relevantes: la observación participante y la entrevista etnográica, hoy utilizadas asiduamente en los proyectos de investigación. 2) un aporte teórico, en lo referido a la reformulación de instrumentos conceptuales de la antropología, con el in de operar con eicacia sobre el terreno. La relexión sobre cultura, comunidad, identidad, diversidad (en sus variantes cultural y biológica),entre otras nociones,es constante y dinámica, ya que cada contexto de ANTROPOLOGíA VISUAL APLICADA [203 aplicación presenta diferentes condicionamientos (políticos, sociales, económicos, ideológicos), que el antropólogo ha de atender en su especiicidad, aunque siempre abrevando en los marcos epistemológicos, metodológicos y éticos de la disciplina antropológica. 3) un aporte desde la “perspectiva del actor” (GUBER, 2004) entendida como la “mirada cultural” que permite mantener la atención sobre los discursos sociales, valores, prácticas, percepciones y representaciones como un todo. La posibilidad de interpretar o comprender el discurso desde el “punto de vista del nativo” es uno de los más importantes aportes que ha realizado la antropología al intervenir en otros ámbitos por fuera de lo académico. La “mirada cultural” no sólo permite comprender los discursos y acciones ajenos, sino también los propios –internos–del equipo de trabajo, generalmente de carácter interdisciplinario en antropología aplicada. Si bien la antropología aplicada fue muchas veces caracterizada como una “antropología sin teoría” (ERVIN, 2000; NOLAN, 2003; PODOLEFSKY et al 2009), queda claro que al concebirla aquí como una “praxis”, la práctica profesional no puede desarrollarse sin una sólida fundamentación teórica. De lo contrario, esa práctica se reduciría a una mera aproximación empirista, que impediría al profesional explicar procesos, encontrar las causas de las problemáticas que aborda y ofrecer soluciones. En otras palabras, no sería antropología. Es importante enfatizar una vez más la necesidad de explicitar, analizar y relexionar sobre los desafíos teóricos y metodológicos, así como las implicancias éticas y políticas que esa praxis trae consigo. 204] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA En el mundo contemporáneo, casi toda nuestra vida cotidiana, tanto desde el punto de vista cognitivo como perceptivo y experiencial, se encuentra mediatizada por la tecnología. No podemos dejar de analizar esa mediación en la producción de conocimientos antropológicos, tanto en el ámbito académico como en el de la gestión. No sólo porque permite abordar el proceso mediado tecnológicamente de producción de conocimientos en el campo de la antropología aplicada, sino también porque habilita a los investigadores el acceso a los medios audiovisuales y las nuevas tecnologías como instrumentos de comunicación, para la transferencia y divulgación de esos conocimientos. Para ello, toman la forma de productos que vehiculizan los resultados e impactos luego de la implementación de proyectos y políticas concretas. Esos formatos resultan más inteligibles para el ṕblico no familiarizado con los marcos discursivos de la antropología, conformado por los interlocutores más habituales de los antropólogos en proyectos de gestión. Dicho de otro modo, su potencialidad descriptiva hace de la imagen un recurso de comunicación más efectivo y accesible que los textos escritos, a veces redactados en un estilo alambicado que suele caracterizar el discurso en las ciencias sociales. En este sentido, el recurso de los productos imagéticos y sonoros puede hacer los siguientes aportes en contextos de aplicación de la antropología: • apoyar ilustrativamente un texto escrito; • proveer pruebas (grabaciones, ilmaciones etc.) en caso de denuncias con causas socialmente sensibles, derechos ANTROPOLOGíA VISUAL APLICADA [205 humanos, riesgo ambiental, situaciones de violencia, expoliación de tierras y saberes de grupos indígenas3; • aportar una dimensión descriptiva y empírica sobre las distintas etapas de un proceso de investigación aplicada; • emplear el recurso imagéticoen el contexto del trabajo etnográico como instrumento de elicitación de los sentidos (signiicados) nativos sobre determinadas situaciones o fenómenos sociales; • comunicar resultados de la investigación y transferir conocimiento en formato visual de manera más accesible para los actores involucrados en el proyecto aplicado; • divulgar los resultados de la investigación de manera más accesible entre ṕblicos masivos. El empleo del término mediatización (o mediación) implica pensar en los actores, la estética, la política y la economía detrás de las tecnologías. Asimismo, la antropología aplicada tiene un rol mediatizador. El antropólogo act́a como traductor sociocultural en varios niveles entre sujetos involucrados en las comisiones en antropología aplicada o trabajos bajo demanda, al interior de los equipos interdisciplinarios participantes de esos trabajos, para las audiencias o la sociedad en general, en proyectos de divulgación. Se puede airmar, entonces, que la antropología visual aplicada articula dos capas de mediatización: Uno de los principales problemas con que se enfrenta una antropología aplicada, orientada hacia la transformación social y la defensa de las poblaciones más vulnerables, es la llamada eufemísticamente “relocalización de poblaciones”. En realidad se trata con frecuencia de usurpación de tierras. Otra situación habitual es el despojo de saberes locales. El típico caso es la apropiación ilegítima (aunque no ilegal, ya que generalmente no existen marcos jurídicos apropiados que protejan a los grupos vulnerables de estas acciones) del conocimiento etnobotánico, aplicable a ines medicinales. Estos saberes terminan siendo patentados por la industria farmacéutica con ines lucrativos, que nunca redundan en beneicios para los grupos productores y portadores de ese conocimiento. 3 206] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA la aplicada y la visual (o tecnológica, si consideramos también la imagen en soporte informático). Dimensiones de la “mediación instrumentada” Cuando expreso la “mediación instrumentada”, me reiero a la interposición de un instrumento de registro o de comunicación entre los sujetos en una situación de campo (ya sea en investigación académica o aplicada). Para evitar incurrir en posibles fetichizaciones, queda claro que la mediación siempre es humana, aunque un instrumento u objeto sea interpuesto entre sujeto y sujeto a la hora de la construcción de la realidad. Esa mediación humana instrumentada act́a en el cruce de varias dimensiones: • Subjetiva: en sus varios niveles, emocional/perceptivo/ cognitivo/sensorial/experiencial. No es el instrumento de registro, sino el sujeto el ́nico productor de imágenes, aun cuando su subjetividad esté mediada por el instrumento de registro; • Instrumental: la interposición de un objeto o instrumento entre el sujeto y la realidad (social) a capturar imagéticamente; • Contextual: es importante considerar los contextos de producción, aplicación y consumo para tener una comprensión de la signiicación de procesos, objetos y relaciones implicadas (nivel sincrónico); • Procesual: este nivel es fundamental para explicitar las relaciones de poder y las intersubjetividades (a nivel individual y colectivo) en un sentido político amplio (nivel diacrónico). ANTROPOLOGíA VISUAL APLICADA [207 La antropología visual aplicada debería ser entendida como herramienta política de transformación. Para ello, la detección y el análisis de las relaciones de poder y sus mecanismos de gestión y control del conocimiento constituyen factores insoslayables, ya que ignorarlos en el marco de una intervención puede llevar a la reproducción o consolidación de las condiciones de desigualdad que se pretenden eliminar o “aliviar”. Por otra parte, la experiencia sin teoría es una experiencia acrítica. El sujeto así concebido se reduce a un mero engranaje de un sistema (alienación). La teoría sin experiencia se transforma en una acción meramente contemplativa y, probablemente, especulativa. La antropología no es un instrumento de relexión ilosóica, sino básicamente de accionar político. Entonces, no se propone aquí tan sólo la aplicación mecánica de un conjunto de métodos y técnicas de registro y relevamiento. Resulta imperativo subsumir estas prácticas metodológicas y de intervención sobre la realidad social a la relexión teórica fundada en los principios y postulados de la antropología. Asimismo, la consideración de la mediación en sus diferentes manifestaciones en el ámbito de la gestión es sustancial no sólo por las consecuencias de esa mediación en la cotidianeidad, sino porque interpela la propia disciplina respecto de la complejización de conceptos (como cultura, espacio, tiempo); la emergencia de nuevos términos sobre las relaciones sociales (como conectividad, interactividad, virtualidad); la reformulación de las técnicas etnográicas ante nuevas temporalidades (inmediatas) y espacios (simultáneos) de encuentro, de socialización, de interacción, de producción, de consumo, de investigación. El mismo concepto de “campo” antropológico ha sido activamente discutido 208] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA durante los ́ltimos veinte años en su constante redeinición, en la “desmaterializacion” y visualización que propone la tecnología, en su deconstrucción desde la teoría y en la idea de diálogo entre teoría y extrañamiento (CLIFFORD, 1997). En el marco de estos proyectos, es frecuente el empleo de los recursos audiovisuales (analógicos y/o virtuales) para construir y transferir conocimiento orientado a esos propósitos prácticos no solamente con ines ilustrativos, sino también para sintetizar conocimiento, describir sujetos, procesos y situaciones, transmitir ideas, sensaciones, experiencias; comunicar resultados de la investigación; promover y difundir acciones; sensibilizar a ciertos sectores sociales (o a todos), valiéndose de la mayor accesibilidad que proporcionan los medios audiovisuales gracias a la ubicua alfabetización audiovisual. Antropología visual y antropología aplicada: las grandes descastadas de la antropología Hasta no hace demasiado tiempo, muchos antropólogos visuales parecían sentirse en la obligación de justiicar la relevancia del cruce entre imagen y antropología. Para ello, con frecuencia proporcionaban un relato, generalmente a modo introductorio, sobre los pioneros de la disciplina, luego un rápido desarrollo por las diferentes escuelas, para terminar en la descripción de las modalidades de extrapolación del lenguaje cinematográico en su adaptación al campo de la antropología o, mejor dicho, de la etnografía. Otra de las modalidades era preguntarse una y otra vez si existía o no el cine etnográico, una cuestión irresoluble y, por cierto, bastante irrelevante. ANTROPOLOGíA VISUAL APLICADA [209 No obstante, poco se relexionaba sobre el estatuto epistemológico de la pretendida subdisciplina y, especialmente, de su valor como herramienta metodológica. El principal problema era que el camino elegido, al tercer o cuarto artículo con estructura y relexiones similares, ya no resultaba novedoso como aporte para el quehacer antropológico. El punto preocupante era la pretensión de que la antropología visual fuera reconocida como un campo autónomo e independiente (BANKS, 2010), como la antropología médica o la antropología jurídica4, cuando su mayor aporte radica en las potencialidades de la imagen como herramienta de investigación en la producción de conocimiento, como objeto de estudio en sí misma o como vehículo de transferencia de contenidos antropológicos, ya sea con ines académicos o de divulgación (ARDèVOL, 1998). En cuanto a la antropología aplicada, es conocida su imagen de “chica mala”, ya que se la asoció con la salida de la disciplina de la torre de maril académica en períodos en que sobre todo el gobierno estadounidense necesitaba de la antropología para conocer al “otro” (por lo general, enemigo real o potencial) o como recurso persuasivo para la dominación de otros pueblos o grupos socioculturales. Esto ocurrió durante la Segunda Guerra Mundial, la Guerra de Vietnam, en las intervenciones durante la Guerra Fría en Latinoamérica (para detectar focos de guerrilla después de la Revolución Cubana) y hoy, con su “antropología militar” activa y efectiva en Irak o Afganistán (LUCAS, 2008). Algunos también le achacan Sin embargo, esta tendencia a segmentar en sub-especialidades ligadas a los desarrollos históricos de la antropología suele desembocar en fragmentaciones antojadizas, cuando no con intencionalidad política, corriéndose el riesgo de perder por el camino la perspectiva holística de la disciplina. 4 210] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA a la antropología aplicada su rol como dispositivo de control social en el mundo corporativo –a modo de mecanismo de contención y neutralización del conlicto entre los empleados– o para persuadir a eventuales clientes y consumidores, a través de la modalidad de la “etnografía de consumo”. En el mejor de los casos, existe una acusación velada de mercantilización de esta ciencia. Y en el peor, este modelo de antropología es considerado por muchos académicos y aun antropólogos profesionales5 como despreciable por estar reñida con la ética y con la necesaria transparencia que requiere un quehacer cientíico al servicio de la transformación y no de la defensa de intereses espurios o del mantenimiento del statu quo. Pero antes de emitir un fallo condenatorio, es necesario revisar el espectro de matices que presentan tales prácticas. No nos extenderemos en este tema aquí, pero es importante remarcarlo para evitar demonizaciones que podrían hacernos perder de vista el beneicio que nos puede proporcionar una antropología aplicada concebida como vía para la transformación y el cambio social en beneicio de los grupos más vulnerables. Lo que sí quisiera destacar es esta representación malograda que los propios antropólogos hemos atribuido tanto a la antropología visual como a la antropología aplicada y ensayar una vía reivindicatoria. Puede condensarse en los siguientes puntos los componentes de esa representación distorsionada. Tanto la antropología visual como la Nolan (2003) propone una tipología que distingue 1) antropólogo académico, quien trabaja solamente dentro del ámbito universitario o de investigación académica, 2) antropólogo profesional, quien se desempeña solamente en ámbitos de gestión o de intervención social y 3) antropólogo aplicado, aquél que tiene una inserción institucional académica, pero también desarrolla tareas en áreas de gestión o de orientación ṕblica. 5 ANTROPOLOGíA VISUAL APLICADA [211 antropología aplicada carecen de estatuto epistemológico reconocido en la academia. En otras palabras, aparecen como huérfanas de teoría. La antropología visual es percibida con frecuencia como mera técnica cinematográica, extrapolada al trabajo etnográico, mientras se presupone que la antropología aplicada carece de trayectoria relexiva y de construcción de teoría en sintonía con los rigurosos marcos que requiere la construcción de conocimiento cientíico. Es sólo “gestión” (en el sentido de procedimiento por “encargo de un cliente” o un“trámite”), o pura intervención empírica. En ambos casos, el rigor cientíico brilla por su ausencia. La historia de la antropología narra otra realidad. Sobre la base de esa información histórica y en defensa de las subdisciplinas, puede airmarse que ambas son constitutivas del quehacer antropológico desde los albores de esta ciencia social: la observación siempre ha formado parte de las técnicas por excelencia de la etnografía, con o sin la mediación de instrumentos de registro imagético. Asimismo, la intervención social y sus consecuencias políticas son, de alguna manera, la razón por la cual existe la llamada “antropología social/cultural”. En primer lugar, tanto Bronislaw Malinowski como Franz Boas se valían de la fotografía como forma de registro visual de sus informantes6; Margaret Mead fue una acérrima defensora de la importancia de la incorporación de la imagen en el campo de la antropología (MEAD, 2000). Por su parte,respecto de la antropología aplicada, ¿acaso el mismo En el sitio web “Visual Fields”, se puede acceder a interesantes datos sobre la fotografía temprana en el campo de la antropología. Incluye llamativas imágenes tanto de Malinowski como de otros antropólogos. En http://classes. yale.edu/03-04/anth500b/projects/project_sites/02_Orrantia/ANTHRO_ PROYECT.html Acceso al sitio el 8 de junio de 2015. 6 212] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Malinowski, Evans Pritchard y varios más no se desempeñaron como antropólogos contratados por la Corona británica, complementando sus faenas académicas para asesorar a los funcionarios coloniales acerca de cómo elaborar e implementar las políticas colonialistas e imperialistas? De hecho, Malinowski es autor de un interesante artículo sobre la aplicación de la antropología en ámbitos de intervención, bajo el concepto explícito de “antropología práctica” (practical anthropology) (MALINOwSKI, 1929). Por otra parte, además de obstinado defensor de los derechos de los pueblos indígenas, Boas insistió con vehemencia sobre la necesidad de que el Estado se subordinara a los intereses de los individuos. En 1919, el autor planteó su preocupación de manera ṕblica, en una carta que llevó el título “Cientíicos como espías” en he Nation. Allí denunció que cuatro antropólogos de Estados Unidos, a quienes no mencionó, abusaron de sus posiciones como investigadores profesionales para conducir espionaje en América Central durante la Primera Guerra Mundial7. Esa acusación ṕblica en he Nation le valió una severa sanción: fue despojado de su cargo como miembro del Consejo Directivo de la Asociación Americana de Antropología, con la amenaza incluso de expulsión de la Asociación (HILL, 1987). Particularmente interesante fue el Proyecto de Investigación en Culturas Contemporáneas de la Universidad de Columbia, diseñado “[…] para investigar las culturas de las naciones modernas con las cuales nosotros [los Estados Unidos] éramos aliados y contra quienes estábamos luchando, Para ampliar, ver Price, 2000 – Disponible en: <http://www.thenation.com/ article/anthropologists-spies#> – y Van willigen: 2002. 7 ANTROPOLOGíA VISUAL APLICADA [213 incluyendo Alemania, Gran Bretaña, Rusia, Francia y Japón” (SRIVASTAVA, 2013). Este proyecto fue impulsado por Margaret Mead y Ruth Benedict, y está publicado parcialmente en el manual de investigación de Mead y Metraux, “he Study of Culture at a Distance” (2000). Allí se sugiere una aplicación de la antropología visual para el estudio a distancia de carácter nacional a través del análisis de materiales visuales como las películas y las bellas artes. Uno de los trabajos que se incluyeron en este proyecto fue el análisis del ilm nazi “Hitlerjunge Quex”(1933)8, realizado por Gregory Bateson. El objetivo del autor era comprender la propaganda y la moral alemana tanto como el impacto de esa propaganda nazi en Estados Unidos (PINK, 2006). El conocido antropólogo visual John Collier, cuyo texto “Visual Anthropology: Photography as a Research Method” de 1986 se considera un clásico de la subdisciplina, apela a muchos ejemplos de su propia experiencia en antropología aplicada. Por ejemplo, el “Proyecto Vicos”, tan mentado en los manuales de Antropología Aplicada (NOLAN, 2003; VAN wILLIGEN, 2000), fue llevado a cabo entre la Universidad de Cornell y la Universidad de San Marcos, de Lima, con el aval del estado peruano. Seǵn Collier, el proyecto tenía como propósito preparar a los campesinos de Vicos para tomar control de la hacienda que funcionaba bajo una estructura colonial y posibilitarles, así, una vida como ciudadanos libres. El inventario fotográico de Collier era “[…] para medir sistemáticamente algunas de las inluencias del proyecto sobre familias indígenas, fotograiando cada pared, en cada Disponible en Youtube con subtítulos en castellano https://youtu.be/ rzLmnFPTNEo. 8 214] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA habitación, de cada hogar” a partir de una selección al azar de unidades domésticas (COLLIER; COLLIER, 1986 apud PINK, 2006, p. 89). Otro autor conocido en el área, Richard Chalfen, trabajó de manera colaborativa con un equipo médico para aplicar antropología visual en proyectos vinculados con la salud. Un aspecto interesante de este trabajo, realizado junto a Michael Rich, fue la creación de un método al que denominaron “Video Intervention/Prevention Assessment” (VIA)9: niños y adolescentes con una enfermedad crónica creaban sus diarios en video, narrando visualmente sus vidas cotidianas en esa convivencia con su condición médica. Se les pidió luego que enseñaran a sus doctores qué signiicaba vivir de esa manera (CHALFEN; RICH, 2004 apud PINK, 2006). No podemos dejar de mencionar la nefasta “antropología visual aplicada” que acompañó el trabajo de Napoleon Chagnon, antropólogo estadounidense “experto” en generar un escándalo ético-antropológico tras otro, y James Neel, genetista, durante la década de los setenta. Chagnon y Neel, apelando a un camulaje de trabajo académico neutral y cientíico, llevaron a cabo experimentos para testear entre los yanomani una vacuna contra el sarampión, la Edsmonton B, que había sido discontinuada en el mercado en Estados Unidos10 (TIERNEY, 2001). De hecho, muchos antropólogos tienen su “costado visual” sin reconocerlo: emplean la fotografía como herramienta de registro en el campo y aun incluyen “Intervención con Video/Evaluación para la Prevención” Los yanomano, también llamados yanamamo, yanomam, y sanuma, son un grupo indígena que habita en territorios alejados de las grandes urbes, en más de cien aldeas dispersas a ambos lados de la frontera entre Venezuela y Brasil. El grupo de yanomanos está compuesto por unas 20 a 30 mil personas. 9 10 ANTROPOLOGíA VISUAL APLICADA [215 esas imágenes en sus publicaciones con un in ilustrativo y legitimador del geertziano “Yo estuve allí”. De la misma manera, muchos antropólogos son “aplicados” sin asumirse como tales: ¿cuántos de nosotros no hemos realizado alǵn asesoramiento – por mínimo que fuere – o alguna actividad de consultoría más allá de la academia? La mayoría de los antropólogos formados y con cierta trayectoria han brindado sus conocimientos y técnicas adquiridas en la academia, poniéndolas al servicio de tareas por fuera de la misma. Antropología visual y antropología aplicada: por qué y cómo ensamblarlas La articulación entre antropología visual y aplicada constituye un área de indagación cientíica. De esta articulación podemos hablar en términos de una antropología visual aplicada. Pink (2006) sugiere que la deinición de antropología visual aplicada diiere de la académica en razón de que la primera está orientada hacia la resolución de problemas, apunta a crear intervenciones sociales conducidas por la investigación en experiencia humana y está al servicio del “cliente” o “usuario” antes que inspirada en cuestiones teóricas, sustanciales o metodológicas vinculadas a la práctica académica. Acuerdo en casi toda esta caracterización ofrecida por Pink, pero enfatizaría que la antropología visual aplicada está no solo inspirada, sino también sustentada en el corpus epistemológico y metodológico de la disciplina antropológica gestado en la academia. 216] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA La antropología visual no se considera aquí una mera técnica incrustada en un proyecto de antropología aplicada, sino que la antropología visual aplicada debe concebirse como un campo autónomo de producción de conocimiento, con un estatuto epistemológico propio (constituido por conceptos y categorías provenientes de ambas disciplinas en articulación) y, naturalmente, con marcos metodológicos sustentados en esa epistemología especíica. Asimismo, los contextos ontológicos de aplicación de la imagen condicionarán la manera de construir conocimiento antropológico abrevando en ambas fuentes disciplinarias. En otras palabras, no se trata de un proyecto de antropología visual que aporte recomendaciones aisladas en contextos de aplicación. Como ejemplo, podría mencionar mi propio trabajo de campo en una zona de Buenos Aires – la llamada “Villa 21”, en el barrio de Barracas –. Algunas de mis fotografías, tomadas en el marco de un trabajo etnográico visual, fueron solicitadas por residentes locales para elevar denuncias relativas a la problemática de la “inseguridad” – delitos– en el barrio. Estas fotografías no estaban al servicio de un proyecto aplicado, sino que el registro atendía objetivos de investigación exploratorios y de relevamiento etnográico para mi trabajo académico exclusivamente. Es importante destacar que este trabajo se llevó a cabo y fue inalizado hace muchos años, en la década de los noventa y, por lo tanto, desconozco las circunstancias actuales en la zona. La antropología visual aplicada tampoco apunta a materializarse en acciones de antropología aplicada que recurran a la imagen con ines meramente ilustrativos. La propuesta es construir un dispositivo disciplinario que pueda atender los objetivos especíicos en el cruce de ambas subdisciplinas. ANTROPOLOGíA VISUAL APLICADA [217 Durante 2015, junto con un equipo interdisciplinario (formado por antropólogos, sociólogos, documentalistas, fotógrafos y gestores culturales), hemos desarrollado un proyecto de antropología visual aplicada entre randeras, artesanas textiles de la provincia de Tucumán, Argentina11. La iniciativa surgió del Ministerio de Cultura de la Nación, con el in de elaborar una propuesta para presentar ante la Organización para la Educación, la Ciencia y la Cultura de las Naciones Unidas (UNESCO) en el marco de la Convención para la Salvaguardia del Patrimonio Cultural Inmaterial (2003). Para este in, la organización internacional exige la presentación de un breve video que acompañe el texto de la candidatura con ines ilustrativos y descriptivos. La producción artesanal, los procesos involucrados y, por supuesto, las randeras y su contexto sociocultural han sido caracterizados de manera precisa y ostensible a través del recurso de la imagen. La narrativa visual permite aprehender de modo inteligible estos sujetos, productos y procesos a los eventuales evaluadores del proyecto, quienes, en razón de ser originarios de otros países, por lo general no se encuentran familiarizados con las realidades socioculturales de Argentina. El video que exige la organización transnacional dura sólo unos diez minutos. En tan escasa extensión, queda claro que no han podido incluirse a todas las artesanas de la comunidad La randa tucumana es una técnica artesanal que consiste en una malla tejida con una aguja coḿn y un palillo-guía de metal o de madera. El “palito” –como lo denominan las artesanas– sirve para regular el tamaño del ojo de la malla. La red se coloca bien tensa en un bastidor y se da comienzo al bordado o “labrado” sobre esa malla. Terminada la pieza, se la almidona para conferirle irmeza.Las randeras son las artesanas que producen piezas exquisitas a partir de esta técnica. La mayoría reside en la localidad tucumana de El Cercado, en el municipio de Monteros, a 53 km al sudoeste de la capital provincial. 11 218] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA (son más de cincuenta), ni toda su producción, ni todos sus relatos. Es por ello que fue necesario ampliar los registros para obtener un producto visual más abarcador, no ya para cubrir los requisitos establecidos por UNESCO, sino para materializar un registro imagético que reuniera el patrimonio cultural de las randeras de acuerdo con sus propios deseos y necesidades. El mismo registro audiovisual y fotográico producido en esta instancia del trabajo constituye un patrimonio audiovisual, ya que recoge historia, memoria, narrativas y descripciones visuales de los productos de las randeras. Este ejemplo ilustra cómo la antropología visual aplicada réne otros objetivos que trascienden los propósitos de la antropología aplicada y de la antropología visual por separado. la transferencia y recepción de las imágenes como medios de empoderamiento. Potencialidades y riesgos La fotografía y especialmente el video son idóneos para la transmisión de la experiencia de un grupo de personas hacia otro grupo. Las audiencias pueden empatizar de modo más directo e integral con los sujetos representados, ya que se activan la emoción, las sensaciones y otras dimensiones de la experiencia, como por ejemplo, los sentidos, cuando el medio es visual. Al observarlas en una imagen es posible capturar,desde la imaginación y la asociación evocativa con experiencias anteriores, cómo olerán una tortilla o una montaña de basura, cómo se sentirá al tacto una pieza de ébano. Es cierto que la lectura de un texto escrito también puede evocar esas sensaciones. Sin embargo, la naturaleza ANTROPOLOGíA VISUAL APLICADA [219 descriptiva de la imagen visual permite una asociación más inmediata, basada en la experiencia anterior del sujeto y en su memoria. Aunque, como advierte Pink (2006), puede correrse el riesgo de equiparar la experiencia personal con la ajena; posiblemente estemos sólo considerando nuestra propia experiencia cultural y biográica, sin tener en cuenta que existe siempre una parcela impenetrable de la experiencia ajena. Por lo tanto, es fundamental que el antropólogo visual aplicado esté permanentemente atento a que la representación que realiza sea signiicativa tanto para los sujetos representados como para las audiencias esperadas. Este podría ser uno de los desafíos más importantes en este campo de indagación y aplicación. Cuando la imagen resulta demasiado polisémica y abierta a las ḿltiples interpretaciones de los sujetos que la visualizan, quizás sea conveniente acompañar el ilm o la fotografía con un texto que ancle sentidos para esas imágenes (BARTHES, 1970; SONTAG, 1977). Igual que en el texto escrito, el ilm deberá ser inteligible para todos los universos de sentidos de los sujetos involucrados en la investigación. Por ejemplo, si se trata de un video realizado para transferir los resultados de una etnografía de consumo, las imágenes podrán ser “leídas” (decodiicadas) tanto por los sujetos representados como por los comitentes del trabajo etnográico (una agencia de publicidad, una empresa de productos, una consultora de marketing etc.). Hagamos un paréntesis para sustentar nuestra posición respecto de la existencia de una “antropología mercenaria”, para despejar dudas y confusiones. Caliicar un conjunto de acciones en antropología en general y antropología aplicada, en particular, como “antropología mercenaria” es una acusación delicada. Si adherimos a esta categoría, livianamente podría 220] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA tildarse de “antropólogos mercenarios” a Malinowski, por su prestación de servicios a la Corona Británica, a Margaret Mead, por sus trabajos sobre racionamiento de alimentos para el Departamento de Estado de Estados Unidos durante la Segunda Guerra Mundial, a Oscar Lewis y su “antropología de la pobreza”, por sustentar proyectos de intervención en Latinoamérica. Sin embargo, como ninguno de ellos trabajó para organizaciones corporativas en el marco del neoliberalismo, no se les endilga el mote de “antropólogos mercenarios”. En todo caso, probablemente podría ser caracterizado, sí, como antropólogo mercenario quien recibe un abultado sueldo por parte de un gobierno para llevar a cabo tareas de espionaje o ingeniería social en Afganistán o Irak, bajo la legitimación de una pseudodisciplina como la “antropología militar”. Recordemos el proyecto “Human Terrain System” (Sistema de Terreno Humano), que se ocupa de allanar el “terreno humano” para las intervenciones militares antes y después del ingreso en los países a invadir por parte de las tropas estadounidenses. Pero, insisto, al menos en nuestro medio académico local, falta debate al respecto. En Estados Unidos, desde hace años se están dando ḿltiples espacios para discutir estos puntos álgidos y centrales en las trayectorias de nuestra disciplina. Este tipo de acciones, por cierto, juegan en contra de la lucha por un reconocimiento social justo, cuando necesitamos imperiosamente abrirnos camino en nuestro mercado laboral12. He intentado, entonces, poner una clara frontera entre una supuesta “antropología mercenaria” y una antropología Para ampliar estos temas (desde un punto de vista a favor o en contra), ver, por ejemplo: King, 2009 o Price, 2011. 12 ANTROPOLOGíA VISUAL APLICADA [221 aplicada o de orientación ṕblica. Ahora, es necesario distinguir entre una intervención13 social “desde arriba hacia abajo” (por ejemplo, en el caso de un proyecto de etnografía de consumo, comisionado por una empresa, o una demanda de relocalización de una o varias poblaciones para la construcción de una represa o para un emprendimiento minero) y una intervención “desde abajo hacia arriba” (un proyecto de desarrollo, en el que la variable cultural sea tenida en consideración y, por lo tanto, los comitentes soliciten al antropólogo establecer un diálogo –no una mera “consulta”– con los potenciales beneiciarios, para conocer sus deseos, necesidades, expectativas y, especialmente, su conformidad o no con las acciones propuestas). En el primer caso, la investigación se orienta a satisfacer una obtención de lucro por parte de la empresa, mientras que el segundo cobra un carácter más participativo y al servicio de los sujetos (“informantes” y potenciales beneiciarios). Quizás no sea casual que los proyectos encomendados a antropólogos por agencias de publicidad o empresas dedicadas a la producción de artículos de consumo sean quienes soliciten como componente esencial de la comisión un video o serie El término “intervención” es en sí mismo problemático. “Intervenir” un objeto o sujeto connota cierto nivel de agresión y quizás violencia, cuando menos simbólica, ya que altera la condición original del ente en cuestión. Puede asimismo asociarse con acciones militares, intromisiones en asuntos ajenos, control sobre la ciudadanía (la igura del “interventor” en la dictadura militar), etc. En razón de que este concepto no fue todavía apropiadamente debatido hasta el momento en la escasa literatura existente sobre el tema, lo empleo provisoriamente, puesto que está instalado y no lleva a confusiones en la retórica sobre antropología aplicada. Pero soy consciente de la necesidad de revisarlo y reemplazarlo por una noción más adecuada en este contexto de relexión y producción de un corpus epistemológico sin isuras para el ejercicio de la antropología fuera del ámbito académico. 13 222] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA fotográica que acompañe al informe técnico que réne los resultados del proyecto y las esperadas recomendaciones. Un ejemplo de etnografía de consumo es la llevada a cabo por un/a antropólogo/a (no aparece en la imagen) para la empresa wendy, de comidas rápidas, en Estados Unidos14. No es habitual que las compañías que contratan antropólogos para este tipo de trabajo exhiban los resultados del mismo de manera ṕblica. Seǵn el testimonio de un colega dedicado a la etnografía de consumo en Argentina, las empresas no les permiten exhibir los videos porque una vez entregados como informe visual, no son ya propiedad del antropólogo. Esta es una gran diferencia con los productos de investigación de los antropólogos “académicos”, quienes no pierden el derecho sobre la autoría de sus trabajos gracias a la protección que les garantiza la academia. En otras palabras, los trabajos en el campo de la antropología visual aplicada corren el riesgo de devenir mercancías “independizadas” de sus productores. El antropólogo, al igual que cualquier trabajador asalariado, pierde todo derecho y control sobre el objeto de su trabajo, sobre la materialización de su propia subjetividad (alienación). En el proceso de transferencia de los resultados de la investigación visual aplicada, se da asimismo una ventaja notoria para el empoderamiento de los sujetos destinatarios de los proyectos aplicados. Dar a conocer las condiciones de vida y los aspectos culturales de los sectores supuestamente beneiciarios de las políticas, planes, proyectos de gestión en antropología aplicada a través de la difusión por el medio Si bien la divulgación de estos videos no es habitual por considerarse esta producción de imágenes propiedad de las empresas, puede visualizarse aquí el resultado del trabajo etnográico realizado para wendy <https://www.youtube. com/watch?v=qbDPUQYjXMg>. 14 ANTROPOLOGíA VISUAL APLICADA [223 visual incrementa sustancialmente su visibilidad y, por ende, el reconocimiento social del grupo y de sus necesidades, carencias y eventuales situaciones de vulnerabilidad y subordinación. El uso de video se implementa tanto en proyectos de desarrollo, de educación como en campañas de equipos de antropología forense para concienciación. Del mismo modo, nuestro proyecto de arte social y desarrollo – al que haré referencia enseguida – ha demostrado el potencial transformador del documental y de la icción para la intervención social. Ejemplos de estas posibilidades son La “Campaña de toma de muestra de ADN a los familiares de desaparecidos”, del Equipo de Antropología Forense de Peŕ15 o nuestro proyecto “Pescando sueños”, junto al artista plástico Alejandro Marmo llevado a cabo en Roque Saenz Peña, Chaco, durante 200716. Este corto muestra un taller de arte para niños en edad escolar de sectores rurales en Chaco, donde la etnografía visual jugó un rol clave para sensibilizar a maestros y funcionarios locales. Asimismo, la experiencia que articuló arte y antropología se replicó en Santo Domingo, Reṕblica Dominicana, en un taller con alumnos adolescentes de una escuela de oicios en sectores populares urbanos. No obstante, conviene plantear una advertencia. Así como se incrementa la visibilidad para el empoderamiento, también la imagen puede acrecentar los riesgos de dejar al descubierto puntos débiles o que pueden tornar más vulnerables a los grupos ya desfavorecidos al exponer estas condiciones en el dominio ṕblico. Por ejemplo, en el caso Puede visualizarse en: <https://www.youtube.com/watch?v=7_op0nwCtRk>. Este video sobre arte social y antropología se encuentra alojado aquí: <https://www.youtube.com/watch?v=sZ7jispT5yE>. 15 16 224] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA de sujetos farmacodependientes, el límite delicado entre lo que constituye o no delito –p or ausencia de marcos legales adecuados, debate ṕblico, escasa precisión jurídica en relación a estos asuntos, intereses políticos etc. – podría llevar a una riesgosa identiicación de los sujetos cuando sus imágenes son divulgadas. En estos casos, se superponen los dilemas éticos que sobrevuelan cualquier proyecto de antropología aplicada y de antropología visual. No entraremos a debatir este punto en particular, pero sí merece la pena plantear esta discusión en un trabajo dedicado exclusivamente a tan complejo pero poco abordado tópico: la ética en antropología, visual, aplicada, académica, es decir, en todas las manifestaciones de la praxis antropológica. En efecto, a este debate ni siquiera escapa una etnografía supuestamente neutral, “pura”, pretendidamente aséptica, producida dentro de la protectora burbuja académica. Recuperación de la visibilidad en la visualidad de la antropología aplicada. la divulgación y la salida de la burbuja académica El término “visibilidad” se escucha en el medio académico e incluso en los espacios políticos y mediáticos con gran asiduidad. ¿Por qué resulta tan importante hoy en día ser visible? Porque es el paso previo al reconocimiento. Visibles – porque históricamente se las relegó, ocultó, negó – buscan ser las minorías étnicas, sociales, de género. La visibilidad garantiza que aquéllos que se encuentran habilitados de hecho o de derecho para tomar decisiones sobre las condiciones de vida en general de esos grupos minoritarios los “vean” y en ANTROPOLOGíA VISUAL APLICADA [225 consecuencia, los tengan en cuenta. Incluso por presión social o política (porque el resto de la sociedad también “los ve”). La visibilidad hoy, además de su connotación referida a lo perceptivo, tiene también un sentido evidentemente político. La antropología, que podríamos caracterizar como una disciplina “minoritaria”– al interior de las instituciones académicas – necesita igualmente visibilidad. La defensa de grupos étnicos u otras minorías ante el avance de intereses privados o del Estado en disputas por tierras; la denuncia de acciones espurias en el marco de proyectos de economía extractiva; el avance violento de la medicina occidental sobre los saberes locales medicinales son situaciones en las que la intervención del antropólogo sería la más adecuada. Sin embargo, es muy probable que el comitente recurra a sociólogos, trabajadores sociales, politólogos o incluso economistas, ignorando que existen los antropólogos sociales o culturales. La antropología es án una disciplina asaz invisible en el contexto de la sociedad mayor, por fuera de la torre de maril académica (y hacia adentro de la torre, en muchas ocasiones también lo es). Es por ello que en la coyuntura actual en que las ciencias sociales aplicadas están encontrando un nicho y ofreciendo a los profesionales de la antropología nuevas oportunidades de inserción en un mercado laboral por fuera de la academia, nuestra ciencia no puede darse el lujo de permanecer en las sombras. En poco tiempo, los jóvenes graduados dejarán de estar en condiciones de ser absorbidos por el mercado académico, ya saturado y en el que impera una salvaje competencia por becas, subsidios, escasísimos puestos en las universidades. El “publica o perece” no será el mandato del futuro. “Insértate en el mercado de la ciencia aplicada o b́scate otra ocupación” 226] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA parece ser la disyuntiva a la que tendrán que enfrentarse los jóvenes profesionales. En este punto es que la visualidad representa para la antropología aplicada una suerte de salvoconducto, un reaseguro frente a ese riesgo de que los antropólogos permanezcan en las sombras, al tiempo que otras disciplinas siguen avanzando y gozando de mayor reconocimiento social. La primacía de lo visual es una marca de nuestra era: el lenguaje preeminentemente icónico del medio informático así lo revela. El espacio virtual es mediatizador por excelencia de nuestras vidas cotidianas, de nuestro acceso al conocimiento del mundo, de la constitución de nuestras subjetividades individuales y colectivas17, de nuestras redes sociales, tanto en sentido informático como ontológico. Las acciones en el ámbito virtual, inscriptas en y constitutivas de la incorrectamente llamada “vida real”, se valen del sustrato visual como base esencial para la producción, materialización y circulación de sentidos, que abarcan todos los ámbitos de la vida humana en el mundo contemporáneo y globalizado. Incluso aquellos pueblos con menor acceso a los beneicios de la virtualidad la demandan como un derecho no solo cultural, sino también político, ya que cualquier ciudadano tiene derecho a acceder a la materialidad y la operación simbólica de una computadora (García Canclini 2004). El sujeto que hoy queda por fuera de la virtualidad ve cercenados sus derechos sociales, culturales y aun políticos, y está negado a un disfrute justo de los beneicios y las ventajas materiales y simbólicas que traen aparejadas las (ya no tan) nuevas tecnologías. Es muy difícil pensar la visualidad por fuera de los procesos virtuales 17 Para ampliar este tema ver Moya y Vazquez 2010. ANTROPOLOGíA VISUAL APLICADA [227 del mundo contemporáneo. Por esa razón, enfatizamos la relevancia del medio virtual en este contexto de la aplicación de la antropología sobre el que estamos relexionando. Queda claro así que la visualidad es inherente a cualquier proceso cultural: permea todos los espacios y los vínculos de nuestra cotidianeidad. Incluso la imaginación, quizás la dimensión más abstracta de nuestros procesos vitales y cognitivos, apela permanentemente a las imágenes. Está muy bien producir y realizar ilmes etnográicos, con objetivos didácticos o para presentar resultados de investigación en reuniones cientíicas, festivales y muestras. Sin embargo, resulta imperioso echar mano del recurso audiovisual para que nuestra disciplina resulte más accesible a audiencias mayores y se sepa que abarca más que momias, piedras y aventureros arqueólogos en busca de fantásticas arcas perdidas. Cualquiera de nosotros puede haber sido interpelado como buscador de huesos, de dinosaurios (esto me ocurrió a mí) o de piedras antiguas. Entonces, la responsabilidad de superar este desconocimiento en lo que respecta a los alcances, potencialidades conceptuales y metodológicas recae sobre nuestra misma comunidad antropológica. Volvernos “visibles” es tarea en primer lugar del antropólogo.¿Cómo? A través de la visibilización de nuestra producción, en la forma de imágenes para exposición, de la divulgación en los medios, del uso permanente de las redes sociales y otros espacios en la red Internet. ¿Para qué? Volvernos “visibles” nos permitirá encontrar muchas más posibilidades de inserción profesional. 228] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA ¿Para qué “sirve” entonces este ensamblaje? Considerar la dimensión de la mediación visual (tecnológica) en la praxis de la antropología (aplicada) nos posibilita recuperar la capacidad transformadora y cuestionadora de la antropología en general y de la antropología visual en particular. Si ubicamos el análisis en una perspectiva dialéctica, podemos determinar que detrás de la experiencia transformadora de la antropología (ya sea en gestión, práctica profesional o académica, la docencia o la divulgación) habrá un marco cientíico de referencia que, a su vez, estará sustentado por una determinada ideología. Esta potencialidad es una de las características de nuestra disciplina que, gracias a las herramientas tecnológicas, está en condiciones de ampliar án más los alcances de esa acción transformadora. En síntesis, la visualidad en articulación con la gestión antropológica amplía sustancialmente la eicacia de las acciones a la hora de: • Presentar los resultados de la investigación y transferirlos a los empleadores; • Efectuar la devolución correspondiente a los informantes; • Denunciar situaciones irregulares o que están al servicio de intereses espurios; • Elicitar sentidos desde la imagen por parte de los informantes en casos en que la comunicación verbal o la interacción en general pueda ser compleja a causa de, por ejemplo, la distancia cultural; • Elaborar archivos para la gestión (por ejemplo, iestas populares, tradiciones, procesos artesanales en proyectos ANTROPOLOGíA VISUAL APLICADA [229 patrimoniales; reconstrucción de la memoria, proyectos ambientales etc.); • Investigar interacciones sociales y de diseño en ámbitos corporativos (el clásico ejemplo de la incorporación del botón verde en la fotocopiadora XEROX18); • Dar a conocer de manera más masiva la antropología social y cultural. Construir nuestra propia visibilización y propiciar coyunturas favorables para una inserción laboral más satisfactoria de antropólogos y antropólogas. Para inalizar y a la vista de todo lo expuesto, me atrevo a airmar de manera taxativa que hoy en día resulta casi imposible concebir un emprendimiento en antropología aplicada divorciado del recurso imagético (en formato analógico y, sobre todo, virtual). Bibliografía ARDèVOL, Elisenda. Por una antropología de la mirada: etnografía, representación y construcción de datos audiovisuales. Revista de Dialectología y Tradiciones Populares del CSIC, Madrid, v. LIII, n. 2, p. 217-240,1998. El famoso botón verde para sacar fotocopias fue resultado de una investigación llevada a cabo en 1979 por una antropóloga en el Centro de Investigación de Palo Alto de Xerox. La antropóloga estudió cómo los empleados usaban la fotocopiadora y descubrió que estas máquinas eran muy complejas y contaban con demasiadas operaciones que hacían difícil su manejo. La simplicidad era un factor importante. Entonces, actualmente todas las fotocopiadoras, sin importar su nivel de complejidad, cuentan con un botón verde, que garantiza sacar rápida y fácilmente una copia a cualquier persona. Para realizar esta investigación, la antropóloga recurrió al registro audiovisual para capturar el comportamiento de los empleados de Xerox frente a estas máquinas. 18 230] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA BABA, Marietta, HILL, Carole. what’s in the Name ‘Applied Anthropology’? An Encounter with Global Practice. In: HILL, Carole E.; BABA, Marietta (Ed.). NAPA Bulletin #25. washington, DC: American Anthropological Association, 2006. p. 176-207. BANKS, Marcus. 2010. Los datos visuales en investigación cualitativa. Madrid: Morata, 2010. BARTHES, Roland. La retórica de la imagen. In: ______.; BREMOND, Claude; TODOROV, Tzvetan; METZ, Christian. La Semiología. Buenos Aires: Tiempo Contemporáneo, 1970. p. 127-140. CAMPAñA de toma de muestra de ADN a los familiares de Desaparecidos. 3 set. 2012. [Vídeo]. (2 min 21 s). Disponible en: <https://www.youtube.com/watch?v=7_op0nwCtRk>. Acesso en: 8 june 2015. CLIFFORD, James. Routes: Travel and Translation in the Late Twentieth Century. Cambridge: London Harvard University Press, 1997. ERVIN, Alexander M. Applied Anthropology: Tools and Perspectives for Contemporary Practice. Boston, MA: Allyn and Bacon, 2000. HILL, James N. he Committee on Ethics: Past, Present and Future. In: CASSELL, Joan; JACOBS, Ellen (Ed.). Handbook on Ethical Issues in Anthropology. Arlington: American Anthropological Association, 1987. p. 11-19. ANTROPOLOGíA VISUAL APLICADA [231 GARCíA CANCLINI, Néstor. Diferentes, desiguales y desconectados. Mapas de la interculturalidad. Revista CIDOB d’Afers Internacionals, Barcelona, n. 66/67, p. 113-133, 2004. GARDNER, Katy; LEwIS, David. Anthropology, Development and the Postmodern Challenge. London: Pluto Press, 1996. GIMENEZ ROMERO, Carlos (Ed.). Antropología más allá de la academia. Aplicaciones, contribuciones prácticas e intervención social. Santiago de Compostela: Asociacion Galega de Antropología, 1999. GUBER, Rosana. El Salvaje Metropolitano. Buenos Aires: Paidós, 2004. HOw American’s Eat: an ethnographic segment. 16 set. 2007 [Vídeo]. (5 min 37 s). Disponible en: <https://www.youtube. com/watch?v=qbDPUQYjXMg>. Acesso en: 8 june 2015. KING, Christopher. Managing Ethical Conlict on a Human Terrain Tea. Anthropology News, v. 50, n. 6, p. 1-16, sep. 2009. LUCAS, George R. Military Anthropology. Morality and Professional Ethics. Stockdale Center: US Navy Academy, 2008. MALINOwSKI, Bronislaw. Practical Anthropology. Africa, v. 2, n. 1, p. 22-38, 1929. MEAD, Margaret. Visual Anthropology in a discipline of words. In: HOCKINGS, Paul (Ed.). Principles of Visual Anthropology. New York: Mouton de Gruyter, 1995. p. 3-10. 232] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA ______.; MÉTRAUX, Rhoda. he Study of Culture at a Distance. New York: Berghahn Books, 2000. MOYA, Marian. Políticas de Divulgación en Antropología. In: JABARDO, Mercedes; MONREAL, Pilar.; PALENZUELA, Pablo (Ed.). Antropología de orientación pública: visibilización y compromiso de la Antropología. Donostia: Ankulegi Antropologia Elkartea, 2008. p. 131-147. ______.; VÁZQUEZ, Jimena. De la Cultura a la Cibercultura: la mediatización tecnológica en la construcción de conocimiento y en las nuevas formas de sociabilidad. Cuadernos de Antropología Social, Buenos Aires, n. 31, p. 7596, 2010. NOLAN, Riall w. Anthropology in Practice: Building a Career Outside the Academy. Boulder, CO: Lynne Rienner Publishers, 2003. PESCANDO sueños – Talleres y Obra de Alejandro Marmo. 28 nov. 2013. [Vídeo]. (4 min 56 s). Disponible en: <https:// www.youtube.com/watch?v=sZ7jispT5yE>. Acesso en: 8 june 2015. PINK, Sarah. Visual engagement as social intervention. Applied Visual Anthropology. In: ______. he Future of Visual Anthropology: Engaging the Senses. New York: Routledge, 2006. p. 81-101. ______. Doing Visual Ethnography. London: Sage, 2010. ANTROPOLOGíA VISUAL APLICADA [233 PODOLEFSKY, Aaron; BROwN, Peter J.; SCOTT, Lacy (Ed.). Applying Anthropology: An Introductory Reader. Mountain View, CA: Mayield Publishing Co, 2004. PODOLEFSKY et al. 2009 PRICE, David H. Anthropologists as Spies – Collaboration occurred in the past, and there’s no professional bar to it today. he Nation. 20 nov. 2000. Disponible en: <http://www. thenation.com/article/anthropologists-spies#>. Acesso en: 8 june 2015. ______. Weaponizing Anthropology: Social Science in Service of the Militarized State. Oakland: CounterPunch Books, 2011. SONTAG, Susan. On Photography. New York: Picador, 1977. SRIVASTAVA, Arn. Essentials of Cultural Anthropology. Delhi: Rimhjin House, 2013. TIERNEY, Patrick. Darkness in El Dorado. New York: Norton, 2001. VAN wILLIGEN, John. Applied Anthropology: Introduction. Connecticut: Bergin & Garvey, 2002. 234] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA An CUlTURA, NARRATIVA E ESTéTICA DA PERIFERIA: O RAP DO PEqUENO PRÍNCIPE E A lUTA ENTRE O BEM E O MAl Renato Athias1 Preâmbulo Nas duas ́ltimas décadas, surgiu nas telas de cinema um “boom” da produção audiovisual da e sobre a periferia, criando outra dimensão sobre as narrativas, os discursos, os territórios, as imagens tanto em ilmes de icção como também em documentários. Desde então, a favela vem sendo tratada como o lugar representativo da exclusão na sociedade brasileira. Os sujeitos excluídos e marginalizados são representados nas imagens de territórios da periferia, como tema e cenário, que apontam os problemas sociais, econômicos, políticos e culturais, gerando um imenso material simbólico que impacta o imaginário coletivo. A periferia torna-se um lugar-conceito, Laboratório de Antropologia Visual da Universidade Federal de Pernambuco (LAV/UFPE). Uma versão anterior foi apresentada na II Reunião da Rede de Antropologia Audiovisual, em Foz do Iguaçu, no dia 17 de Novembro de 2014, com o seguinte título: Discutindo Estratégias Urbanas, Memória e Representação em produções Audiovisuais da Periferia. Agradeço os comentários de Alex Vailati, Jane Pinheiro, Bárbara Arisi e Aaron Bailey-Athias. 1 [235 e a noção de lugar ganha uma nova dimensão que não se baseia no senso comum quando vista pelas mais recentes correntes do pensamento geográico e antropológico, para além da noção de lugar e “não lugar”, como assinala Marc Augé (1984) quando discute os lugares e as relações sociais. As narrativas antropológicas têm um forte apelo à representação visual, e em geral o uso da fotograia se faz presente. De fato, o uso das ferramentas imagéticas esteve sempre presente entre os antropólogos que se incumbiram de fazer registros visuais das culturas “em vias de desaparecimento” e a realização de imagens icou sempre associada à necessidade dessa documentação sobre o “outro”. Atualmente, não se trata do simples registro ou ato de documentar, e sim de uma análise das realidades enfocadas que tem a imagem em movimento como parte importante desse processo de produção antropológica. Recentemente, com o enorme desenvolvimento das tecnologias digitais, a produção acadêmica antropológica, sem d́vida, vive momentos diferentes e uma relação bem maior com a imagem em movimento. Podemos airmar que a sociedade tem uma relação cada vez mais forte com a imagem que já faz parte do cotidiano das pessoas, aproximando-as de outras pessoas que vivem em outras partes do mundo, e, dessa forma, a troca de material imagético se faz em tempo real. Hoje, qualquer antropólogo pode ter acesso às tecnologias audiovisuais, ampliando o uso na sua produção acadêmica. Nesse sentido, o interesse em entender o “outro” não se limita mais apenas aos espaços de uma antropologia escrita, pois inclui, também, o crescente ńmero de festivais e mostras onde a imagem se torna central na produção sobre o “outro”. A própria imagem produzida é parte dessa análise. 236] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA O uso do termo periferia, de modo generalizado, teve início ainda nos anos 1990 e foi amplamente desenvolvido no âmbito das ciências sociais, desencadeando um fenômeno que se refere a uma cultura e a uma economia especíica. A oposição “morro/asfalto” também vem sendo enfatizada no sentido de mostrar uma distância cultural entre os moradores desses espaços urbanos diferenciados, falando-se, inclusive, de uma cultura própria de periferia, como premissa para projetos culturais nesses espaços. A partir dessa singularização da população da periferia, surgem tais projeto buscando enfatizar esses aspectos culturais. Caio Gonçalves Dias, falando sobre o projeto “Solos Culturais”2 no Rio de Janeiro, nas favelas do complexo do Alemão, assinala que: [...] era importante reconhecer certas práticas que ocorrem nas favelas do Rio de Janeiro como cultura. Primeiro a gente precisava identiicar essas práticas, depois precisava estudar alguns temas de produção cultural, para que fossem acopladas a projetos, ações e por aí vai. A nossa intenção era aliar esses dois lados, a dimensão da formação e pesquisa com a dimensão da produção e formação cultural. (NITAHARA, 2012, [s. p.]).3 O debate acadêmico nas ciências sociais sobre a marginalidade para explicar as especiicidades de uma população de periferia se inscreve na ideia da oposição entre a acumulação capitalista e a miséria. Em outras palavras, a contradição entre acumulação de capital e a existência de uma superpopulação Conferir informações sobre o Projeto Solos Culturais em: <http://www.solosculturais.org.br/o-que-e/>. 3 Ver a release da Agência Brasil, no site: <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-08-28/favelas-do-rio-debatem-e-mostram-propria-cultura-0>. 2 CULTURA, NARRATIVA E ESTÉTICA DA PERIFERIA [237 no sub́rbio. Os teóricos da marginalidade estão preocupados em caracterizar esta população crescente – principalmente na periferia – considerando suas consequências, como promoção da miséria e da exclusão social. Nesse sentido, esses teóricos propõem “novas categorias sociais” para caracterizar o ńmero crescente da população nas periferias que não é absorvida pelo setor econômico hegemônico (NUN, 1969). Assim, essas abordagens sobre a periferia acontecem em um debate onde se articula a “teoria da marginalidade social” (QUIJANO, 1978), com uma noção de “cultura da periferia”, o que, na realidade, seria a representação da pobreza dando lugar, também, a um discurso que relete a ideia do “bem” e do “mal”... Ou, ainda, os lugares onde está o “bem” e o lugar do “mal”. Em diversas abordagens interpretativas da situação social, encontramos a noção de “cenário multicultural” relacionada a esses espaços, como a base para uma interpretação sobre os diferentes modos de interação social, recorrentes nas narrativas imagéticas sobre a periferia, o que acaba possibilitando uma compreensão do espaço urbano e, ainda, a capacidade de olhar o “diferente”, sobretudo, em processos de signiicação provocados a partir das linguagens midiáticas. Nesse contexto, salientamos que a periferia convive com uma produção audiovisual, consumida tanto pelos moradores do sub́rbio quanto pelas pessoas da “não periferia”. Então, esse lugar de produção de uma estética própria passa a ser um “lugar-conceito” devido à produção própria de uma imagem trabalhada pela mídia que produz narrativas com signiicados criados a partir de pessoas de outros lugares. É uma “periferia midiatizada”, visualizada pelas telas da televisão e do cinema e de outros espaços (festivais, mostras, cineclubes), cujos personagens e estética contidos nessas “narrativas imagéticas” 238] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA tomam um lugar com bastante foco (MIZRAHI, 2010, p. 40) com uma lógica, uma poética e uma visualidade própria, por meio das quais os moradores atuam com uma estética especíica deinindo lugar. Este texto discute as narrativas e as estéticas da periferia através do ilme O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas (2000), de Paulo Caldas e Marcelo Luna4, buscando compreender aspectos imagéticos da construção das narrativas presentes na produção antropológica da, sobre e com a periferia em grandes centros urbanos do Brasil atual. Consideramos que esse ilme, em razão de uma separação tênue entre a realidade e a icção, acaba nos levando a rediscutir o maniqueísmo que se impregnou nas análises antropológicas e sociológicas sobre a periferia, e a discutir sobre uma heterogeneidade de situações que se cruzam e se interconectam, formando, assim, uma nova percepção de espaço de periferia, relatada na ḿsica e retratada pelas letras das ḿsicas de bandas da periferia. Forma-se, então, um todo justaposto e simultâneo que dá lugar a uma nova percepção e adesão de novas estratégias utilizadas na periferia para mostrar uma identidade sob o olhar discriminador da sociedade “do asfalto”. A construção da narrativa imagética – do Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas – aproxima o que a autora Minh-a. (1990) assinala fortemente sobre a representação da realidade (da autenticidade) em ilmes, e que tais narrativas deveriam fugir da tradição do fazer de documentários. Em outras palavras, ilmes que mostram situações verdadeiras deveriam fugir de um “regime de poder”, ou como ela airma: O ilme “O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas” (PE), distribuído pela Rio Filmes, em 2000, recebeu o prêmio GNT de renovação de linguagem na competição brasileira (j́ri oicial) do festival de documentário “É Tudo Verdade” em 2000. 4 CULTURA, NARRATIVA E ESTÉTICA DA PERIFERIA [239 [...] a verdade encontra-se entre todos os regimes de verdade. A questionar a imagem de uma narrativa factual do documentário como um desenrolar contínuo, não signiica necessariamente defender a descontinuidade; e o signiicado não conduz necessariamente à sua mera negação. Verdade, mesmo quando “se pega andando”, não produz por si mesma quer em nomes ou em frames cinematográicos; e signiicados devem ser impedidos de chegar ao fechamento, em uma ou outra, que é dito ou o que é mostrado. (p. 2, tradução livre)5. Nessa perspectiva, a cultura e as narrativas produzidas sobre a periferia e que são veiculadas pela mídia transformam-se em uma força dominante de socialização em todas as camadas sociais. Portanto, observamos que a violência exibida nos ilmes sobre a periferia, com ares cinematográicos, pode dar lugar a uma exaltação à violência ou um novo olhar à criminalidade. Alguns autores, no campo da comunicação social, já comentaram sobre isso anteriormente, por exemplo, Ivana Bentes (2003) e Jean-Claude Bernardet (2003), pois a representação da miséria e da favela na linguagem do entretenimento cria certas imagens-clichê e publicitárias que reairmam o que é frequentemente exposto na grande mídia todos os dias. Antropologia e Imagem O olhar da câmera ilmográica pode ixar muitos elementos sobre outros hábitos, costumes, valores e comportamentos, “On the other, truth lies in between all regimes of truth. To question the image of a historicist account of documentary as a continuous unfolding does not necessarily mean championing discontinuity; and to resist meaning does not necessarily lead to its mere denial. Truth, even when “caught on the run,” does not yield it self either in names or in ilmic frames; and meaning should be prevented from coming to closure at either what is said or what is shown”. 5 240] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA tornando esse patrimônio intangível materializado nos rolos dos ilmes e nos bancos de imagem institucionalizados. E esse fato precisa ser, também, considerado. Bateson e Mead (1942), assim como outros antropólogos, já advertiram sobre as possibilidades do uso das imagens na produção cientíica sobre os outros. Esses autores já utilizaram técnicas de montagem para articular diversas imagens e realizar suas análises antropológicas, criando narrativas imagéticas para apoiar as suas interpretações. Esse procedimento metodológico está sendo aplicado por muitos antropólogos nas suas produções acadêmicas e, atualmente, incorporado à construção do saber cientíico. Estamos nos referindo ao livro “Balinese Character. A Photographic Analysis”, que foi publicado no ano de 1942 pela Academia de Ciências de Nova York na comemoração dos 125 anos de Gregory Bateson. Os autores desse livro, Bateson e Mead (1942, p. 49), objetivando explorar uma possibilidade de análise antropológica sobre identidade na cultura e comportamentos de balineses através do verbal e do visual, assinalam: [...] tentamos usar as câmeras de ilmar e fotografar para registrar o comportamento balinês, e isso é uma coisa completamente diferente da preparação de um documentário fílmico ou fotográico. Tentamos ilmar o que acontecia normal e espontaneamente, ao invés de decidir a respeito das normas e depois conseguir que os balineses adotassem esse comportamento de forma apropriada. Não se tratava de realizar uma obra ilmográica e sim utilizar a câmera como um procedimento metodológico para entender a dinâmica da relação entre os pesquisadores e os CULTURA, NARRATIVA E ESTÉTICA DA PERIFERIA [241 pesquisados, buscando interferir o menos possível, conforme explicaram Bateson e Mead (1942). Segundo Peixoto, essa metodologia depois foi introduzida amplamente nas produções fílmicas de Jean Rouch e de outros antropólogos; ainal, a própria imagem é a produção do texto antropológico analítico sobre interpretações do “outro”. Aliás, eles não foram os primeiros a utilizarem as imagens no processo de produção textual antropológica. Os clássicos – como Franz Boas, Bronislaw Malinowski, Evans Pritchard, Ruth Benedict – utilizam a imagem em suas obras, mas essas imagens tinham um objetivo muito mais ilustrativo que analítico. Porém, Mead e Bateson (casal) viram nas imagem um imenso potencial para a análise antropológica e as incorporam de fato em seus textos. “Esse procedimento de deixar os fatos desilarem naturalmente e espontaneamente” (BEATTY; ULEwICZ, 2001)6 compreende a parte integrante da dinâmica da relação entre observador e observado. “Com uma câmera na mão, busca-se interferir o menos possível, tentando minimizar a presença invasora: o objetivo era evitar uma mise-en-scène cinematográica muito exacerbada” (PEIXOTO, 1995, p. 92). A utilização de imagens em textos antropológicos não seria apenas documentar fenômenos culturais, pois a cultura está em processo de transformação, mas sim dar a possibilidade de uma análise e mais peso às interpretações, “sem ixar” os aspectos culturais de um tempo e sim o desenvolvimento das possibilidades de interpretação que a imagem permite ao pesquisador. No livro “he power of video technology in international comparative research in education”, Emilie de Brigard assinala que foi uma preparação diferente em “Balinese Character. A Photographic Analysis”, visto que as imagens foram feitas de forma espontânea e somente depois foram utilizadas de forma a criar uma narrativa. 6 242] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Discutir as representações sobre a periferia e as narrativas produzidas partir do Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas nos permite inferir que as observações sobre esse lugar excluído do centro, onde várias situações factuais são apresentadas como resultado da pesquisa de campo. Estas situações tornam-se tornam parte de uma interpretação pertinente sobre os diálogos produzidos, e a uma enorme contribuição à construção de análises atuais sobre a periferia, mais amplas e incorporando fontes discursivas. Portanto, representa um potencial muito grande ao processo da pesquisa no campo da antropologia visual, entrando em cena com os referenciais subjetivos individuais e coletivos, bem como com os elementos culturais e históricos presentes e implicados na análise sobre os sub́rbios. Os ilmes (documentários e/ou icção) podem ser laboratórios importantes de revelações signiicativas para uma análise de um fenômeno social. Uma sequência de imagens em um ilme pode ser pensada a partir de estruturas recorrentes, mostrando claramente os atores sociais e os fenômenos captados pelas câmeras, e a justaposição dessas imagens constituem-se narrativas importantes que darão diferentes possibilidade de interpretação. Uma “tomada” – que, em ́ltima instância, foi construída pela relação dos sujeitos ilmados, pela equipe de produtores de imagens, mediante a utilização dos equipamentos e a escolha da linguagem estética do ilme –, torna-se agora parte de uma percepção e de uma possibilidade de interpretação de um fenômeno social. E essa “tomada” no contexto de uma produção etnográica, antropológica, torna-se fundamental na construção da narrativa imagética em um processo rico de intersubjetividades e representações. CULTURA, NARRATIVA E ESTÉTICA DA PERIFERIA [243 Ao analisar o ilme Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas como uma experiência analítica do discurso da periferia e o entendimento mais profundo sobre as transformações sociais que estão em processo nos bairros e nas fronteiras delimitadas da periferia, torna-se possível, certamente, romper com os paradigmas analíticos introduzidos pelas ciências sociais sobre as representações da periferia. Desse modo, é estimulada a discussão acerca dessa narrativa produzida nesse ilme de forma a capturar elementos desse “fenômeno social” dessas ́ltimas décadas, que apenas envolvem ilmes que se utilizam dessa sensibilidade em retratar as subjetividades nas diversas tomadas de um ilme (MINH-HA, 1990). Nesse caso, na realidade, seria necessário debatermos epistemologicamente as narrativas imagéticas capturadas pela estratégia da “relação empática” entre o campo, o antropólogo e seus “informantes”. Cultura, Violência e Periferia O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas nos apresenta outra perspectiva sobre os debates a respeito da estética e do discurso que aparecem nas narrativas sobre o “bem” e o “mal” nas narrativas e na estética da periferia, e traz a criminalidade das notícias dos jornais para o ṕblico de forma a ser problematizada pela audiência. Os personagens do referido ilme são, ao mesmo tempo e paradoxalmente, extremamente opostos e profundamente semelhantes, como imagens relexas de um espelho. Assim, a narrativa do ilme tenta explorar signiicativamente um contexto onde está presente a miséria e, sobretudo, a falta de perspectivas. A realidade apresentada aparece em outros ilmes que retratam os fenômenos sociais que acontecem nesse contexto, 244] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA visto que tais ilmes propõem um debate em torno da violência, nesses espaços da periferia. O cenário poderia ser visto em outros ilmes típicos, de um lado a presença singular do ḿsico do hip hop com as mesmas demandas de inclusão social existentes em outros contextos brasileiros, enquanto a violência convive com todas essas demandas. Nesse sentido, podemos os diversos projetos estéticos das periferias das capitais brasileiras, presente na estética e na poesia do Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas como um novo modelo de retratar a periferia. O argumento e a estrutura fílmica podem ser vistos, também, em outros ilmes, e não se apresentam de maneira complicada. Ao contrário, podem ser descritos bem simplesmente: dois amigos com origens pessoais e familiares, morando em um mesmo bairro pobre da periferia de Camaragibe, na Região metropolitana do Recife, mas que têm trajetórias distintas: Helinho, o justiceiro, é o matador de “Almas Sebosas”; Garnizé é baterista da banda de hip hop “Faces do Sub́rbio”. Percebemos, nessa estrutura sedimentada em um cenário, que colocam esse ilme como um “expoente” nos ilmes sobre a periferia, com um cenário de violência desenfreada, caos urbano, problemas de moradia e saneamento, e onde as pessoas procuram ter uma vida de cidadãos, buscando direitos em uma narrativa sobreposta pela intertextualidade – proposta por Stam (2005), entre outros autores que analisam a poética do protesto e a poética na política em documentários sociais. Os personagens cumprem os seus papéis do cotidiano. Garnizé é o porta-voz de um grupo, pois sua ḿsica representa as demandas e reivindicações dos moradores. As letras da ḿsica são feitas com os discursos da população de Camaragibe, ou CULTURA, NARRATIVA E ESTÉTICA DA PERIFERIA [245 seja, letras, ḿsicas e poesias que estão presentes na produção intelectual do mundo “marginal”. Ele é um artista reconhecido como tal no bairro, onde busca, por meio de sua arte, fazer aproximações com a cultura negra dessa periferia. Em outras palavras, o povo de terreiro aparece nas expressões artísticas usadas por Garnizé. É preciso lembrar que o rap é um dos gêneros mais signiicativos na atual produção musical em todas as esferas da sociedade, devido a ocupar um espaço importante no mercado da economia da produção musical. Mais do que um gênero, o rap pode ser visto como uma ideologia e ilosoia de vida de pessoas engajadas nas demandas sociais da periferia e de aspectos marginais da cultura dominante, presentes em todas as cidades na contemporaneidade. O ilme mostra essa relação quando coloca Mano Brown, ḿsico paulista, falando a mesma linguagem dos produtores musicais de Camaragibe. A problemática apresentada no ilme é a mesma, pois mostra esse aspecto em outros momentos com outros personagens. E essa consciência política está associada a uma retórica e a uma estética, mostrando, inclusive, referências a personagens internacionais conhecidos, como Malcolm X, Martin Luther King, Che Guevara etc. que aparecem no ilme, visto que mantêm uma relação particular com estes. Helinho é o personagem que representa a violência, presente no ilme e em todos os contextos urbanos. Uma violência que também é musicalizada no rap e nas produções musicais da periferia com uma característica especíica que diz respeito a uma ambiguidade entre uma possível solução e um “mal” a combater. O personagem de Helinho traz para cena as mesmas preocupações que os moradores da periferia manifestam com relação à situação de exclusão social. Essa violência 246] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA também parece ser a mesma de outros contextos urbanos e que está presente em outros ilmes; porém, em o Rap de Pequeno Príncipe, temos a participação do bairro em uma das cenas, quando aparece uma Kombi com um abaixo-assinado pedindo a saída de Helinho da prisão, mostrando um grupo signiicativo que a apoia a violência como parte de uma solução para os problemas da comunidade. A violência urbana é um tema que tem gerado uma enorme produção acadêmica nas ciências sociais, e talvez seja o caso de questionar essa produção centrada em uma ideia de violência urbana que merece uma maior análise. Coelho (1978), na sua importante contribuição a esse debate acadêmico sobre a violência relacionada com a situação de pobreza, fala sobre “o crime como reação às condições de pobreza” ou o “crime como estratégia de sobrevivência”; assim, em sua análise, todas as classes sociais praticariam o crime, porém aqueles crimes contabilizados nas estatísticas sociais seriam aqueles das “classes sociais menos favorecidas” e que seriam “amplamente criminalizadas” (p. 378). Outra possibilidade seria associar, como assinala Oliven (1982), a violência e a relação com as políticas de desenvolvimento mais amplas no caso do Brasil, dissociam-se de outras análises que enfatizam os detalhes de descrições de violência sem, no entanto, apontar elementos para uma solução. Algumas propostas, saídas podem ser encontradas nas letras de ḿsicas do repertório do hip hop e rap apontadas como possibilidades reais de mudança social criando expectativas e apoio de parcela da população envolvida. O Rap do Pequeno Príncipe, utilizando-se de uma câmera bem especíica, contrapõe as histórias vividas de Hélio e Garnizé e midiatizadas pelas ḿsicas e pelo apoio dos moradores; CULTURA, NARRATIVA E ESTÉTICA DA PERIFERIA [247 logo, rompe com as ideias do “bem” e do “mal” tal como as pessoas da periferia estão dizendo: nem tudo que é visto como “mal” é complemente mal. O abaixo-assinado representa uma parcela signiicativa de apoio ao justiceiro Helinho que viu que seu trabalho era eliminar estupradores, assaltantes e delinquentes da convivência dos moradores de seu bairro. Já a ḿsica de Garnizé aparece como porta-voz também dos moradores, com soluções e demandas concretas de inclusão social. As letras das ḿsicas são centrais para uma análise social das retóricas que a população faz sobre o “bem” e o “mal”. O protagonista, completamente vinculado à ḿsica, também torna o próprio ilme um musical da estética da periferia, a qual se movimenta em uma linguagem de depoimentos e videoclipes e constrói esse debate sobre o “bem” e o “mal”. A história não está posta de uma forma linear, talvez pelo fato do uso de videoclipes, o que torna o ilme fragmentado, mas prende a atenção da audiência por uma experiência sensorial oferecida pelos clipes musicais. Em várias cenas, Garnizé está tocando bateria ou outro instrumento musical, posicionando-se como artista local, mirando outra projeção de sua produção musical de sua banda “Faces do Sub́rbio”. Ademais, nota-se que a iluminação usada no ilme também procura colocar em evidência o artista. Assim, as produções sobre a periferia parecem ainda fortalecer a ideia de um maniqueísmo determinista, quase sempre presente nessas manifestações da periferia, sobre os sujeitos socialmente excluídos e seus contextos de moradia. Isso é percebível nos diversos produtos midiáticos, mostrando a classiicação dos personagens entre aqueles do “bem” e outros do “mal”, e transpondo para uma abordagem reducionista que deixa de tratar outros enquadramentos relacionados. Essa tensão entre o “bem” e o “mal”, entre o real e o simbólico se refere 248] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA exatamente a uma deinição e representação dos sujeitos da periferia, de grupos sociais a partir de seus lugares e, sobretudo, pelo modo como constroem as relação com a alteridade. Nesse sentido, o espaço social passa a ter uma importante relação nas sociedades contemporâneas. O espaço (o lugar) orienta as relações e ainda sugere certo ńmero de oposições que são sustentadas por instituições similares àquelas já amplamente debatidas, da esfera privada e esfera ṕblica, entre o familiar e o social, entre os espaços de lazer e o do trabalho. No Rap do Pequeno Príncipe, o plano do simbólico, além de buscar questionar como a marginalidade é representada nas imagens, pois sabemos que a materialização dessas representações também se dá a partir de enquadramentos, fotograia e montagem, mas, sobretudo, procura sustentar um discurso das oposições entre o morro e o asfalto, entre o “meu lugar” e o “lugar do outro”. São oposições que ainda permanecem em nosso imaginário que o ilme busca problematizar em sua narrativa sobre o “bem” e o “mal” em Cabaragibe, periferia da Grande Recife, e relativizar os discursos maniqueístas quando contrapõe, na narrativa, as posições concretas da população sobre essas questões, possibilitando que a audiência busque sua própria conclusão sobre o debate exposto no ilme. Referências AUGÉ, Marc. Não Lugares: Introdução da uma Antropologia da Supermodernidade. Campinas: Papirus,1984. CULTURA, NARRATIVA E ESTÉTICA DA PERIFERIA [249 BATESON, George; MEAD, Margaret. he Balinese Charactere. A Photograph Analyses. New York, US: New York Academy of Sciences, 1942. BEATTY, Alexandra; ULEwICZ, Monica. he power of video technology in international comparative research in education. washington, DC: National Academy Press, 2001. BENTES, Ivana. O copyright da miséria e os discursos sobre a exclusão. Lugar Comum, n. 17, p. 85-95, 2003. BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e Imagens do Povo. São Paulo: Cia da Letras, 2003. COELHO, Edmundo Campos. A criminalização da marginalidade e a marginalização da criminalidade. Revista de Administração Pública, v. 12, n. 2, p. 139-161, abr./jun.1978. MINH-HA, Trinh T. Documentary Is/Not a Name. he MIT Press, v. 52, p. 76-98, oct. 1990. Disponível em: <http://www. jstor.org/stable/778886>. Acesso em: 27 fev. 2015. MISSE, Michel. As ligações perigosas: Mercado informal ilegal, narcotráico e violência no Rio. Contemporaneidade e Educação, v. 1, p. 93-116, 1997. NITAHARA, Akemi. Favelas do Rio debatem e mostram a própria cultura. 28 ago. 2012. Agência Brasil. Disponível em: <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-08-28/favelas-do-rio-debatem-e-mostram-propria-cultura-0>. Acesso em: 7 jun. 2015. MIZRAHI, Mylene. A Estética Funk Carioca: criação e conectividade em Mr. Catra. 2010. 268 f. Tese (Doutorado em 250] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Antropologia Cultural) – Instituto de Filosoia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. NUN, José. Superoblación relativa, ejercito industrial de reserva y masa marginal. Revista Latinoamericana de Sociología, Santiago, v. 5, n. 2, p. 180-225, 1969. O RAP do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas. Direção: Paulo Caldas; Marcelo Luna. Produção: Raccord Produções Artísticas. Distribuição: Rio ilmes. Brasil, 2000 (75 min). OLIVEN, Ruben George. Chame o ladrão: as vítimas da violência no Brasil. In: BOSCHI, Renato Raul (Org.). Violência e cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1982. p. 21-28. PEIXOTO, Clarice E. Caleidoscópio de imagens: o uso das imagens e a sua contribuição à análise das relações sociais. In: FELDMAN-BIANCO, Bela; LEITE, Miriam L. Desaios da Imagem: fotograia, iconograia e vídeo nas ciências sociais. São Paulo: Papirus, 1995. p. 231-224. QUIJANO, Aníbal. Notas sobre o conceito de marginalidade social. In: PEREIRA, Luiz (Org.). Populações “marginais”. São Paulo: Duas Cidades, 1978. p. 11-72. SOLOS CULTURAIS. O que é?. Disponível em: <http:// www.solosculturais.org.br/o-que-e/>. Acesso em: 7 jun. 2015. STAM, Robert. Teoria do Cinema: a poética e a política do pós-modernismo. In: GUINSBURG, Jacó; BARBOSA, Ana Mae (Org.). O pós-modernismo. São Paulo: Perspectiva, 2005. p. 215-222. CULTURA, NARRATIVA E ESTÉTICA DA PERIFERIA [251 Foto 1 – Os herois Fonte: Fotograma do ilme Foto 2 – Helinho, o justiceiro Fonte: Fotograma do ilme 252] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Foto 3 – Garnizé, o ḿsico Fonte: Fotograma do ilme Foto 4 – A cidade Fonte: Fotograma do ilme CULTURA, NARRATIVA E ESTÉTICA DA PERIFERIA [253 Foto 5 – Os heróis Fonte: Fotograma do ilme Foto 6 – O Rap Fonte: Fotograma do ilme 254] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Foto 7 – O Bem e o Mal na mídia Fonte: Fotograma do ilme Foto 8 – O cartaz do ilme CULTURA, NARRATIVA E ESTÉTICA DA PERIFERIA [255 RiEn quE LES hEuRES E CoAL FACE: O DOCUMENTÁRIO SOBERANO DE AlBERTO CAVAlCANTI Marina Moros1 Não perca oportunidade de experimentar: o prestígio do documentário só foi conseguido pela experimentação. Sem experimentação o documentário perde seu valor. Sem experimentação, o documentário deixará de existir. Alberto Cavalcanti – Conselhos a jovens diretores. Bruxelas, 1936. Alberto Cavalcanti provavelmente seja mais conhecido no Brasil por sua falência na construção de um modelo de cinema “genuinamente” brasileiro durante seu contrato com a Vera Cruz, no início dos anos 1950. O projeto do est́dio cinematográico paulista consistia em aproveitar o conhecimento da técnica trazido da Europa por Cavalcanti na feitura de ilmes iccionais que revelassem a cultura brasileira e suplantassem a distribuição de ilmes norte-americanos no país. A questão, conforme escreve Laurent Desbois, em Les rêves Documentarista, doutora em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente, realiza pesquisa de pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas/UFSC. 1 [257 d’Icare em (2012), era como propor uma arte nacional a partir de um modelo importado. Os próprios est́dios – construídos em São Bernardo do Campo – reletiam um glamour notadamente distante da autenticidade nacionalista pretendida pelos produtores. Quando desembarcou novamente no Brasil, Cavalcanti já possuía uma consolidada carreira tendo passado pelo cinema da “avant-garde”, pelo documentário e pelo cinema de icção (CAVALCANTI, 1977). Sua entrada no cinema aconteceu em 1923, quando desenhou, com a colaboração de Fernand Léger, os cenários do ilme L’Inhumaine, de Marcel L’Herbier, para quem se tornou cenógrafo. Já sobre esse período, o historiador Georges Sadoul escreve: “[Cavalcanti] imprimiu um estilo novo às concepções de cenários dos est́dios, utilizando especialmente os plafonds” (SADOUL, 1979, p. 42). Cavalcanti, porém, não se rendeu à dependência; assim, em 1926, antecipou as sinfonias urbanas de walter Ruttman (Berlim: sinfonia de uma metrópole, 1927) e Dziga Vertov (O homem com a câmera de ilmar, 1929), quando realizou Rien que les heures , seu segundo ilme, que é, segundo Paulo Rotha (1998, p. 189), em “[...] a primeira tentativa de expressar criativamente uma cidade na tela”. A idéia [sic] era que os ilmes eram sempre sobre lugares distantes, sobre creṕsculos no Pacíico etc., e ninguém tinha idéia [sic] que a vida na cidade em que você mora era interessante. Isto icou claro em Rien que les heures. E, imediatamente, passou a ser visto como um documento social. É um sutil documento social, mas um documento social sobre a falta de trabalho, sobre a vida em lugares miseráveis. (CAVALCANTI, 1977, p. 247). 258] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Cavalcanti foi um dos primeiros a buscar o outro na ordem das coisas do dia, ruindo com a ideia de ir ao mais longínquo para investigar o mesmo. Elizabeth Sussex (1996, p. 116) escreve a respeito do ilme: Rien que les heures, o primeiro ilme que ousou mostrar a vida comum do dia a dia de uma cidade, merece um olhar com o olho do presente. Isso nos ajuda a desvendar a carreira de Cavalcanti como um todo: o approach dramático, a consciência social contrastando as vidas de ricos e pobres (não era, na realidade, a prerrogativa da escola de Grierson). Sua reputação sofreu uma negligência inicial porque seu impacto foi roubado pelo Berlin, de Ruttmann, realizado depois mas exibido antes na Inglaterra e na América. O cinema falado interrompeu a produção de Cavalcanti. Apesar de ligado estreitamente aos estetas da vanguarda francesa, ele não se colocou para o lado das teorias destes, calcadas em uma pureza do cinema que deve recorrer apenas ao jogo das imagens e para quem a entrada do som nos ilmes interromperia o processo de desenvolvimento daquela arte. E essa apologia da imagem ainda era profundamente inluenciada pelos primeiros teóricos do cinema, ainada com o “visualismo” (ARGEL, [s. d.], p. 11)2 de Louis Delluc, pois a impressão a revelar deve surgir apenas das harmonias visuais óticas. É preciso, então, procurar a emoção no sentido ótico puro. A imagem deveria lacerar o olhar unicamente através do jogo visual, sua própria potência. Conjunto de processos concernentes à escritura cinematográica que inspiram “estados de alma e realidades emocionais” através da imagem. Os elementos fundamentais dessa escritura são a luz, a cenograia, o ritmo (que deine a montagem) e a máscara (o ator)”. (ARGEL, [s. d.], p. 11). 2 RIEN QUE LES HEURES E COAL FACE [259 De fato, a voz se tornaria preponderante no cinema. É possível perceber, até os dias atuais, um acirrado debate sobre os usos do som no documentário: em princípio, a voz of – do narrador que tudo viu –; depois, a do especialista legitimador; e, mais tarde, com o som direto, a voz do “outro”. Cavalcanti (1977, p. 41) queria aproveitar-se, ao máximo, dessas novas possibilidades. Porém, não apenas a fala interessava a ele3, mas o uso constitutivo e conceitual do som. É, de certa maneira, o que pretende Bazin (1991), em sua defesa do realismo narrativo. O som seria, para Bazin, uma evolução natural da linguagem cinematográica em direção à sua verdadeira vocação ontológica: o realismo. O cineasta brasileiro percebia no som uma potência narrativa e de abertura à matéria do olhar tão grande quanto aquela da imagem, e é essa experiência que vai transformar a escola do documentário inglês. Sem condições para produzir ilmes com banda sonora e realizar suas pesquisas, Cavalcanti aceitou o contrato da Paramount para realizar versões sonoras em francês de 21 ilmes produzidos em Hollywood. Durante anos, ele pesquisou a técnica e se especializou em desenho de som. Indo “ao todo possível” desse conhecimento, o trabalho o entedia. Em uma viagem a Londres, Cavalcanti encontrou John Grierson – que icara impressionado com Rien que les heures, que havia assistido na London Film Society, em 1928 – e expôs a este o seu drama. Imediatamente, o documentarista inglês o convidou para juntar-se à sua equipe na GPO4 (Government Post Oice), “Nos primeiros tempos do cinema sonoro, não era o som, para os produtores, senão diálogo”. (CAVALCANTI, 1977, p. 41). 4 Cavalcanti foi um dos primeiros cineastas a perceber a revolução e as possibilidades do uso do som no cinema. Sua marca pode ser percebida em todos os ilmes clássicos da GPO. [he GPO Story. DVD: Panamint Cinema] 3 260] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA em Blackheath: “my boys no nothing about sound”. Assim, cabe destacar a seguinte passagem de Naissance du documentaire britannique, de Fariborz Fallah (2004, p. 316, grifos nossos): Avoir inviter Cavalcanti à adhérer au mouvement fut sans doute l’une des meilleures initiatives de Grierson car le cinéaste brésilien a apporté du sang neuf au mouvement. Figure importante de l’avant-garde française, Cavalcanti est allé à Londres avec un savoir-faire et un regard diférent. [...] Celui que les jeunes cinéastes-apprentis appelaient afectueusement “cave” a apporté la chaleur et une liberté d’esprit qui faisaient défaut à Grierson. Avec sa connaissance du ilm sonore, Cavalcanti donne un nouvel essor au documentaire britannique et tente de bouleverser des conditions de travail “semblables à celles de l’artisanat medieval”. [...] Malgré la diférence d’appréciation, Grierson aura la sagesse d’éviter un affrontement direct et laissera le champ libre au documentariste brésilien. Résultat: quelques œuvres mémorables comme Coal face (1935) qui présente des efets visuels très originaux. Il faut signaler que la poésie d’image dans ce ilm ne renvoie pas forcément à la conception “romantique” de Flaherty. [...] Aussi loin de Flaherty que de Grierson, le cinéma de Cavalcanti trouve ses racines dans les mouvements d’avant-garde et surréaliste des années Vingt en France. Sans lui, le documentaire britannique n’aurait probablement jamais pu atteindre la dimension et l’importance qu’il a acquises. Comment, par exemple, Night Mail, l’un des sommets du mouvement, pouvait-il voir le jour sans le concours de Cavalcanti? Conforme airma Guynn (1998), no artigo “Basil Wright’s Song of Ceylon” – por meio do qual analisa as inluências de Flaherty e Cavalcanti no documentário Song of Ceylon, dirigido por Basil wright (1934) –, o cineasta brasileiro RIEN QUE LES HEURES E COAL FACE [261 impactou o fazer documentário, principalmente quando introduziu na GPO uma outra relação entre imagem e som. As regras do ilme clássico, institucionalizadas até aquele momento, rejeitavam, por exemplo, a possibilidade de a faixa sonora guiar a montagem. One characteristic feature of innovative documentaries from the classic period, like Song of Ceylon, is the exploitation of the heterogeneity of the materials of expression. Continental theorists spoke of this in terms of counterpoint between image and sound. Grierson echoes the Europeans and, we suspect, lessons he learned from Cavalcanti: “he documentary ilm will do pioneer work for cinema if it emancipates the microfone from the studio and demonstrates at the cutting and re-recording benches how many more dramatic uses can be made of sound than the studios realize”. Indeed, once liberated from its subservience to the image, the sound track assumes a new independence and new positions of enunciation. (GUYNN, 1998, p. 93). Com uma obra centrada em um “todo-experiência”, ele elaborou e resolveu questões do fazer documentário (termo cunhado por Grierson e recusado por Cavalcanti, visto que este preferia chamar os ilmes de não icção de neorrealistas). Assim, Cavalcanti (1977, p. 41) fez a seguinte declaração: Tive uma conversa muito séria com Grierson sobre essa denominação documentário, porque eu insistia que deveria se chamar neo-realismo [sic]. O argumento de Grierson foi apenas rir e dizer: “Você é mesmo uma pessoa muito ingênua. Eu negocio com o Governo, e para eles a palavra “documentário” os impressiona como algo sério [...]”. Então, eu disse: “Sim, como alguma coisa empoeirada, alguma coisa entediante”. 262] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Apesar de certas diferenças de estilo, é o olhar em volta como objeto do documentário que aproxima Grierson e Cavalcanti; logo, segundo Grierson (1936, p. 97): We believe that the cinema’s capacity for getting around, for observing and selecting from life itself, can be exploited in a new and vital art form. he studio ilms largely ignore this possibility of opening up the screen on the real world. Grierson, assim como Vertov, acreditava no uso do cinema para educar o espectador, tornando-o consciente do funcionamento da sociedade, ideia que levou às ́ltimas consequências5 na GPO, mas principalmente na Film Center. Certamente, essa estética estava fundamentada por uma função social da arte contra o entretenimento do cinema de icção (NICHOLS, 2005). Eles defendiam o ilme non-iction como uma alternativa absoluta, um cinema com consciência, autêntico tanto para a nossa percepção cotidiana como para nossa situação social. Grierson acredita que o cinema documentário “[...] não se justiica pelo cinema, mas pela utilidade social; ele é apenas, em ́ltima instância, uma máquina de educar e convencer” (AUMONT, 2004, p. 109). O modo como Grierson pensava o documentário foi o principal motivo que o fez afastar-se da GPO ilms em 1937. Esse é um momento importante em que três diferentes “A construção de um sentimento de comunidade e identidade nacional girou em torno da coordenação da aspiração individual e das políticas e prioridades governamentais, por meio de uma forma documental despojada de suas ambições mais ousadas. John Grierson nos legou essa visão prototípica do documentário, que, manipulada com a inventividade e sensibilidade de um Alberto Cavalcanti, um Basil wright ou um Humphrey Jennings, podia ser um elemento de beleza, mas que, com frequência, tornou-se, nas mãos de mercenários inanciados pelo governo ou por empresas, um elemento de tedioso didatismo” (NICHOLS, 2005, p. 188). 5 RIEN QUE LES HEURES E COAL FACE [263 possibilidades promoviam a partilha do cinema documentário e, de certa forma, norteariam seu devir. Grierson, com o documentário educativo; Humprhey Jennings e o documentário realista: “real things played by real people” e Alberto Cavalcanti e a dramatização da realidade. Cavalcanti said, “Grierson little by little started creating the theory that they ‘documentaries’ should be put in a diferent, what he called non-theatrical circuit […] it was as silly as calling those ilms documentary, I say, if ilms are good, they should and could be shown anywhere […]there is no reason why they should be destined for only the parsons and for the church halls”. Cavalcanti believed that the documentary should become more integrated into feature ilm, so that the distinction between the two became less clear cut. (ROTHA, 1998, p. 189). watt, em entrevista para o documentário GPO Story, reairma que G: “Grierson queria fazer ilmes educativos, nós discordávamos da forma que a realidade deveria ter no cinema. Cavalcanti e eu queríamos fazer ilmes em que as pessoas quisessem pagar a entrada e gostassem do ilme. Queríamos fazer ilmes sobre a realidade, mas a realidade dramatizad”. (informação verbal). Sem limitar-se por leis ixas – antes as instituindo – Cavalcanti substitui Robert Flaherty, em 1937, no cargo de instrutor na GPO, formando boa parte dos documentaristas da novíssima escola inglesa, como Harry watt, Basil wright e Humphrey Jennings. watt, com quem trabalhou em Night Mail [1936], entre outros ilmes, diz que: “[...] a chegada de Cavalcanti na unidade de ilmes da GPO determinou uma mudança no documentário britânico” (SUSSEX, 1996, p. 115). 264] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA O inluxo de Cavalcanti é indiscutível – visto que até mesmo Grierson o legitima: “[...] se examinarem os ilmes provenientes do GPO, ilmes que tornaram a Inglaterra o país mais célebre no mundo da produção de ilmes documentários, sentirão a verdadeira presença de Alberto Cavalcanti” (GRIERSON, 1936, p. 254). Assim como importantes críticos e cineastas como Jay Leyda, Charles Ford, Henri Langlois, Elizabeth Sussex reclamam para ele o devido mérito, há, ainda hoje, uma exigência de releitura do movimento britânico sob o impulso de Cavalcanti. É sob sua inluência (e muitas vezes, direção) que são produzidos os principais ilmes do documentário britânico: he Song of Ceylon (1934), Night Mail (1936), Coal Face (1935) e, depois da saída de Grierson para o Film Center, Spare Time (1939), de Jennings, North Sea, de watt (1938) e o inovador First Days (1942), ilmado durante a guerra. Cavalcanti não apenas renomeou o documentário mas também levou, às ́ltimas consequências, um modo próprio da linguagem do cinema documental, e o próprio questionamento de sua existência/pertinência – experimentada na própria película – com os ilmes que realiza na GPO e na United Films fazem de seu período inglês um dos principais pontos que atravessam o debate da antropologia visual. Alberto Cavalcanti é aquele contemporâneo anacrônico do qual fala Agamben, atravessado por uma relação singular com seu próprio tempo, na aderência e distância tomada. É a recusa e o ponto. É o “preiro não”. A experiência de Cavalcanti pode ser compreendida a partir de certa política na produção de ilmes documentários que vai além da ideia de cinema como ferramenta do “mostrar” e “adestrar” (projeto de Grierson) mas que percebe a potência e a implicação da tekhné (como arte do fazer) e do aparato técnico naquilo que se RIEN QUE LES HEURES E COAL FACE [265 pretende dar a ver. E é justamente na partilha dessa operação da diferença que se dá o cinema de amateur de Cavalcanti. É uma obra que se abre soberanamente, apartadamente, ao gesto da experiência. Uma experiência que se realiza em si própria, que erra e que vagueia. Ligado a um pensamento próprio do cinema, Cavalcanti se propõe ao jogo, ao acidente, à queda. Realiza uma “obra-lucíola”. Porque é nessa brecha, cinzelada a ganas, que ele permite a sobrevivência dos vaga-lumes, de que fala Didi-Huberman (2001, p. 155) sobre a imagem que resiste, aquela do lampejo: “[...] vaga-lumes, quando se retiram na noite, buscam como podem sua liberdade de movimento, fogem dos projetores do reino, fazem o impossível para airmar seus desejos, emitir seus próprios lampejos e dirigi-los a outros”. Aqui aparece o sujeito da experiência, da vontade do impossível, que consente, que transige a falha, o tropeço. Rien que les heures é um ilme do rumor. A cidade política, impressionada (como dito no primeiro cartão: “isso não é uma história, é uma série de impressões”, mesmo tendo já ventado para fora do próprio impressionismo) por pedaços das margens – deinida por blocos nomeados é recolocada na métrica do tempo periférico, ou de outra lógica temporal, ainda que haja aqui uma cronologia. O que é esse ilme para mim que o vejo? Kracauer (1960), o coloca na ponta das sinfonias urbanas. Aitken, o compara a Buñuel e Clair. Em uma distinção dos diversos possíveis, Cavalcanti nos traz o reluxo do moderno, à exceção do próprio. “Apenas uma sucessão de imagens pode reconstituir a vida para nós”. Assim, porque é um ilme da experiência de dentro, do que escapa a esse novo estar. A urbe, o fragmento, o resto do burguês riscado em uma ironia canina. Com seus recortes da cidade, a ruína das coisas, 266] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA jornada transversal de “três ulisséias”, que quer impressionar o movimento. Não por acaso, vários críticos aproximam Rien que les heures de Coal Face (1935). Não apenas pela forma – que Aitken, chama de “realismo alto-modernista”, mas por uma reinvenção do documentário enquanto este estava, de fato, sendo inventado. Ao exemplo dado na película: o que se vê, primeiro, em Coal Face (1935) é um coral por trás de uma tela preta, em um crescendo que antecipa a orquestra. Não aquela em que sons e intervalos precedem uma grandiloquência, mas a que anuncia o rumor da imagem: gigantescos cabeçotes fotografados de baixo, em plano ixo. Então é a fala, em of, que faz levantar o propósito – ou antes, o instituído – do ilme: Coal mine is the basic industry of Britain. Sem que a ḿsica desça, a locução afere o acordo: há uma inalidade textual, mas há, acima desta, uma orientação de ritmo, dada pela banda sonora de onde partem as imagens. w. H. Auden faz a pontuação, os coros e Benjamin Britain, a ḿsica. Assim, o texto da locução é escandido, em uma medição que atende ao peso do dito: cabeçotes, rolamentos de marcha, correias de transporte, jatos de lavagem, estações de manobra, montes de escória. Da mesma maneira, as tomadas e a montagem, são quase soviéticas. Na segunda parte do ilme, separada por mapas, como em um interregno, a câmera penetra as minas. “Os cara de carvão descem da superfície”. O canto segue o ritmo das passadas dos carvoeiros. Ou antes, as passadas dos carvoeiros seguem o ritmo do canto, e este aumenta... E aumenta, e já é coro em cânone. Então, ele se sobrepõe e se torna claustrofóbico, assim como as imagens. As caras de carvão aparecem por poucos instantes, nos “intervalos da escuridade”, no espaço RIEN QUE LES HEURES E COAL FACE [267 antecipadamente estrito, apertado. Mas o que há que se deve ver no dentro de uma mina? O turno da noite. Assim, a picareta segue o tambor. O calor da caverna é sentido pela estridência. A luz a gás, a chama nua, o turno de sete horas, a ḿsica segue o tempo de uma engrenagem, em moto continuum. Mas há, então, a pausa: uma e meia da manhã – e os mineiros param para comer. A ḿsica de fundo é suave e ocorre o ́nico diálogo do ilme: duas frases entre dois mineiros, sem sincronia, já que eles, com a boca cheia, apenas comem, bebem e não se olham. Logo, tudo retorna ao que foi visto antes: a engrenagem, o coro, a picareta. Mais dados. Mais alto. Na sequência, quase escondida na vociferação, mostra-se, em um ilme patrocinado pelo governo, o que se passa no t́nel: em todo dia de trabalho, quatro mineiros são mortos e mais de quatrocentos e cinquenta são feridos. De pronto, o turno termina. À luz, é o hino novo da máquina que se refaz, obrigando, em um choque de claridade e ruído, que a pupila e todo o resto se contraiam. A imagem também empurra “para frente”, faz girar, grita, em um encadeamento veloz de planos. Faz permanecer, entretanto, a marca do fantasma. Dessa forma, é necessário “iccionalizar o tempo”, nos diria Jean Arlaud. É preciso expandir o documentário “além da poeira dele mesmo”, nos grita Cavalcanti. Referências AUMONT, Jacques. As teorias dos cineastas. Campinas: Papirus, 2004. ARGEL, Henri. Estética do cinema. São Paulo: Cultrix, [s. d.]. 268] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA BAZIN, André. O cinema: ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991. CAVALCANTI, Alberto. Filme e realidade. Rio de Janeiro: Artenova, 1977. DIDI-HUBERMAN, Georges. A sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. FALLAH, Fariborz. Naissance du documentaire britannique. Sociétés & Représentations, v. 2, n. 18, p. 309-320, 2004. GPO Story [DVD]. he GPO Story [DVD]. Len Lye; Lotte Reiniger (Dir.). Londres: Panamint Cinema, 1986, (126 min.). GRIERSON, John. Carta a Alberto Cavalcanti. In: CAVALCANTI, Alberto. Filme e Realidade. Rio de Janeiro: Livraria Martins, 1936. p. 254. ______. First Principles of Documentary. In: MACDONALD, Kevin and COUSINS, Mark. Imagining Reality: he Faber Book of Documentary. Londres: Faber & Faber, 1996. p. 97-102. GUYNN, william. Basil wright’s Song of Ceylon. In: GRANT, Barry; SLONIOwSKI, Jeannette (Ed.). Documenting the documentary – Close readings of documentary ilm and video. Detroit: wayne State University Press, 1998. p. 91-103. KRACAUER, Siegfried. heory of Film: the redemption of physical reality. Oxford: Oxford University Press, 1960). RIEN QUE LES HEURES E COAL FACE [269 NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2005. ROTHA, Paul. Afterthought. In: AITKEN, Ian (Ed.). he Documentary Film Movement: An Anthology. Berkeley: Edinburgh University Press, 1998. p. 189. SADOUL, Georges. Dicionário dos cineastas. Lisboa: Horizonte, 1979. SUSSEX, Elizabeth. he role of Alberto Cavalcanti. In: MACDONALD, Kevin; COUSINS, Mark. Imagining Reality: he Faber Book of Documentary. Londres: Faber & Faber, 1996. p. 116-117. 270] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA jEAN ARlAUD: ETNOGRAFÍA FÍlMICA CON El OTRO y lA éTICA DE lA RECIPROCIDAD1 Ana Luiza Carvalho da Rocha2 Cornelia Eckert3 El antropólogo-cineasta En 1978, Jean Arlaud defendió su tesis de doctorado bajo la dirección de Jean Rouch, de quien heredó el desafío de producir una obra de antropología audiovisual que tuviera como principio una interacción directa y compartida con los sujetos investigados, mediada por el uso de recursos “Trabajo presentado en la 27ª. Reunión Brasileña de Antropología, realizada entre los días 1 y 4 de agosto de 2010, en Belém, Pará, Brasil.”; Brasil Plural: Conhecimentos, Saberes Tradicionais e Direitos à Diversidade Belém agosto 2010 MR 01 Antropologia e imagens: diversas escolas, diversos estilos Fecha: 02/08, lunes, a las 14h Local: Auditorio 1 Coordinadora: Carmen Rial (UFSC). 2 Antropologa, professora na FEEVALE, atua no Programa de Pós Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordena, na mesma instituição, o Nucleo de Antropologia Visual (NAVISUAL) e o projeto Banco de Imagens e Efeitos Visuais (BIEV). 3 Antropologa, professora no Departamento de Antropologia e no Programa de Pós Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordena, na mesma instituição, o Nucleo de Antropologia Visual (NAVISUAL) e o projeto Banco de Imagens e Efeitos Visuais (BIEV). 1 [271 audiovisuales. Al crear el Laboratorio en la Universidad de Paris VII en 1992, Jean Arlaud declara en el acta de fundación el propósito de continuar su producción de conocimiento en términos de lo que Jean Rouch propone como una nueva forma de escritura y de investigación en las ciencias antropológicas. La coyuntura era rica en ese entonces en lo que atañe al desarrollo tecnológico de los recursos audiovisuales. Jean Arlaud promueve la investigación con el soporte fílmico (16mm, 32mm), fotográico y sonoro, seǵn sus especiicidades y, algunos años más tarde, sus cruzamientos con los recursos tecnológicos del vídeo usando la cámara digital en sus trabajos y orientaciones. Figura 1 – Jean Arlaud e Jean Rouch. Fonte: Fotograia de Luiz Eduardo Achutti. Festival de Manosque/França, 2000. En sus producciones fílmicas posteriores, Jean Arlaud prosigue con sus investigaciones sobre los postulados éticos y estéticos de la escuela del cine etnográico inaugurada por Jean 272] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA Rouch, proponiendo al campo de la antropología audiovisual nuevas formas de producción de narrativas etnográicas, en un esfuerzo por romper con sus antiguas estructuras lineales, impersonales y generalizadas en el tratamiento documental de los datos de la cultura estudiada. Figura 2 – Kamaringiro, Jean Arlaud. Fonte: Fotograma extraído do ilme Houla-Ko, ils du vent et du soleil, 1991. Desde la diversidad de experimentaciones del uso de la cámara y del grabador heredadas de Jean Rouch, Jean Arlaud perfecciona sobre todo el carácter interactivo y relexivo de la película etnográica, en la que los sujetos investigados asumen un protagonismo en la producción. Dentro de esta perspectiva, la narrativa fílmica no trata sobre alguien a priori sino que se desdobla en la medida en que el etnógrafo devela junto con sus colaboradores todo aquello que los designa, de forma singular, como seres sociales. En ese sentido, en la obra JEAN ARLAUD [273 de Jean Arlaud se amplían los fundamentos ético-morales de la antropología compartida con su maestro, en tanto su obra intensiica la máxima de la película etnográica que anuncia que los sujetos retratados al colocarse como narradores logran atravesar la espesura del ser que no son para zambullirse en aquello que les es propio (NICHOLS 1991 apud COLLEYN, 2009, p. 14). Figura 3 – Jean Arlaud. Fonte: Fotograia de Jacky Bouju Nyangatom, les fusils jaunes, 1978. La riqueza de la narrativa etnográica adoptada por Jean Arlaud en sus películas se nutre de la imagen fílmica. La construcción de la narrativa documental resulta de su capacidad de ir más allá de la visualidad y conduce la obra etnográica al corazón del campo de una poética imagética, donde la imaginación creadora es soberana. Acogiendo el carácter paradójico del cine y yendo más allá de su papel de 274] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA “espejo” del mundo, con Jean Arlaud la narrativa documental se airmará, igualmente, en el cuerpo de las motivaciones simbólicas del orden “humanista de la historia”, como “ventana” al mundo del patrimonio de la humanidad, ya que permite a aquellos que entran en contacto vivir autrement. Para tal nivel de caliicación de la práctica etnográica en los términos de una producción audiovisual, Jean Arlaud es un gran incentivador del aprendizaje de las artes cinematográicas y de su perfeccionamiento a través del diálogo entre la antropología y el cine. Con la inalidad de ampliar la dinámica de su propuesta de trabajo, aprovecha los avances técnicos de los soportes de captación sincrónica de sonidos e imágenes, así como el surgimiento del vídeo y sus lenguajes, y la dimensión social del conocimiento proveniente de las redes digitales y electrónicas. Su meta: la construcción de la práctica relacional de una antropología visual que privilegia la restitución de la palabra del otro y el retorno a ellos de sus imágenes, siempre en un proceso intimista de aproximación a sus subjetividades y utilizando la cámara como espacio de encuentro o confrontación con los dramas ordinarios de vidas humanas comunes. la aproximación con el Otro Al hacer una película, lo que le interesa a Jean Arlaud es captar en imágenes a los sujetos narradores en sus vidas cotidianas, como protagonistas de sus dramas sociales. Son personas comunes que están en evidencia, y es pensando en la restitución de las imágenes de sus vidas captadas y de sus alocuciones registradas que el proyecto fílmico ingresa en JEAN ARLAUD [275 el campo de la producción etnográica. Seǵn sus propias palabras, no es su intención hacer una película sobre personas, grupos sociales o comunidades, sino ilmar con ellos, colocando en alto relieve la vida de esas personas, sus trayectorias y proyectos, sus aspiraciones y frustraciones compartidas en el tiempo coḿn de la experiencia etnográica. Para el cineasta, el acto de ilmar se vuelve importante como condición para el evento dialógico con el otro, siendo la cámara el instrumento de mediación, coniguradora de una forma de asociación que interpela e interroga al propio etnógrafo en lo tocante a la singularidad de su cultura. Figura 4 – Kamaringiro e Jean Arlaud e Philippe Sénéchal. Fonte: Fotograia de Jacky Bouju Nyangatom, les fusils jaunes, 1978. La perspectiva de J. Arlaud es siempre el quehacer etnológico mediado por las lentes de la cámara que entretejen los lazos de reciprocidad con sus interlocutores. Por su parte, antes de iniciar un proyecto de investigación audiovisual, 276] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA su interés siempre fue convivir con sus colaboradores con el propósito de construir un entendimiento ordinario sobre formas de intercambios sociales hasta alcanzar el consentimiento real de una experiencia relexiva. Es solamente cuando se siente cómodo en relación con la existencia de una curiosidad recíproca de interrogarse sobre la vida, sobre la muerte, sobre la naturaleza, sobre los conlictos y tramas de las imágenes de sí, que el cineasta percibe el nacimiento de un contrato afectivo e intelectual, de un proyecto ético de investigación. El desplazamiento en el tiempo Figura 5 – Jean Arlaud. Fonte: Fotograma extraído do ilme O cinema é como uma dança, Biev, 2002. Los primeros trabajos cinematográicos de Jean Arlaud fueron realizados en lo que se denomina Francia profunda y provincial (Provence). Con una sólida formación en JEAN ARLAUD [277 etnología, el cineasta antropólogo encontró en la década de los setenta el lenguaje cinematográico como una forma de retorno y devolución de imágenes captadas en el proceso de la investigación etnográica e interpretación de los grupos sociales y de las culturas estudiadas. La intención etnográica inicial era zambullirse en un camino de regreso a los lugares de sus memorias infantiles, entender de forma relacional y con la ayuda de una ilmadora los rituales y los hábitos de comunidades que le eran familiares, develar las imágenes simbólicas que misteriosamente habitaban sus recuerdos. Entre otras, la película Je suis né dans la trufe fue una inmersión sensible en estas imágenes mentales de una infancia vivida. Por otro lado, la película Jours tranquilles en Lorraine nace del pedido de un colega antropólogo, Claude Karnooh. En ese momento de su trayectoria intelectual, la interfaz de la antropología y el cine se conirma para este aprendiz como la estrategia metodológica y epistemológica eicaz para captar las intrigas entretejidas en las relaciones cotidianas en el contexto urbano y del interior francés. Entender las estructuras de poder local y sus dimensiones morales, entretejiendo los sistemas de alianza y de parentesco, se planteaba para J. Arlaud como un problema de investigación que se valía del lenguaje cinematográico como espacio de surgimiento de la palabra del otro. Nuevamente se trataba de encontrar raro, lo familiar y de desplazarse en su propia cultura y ethos social, ejes de una relexión antropológica mediados por la excelencia de su dominio del lenguaje cinematográico. 278] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA El desplazamiento en el espacio: “el matador de imágenes” Figura 6 – Velhos Anciãos da tribo Nyangaton. Fonte: Fotograma extraído do ilme O Nyangatom, les fusils jaunes, 1978. Án en los años setenta, participando de un programa inanciado por el CNRS que le permitió hacer un retroceso mayor de su propia cultura, Jean Arlaud se sumerge en un proyecto fílmico en África. Entretanto, su película en Etiopía (Valle del Omo) quedó sin realizar durante el primer año de la investigación de campo. El proceso de inserción consistió en desarrollar cortos ejercicios de captación de imágenes como registros en un diario de campo. Pero esta estrategia de interacción le permitió no solamente una intimidad con el equipo de “extranjeros” que se habían ido allá, sino también que los nyangatom, grupo que se dedica a la actividad pastoril, aceptaran y se acostumbraran al instrumento de la cámara, evitando su presencia invasiva en sus rutinas. JEAN ARLAUD [279 Pasado un período de aprendizaje de los recursos básicos de la lengua nativa y el conocimiento de los sistemas de prácticas y valores de la cultura local, J. Arlaud intensiica el proceso de ilmación. En medio de los registros audiovisuales profundiza sus lazos de reciprocidad y complicidad con Kamaringiro, Cumatak y Lopathimwe, algunos de sus interlocutores privilegiados en el documental. Compartiendo con ellos su día a día de trabajo en la lucha por la supervivencia de sus formas de vida fundamentadas en la actividad pastoril, J. Arlaud penetra densamente en las relaciones de conlicto de los nyangatom con grupos vecinos a raíz del ganado por el dominio de los territorios de crianza. Figura 7 – Jean Arlaud e Philippe Sénéchal. Fonte: Fotograia de Jacky Bouju Nyangatom, les fusils jaunes, 1978. Al mismo tiempo, la experiencia de investigar y producir un documental en África transcurre en una coyuntura histórica incómoda. Se caracteriza como un proceso marcado por 280] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA situaciones políticas tensas, interesantes para un antropólogo siempre atento a la comprensión de los conlictos y juegos sociales complejos en cada cultura. En ese contexto, la película Nyangatom: les fusils jaunes es un aula de antropología sobre la lucha de un cuerpo colectivo para perdurar en el tiempo y perpetuarse. Al ver la película participamos del esfuerzo del cineasta antropólogo para presentar con los Nyangatom el carácter ́nico y singular de su cultura, en un proceso de distanciamiento de sí mismo que dialoga con el legado de sus maestros Marcel Mauss, Marcel Griaule y Leroi Gourhan. Participar del descubrimiento de la cultura guerrera de los fusils jaunes motivó fuertemente a J. Arlaud en la concepción del guión de una narrativa fílmica. El antropólogo-cineasta acostumbraba a airmar que su experiencia al lado de los Nyangatom le probó que en el trabajo de campo el etnógrafo es mucho más observado que lo que consigue observar. En su esfuerzo constante por comprender esta cultura, él se descubría encuadrado (así como su equipo de ilmación) en las estructuras clasiicatorias y organizacionales del grupo cultural. No le fue fácil reconocer cómo había sido clasiicado, pero la interpretación de los nativos le fue revelada: en el ámbito de una cultura guerrera, marcada por un habitus masculino, el hombre que cargaba aquel instrumento pesado en la conquista de una actividad igualmente enmarcada por el valor del trabajo viril, J. Arlaud se había vuelto, inalmente, “el matador de las imágenes”. La película en cuestión se revela así una escritura poética en la que Jean Arlaud expone también sus límites para traducir el “todo”. Para que no se convirtiera en un documental exhaustivo y totalizador sobre la cultura Nyangatom, optó por un guión ritmado por la cotidianeidad de sus interlocutores privilegiados en su densa emoción, mostrando su complejidad social a través de un ballet de cuerpos y gestos simbólicos. En JEAN ARLAUD [281 este procedimiento se destaca la enseñanza de Jean Rouch sobre las ilmaciones con planos secuencia para captar los acontecimientos aparentemente imprevistos, que consisten en performances de las estructuras imaginarias del grupo. Por otra parte, la vigilancia del investigador se pone en evidencia en la secuencia en que observamos los acontecimientos sucediéndose a través de la mirada atenta de la cámara que capta mágicamente instantes y situaciones que se constituyen para ella de forma ordinaria, sin previos avisos o esceniicaciones. En el plano de la narrativa etnográica, Jean Arlaud registra la intensidad del esfuerzo de perdurabilidad de esta cultura pastoril amenazada por el olvido generacional y por la disipación en el devenir que las políticas coloniales les imponen en su insistencia en borrar y/o “superar” sus vestigios y rastros del presente. Con los auspicios del padre del estructuralismo simbólico moderno Otra aventura etnográica que compone la trayectoria cinematográica de Jean Arlaud transcurrió en Venezuela, en el año de1983, al aceptar el reto propuesto por Claude LeviStrauss a Michel Perrin, antropólogo especialista en la cultura chamánica de los Guajiro, población residente entre Venezuela y Colombia. El desafío llega a las manos de Jean Arlaud: relatar con imágenes y a través de ellas los mitos y símbolos de la cultura Guajiro poniendo en evidencia a los guardianes de su memoria colectiva. Surge la película etnográica Les chemins des indiens morts, donde el antropólogo-cineasta presenta la narrativa mítica y la lógica guajiro en su día a día. En la película, el principal interlocutor de Michel Perrin, Isho, describe su mundo rutinario, compuesto de rituales y todo un complejo sistema de creencias. A través de su voz, 282] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA familiares, parientes, mitos asumen el lugar de protagonistas de la historia narrada. Relatos que celebran la época de origen muestran al espectador la duración en tiempo presente del sistema chamánico heredado de sus ancestros, en contrapunto con las formas de vida de sus actuales descendientes que abandonaron el pueblito de origen para vivir en Maracaibo, ciudad de los Alihouna (los blancos). A pesar de los esfuerzos por mantener los saberes y los quehaceres de sus ancestros, ellos son progresivamente incorporados a las formas de trabajo existentes en la localidad, generalmente en actividades socialmente desvalorizadas y viviendo en los barrios bajos. El tema del territorio-mito donde habitan los ancestros, repositorio de sus tradiciones, es el punto de partida para la realización de la película, centrada en el argumento de las tensiones entre continuidad/discontinuidad de la tradición Guahiro en el contexto de las grandes ciudades. Allí viven la disyuntiva de no poder enterrar a sus muertos de acuerdo con la tradición de la identidad Guahiro, y la necesidad de regresar a sus tierras para poder enterrarlos seǵn la tradición. El embate transcultural: Houla Ko o le ils du soleil e du vent Siguiendo por la senda inaugurada en Venezuela, Jean Arlaud se desplaza hacia Benín, África, donde se involucra en la realización de una película de rica envergadura para la comprensión de la complejidad simbólica de los órdenes culturales variados que están en juego en los emprendimientos desarrollistas europeos para ese continente. La investigación iniciada en 1989 (y inalizada en 1991), lo conduce hasta los Houla. Aborda el proceso de implantación de la técnica de JEAN ARLAUD [283 extracción de sal desarrollada por ellos en el sur de Francia y su reapropiación a través de los saberes y quehaceres locales de obtención de sal, en un esfuerzo por disminuir el proceso de deforestación intensivo de la región. El sistema tradicional se restringía a las mujeres, sobre todo las más ancianas, que hervían el agua del mar talando los montes para obtener la leña necesaria para la cocción, en contraste con la tecnología francesa, basada en el trabajo masculino. Figura 8 – Mulheres Houla Ko e a produção do sal. Fonte: Fotograma extraído do ilme Houla-Ko, Le ils du soleil et du vent, 1991. En una época en que los estudios transculturales, problematizados a la luz del nuevo énfasis interpretativo referente a la cosmología nativa y a la antropología periférica, apenas emergían como una nueva postura antropológica en el reconocimiento de los procesos desarticuladores del capitalismo mundial, la película hace el seguimiento de la instalación de un proyecto de desarrollo implantado bajo 284] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA los auspicios del Ministerio de Cooperación y el Ministerio de Agricultura y Pesca de Francia. Estos traen a Benín un técnico bretón en busca de un proyecto que transponga la producción de sal realizada en Bretaña (región de Guerande). Él se encuentra con un sistema local de producción que agota el ambiente natural. Pero el método alternativo de extracción de sal encuentra obstáculos en el proceso de aprendizaje que incorpora hombres a una actividad tradicionalmente realizada por las mujeres. Entretanto, será a los hombres a quienes enseñará la técnica que depende naturalmente del sol, del viento y de la marea que forman los azudes de sal. Figura 9 – Mensageiro dos Houla Ko, os ilhos do Vento. Fonte: Fotograma extraído do ilme Houla-Ko, Le ils du soleil et du vent, 1991. La película plantea el tema de la crisis ambiental y la desestructuración del saber local frente a la degradación forestal y la “ambientalización de los conlictos sociales” (LOPES, 2006, p. 31) en la costa de Benín. Explora los dilemas por los que pasan los Houla al recibir el conocimiento técnico extranjero como reestructurador de sus formas tradicionales de obtener la JEAN ARLAUD [285 sal (les servía de sustento a través de la venta en las ferias locales). Los conlictos éticos se presentan en la película a partir del registro de los desdoblamientos del encuentro entre los técnicos franceses, líderes locales y voluntarios del proceso de la nueva tecnología. A lo largo de todo el emprendimiento, el esfuerzo de los directores (Arlaud y Delbos) fue situar las asimetrías involucrando intercambios culturales y tomando como base el orden diferente de transposición de conocimiento: los saberes técnicos de los europeos y los saberes tradicionales locales. Figura 10 – Expectadores e mensageiro dos Houla Ko. Fonte: Fotograma extraído do ilme Houla-Ko, Le ils du soleil et du vent, 1991. En la película, la ética se releja en la forma como la cámara, operada por Jean Arlaud, se posiciona como parte de la situación de conlicto desencadenada por el diálogo que se establece entre los franceses y los Houla. Es decir que “el propio documental sigue los preceptos éticos de sus personajes, 286] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA señalando la presencia constante de un equipo de antropólogos detrás de las cámaras, con todo el cuidado de la relación entre ética y estética que es posible observar en otros documentales de Jean Arlaud y sus colaboradores” (DEVOS, 2006, p. 318). Se trata de una etnografía sobre las transformaciones culturales de una cultura simple en sus alicciones y desgarramientos. Aquí no estamos en guerra En el documental, la cámara y el micrófono siguen la rutina de los habitantes, no solamente actores, sino también autores de la experiencia narrada, ahora en formato de vídeo digital. Son dos las cámaras que ilman, Arlaud y Mercier, eventualmente creando una cobertura sobre los ambientes desde diversos puntos de observación y de escucha, dimensionados con riqueza de planos en la edición inal. En 1998, Jean Arlaud coloca nuevamente su mirada en el espacio familiar, sobre su propio barrio en la ciudad de Paris y produce Ici y’a pas la guerre, esta vez con la ayuda de una doctoranda bajo su dirección, Annie Mercier. Jean Arlaud no se coloca como un observador distanciado. Primero es la identidad narrativa del antropólogo, habitante del lugar, y su conocimiento de los meandros de una sociabilidad pluriétnica y multirracial que conduce la historia del documental. El cineasta se vuelve esta vez hacia su “pedazo” (pedas en provenzal) y territorio de pertenencia en Paris – La Goutte d’or – empeñado en restaurar el discurso de sus habitués, y se zambulle en la experiencia de las alteridades y sus formas de asociación. El quartier parisiense la Goutte d’or se presenta a través de la lente de sus cámaras no como un lugar de poder y autoridad, sino como un escenario de convivencia con las diferencias. JEAN ARLAUD [287 El argumento fílmico nace de una carta iccional escrita por Jean Arlaud a Kateb, un amigo escritor magrebí que supuestamente habría regresado a su lugar de origen en tierras del norte de África. La anécdota de la carta hilvana las diferentes trayectorias personales repletas de rupturas familiares constituidas por las sagas de las inmigraciones, por el sentimiento de nostalgia y por el esfuerzo de perdurar en la ciudad que paradójicamente los acoge en la exclusión y en el racismo. Figura 11 – Bar Olimpic, Mario, o siciliano. Fonte: Fotograma extraído do ilme Ici, y’a pas la guerre, 1998. La historia se desarrolla con los preparativos para las iestas de año nuevo en el barrio. El pasar del tiempo y las rutinas están ritmados por estos habitantes que se cruzan y, a esta altura del año, buscan reorganizar sus recuerdos de un exilio transformado en éxodo. Entrecortando los desplazamientos y los encuentros, la voz in of aparece y desaparece, entrelazando 288] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA las narrativas de ayer y las de hoy. El aquí y allá, lo distante y lo cercano se aproximan en la Goutte d’or; la desterritorialización del ayer se transigura en el enraizamiento a una comunidad pluriétnica que pertenece al mundo. En este documental, la cámara de los cineastasantropólogos interact́a con un paisaje que les resulta familiar, y todo el desafío reside en hacerlo conocido, siguiendo los momentos imprevisibles de su ritmo cotidiano. Ambos, Annie y Arlaud, son habitantes del barrio y comparten con ellos sus incertidumbres y dudas sobre el futuro de la región. Al in y al cabo, ¿en qué pedazo de Paris se localiza la Goutte d’or? La cámara nos lleva a un área urbana “sensible” del XVIIIe arrondissement, delimitada al este y al oeste por los barrios de Montmartre y la Chapelle, respectivamente. Como informa uno de los protagonistas de la historia, para muchos turistas el consejo es siempre evitar esa región, sus callejuelas y sus esquinas, como ocurre con la Goutte d’or. Los motivos para esa advertencia: la alquimia de sus orígenes (antes una región que atraía migrantes e inmigrantes de todos los rincones) que resultó, con el pasar del tiempo, un barrio pluriétnico, un paisaje peculiar donde se mezclan franceses, oriundos de la Francia profunda, descendientes de las ex-colonias del Magreb, del norte de África (argelinos, marroquíes, etc.) que hacia allí migraron, así como una creciente población originaria de las ex-colonias francesas del África ecuatorial y del África occidental. Este es hoy uno de los barrios más densamente poblados de Paris, donde predomina la convivencia de una población de orígenes étnicos variados, concentrando una población con trayectorias intramares, marcadas por rupturas, despedidas y sentimientos de nostalgia propios de grupos JEAN ARLAUD [289 con sagas inmigratorias. En el documental, las vidas de los habitantes del barrio y de los directores se entrelazan a partir del proceso de ilmación propiamente dicho. El montaje inal privilegia la observación participante y el diálogo en este barrio emblemático, donde las alteridades interact́an siempre en un fuerte diálogo con los juegos de memoria que diseñan lo urbano con lo vivido y lo “experienciado”. Figura 12 – Mario, o siciliano, e Ziz Ali, o cabilia, sociabilidades. Fonte: Fotograma extraído do ilme Ici, y’a pas la guerre, 1998. Adoptando el punto de visa del frecuentador de los bistrós, la cámara respetuosamente penetra en los universos ordinarios de los cabilas, los kurdos, los yugoeslavos, los martinicos, africanos y chinos que viven en el barrio. El paisaje sensible del lugar se apodera del espectador: la Goutte d’or se presenta pleno de colores y tonalidades, canciones, risas y ruido, de olores y de voces. Las historias de sus personajes van siendo entretejidas en una malla de sentidos y, siguiendo sus enunciaciones pedestres (DE CERTEAU, 290] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA 1984), el documental busca restablecer su punto de vista sobre la vida parisiense. Como se torna evidente, la Goutte d´or no pertenece ni a la Rive gauche ni a la Rive droite. Goutte d’or pertenece al territorio libre de Barbès, como sustenta el africano en el diálogo con su amigo árabe musulmán en una parte del documental: ¡aquí, no existe a guerra! La presencia del vitalismo de un querer vivir colectivo en el entorno de la Goutte d’or desafía la xenofobia que modula el ritmo de la vida cotidiana de algunos barrios de alta clase de la vida parisiense. La película etnográica y la observación luctuante de la vida sin calidad 4 Figura 13 – La Goute d’or, Hotel Select. Fonte: Fotograma extraído do ilme Ici, y’a pas la guerre, 1998. Expresión empleada por M. Mafesoli (1984), en la obra la Conquista La conquista del presente, cuando el autor se reiere a la investigación de las mińsculas creaciones que caracterizan la vida cotidiana, espacio privilegiado de la recreación del “si”. 4 JEAN ARLAUD [291 La aproximación de los antropólogos-cineastas a los residentes de la región de la Goutte d’ or resultó de un largo proceso de negociación e interlocución de los directores con los protagonistas de la historia narrada por el documental. El propósito era explorar el tiempo de larga duración en la aproximación a las personas y a los lugares ilmados, considerando que la negociación transcurría en presencia de una sociabilidad matricial, mediada por la cámara fotográica, en un esfuerzo de desconstrucción de la mirada inmediata y supericial del acontecimiento que se estaba etnograiando. Para Jean Arlaud se trataba de una fase de construcción de complicidad, de aceptación de esa aventura que se compartiría con los protagonistas de la historia que se iba a narrar. En ese momento, el uso del registro fotográico se vuelve fundamental para estudiar ángulos, distancias y encuadramientos para la elaboración del guión fílmico. Como decía Arlaud, se trataba no solamente del ajuste de los ángulos y de los movimientos de la cámara, sino de imaginar las escenas que se ilmarían, las relaciones que se suscitarían, sus regularidades, en presencia del equipo de antropólogos (ARLAUD; GUIGNERAYE, 2007, p. 104). A lo largo de las grabaciones, la cámara y el micrófono no se sit́an en el interior de los ḿltiples intercambios que transcurren en el barrio y así, como espectadores, formamos parte de los consentimientos, miradas cómplices y testimonios registrados por ambos. Los cuerpos de los cineastas-antropólogos y los cuerpos de la cámara y del micrófono discretamente nos introducen en las intimidades de estos espacios diminutos, apretados, llenos de humo y repletos de espejos. El entorno social de los bares y bistrós, al mismo tiempo escénico y dramático, los orienta a seguir de cerca algunas de 292] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA las enseñanzas de Jean Rouch sobre la elección del dispositivo técnico del gran angular. Una lente que permite que el cineasta recree en el plano del espacio fílmico, la complicidad de la audiencia con las guiñadas del Otro. Para Arlaud y Guigneraye (2007, p. 104), alcanzar esta potencia oculta de la sociabilidad de lo mińsculo entre el cineasta y sus personajes es una manera de alcanzar la intimidad del diálogo con el otro y, de la misma forma, un alejamiento de sí mismo Figura 14 – Mario, o siciliano, e Ziz Ali, o cabilia cantam. Fonte: Fotograma extraído do ilme Ici, y’a pas la guerre, 1998. En la edición inal vemos la recreación de estas “pequeñas escenas ordinarias” y sus sociabilidades interiores, registradas con el propósito de conducir a la audiencia hacia adentro del lirismo de las relaciones humanas que se hilvanan reorganizadamente en la Goutte d’or. El documental comienza con la cámara visitando el Bar Olympic. Su dueña act́a al JEAN ARLAUD [293 ritmo acelerado de in de año cocinando para sus clientes. Uno a uno los personajes se van revelando alrededor de un saludo, de un vaso de vino, de un chiste. La llegada del antiguo vecino e frecuentador Marcel es motivo de exclamación de la dueña del bistrot a la cámara: ¡mis clientes son un poco mi familia! A continuación, la cámara se desplaza por el barrio y encuentra la cámara en el Bar de Gittan, singularidad étnica simbolizada en la preparación de un lechón. Paquistán 40 grados Figura 15 – Oicina de artistas paquistaneses. Fonte: Fotograma extraído do ilme Touche pas le malang, 2002. En este inventario de las grandes obras de Jean Arlaud, citamos la película Touchez pas au Malang. También este emprendimiento etnográico y fílmico va al encuentro de amigos, pero en este caso que viven en Paquistán. La más reciente de sus películas describe una vivencia que ocurrió entre 2000 y 2001. Una vez más, Jean Arlaud y Annie Mercier construyen para sí mismos un desafío coḿn. El descubrimiento de los personajes del documental es 294] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA inicialmente estética, pues los camiones paquistaníes son verdaderas obras de arte para los ojos del turista occidental. Ahora se trata del mágico encantamiento del graismo de los artistas paquistaníes y de su trabajo de protección de los camiones que circulan por las carreteras de Paquistán. Somos conducidos al mundo cotidiano de los camioneros y de sus talleres-atelieres donde los camiones son cubiertos de pinturas multicolores, decorados y pintados para la protección de sus dueños. Figura 16 – A pintura de placas de caminhões. Fonte: Fotograma extraído do ilme Touche pas le malang, 2002. Para Jean Arlaud, el proyecto fílmico del documental Touchez pas au Malang nació una vez más desde una convivencia necesaria, prolongada, con los protagonistas de su película y el interés de ambos por compartir sus experiencias comunes. Y, nuevamente, presenciamos la entrada de la cámara y del micrófono a la vida ordinaria de una comunidad, JEAN ARLAUD [295 registrando en larga duración sus sociabilidades, sus sueños, sus diicultades y sus esperanzas, en un entorno internacional afectado por los acontecimientos del 11 de septiembre. Los escenarios de las grabaciones se desarrollan en patios donde conviven maestros y aprendices de la mecánica y la decoración, pero también en del honor y la idelidad a las tradiciones de su arte. La rutina de las grabaciones está esencialmente marcada por la presencia masculina frente a la cámara móvil, en la opción del guión de edición, forma que ambos cineastas-antropólogos adoptaron para situar la presencia ausente de la voz y de la igura femenina en los espacios que se etnografían, a excepción de la extraña presencia de Annie Mercier y de su cámara entre los camioneros. Figura 17 – A pintura dos caminhões. Fonte: Fotograma extraído do ilme Touche pas le malang, 2002. La obra encanta por la carga simbólica con que se registraron las imágenes que decoran los camiones paquistaníes. Un arte rico por su referencia a un imaginario cultural que mezcla elementos. Cada fragmento que conforma las colecciones de imágenes registradas por la cámara revela, por una parte, las elaboraciones complejas del imaginario de personas y grupos sociales abordados y, por otra, la fragilidad de nuestra mirada occidental para la comprensión del sistema 296] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA social en foco. Cercanas o distantes, se narran vidas captadas por encuadramientos variados, por travellings o close ups, por panorámicas o recortes. La magia es siempre la misma, la película construye imágenes del mundo, temporalidades vividas y memorias colectivas contadas por todos y con la irma de la humanidad. la ciudad laboratorio Desde Dziga Vertov se sabe que las metrópolis siempre fueron tratadas como escenario y personaje de la producción cinematográica documental. En particular, la narrativa fílmica de las tres primeras décadas del siglo XX, de forma más expresiva, se ocupará de las selvas urbanas, registrando las preocupaciones narcisistas de toda una época, tal como aparece en las obras de walter Ruttmann, Berlin, Symphonie d’une grande ville (1927), de André Sauvage, Études sur Paris (1929) o de Jean Vigo, A propôs de Nice (1930). En la obra fílmica de Jean Arlaud, la ciudad es ese lugar lleno de vida, de personajes, de historias, encuentros y esfuerzos de sus habitantes por ser y estar en la vida urbana, en sus diversas modulaciones. En la calle, en los bares, en los restaurantes, en las tiendas, el cineasta-antropólogo plantea asuntos a peatones y vendedores, a los frecuentadores habitués o al passant invitado al diálogo y a la interlocución que se desarrolla frente a la cámara que no es prisionera de este encuentro efímero, ya que investiga alrededor, se desplaza alrededor del diálogo, se mueve en imágenes en las narrativas. Es, en parte, en la tradición del cine directo que inalmente se pueden situar las ́ltimas épocas de la obra de Jean Arlaud, como modalidad de narrativa fílmica en la y de la ciudad moderno-contemporánea, bajo las inluencias de la antropología compartida de su maestro Jean Rouch. En el JEAN ARLAUD [297 diálogo entre el cine directo y el cine-transe, los documentales producidos por Jean Arlaud revelan, entretanto, algo especial. Son sus ainidades electivas las que entretejen las interacciones entre el cineasta-antropólogo y los personajes de sus películas, que fundamentan su cuidadoso esfuerzo en la b́squeda del mejor ángulo, de la mejor toma, del mejor punto de vista en el registro de los gestos, de las posturas, de los movimientos y de la alocución del Otro. Seǵn las palabras del cineastaantropólogo, no se puede registrar solamente con los ojos, tenemos que registrar guiados por el corazón, por nuestras emociones en función de los acontecimientos (con)partidos con el Otro. Los registros visuales y sonoros expresan, en el cine antropológico de Jean Arlaud, acontecimientos culturales complejos. Poseen una biografía y no se pueden descarnar de la situación etnográica de la que se originan. Jean Arlaud se revela, por consiguiente, como heredero de esa generación del documental francés de los años sesenta y setenta para la que la imagen documental apunta a dimensionar la complejidad de la ciudad moderna, y el cineasta prosigue con el ritmo-tiempo de las acomodaciones de las memorias y experiencias de sus habitantes. Producidas en el enfrentamiento del propio documentalista a través del fenómeno que registra, las imágenes documentales contemplan la aspereza de las crisis sociales que retratan. Tan áspera y cruda que se llega a pensar que se trata de cine iccional; con ella habitamos las casuchas de los inmigrantes en la lucha contra sus miserables condiciones de vida, las ilusiones de consumo de los estamentos medios, las culpas de las élites locales frente al avance de la pobreza. Es importante señalar que la escuela de la película etnográica inaugurada por Jean Rouch, la de la antropología compartida, no nació solamente en África, sino también en los documentales desarrollados por él en las ciudades africanas de Abijan, de Accra, etc., siempre colocando en cuestión las representaciones que nosotros, occidentales, les atribuimos a 298] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA las imágenes del otro, no occidental. En el diálogo diferencial “nosotros” y “ellos” es la cámara la que se coloca como principal protagonista, puesto que los acontecimientos que persigue no preexisten a su presencia. El documental Chronique d’un éte que Jean Rouch realiza con Edgar Morin, en 1960, es un punto alto de este estilo de película etnográica. En esta película que se realizó con la colaboración técnica de Michel Brault, del Oice du Film Canadien, la idea era testimoniar lo vivido como síntoma, vacío de signiicaciones. La película relanza cada uno de sus actores, “gente coḿn’’, hacia una nueva carrera, solamente por haber hecho de ellos, durante un tiempo, “estrellas de cine”. Para nosotros, Jean Arlaud hace, en la huella de estos aprendizajes, la mejor de las películas que el legado del cine de verdad nos enseña, perfeccionando algunas de sus premisas y creando su propio estilo de producción audiovisual. Para Jean Arlaud, el registro sonoro y visual no preexiste a las historias humanas por él captadas sino que es su verdadero vector primordial. Ella no produce simplemente conocimiento. Sin imponer el realismo del observado, lo hace a través de las formas de asociación y de la fuerza imaginal de los espacios por medio de las cuales la aventura fílmica ocurre. Figura 18 – Jean Arlaud e equipe, região das Missões/RS. Fonte: Fotograma extraído do ilme O cinema é como uma dança, Biev, 2002. JEAN ARLAUD [299 Para el cineasta-antropólogo son las personas expresadas en la multiplicidad de las iguras que coniguran el juego social, incluyéndose él mismo, las que se destacan como foco de su narrativa, y es pensando en la restitución de la compleja arquitectura de las experiencias cotidianas vividas por él con sus personajes que un proyecto fílmico tiene sentido. El humanismo irreductible del cine antropológico de Jean Arlaud se revela, así, tanto en la forma como en el compromiso y la reciprocidad de los intercambios simbólicos entre él Mismo y el Otro que despuntan como principios fundamentales de su práctica. Finalmente, nos gustaría destacar la evidencia de un proyecto amplio en la forma en que Jean Arlaud reinventa, à sa façon, el cine verdad de su maestro Jean Rouch. Al airmar que sus películas no son películas de personas sino con personas, Jean Arlaud destaca el entrecruzamiento de afectos y de acciones de lo que resulta la obra fílmica etnográica. En términos de G. Simmel, en el centro de su estilo de producción audiovisual está la suposición de que ella resulta de una “acción recíproca”, destacando de forma especial el proceso de construcción de un “coḿn de sentido” para el acto de registro documental, en un encuentro de intenciones y inalidades siempre indeterminados. Figura 19 – Jean Arlaud, Porto Alegre/RS. Fonte: Fotograma extraído do ilme O cinema é como uma dança, Biev, 2002. 300] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA El documental etnográico despunta como obra generada en el interior de las formas de vida social, de los juegos de orientaciones recíprocas entre el cineasta-antropólogo y sus colaboradores de aventura, así como de los microscópicos procesos interpretativos que subyacen. Aprendemos, con el maestro que, al registrar la banalidad de las formas de la vida ordinaria de los personajes de nuestras historias, estamos compartiendo con ellos los movimientos más profundos y esenciales de los sentidos que a ella se atribuyen. ¡En los primeros días de febrero del año de 2013, Jean Arlaud nos dejó! Pero las inluencias de su estilo documentalista y del saber antropológico que transmite para el proceso de producción de la película etnográica perduran en sus obras de cineasta-antropólogo y contińan afectándonos e involucrándonos. Referencias ANDRÉ-GEORGES Haudricourt, le passe-muraille. Dirección: Jean Arlaud. Producción: La Sept/Compagnon du Regard/CNRS audiovisuel. Formato original: Bétacam. Francia, 1987 (52 min). ARLAUD, Jean et al. Conversation sur les préoccupations scientiiques et les perspectives de recherche au sein du Laboratoire d’Anthropologie Visuelle et Sonore du Monde Contemporain. Horizontes antropológicos, Porto Alegre, v. 6, n. 13, p. 251-269, 2000. ARLAUD, Jean; GUIGNERAYE, Christine Louveau de. Anthropologia visuelle et sonore du Monde contemporain. In:______. Ethnologie française. Arret sur images Photographie et anthropologie. Paris: PUF, 2007. p. 101-106. JEAN ARLAUD [301 AVELAR, José Carlos. 2 ou 3 coisas sobre um verão em Paris. 6 jul. 1968. Disponível em: <http://www.escrevercinema.com/ chronique_dun_ete.htm>. Acesso em: 5 dez. 2015. COLLEYN, Jean Paul (Org.). Jean Rouch cinéma et anthropologie. Paris: Cahiers du Cinéma; INA, 2009. CHRONIQUE d’un été. Dirección: Jean Rouch; Edgar Morin. Elenco: Angelo, Régis Debray, Jacques. Distribución: Domaine cinema. Formato original: 16 mm. [Vídeo]. Francia, 1960 (90 min). Disponible en: <https://vimeo. com/54909410>. Acceso en: 6 junio 2014. DE CERTEAU, Michel. he Practice of Everyday Life. Berkeley: University of California Press, 1984. DE VERRE en vigne (Prix du Centre Nacional de la Cinématographie). Dirección: Jean Arlaud. Producción/Distribución: CNRS Images. Formato original: 16 mm. Francia, 1972 (27 min). DEVOS, Rafael. Houla Ko ou le ils du soleil et du vent. Horizontes Antropológicos, v. 12, n. 25, p. 316-319, 2006. DES YEUX plus grands que les oreilles. Dirección: Jean Arlaud. Producción: La Sept/Ministère de la Culture/JBA. Formato original: 16 mm. Francia, 1988 (33 min). ECKERT, Cornelia; ROCHA, Ana Luiza Carvalho da. Les enjeux des temps moderns: ville et cinema. In: BARBE, Noël; CHEVALIER, Sophie et al. (Org.). Filmer la ville. Besançon: Press Universitaires Franc-Comtoises, 2002. p. 71-84. ELIE Audemard, lecqueur Dirección: Jean Arlaud. Producción: Géocable, Azur Media, ACETA. Formato original: Bétacam. Francia, 1987 (45 min). 302] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA GEORGES Rouquier ou la belle ouvrage. Dirección: Philippe Haudiquet; Jean Arlaud. Producción: Ecran Sud, FR3/ Ministere de l’Agriculture. Formato original: 16 mm. Francia, 1994 (55 min). HOULA-KO, ils du soleil et du vent. Dirección: Jean Arlaud. Producción: La Sept/Ministère de la Culture/JBA. Formato original: 16 mm. Francia, 1991 (86 min). ICI, y’a pas la guerre. Dirección: Jean Arlaud. Producción: Les Compagnons du regard. Formato original: Betacam. Francia, 1998. (75 min). JE SUIS né dans la trufe Dirección: Jean Arlaud. Producción: CNRS AV (SERDDAV). Formato original: 16 mm. Francia, 1981 (26 min). JOURS tranquilles en Lorraine. Dirección: Jean Arlaud. Producción: CNRS AV, CFE. Distribución: CNRS Images; Difusion télévision française. Formato original: 16 mm. Francia, 1971 (45 min). LE CHEMIN des Indiens morts. Dirección: Jean Arlaud. Producción: CNRS, Min Afaires Etrangères, EHESS, College de Francia. Formato original: 16mm. Francia, 1983 (52 min). LES INVENTEURS de chants d’oiseaux Dirección: Jean Arlaud. Producción/Distribución: CNRS Images. Formato original: 16mm. Francia, 1974 (60 min). LOPES, José Sérgio Leite. Sobre processos de “ambientalização” dos conlitos e sobre dilemas da participação. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, n. 25, p. 31-64, jan./jun. 2006. JEAN ARLAUD [303 MAFFESOLI, Michel. A conquista do presente. Rio de Janeiro: Rocco, 1984. NYANGATOM: les fusils jaunes. Dirección: Jean Arlaud. Producción: CNRS AV (SERDDAV). Formato original: 16 mm. Francia, 1978 (90 min). PRODUIRE pour jeter (Prix du Centre Nacional de la Cinématographie. Dirección: Jean Arlaud. Producción: CNRS AV. Formato original: 16 mm. Francia, 1973 (21 min). ROBERT Mus ou le voyageur immobile. Dirección: Jean Arlaud. documentaire. Producción: FR3. Formato original: Bétacam. Francia, 1988 (26 min). SAINT-GENS, patron des iévreux et idèle intercesseur de la pluie et du beau temps. Dirección: Jean Arlaud. Producción: CNRS AV. Formato original: 16mm. Francia, 1970 (28 min). SIMMEL, Georg. Sociologia: estudios sobre las formas de socializacion. Buenos Aires: Espasa-Calpe, 1984. TOPENG à Madura Dirección: Jean Arlaud. Producción: Min. Afaires Etrangers/CNRS. Formato original: 16 mm. Francia, 1984 (30 min). TOUCHEZ pas au Malang. Dirección: Jean Arlaud. Producción: 5 Continents, Phanie, Images +, CNRS Images Média. Formato original: Bétacam. Francia, 2002 (97 min). 304] ANTROPOLOGIA AUDIOVISUAL NA PRÁTICA