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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE ESTUDOS CLÁSSICOS O CLÍMAX NAS ODES DE HORÁCIO: UMA ANÁLISE DINÂMICA Pedro Braga Falcão DOUTORAMENTO EM ESTUDOS LITERÁRIOS LITERATURA LATINA 2011 UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE ESTUDOS CLÁSSICOS O CLÍMAX NAS ODES DE HORÁCIO: UMA ANÁLISE DINÂMICA Pedro Braga Falcão Tese orientada pela Professora Doutora Maria Cristina de Castro‐Maia de Sousa Pimentel Apoio do Programa de Bolsas de Formação Avançada da Fundação para a Ciência e Tecnologia DOUTORAMENTO EM ESTUDOS LITERÁRIOS LITERATURA LATINA 2011 RESUMO A presente dissertação discute o conceito de clímax nas Odes de Horácio, definindo‐o e enquadrando‐o no âmbito de outras disciplinas, da Retórica aos Estudos Musicais. Na Primeira Parte parte‐se de um estudo completo da palavra κλῖμαξ e do seu equivalente latino gradatio no contexto da Retórica antiga e moderna, procurando depois aplicar o conceito nos seus diversos sentidos (clássico, moderno e contemporâneo) a díspares formas de expressão artística, como a tragédia grega (Electra de Sófocles), a ópera (Elektra de Richard Strauss), o romance (Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco) e a música instrumental (Prélude à L’Après‐midi d’un Faune de Claude Debussy). Feito este trabalho propedêutico, e partindo‐se de um poema de Mallarmé (L’Après‐midi d’un Faune), faz‐se a ponte para a Segunda Parte, sobre o fenómeno poético, centrado nas odes horacianas. São assim analisados diversos carmina sob este prisma específico, procurando investigar qual o clímax(ces) de uma determinada composição, e catalogando‐o(s) segundo a sua natureza. Para o fazer, ensaia‐se uma análise dinâmica da poesia, centrada no estudo e na aplicação de termos tais como o de crescendo e diminuendo, forte e piano, fundamentais para entender e estudar o desenho de uma κλῖμαξ poética, explorando de igual forma conceitos também importantes para um estudo deste carácter, tais como o de cronologia e o de agógica. O estudo pretende suprir a falta de uma reflexão de fundo sobre o clímax (no seu sentido contemporâneo) na poesia, apesar de muitos comentadores e estudiosos da obra de Horácio o referirem bastantes vezes nos seus textos. Definindo o termo e aplicando‐o sistematicamente, este tipo de análise obriga‐nos a pensar na forma como os elementos de um poema podem ser gradativamente dispostos até um ponto culminante, e a reflectir igualmente sobre os recursos poéticos usados por Horácio para o lograr. Palavras‐chave: Horácio, Clímax, Dinâmica, Crescendo, Retórica, Música, Literatura. ABSTRACT This dissertation examines the concept of climax in Horace’s Odes, defining it in the context of several disciplines, from Rhetoric to Music. The First Part begins with a thorough study of the word κλῖμαξ, and its Latin equivalent gradatio, within the framework of ancient and modern Rhetoric, then proceeding to apply it in its various meanings (classical, modern and contemporary) to distinct forms of artistic creation, such as Greek Tragedy (Sophocles’ Electra), Opera (Richard Strauss’ Elektra), Novel (Camilo Castelo Branco’s Amor de Perdição) and Instrumental Music (Claude Debussy’s Prélude à L’Après‐midi d’un Faune). This preliminary reading ends with the analysis of Mallarmé’s poem L’Après‐midi d’un Faune that leads the way to the Second Part of the thesis focused on the study of the poetical phenomenon, in particular Horace’s Odes. From this specific view‐point various carmina are analyzed, in an effort to find and categorize the climax or climaxes of individual compositions. This is achieved through a dynamical analysis of the Odes, bringing musical terms such as crescendo, diminuendo, forte and piano to the realm of poetry. This method allows not only to study the design of a poetical κλῖμαξ but also to explore key concepts in a reading of this nature, such as chronology and tempo variation. This study provides an in depth reflection on “climax” (in its contemporary sense) in poetry, an examination that has been missing, even though many scholars use the expression in their works on Horace’s Odes. This dissertation defines and systematically applies the concept “climax” for the first time to many of his compositions, paving the way for the study of how elements in a poem can be gradually arranged towards a climax and for a reflection on the poetic devices Horace uses to achieve it. Keywords: Horace, Climax, Dynamics, Crescendo, Rhetoric, Music, Literature. AGRADECIMENTOS Uma primeira palavra de gratidão sincera é devida à Professora Cristina Pimentel, pessoa que desde os meus primeiros passos na vida académica me acarinhou, motivou e ensinou com a paciência de uma mãe, e cujo zelo na orientação e revisão desta tese não poderia ter sido maior. Todas as palavras de agradecimento são poucas para alguém a quem tanto devo e que tanto admiro, pela sua inteligência, coragem, fé, força e amor incondicional à vida. Obrigado. Devo também agradecer a todos quantos me guiaram ao longo desta dissertação; ao Músico, Compositor, Mestre e amigo Eurico Carrapatoso, por ter sido meu professor e por me ter dado a inspiração para o tema desta dissertação, e igualmente pela paciência com que reviu a parte musical nela inclusa; ao meu Professor Rui Fabião, pelo carinho e cuidado que colocou na revisão da minha tradução de Mallarmé; ao Professor Carlo Santini, por me ter dado a conhecer a fértil história da palavra “clímax”, ainda no contexto da minha dissertação de mestrado; ao professor Frederico Lourenço pela sua preciosa ajuda e iluminadoras palavras em relação ao fenómeno poético clássico; ao Professor Pedro Serra, por me ter ensinado o gosto por Homero e pela tragédia grega, e igualmente pela alegria com que sempre me fala; ao Professor Peter Stilwell, Ex‐Director da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa e à Capela do Centro Comercial das Amoreiras, pela ajuda financeira que me concederam no último ano de escrita da tese. À minha mãe Ana Bela, ao meu pai Laurénio, e ao vindouro filho do meu irmão Saul e da sua Maria João, dedico esta tese. À Juca e ao nosso bebé que aí vem, deixo‐vos aqui um pequeno testemunho do meu amor eterno. Amo‐vos muito. i Índice Geral Nota introdutória 1 PRIMEIRA PARTE 16 CAPÍTULO I ‐ A ΚΛΙΜΑΞ. HISTÓRIA DE UM TERMO 17 I. A palavra κλῖμαξ: significados mais frequentes em grego 17 A figura retórica κλῖμαξ – ocorrências em grego 21 Pseudo‐Demétrio, De elocutione 21 Pseudo‐Longino, Περὶ ὕψους 22 Pseudo‐Herodiano, De figuris 24 Hermógenes, Περὶ Ἰδεῶν λόγου 26 Alexandre, filho de Numénio, De figuris 28 Tibério, De figuris Demosthenicis 31 Siriano, In Hermogenem Περὶ Ἰδεῶν λόγου 34 Fébamo, Περὶ τῶν Σχημάτων Ῥητορικῶν 36 João Siciliota, Commentarium in Hermogenis Περὶ Ἰδεῶν λόγου 37 Eustátio, Commentarii ad Homerum 41 Rhetorica Anonyma 48 Scholia in Homerum 54 II. A gradatio latina. Dos autores clássicos à Patrística Latina 56 Época clássica: Cícero, Retórica a Herénio, Quintiliano 56 Patrística Latina 62 III. Do entendimento clássico ao contemporâneo 67 O clímax clássico: uma sistematização 67 O clímax moderno: estudo etimológico de várias línguas europeias 71 ii CAPÍTULO II ‐ O CLÍMAX: UMA LEITURA PLURIDISCIPLINAR 94 a) Acerca do nosso entendimento de clímax 94 b) O clímax trágico. O exemplo da Electra de Sófocles. 97 c) O clímax operático. O caso da Elektra de Richard Strauss. 115 d) O clímax no romance. O caso de Amor de Perdição de Camilo Castelo 136 Branco. e) O clímax musical. Prélude à L’Aprè‐midi d’un Faune de Claude 155 Debussy. f) O clímax poético. Início de um estudo a partir de L’Après‐midi d’un 172 Faune de Mallarmé. SEGUNDA PARTE 185 CAPÍTULO III ‐ CLÍMAX DE PENSAMENTO 186 a) Clímax de pensamento 188 Ode I. 31 188 Ode II. 15 197 Ode III. 6 203 Ode III. 1 211 b) Clímax sucessivo de um mesmo pensamento resultante de um 222 crescendo Ode II. 20 222 Ode IV. 3 232 Ode II. 16 240 c) Clímax sucessivo de pensamentos diferentes Ode IV. 11 251 251 iii Ode III. 3 260 Ode I. 7 274 CAPÍTULO IV ‐ CLÍMAX DE SENTIMENTO a) Clímax de sentimento nas odes de temática amorosa 284 285 Ode I. 25 285 Ode IV. 1 291 Ode IV. 10 304 Ode IV. 13 309 Ode III.9 317 b) Clímax de sentimento em odes de temática política 323 Ode III. 5 323 Ode II. 1 334 Ode IV. 2 342 CAPÍTULO V – CLÍMAX DE IRONIA E CLÍMAX COMPOSTO a) Clímax de Ironia 354 Ode I. 27 354 Ode I. 23 362 Ode III. 15 366 Ode II. 8 371 b) Clímax composto 380 b.1) Clímax de pensamento e clímax de sentimento 380 Ode I. 35 380 Ode I. 5 394 iv b.2) Clímax de ironia e clímax de sentimento 400 Ode I. 22 400 Ode II. 7 408 c) Outros tipos de clímax 419 c.1.) Clímax ex abrupto 419 Ode I. 4 419 c.2) Clímax ad infinitum 428 Ode I. 8 428 A PROPÓSITO DAS ODES SEM CLÍMAX: UMA SISTEMATIZAÇÃO E UMA CONCLUSÃO 435 I ‐ Sistematização 436 a) Técnicas de criação de crescendo 436 b) Técnicas de criação de diminuendo 449 c) Técnicas de criação de um clímax 451 II – A propósito das odes sem clímax: uma conclusão 456 BIBLIOGRAFIA 487 I – Bibliografia sobre Horácio 487 II – Bibliografia Geral 496 a) Dicionários e Enciclopédias 496 b) Fontes primárias e edições de texto 498 b.1) Edições de texto e traduções de autores antigos 498 b.2) Outras fontes primárias (de autores anteriores ao século XX) 500 c) Outras obras citadas 504 d) Edições Musicais 510 e) Discografia 511 v Índice de autores modernos 512 Índice de autores antigos e de passos citados 518 Índice de passos citados de Horácio 523 1 Nota introdutória O que é o clímax de um poema? Esta simples pergunta, que serviu como ponto de partida para a presente dissertação e servirá sempre como seu fio condutor, não surgiu no contexto de uma aula de literatura, mas há cerca de uma dezena de anos, quando cursámos a classe de Análise e Técnicas de Composição do compositor e pedagogo português Eurico Carrapatoso, disciplina que faz parte do currículo da Escola de Música do Conservatório Nacional. Nas suas aulas, em particular no terceiro e último ano de aprendizagem, como nos debruçássemos com mais atenção sobre a música compreendida entre o final do século XIX e a idade contemporânea, um termo ia sendo recorrentemente pronunciado na análise das obras de compositores como Debussy, Stravinsky, Bartok, Messiaen ou Ligeti, ou sempre que o mestre nos propunha a execução de um qualquer trabalho prático de composição: clímax. Mas como definir esse momento culminante para onde toda uma peça conflui, como se constrói, como se organiza uma partitura de forma a que ela tenha um claro acumular de tensão retórica que se desvanece num ponto determinado, intelectual ou organicamente calculado? O mestre tinha um conjunto de ferramentas analíticas, técnicas, composicionais e até matemáticas, definidas e articuladas, que generosamente nos ia ensinando, sob o seu olhar atento e vigilante, embora de um ponto de vista eminentemente prático, dado o carácter da disciplina. Partitura após partitura, exercício após exercício, cada aluno se ia apercebendo de que aquele momento particularmente emotivo ou intenso, aquela sensação de se sentir cada vez mais enlevado na audição, aquele ponto determinado em que sempre sentíamos fisicamente um inefável aperto no estômago, podia ser analisado e compreendido sob uma perspectiva técnica, que iluminava não só a intenção retórica e composicional do criador, como também nos ensinava a compor melhor sob esta dupla perspectiva, em termos de estrutura e de propósito comunicativo. Mas foi quando analisámos e discutimos o Prélude à L’Après‐midi d’un Faune, de Claude Debussy, que 2 verdadeiramente começou a germinar a semente que deu origem ao presente estudo, pois esta peça inspirava‐se assumidamente num poema de Mallarmé, precisamente intitulado L’Après‐midi d’un Faune. A constante referência do mestre ao facto de esta música ter partido daquele poema, juntamente com o facto de tantas vezes, ao longo do seu curso, nos falar em História, Literatura, Arquitectura, Pintura, Escultura, e outras formas de arte, a propósito de um compositor ou de uma obra específica, foi‐nos levando a ter uma leitura cada vez mais ampla do fenómeno artístico, por inerência pluridisciplinar, num diálogo constante entre géneros musicais, artísticos e literários tão paradoxalmente próximos e distantes. Tendo pois como cicerone um tal professor, nobilíssimo transmontano de interesses tão latos e abrangentes, seria quase impossível que todos nós não chegássemos rapidamente à conclusão de que seria possível ter uma leitura mais precisa e técnica do conceito em outras formas de expressão artística que não a música, fugindo deste modo do carácter algo vago e inconsequente com que a expressão é muitas vezes utilizada entre nós em relação, por exemplo, a um filme ou a uma peça de teatro. Recordamo‐nos de ler, na altura, o poema em questão de Mallarmé, uma hermética écloga de uma musicalidade evidente, de ter sentido que determinados versos eram de facto o clímax do poema, e que Debussy provavelmente imitou esse movimento climáctico no percurso dinâmico do seu Prélude, cuja estrutura fora indiscutível e matematicamente calculada para servir os momentos de clímax do texto musical. Mas como prová‐lo? Como demonstrá‐lo? Que ferramentas técnicas haveria ao dispor de um vate para criar um clímax num poema? A pergunta permaneceu em suspenso, pois não era o contexto certo para a desenvolvermos; a curiosidade, no entanto, ficou‐nos sempre gravada no espírito. Na nossa dissertação de mestrado procurámos aplicar já o conceito a um poema. O ponto de partida foi o Carmen Saeculare de Horácio, em que tentámos estudar a forma como o texto se adequava a nível numerológico, semântico e retórico, àquele momento preciso em que, de 31 de Maio a 3 de Junho de 17 a.C., se celebraram, em Roma, os Ludi Saeculares. No decurso da nossa investigação, decidimos igualmente examinar a forma como também a nível matemático o texto se organizava estruturalmente em torno do número três, referindo que, provavelmente 3 de forma inconsciente, as secções do Carmen se dividiam segundo o princípio da sectio aurea (mais uma vez inspirados pela análise que fizéramos de Debussy), e que também o seu ponto culminante, o seu clímax, que considerámos ser os vv. 45‐48, tinham uma posição “áurea” do ponto de vista matemático. Para justificarmos a nossa afirmação, tivemos que reflectir, ainda de forma algo incipiente, sobre o que seria o clímax de um poema. Foi aliás o Professor Carlo Santini, no contexto de uma conferência que proferiu na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa sensivelmente por essa altura, e com o qual tivemos a oportunidade de discutir o tema da nossa dissertação de mestrado, quem primeiro nos alertou para o rico passado retórico do termo, dando‐nos a conhecer o artigo sobre o “Klimax” no Historisches Wörterbuch der Rhetorik (Kirby e Poster 1998, 1106‐1115), que se revelou fundamental para o primeiro capítulo desta tese. Simultaneamente, ficámos com a noção de que nem todas as línguas europeias tinham um entendimento similar do conceito; o italiano, por exemplo, via‐o fundamentalmente como uma figura retórica semelhante àquilo que na música entendemos por crescendo, não tendo quase nunca o sentido de “ponto culminante”. Isto foi cada vez mais espicaçando a nossa curiosidade, até porque, enquanto íamos traduzindo as odes de Horácio para o português, esforço que resultou num anexo à nossa tese de mestrado, nas leituras que fazíamos sobre cada um dos carmina, especialmente nos comentários de Nisbet e Hubbard (1970; 1978) e de Nisbet e Rudd (2004), íamos encontrando amiúde o termo “clímax” usado no seu sentido contemporâneo de “ponto culminante”. Daqui ao tema da presente dissertação foi um curto passo. À medida que cada vez mais mergulhávamos na tradução e na interpretação das odes de Horácio, e que íamos reflectindo e estudando as suas composições no contexto de alguns artigos que entretanto publicámos, mais nos íamos convencendo de que havia, em grande parte dos seus carmina, os mesmos “momentos culminantes” de que o compositor Eurico Carrapatoso nos falara. Esbarrávamos, porém, sempre na mesma pergunta que formuláramos em relação a Mallarmé: como demonstrá‐lo? Pensámos que seria este o contexto ideal, uma dissertação de doutoramento, para iniciar um estudo abrangente sobre o que é, de facto, um clímax na poesia. 4 A razão de escolhermos um autor como Horácio tem a ver com diversos aspectos. De um ponto de vista prático, era o poeta que melhor conhecíamos, em virtude de o termos trabalhado longamente aquando da tradução1 não só das suas odes, entretanto publicada (2008), mas da sua restante obra, que ultimamos neste momento. Mas esse não seria um argumento válido se, de facto, Horácio não fosse um dos compositores mais plurifacetados da história artística ocidental. Quando dizemos “compositor”, pensamos não só no uso que o próprio Horácio dá ao verbo componere no contexto da sua obra2, que associa ao processo técnico e criativo da “composição” dos versos, como também na última frase das Actas dos Ludi Saeculares, encontrada em 1890 na margem esquerda do Tibre: carmen composuit Quintus Horatius Flaccus. Para além da emotiva surpresa de vermos indelevelmente inscrita na pedra a evidência histórica e ontológica de um nome que admiramos, vivo na altura em que o cinzel o esculpiu, a expressão carmen composuit acaba por condensar toda a técnica poética horaciana. Dada a origem genética da sua lírica, que obrigou Horácio a forjar e a esculpir, verso após verso, uma imitação, uma emulação, e uma “romanização” do cânone lírico grego, muitas vezes forçando com mestria o latim a um ritmo que não era espontaneamente seu, e isto de forma continuada e persistente, ao contrário, por exemplo, de um Catulo, o facto é que cada ode sua resulta numa obra precisa de composição, no sentido em que cada palavra parece ter sido pensada, calculada e pesada em todos os domínios, desde o retórico ao musical. Não poderia, pois, ser melhor a escolha deste autor para uma tese que procura explorar um conceito apreendido no domínio da música, ainda para mais porque há esta evidência histórica clara: carmen composuit Quintus Horatius Flaccus. Isto leva‐nos a uma questão que queremos deixar bem clara: não nos interessa aqui a polémica sobre se as odes do vate romano foram ou não interpretadas melodicamente; a questão é insolúvel, e seria o mesmo que demonstrar, daqui a dois milénios, perdida a melodia original, que os poemas de Jacques Brel, Leonard Cohen ou Zeca Afonso foram concebidos para ser cantados. Os argumentos que aduzíssemos 1 As interpretações que são feitas acerca de cada carmen abordado partem quase sempre desta primeira leitura das Odes de Horácio, pelo que encaramos a tradução em questão como uma obra complementar à dissertação. 2 Cf. S. I.4.8, II.1.3, 63; Ep. I.1.12, II.2.91, 106; Ars 35. 5 para o demonstrar estariam condenados ao fracasso, assim como os que negassem a teoria, pelo simples facto de ainda não ser possível viajar no tempo3. A recente posição de Stuart Lyons (2010) é sólida e consistente: as referências intertextuais de Horácio a termos que sugerem uma prática musical, em particular ao nível da menção de instrumentos e de termos técnicos conotados com a teoria musical, como a expressão modi4, conjugadas com as muitas evidências de uma prática musical constante na época de Horácio, parecem sugerir que seria até o próprio compositor a cantar os seus poemas no contexto, por exemplo, dos diversos symposia organizados por Mecenas, provavelmente no Auditorio di Mecenate, descoberto em 1874. Outro argumento parece‐nos convincente: não é plausível que o músico convidado para compor o carme com que se finalizaram os Ludi Saeculares fosse um amador inexperiente, um curioso sem qualquer tipo de técnica musical, especialmente se pensarmos que a cerimónia mais importante, do ponto de vista religioso e político, do principado de Augusto foram precisamente estes jogos. Seria o mesmo do que se, em 1685, o rei inglês James II tivesse encomendado a um poeta inexperto, que nunca tivesse composto uma peça de música na vida, o hino que celebrou a sua coroação, ao invés de o pedir ao mais famoso e importante músico inglês da altura: Henry Purcell5. Aliás, para estudiosos que negam a essência musical dos carmina horacianos, parece ser um verdadeiro contratempo para a sua teoria a tal inscrição na pedra de que falávamos, e são rápidos em afirmar que o Carmen Saeculare é um exemplo único a respeito de uma execução musical, usando esse facto para provar que nenhuma das outras odes a tiveram6. Dir‐se‐ia que teriam preferido nunca ter descoberto que Horácio foi, de facto, um músico – talvez porque há demasiado tempo que os carmina deste autor romano estão calados, ou silentemente reproduzidos em milhões de páginas igualmente silenciosas, ou espalhados, esquartejados, analisados, pensados e repensados por milénios de tácitas interpretações. Obviamente, os argumentos que sustentam a tese “não musical” são igualmente sólidos, especialmente aqueles 3 Como é aliás a única conclusão possível, segundo ressalva Nina Mindt (2010) na sua recensão à obra de Lyons (2010). 4 Cf. Carm. II.1.40, III.9.10, III.11.7, III.30.14, IV.6.43, IV.11.34. 5 Falamos do seu hino I was glad when they said unto me. 6 Cf., aliás, a posição ambígua de Barchiesi (2007, 148 e ss.), que tanto vai negando como afirmando uma performance musical das Odes. 6 aduzidos por Rossi (1998, 163‐181)7, que Lyons, aliás, nunca chega a citar: a referência aos instrumentos e à linguagem musical cumpre apenas um propósito retórico, em que Horácio se pretende colocar ao mesmo nível musical que certamente tinha Píndaro, Alceu, Arquíloco ou Safo, juntamente com o argumento histórico, em que avulta uma idade alexandrina na qual a poesia deixou de ter uma face musical tão evidente. Mas uma vez que nunca poderemos saber ao certo como foram as odes interpretadas8, se cantadas, se lidas ou recitadas, a nossa atenção, quando usamos o termo “compositor” e “músico” para descrever Horácio, deve ser desviada noutro sentido. Já Heinze, num dos textos mais importantes na história da crítica horaciana, “Die Horazische Ode” (1923), e a que recentemente Santini (2001) veio dar o devido lugar, enfatizara uma ideia de uma importância fulcral para a nossa dissertação: a própria mise en scéne da ode horaciana exige uma performance9. Isto dada a própria natureza dialógica dos seus carmina, por oposição, por exemplo, à tendência monológica da lírica moderna, como sublinha o estudioso alemão: de facto, praticamente todas as suas composições, em mais de uma centena, exigem um destinatário formal, que pressupõe que este esteja presente, nem que seja em termos retóricos. Aliás, não é por acaso que, numa curtíssima entrada com apenas três breves parágrafos, no artigo do Oxford Classical Dictionary (Hornblower e Spawforth 2003, 1295‐6) sobre a recitatio, o seu autor se consegue referir a Horácio e a passos da sua obra por quatro vezes. Se há uma reencenação a cada vocalização/recitação da ode, isto obriga‐nos a repensar a natureza do carmen horaciano, performativa na sua mais radical essência. Mas que tem isto a ver com o clímax e com a escolha da lírica latina 7 Especialmente consistente é o seu argumento métrico (171 e ss.), embora possa aplicar‐se aquilo que há pouco dissemos em relação a Jacques Brel, Leonard Cohen ou Zeca Afonso. Todos os outros argumentos que aduz, porém, são facilmente utilizáveis para provar precisamente o contrário: que as odes eram cantadas. Por exemplo, quando diz a propósito de III.30, que “anche se per ipotesi (assurda) un poeta greco arcaico avesse raccolto i suoi carmi destinati alle esecuzioni occasionali, non saprei immaginarlo a fare una dichiarazione programmatica come questa, che toglie la propria poesia dall'effimero dell'occasione e la proietta nella perennità di una acquisizione che s'identifica con il proprio stesso corpus poetico, con il suo liber affidato alla pagina” (170), este mesmo argumento pode servir para justificar que todas as outras odes, excepto III.30, eram cantadas. E além disso, quando fala em “dichiarazione programmatica”, lembramo‐nos logo de um conceito caro à Musicologia, que é precisamente o de “música programática”. 8 Como aliás resumidamente admite o artigo de Guido Milanese na Enciclopedia Oraziana (Mariotti 1996‐1998, II, 921‐925), que Lyons cita mas que erradamente atribui ao primeiro volume da enciclopédia (quer na nota de rodapé (3, 10n), quer na bibliografia). 9 Ou como resume Barchiesi, a propósito do influente artigo de Heinze: “the poem is not imagined as text and is consistently offered as ‘live’ and ‘musical’” (2007, 155). 7 como ponto de partida para a nossa tese? Porque, ao admitir que a poesia, e em particular a lírica de Horácio, tem uma indelével componente performativa, mais sentido faz aplicar um conceito como o de clímax a uma reflexão sobre a arquitectura composicional de uma ode. O estudo de um clímax num carmen de Horácio não será assim pois fundamentalmente diferente da leitura de uma partitura silenciosa de Debussy, no tempo em que não havia gravações e a audição interior quer do musicólogo, quer do compositor era quase imprescindível, numa época em que se ouviria, ao longo de uma vida inteira, a Nona Sinfonia de Beethoven apenas duas ou três vezes, e isto com sorte, dependendo do meio cultural e social em que o sujeito vivesse. É essa “audição em silêncio”, essa análise do “monumento silenciado” que verdadeiramente demandamos aqui, em especial procurando a razão por que, em determinados versos de Horácio, podemos falar com propriedade no conceito de clímax. Mas as consequências de admitir que a poesia é, na sua essência, uma arte performativa leva‐nos, como dizíamos há pouco, a repensar o conceito de “música” e de “compositor” quando falamos a propósito de Horácio. Isto porque, como teremos oportunidade de argumentar, e na nossa perspectiva, a questão não é saber se havia uma melodia associada às odes de Horácio – se alguma vez existiu, estará irremediavelmente perdida; o verdadeiro objecto de estudo é saber ao certo o que se entende por “musicalidade” em relação à poesia em geral, e a Horácio em particular. Aqui, como veremos, todos nós tendemos a considerar a música apenas como ritmo e melodia, deixando de parte um conceito fundamental, que poesia e música partilham indiscutivelmente: dinâmica. Daí que o subtítulo desta tese seja precisamente este: “uma análise dinâmica”. E em que consiste uma análise dinâmica? Esta pergunta irá sendo respondida ao longo da nossa dissertação. Fundamentalmente, trata‐se de encontrar os momentos de crescendo e de diminuendo de um poema, se determinado verso é forte ou più forte, piano ou più piano, e de que ferramentas dispõe um poeta para o lograr, porque para encontrar o clímax de um poema será obrigatório uma análise a este nível, como aliás toda a Primeira Parte desta tese procurará demonstrar. Mas não é só por este motivo que decidimos atribuir este subtítulo: jogamos também com a ambiguidade que pode existir na expressão “análise dinâmica”, que, num sentido não musical, implica que o 8 estudo, ele próprio, procurará ser dinâmico, ou seja, manter‐se em permanente diálogo entre as diversas áreas do saber e da arte, como aliás fica patente nesta nota introdutória. E esta é uma razão mais para escolhermos um autor como Horácio: num estudo que procura chegar a conclusões abrangentes sobre o fenómeno artístico em geral, e poético em particular, este autor apresenta‐nos precisamente uma variedade impressionante, talvez como nenhum outro clássico10 ou mesmo moderno, quer em termos formais, quer em termos temáticos. De facto, quantos poetas há que numa mesma obra explorem mais de uma dezena de sistemas métricos diferentes, em composições de extensão sempre distinta? Quantos poetas há que numa mesma obra explorem temas tão diversos como a própria poesia e o poeta, o seu ofício e o seu poder, a natureza humana, o imperativo da simplicidade, da aurea mediocritas e do carpe diem (expressões que aliás cunhou), a morte, a fortuna, o amor, visto na primeira e na terceira pessoas, o καιρός político, o destino da sua cidade e do seu soberano, os deuses, o vinho, o banquete, a mitologia, os encantos do campo, a filosofia, enfim, todos estes temas que fazem de cada ode, considerada individualmente, um ente próprio, um monumento variado não só em si mesmo, como no contexto dos outros carmina. Horácio é, de facto, um excelente ponto de partida para quem procura uma leitura o mais universal possível do fenómeno poético, até pela extraordinária fortuna que conheceu ao longos dos séculos, sendo uma presença constante em todo o espaço literário europeu, como demonstram as mais de seiscentas páginas que a Enciclopedia Oraziana dedica ao assunto (no seu terceiro volume), estudando a sua fortuna desde a antiguidade até aos dias de hoje, de Portugal11 à Rússia. Postos estes breves parágrafos introdutórios, pois a verdadeira introdução ao nosso estudo será, como veremos, o capítulo que se segue, devemos apenas tecer 10 Também dado ao facto de poucos terem uma obra tão bem conservada, com problemas textuais bastante limitados quando comparados com outras obras (como, por exemplo, a questão das interpolações); sobre o tema, cf. a secção “Tradizione manoscrita” da Enciclopedia Oraziana (Mariotti 1996‐1998, I, 319‐354). 11 É aliás uma pena que o artigo sobre Portugal, da autoria de José Pina Martins (Mariotti 1996‐1998, II, 586‐587), seja tão resumido, quando comparado com outros países, dando a impressão que a Sérvia ou a Eslovénia têm uma tradição horaciana mais forte do que a nossa. Desconhecemos de todo a razão para o facto, embora desconfiemos de que a justificação não deve ser imputável ao douto filólogo português. 9 algumas considerações sobre a organização da presente dissertação, sobre o seu método e critério bibliográficos e igualmente sobre o estado da questão. Comecemos pela estrutura. Esta é composta por uma Primeira Parte, que se divide em dois capítulos. No Capítulo I, procurar‐se‐á estudar a etimologia da palavra clímax, partindo da leitura de todos os passos em que os autores gregos coligidos no TLG utilizaram a expressão ou um dos seus compostos, para depois analisar, um a um, os passos em que a palavra tem um sentido retórico, que é aquele que nos interessa. De seguida, estudaremos igualmente a gradatio latina no contexto clássico e no da patrística, uma vez que, na escola retórica, esta foi a tradução em latim para a figura retórica conhecida como κλῖμαξ. Estudada exaustivamente a “face clássica” do conceito, procuraremos saber, num segundo momento, porque é que a expressão tem um significado tão distinto daquele que tinha na Antiguidade, investigando as razões que estão por trás de, hoje em dia, em português, em espanhol, em inglês ou em alemão, a palavra clímax ser quase exclusivamente um sinónimo de “ponto culminante”, e de em italiano ser um sinónimo quase sempre de “crescendo”. Isto obrigar‐nos‐á a estudar, dentro de cada uma das línguas europeias (português, espanhol, francês, italiano, francês, inglês e alemão)12 a evolução etimológica que a palavra sofreu ao longo dos tempos, o que nos levará a um entendimento cada vez mais lato do conceito, ao estabelecer as suas três fases etimológicas: a de figura retórica clássica (figura de repetição de palavras), a de figura retórica moderna (crescendo), e a de conceito contemporâneo (ponto culminante). Será pois baseados nestes três entendimentos, que se completam e entrecruzam, como veremos, que nos abalançaremos ao Capítulo II, em que procuramos, depois de dar o nosso entendimento claro do conceito e das linhas de análise possíveis, aplicá‐lo a diversas formas de expressão artística; o critério de selecção de cada uma das obras será discutido no momento em que as formos introduzindo. Assim, começaremos pela análise da tragédia Electra de Sófocles (clímax trágico), e daí passaremos a uma leitura da ópera Elektra de Richard Strauss, com libretto de Hugo von Hofmannstahl (clímax 12 O critério de selecção destas línguas passa pelo simples facto de infelizmente não estarmos habilitados para ler outras (como o neerlandês, o russo ou o húngaro, por exemplo), embora possamos dizer que estas são as mais importantes não só do ponto de vista europeu, como também dentro da própria escola retórica moderna. 10 operático). Depois, será a vez de analisarmos o clímax no romance, apresentando, a esse respeito, uma reflexão acerca de Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco. Será então que passaremos à análise do Prélude à L’Après‐midi d’un Faune, de Claude Debussy (clímax musical), peça que esteve, como já foi dito, na origem da presente dissertação, assim como, numa última alínea deste capítulo, do poema L’Après‐midi d’un Faune de Stéphane Mallarmé, que servirá de ponte para a Segunda Parte da dissertação, em que nos abalançamos ao estudo do fenómeno poético, a partir das odes de Horácio propriamente ditas. Naturalmente, todas as leituras feitas neste Capítulo II serão breves, e igualmente condicionadas exclusivamente pelo tema do clímax, sempre na perspectiva de nos munirem das ferramentas iniciais que nos permitam já um certo desembaraço hermenêutico quando passarmos ao estudo do poeta romano. A Segunda Parte terá três momentos distintos, que se prendem naturalmente com a discussão encetada na Primeira Parte. Será pois dividida de acordo com os três tipos principais de clímax propostos: o clímax de pensamento (Capítulo III), o clímax de sentimento (Capítulo IV) e o clímax de ironia (Capítulo V). Neste quinto capítulo analisaremos igualmente odes compostas pelo cruzar destes três tipos distintos de clímax, e estudaremos dois outros tipos (clímax ex abrupto e ad infinitum). Serão, no total, quase trinta odes vistas sob a perspectiva do clímax, cuja selecção passou por um trabalho propedêutico de escolha daquelas que, no nosso entender, eram mais exemplificativas de um determinado processo composicional. O último capítulo conterá naturalmente uma sistematização fundamental, estruturada em alíneas, acerca de todas as ferramentas que Horácio utilizou para criar momentos de clímax nas suas odes, algo que passa, como será compreensível logo a partir do primeiro capítulo, pelo elencar dos recursos técnicos ao dispor de um poeta para organizar gradativamente os seus carmina. Esta sistematização tem como ponto de partida, por uma questão de método e de rigor científicos, uma tentativa de estudar o porquê de algumas odes de Horácio não terem clímax, algo que nos dará ensejo de concluir a nossa dissertação, reflectindo sobre qual a função do clímax, a sua identidade, apresentando aqueles que julgamos ser os principais contributos da nossa tese, e sublinhando aquelas que foram as linhas de força fundamentais da nossa dissertação. 11 Uma outra palavra acerca da metodologia bibliográfica do presente estudo. É já humanamente impossível, em apenas cinco anos, e suspeitamos que nem numa vida inteira, abarcar de modo completo a extensíssima bibliografia que tem vindo a ser produzida sobre Horácio, e isto pensando só no século passado. A esta dificuldade, talvez pela incauta temeridade que nos deu a juventude com que iniciámos o projecto, temos a acrescentar ainda a extensão de áreas do saber que procurámos abarcar: Retórica, Música (que inclui ópera e música instrumental) e Estudos Literários (disciplina em que abordaremos a tragédia grega, a novela camiliana e a poesia simbolista francesa). Daí que tenha necessariamente de haver um critério selectivo que será sempre altamente discutível. Em relação a Horácio, o nosso intentou ter dois aspectos em consideração: primeiro, o critério da actualidade, pelo que procurámos estar particularmente alerta para as últimas duas décadas de bibliografia, em que as monografias de Nisbet e Rudd (2004) ou Fedeli e Ciccarelli (2008) se tornaram quase imediatamente comentários essenciais; segundo, o da importância, em que avultam obras fundamentais no âmbito dos estudos de Horácio lírico. Nomeamos apenas alguns dos escritores que consideramos de referência, para que se tenha uma ideia de quem estamos a falar: reportamo‐nos, por exemplo, quer aos comentários de Kiessling e Heinze (1958), Nisbet e Hubbard (1970; 1978) e Syndikus (2001), quer aos estudos de Pasquali (1964), Fraenkel (1957) ou Commager (1962); falamos pois daqueles autores que têm vindo a ser ininterruptamente citados e referidos pela comunidade científica sempre que um determinado autor aborda a lírica horaciana, dada a qualidade e a profundidade das suas reflexões, embora este critério “de referência” esteja sempre também aberto a discussão. Isto quanto à Segunda Parte, em que abordamos o autor romano; em relação à Primeira, foi‐nos ainda mais difícil e árdua a tarefa de seleccionar o que ler a propósito de cada uma das obras estudadas; aqui, e também de certo modo em relação a Horácio, tivemos necessariamente que concentrar a nossa atenção nos autores que estudaram ou ensaiaram uma análise dinâmica das obras em questão, nomeadamente usando termos como “crescendo”, “diminuendo”, ou, obviamente, a expressão “clímax”. É delimitando assim o escopo do nosso trabalho que podemos facilitar um pouco a difícil empresa de ir escolhendo, ode após ode, as leituras que 12 verdadeiramente nos interessam. De facto, para uma reflexão composicional acerca de cada carmen visto isoladamente, pouco contribui uma análise da sua posição no todo, algo que deu azo aos mais variados (e por vezes mesmo mirabolantes) estudos sobre a estrutura das Odes13, que se preocupam quase exclusivamente com a posição da ode no todo do livro a que pertence, e não com a composição em si14. Por outro lado, embora sejam importantes e claramente pertinentes as recentes posições de Davis (1991), Oliensis (1998), Lowrie (1997), Sutherland (2002) ou Johnson (2004), autores que, tal como nós, procuram estudar de certa forma Horácio na sua adequação retórica àquilo que para eles, regra geral, é o “leitor” da ode e não o seu “ouvinte”, a verdade é que nos parece que o nosso ponto de partida é radicalmente diferente dos autores citados: interessa‐nos fundamentalmente estudar as odes do ponto de vista musical e composicional, no sentido que agora propomos: a tal “análise dinâmica” que iremos definir ao longo da nossa dissertação. Isto naturalmente não exclui um olhar atento sobre outros autores com outro tipo de abordagens; referimo‐nos não só aos citados, mas também às leituras específicas de um Lyne (1980; 1995), ou de um Cavarzere (1996). No entanto, para o trabalho que temos entre mãos, interessam‐nos fundamentalmente os autores que, tal como Putnam (1986; 2006), olham de perto para o texto horaciano e o comentam com a máxima atenção ao pormenor de cada verso e palavra. Aliás, se nos abalançámos a um tema que envolve uma tão extensa bibliografia, não foi totalmente inconsciente esta escolha. Isto prende‐se com o último ponto que aqui discutiremos, que tem a ver com o estado da questão. De facto, do ponto de vista científico, a nossa posição em relação ao tema é simultaneamente facilitada e dificultada pelo facto de sermos, julgamos nós, os primeiros a analisar o conceito de “clímax” de uma forma exaustiva e sistemática se não na poesia, seguramente em relação a Horácio, e igualmente os primeiros a sugerir, de forma continuamente focada, uma análise dinâmica da poesia do autor romano15. Sublinhamos a expressão 13 O melhor estudo a este respeito parece‐nos continuar a ser o de Santirocco (1986). Para um exemplo de leituras um pouco mais forçadas, cf. Dettmer (1983). 14 Naturalmente com a honrosa excepção de Collinge (1961). 15 Não menosprezando, no entanto, a obra de Bundy (19872), que procura aplicar exaustivamente o conceito de “clímax” e de “crescendo” a Píndaro, poeta por quem Horácio nutre uma confessa e enorme admiração (cf., por exemplo, a ode IV. 2); também este estudioso, tal como nós, favorece uma leitura de 13 “de forma exaustiva e sistemática” pois, como será demonstrado variadíssimas vezes acerca de cada uma das odes horacianas, quase todos os autores consultados, em especial os ingleses16, mas também os alemães (com a expressão sinónima “Höhepunkt”), e em menor grau os italianos, sentiram a necessidade de empregar várias vezes o termo “clímax”17, ou um seu equivalente, na análise da lírica horaciana18. A forma como o fazem é, no entanto, muitas vezes ambígua e vaga19, que assenta precisamente no facto de nunca ter havido um esforço de sistematização do conceito aplicado à poesia, que encetamos aqui; e isto é válido não só para os autores que abordaram as Odes de Horácio, mas também para os que consultámos a propósito das outras obras de criação artística que aqui analisaremos. Tomemos como exemplo a ode II.1, que teremos a oportunidade de discutir, a propósito da qual iremos citar os seguintes passos de conceituadíssimos estudiosos da lírica horaciana; acerca dos vv. 29‐36, D. West refere que “the next colon [sc. 33‐34], including qui and quae, demands eight words, quod mare six, and finally quae caret ora cruore nostro has only five short words, but yet is a resounding climax” (1998, 10); Nisbet e Hubbard defendem que cada ode como um monumento literário per se. No entanto, Bundy não tem um entendimento semelhante ao nosso dos termos “crescendo” e “clímax”: o que é “crescendo” para este autor, para nós traduz‐se por “degrau de um crescendo”, como veremos no nosso estudo; por outro lado, o termo clímax está conotado com a sua expressão “foil”, envolvido fundamentalmente na estrutura da Priamel que o seu confesso admirador Race (1982) vai seguir. 16 Repare‐se que já numa data tão recuada como 1753, há dois séculos e meio, no Volume XXIII do famoso The Gentleman’s Magazine (revista que aliás cunhou o termo “magazine” usado neste sentido na Europa, e que foi editada ininterruptamente durante quase dois séculos), Paul Gemsege (anagrama para Samuel Pegge, 1704‐1796) se refere a um passo das odes (IV.3.17‐20) nos seguintes termos: “this is abundantly more than what he had said before, and makes a proper climax. By applying the words O mutis quoque piscibus to the Testudo or lyre, you make a meer tautology, but by separating them, you have a beautiful climax, and at the same time the sentiment is finely connected with what follows” (Urban 1753, 568); ainda que se possa notar o uso retórico moderno do termo e não o contemporâneo (embora a questão não seja de todo clara), é interessante observar que também na nossa análise a esta ode, como teremos oportunidade de estudar, os versos em questão são os primeiros degraus para o clímax de 22‐23. 17 Também o termo “crescendo” (que será, como veremos, usado frequentemente na nossa “análise dinâmica”) é usado bastantes vezes na análise das odes horacianas, quer em autores anglófonos (cf., por exemplo, Fraenkel 1957, 210n, 409; Collinge 1961, 51; Commager 1962, 185; Nisbet e Hubbard 1978, 62, 124; Davis 1991, 58; Ancona 1994, 109; D. West 2002, 56, 147; Johnson 2004, 8, 49, 77, 120, 125), quer alemães (Pöschl 1991, 49, 141, 222, 277, 326, 330; Syndikus 2001, II, 158; Breuer 2008, 168), quer italianos (cf., por exemplo, Pasquali 1964, 428; Cavarzere 1996, 153, 154, 195; Fedeli e Ciccarelli 2008, 196, 238, 275, 441, 474, 598), quer franceses (cf., por exemplo, Maleuvre 1997, 54, 80) ou mesmo lusófonos (cf., por exemplo, Achcar 1994, 156). 18 E nem falamos do uso de clímax numa análise da estrutura das Odes enquanto livro, onde o termo é várias vezes referido para especificar que determinada ode é o clímax desse livro ou de um determinado percurso (cf., por exemplo, Santirocco 1986, 24, 41, 114, 121; Putnam 1986, 215, 292, 306). 19 Sintomático disto é, por exemplo, o comentário de Nisbet e Hubbard ao semper de I.27.16: “this may mark a climax” (1970, 315, sublinhado nosso). 14 “after Latino and the even more emotive Daunie the climax is reached at 36 with the emphatically placed nostro” (1978, 29); John Henderson afirma que “now the poem’s final pivot Dionaeo, with the exotic run of sonorous vowels, cues the altered rhythm of the second half of the stanza to redoubled, revisionary, re‐writing of the dirge’s climax: … decolauere caedes? / quae caret ora cruore nostro?” (1998, 152); Fraenkel argumenta que “after reaching the climax of his poem Horace breaks off (37 ff), in a manner which may be influenced by similar turns in Pindar” (1957, 239); finalmente, Syndikus, no seu capítulo do livro Homage to Horace afirma que “at the climax of the agitated rhetoric Horace breaks off: this tone does not fit his type of poetry” (Syndikus 1995, 27), ideia que corrobora no seu comentário às odes por duas vezes: “allerdings scheint die Klimax unmittelbar vor dem Abberchen (v. 37) zu liegen” (Syndikus 2001, I, 341, 23n) e “die Steigerung ist hier auf ihrem Höhepunkt angekommen; überboten kann das nicht mehr werden!” (Syndikus 2001, I, 342). Algo avulta em todos estes passos citados: primeiro, que o termo pode ser aplicado, e é muitas vezes, à análise de uma ode de Horácio; segundo, os seus autores concordam que, neste caso em particular, o carmen conhece um clímax. Mas qual o seu ponto exacto? Já é um caso bastante raro, como veremos, o facto de o localizarem sensivelmente no mesmo sítio, entre a oitava e a nona estrofe20: Quis non Latino sanguine pinguior campus sepulcris impia proelia testatur auditumque Medis Hesperiae sonitum ruinae? Qui gurges aut quae flumina lugubris ignara belli? Quod mare Dauniae non decolorauere caedes? 20 O texto utilizado será sempre o de Wickham revisto por Garrod (1912); apesar de existirem edições mais recentes, nomeadamente a de Schackleton Bailey (1985, rev. 2001), este continua a ser entre os estudiosos o texto mais usado (repare‐se em David West, nos seus comentários 1995‐2002 e na tradução de Niall Rudd em 2004), até pelo que já foi dito em relação à tradição textual horaciana. Os passos em que fugimos ao texto original encontram‐se especificados quando transcrevemos a ode em questão. Em relação à organização em estrofes, favorecemos a disposição em quatro versos (cf. Nisbet e Hubbard, 1970, xlvi), não presente em Wickham, mas que é seguida, por exemplo, nos comentários de David West ou na edição de Shakleton Bailey. 15 Quae caret ora cruore nostro? (II.1.29‐36) Onde está, porém, verdadeiramente o clímax? Uns autores são totalmente omissos em relação à questão, outros deixam implícito que são estas duas estrofes, outros isolam‐no nas duas últimas perguntas, outros ainda (e em maior número) apontam o v. 36 como o clímax do poema. Mas porquê aqui e não noutro sítio? Porquê este verso e não outro? Porque é que os versos em questão são “o clímax” da ode? Como veremos, o v. 36 pode ser considerado o clímax do poema. Mas, para o demonstrar, teremos de estudar todo o percurso em termos de dinâmica, agógica e cronologia (três conceitos que aplicaremos constantemente em toda a nossa dissertação, e que clarificaremos na altura própria) que fazem com que o verso em questão possa ser estudado como o clímax do poema. Isto porque não basta dizer que determinado verso ou conjunto de versos são o seu clímax: há que argumentá‐lo e demonstrá‐lo, como nos esforçaremos por fazer nas páginas que se seguem. Comecemos, portanto, pela própria sinuosa e iluminadora história da palavra “clímax”. PRIMEIRA PARTE 17 I ‐ A κλῖμαξ. História de um termo I. A palavra κλῖμαξ: significados mais frequentes em grego É necessário, como exercício propedêutico à nossa dissertação, traçar claramente a história da palavra grega κλῖμαξ que, em termos morfológicos, pouco mudou nas línguas modernas1. Só assim poderemos ab initio procurar uma definição do termo, a partir da qual nos seja permitido passar a utilizá‐lo na análise literária que aqui se pretende propor. Intentamos assim, neste capítulo, estudar a palavra per se nos vários contextos em que surge na literatura grega, recorrendo para isso ao corpus coligido no Thesaurus Linguae Graecae. A partir deste estudo, de que resultaram extensas listas de ocorrências analisadas uma a uma, procura‐se descortinar com exactidão a origem desta expressão no grego, seu significado e aplicação, e, num segundo momento, saber a forma como as diferentes acepções foram incorporadas nas línguas europeias. Isto porque se hoje em dia o termo “clímax” está indubitavelmente conotado com um processo de composição ou de estruturação de uma determinada obra literária, acontecimento, realidade ou acção, a verdade é que no corpus de escritores e escritos gregos o termo κλῖμαξ tem uma acepção bem diferente, e bem mais prosaica. Cingindo‐nos apenas a esta forma, e excluindo todos os lemas compostos a partir desta palavra, chegámos à conclusão de que, a partir do corpus do TLG, em mais de um milhar de ocorrências2, temos apenas menos de trinta exemplos que apontam para o uso técnico dado pela retórica e teoria literárias3, o que significa que o termo, em grego, é usado muito raramente neste sentido. A etimologia da palavra não apresenta dúvidas: vem do verbo κλίνω, “inclinar” (cf. latim clinare), na acepção de “inclinar (“fazer pender”) algo sobre outra coisa”, ideia patente na sua 1 “Clímax” em português, “climax”, em francês, “climax” em inglês, “climax” em italiano e “Klimax” em alemão. 2 Segundo o motor de busca do Diogenes (busca morfológica da palavra κλῖμαξ), a partir do TLG. A busca com o TLG Workplace revelou resultados idênticos. 3 Cerca de 24; temos ainda 8 exemplos do seu sinónimo, κλιμακωτὸν (σχῆμα). 18 quase omnipresente acepção de “escada”4, já desde Homero5. Desde logo, especialmente na Historiografia grega, responsável por grande parte das ocorrências do termo, se associa o termo a expedições militares, em que os combatentes galgam as muralhas dos inimigos recorrendo a escadas para tomarem de assalto a cidade inimiga6. Provavelmente, se na Grécia antiga pronunciássemos esta palavra, a primeira imagem que se evocaria ao falante de grego, e talvez a única, seria a de uma escada. Outros usos do termo são residuais, mas ainda assim mais frequentes do que a acepção retórica do termo: em especial na literatura médica, onde assistimos a autênticas sessões de tortura do paciente sobre a κλῖμαξ, como método para reduzir ou curar luxações7. Noutros passos, a κλῖμαξ é um instrumento de tortura8, um truque feito pelos atletas num combate9 ou um sítio10. Temos pois que o sentido de κλῖμαξ é, em grego clássico, mais do que tudo, literal. Naturalmente, sempre esteve presente na literatura grega a ideia de que a escada pode ser um objecto que eleva o homem metaforicamente acima da sua condição11. No contexto judaico e cristão, o termo κλῖμαξ tem outra acepção, pois 4 Quer no seu sentido de “escada de mão” como de “escadaria”. Todos exemplos da Odisseia (1.330, 10.558, 11.63, 21.5); nestes passos tem o sentido de “escadaria” e não de “escada de mão”, significado estaticamente mais recorrente em grego. 6 Como são exemplos Tucídides (e.g. 3.20.3; 4.135.1), Diodoro Sículo (e.g., 12. 56. 13; 16.75.3), Dionísio de Halicarnasso (e.g. 5. 49. 4; 8.17.6), Arriano (e.g. An. 2.27.5, 4.2.3), Flávio Josefo (e.g. AJ. 12.338; BJ. 6.224), Apiano (e.g. Hisp. 408; Pun. 62), citando apenas os que mais usam o termo, empregue quase exclusivamente neste sentido, na citada situação/padrão. Aliás, sintomático desta escolha semântica é o facto de nestes autores grande parte das ocorrências ser no plural (“escadas”). Aliás no cômputo geral, cerca de metade das ocorrências deste termo (597) encontra‐se no plural, o que parece desde logo fugir ao conceito “singular” de “clímax”, tal como o conhecemos (muitas vezes com o artigo definido: “o clímax”). 7 Cf. Hipócrates, De articulis, 42‐43. Cf. práticas semelhantes nas Collectiones medicae de Oribásio (49.9‐11) e os comentários de Galeno ao De articulis de Hipócrates. 8 Cf. Ar. Ra. 618. 9 Sófocles, Tr. 521. Este uso é, no entanto, muito pouco frequente. Deste sentido derivam os verbos διακλιμακίζω (cf. Platão Cómico, 132) e κλιμακίζω (cf. Poll. 3. 155, Aristoph. fr. 50) e o substantivo κλιμακισμός. 10 Cf. Políbio 5.72.4, Estrabão 14.3.9. 11 Atentar, especialmente, no passo de Aristófanes, Aves, 837‐842: Ἄγε νυν σὺ μὲν βάδιζε πρὸς τὸν ἀέρα καὶ τοῖσι τειχίζουσι παραδιακόνει, χάλικας παραφόρει, πηλὸν ἀποδὺς ὄργασον, λεκάνην ἀνένεγκε, κατάπεσʹ ἀπὸ τῆς κλίμακος, φυλακὰς κατάστησαι, τὸ πῦρ ἔγκρυπτʹ ἀεί, κωδωνοφορῶν περίτρεχε καὶ κάθευδʹ ἐκεῖ. 5 19 designa em contextos teológicos quase sempre um elo místico entre o homem e Deus, e encontramos inúmeras passagens que recorrentemente vão fazer a exegese do episódio da escada de Jacob (Génesis 28:12‐15)12, a começar por autores como Fílon de Alexandria13 ou Flávio Josefo14, e terminando nos autores da Patrística Grega, em que esta tradição exegética está omnipresente15. Assim, a palavra κλῖμαξ, na esmagadora maioria das ocorrências em textos desta natureza, tem um significado preponderantemente místico e metafórico, aventamos nós não só por influência do episódio do Génesis, mas também para descrever o processo humano de ascensão ao divino e à virtude por meio de uma alegórica escada. No entanto, fora do contexto da Teologia, temos bastantes exemplos do uso dado a esta palavra bem dentro da era cristã no seu sentido literal de escada16, o que demonstra que κλῖμαξ, no grego posterior à época clássica, continua a designar o objecto “escada”, seja entendido literal seja metaforicamente. Aliás, nos léxicos antigos, não há qualquer referência a Um fragmento de Píndaro aponta também neste sentido (Maehler 162 ‐ οἱ μὲν κατωκάρα δεσμοῖσι δέδενται / πιτνάντες θοὰν κλίμακʹ οὐρανὸν ἐς αἰπύν) e também Luciano (Cont. 3.23). 12 καὶ ἐνυπνιάσθη καὶ ἰδοὺ κλίμαξ ἐστηριγμένη ἐν τῇ γῇ ἧς ἡ κεφαλὴ ἀφικνεῖτο εἰς τὸν οὐρανόν καὶ οἱ ἄγγελοι τοῦ θεοῦ ἀνέβαινον καὶ κατέβαινον ἐπʹ αὐτῆς (…). Também Zósimo Alquimista (século III‐IV) descreve um episódio de descida e subida místicos, da escuridão à luz, mediante a metáfora da escada (cf. 2.108, ed. Berthelot). 13 De entre as várias ocorrências, temos por exemplo Som. 1. 146: ἡ μὲν οὖν ἐν κόσμῳ λεγομένη συμβολικῶς κλῖμαξ τοιαύτη ἐστί, τὴν δ' ἐν ἀνθρώποις σκοποῦντες εὑρήσομεν τὴν ψυχήν, ἧς βάσις μὲν τὸ ὡσανεὶ γεῶδές ἐστιν, αἴσθησις, κεφαλὴ δ' ὡς ἂν τὸ οὐράνιον, ὁ καθαρώτατος νοῦς. O autor parece ter aliás cunhado o termo οὐρανοκλῖμαξ (cf. Som. 1. 3, com lições variantes). 14 E.g.: κλίμακα γῆθεν ἔδοξεν ἐφικνουμένην τοῦ οὐρανοῦ βλέπειν καὶ δι' αὐτῆς ὄψεις κατιούσας σεμνότερον ἢ κατὰ ἀνθρώπου φύσιν ἐχούσας, καὶ τελευταῖον ὑπὲρ αὐτῆς τὸν θεὸν ἐναργῶς αὐτῷ φαινόμενον ὀνομαστί τε καλέσαι καὶ ποιήσασθαι τοιούτους λόγους (AJ. 1.279). 15 Cf., e.g., Orígenes, Contra Celsum, 6.21‐22; Gregório Taumaturgo, In Origenem oratio panegyrica, 8. 26); Justino, Dialogus cum Tryphone, 58.11; Gregório de Nissa, Orationes VIII de beatitudinibus, 44.1248‐9; Eusébio de Cesareia, Generalis elementaria introductio, 19.5, 19.27, 46.9; Gregório de Nazianzo, Funebris oratio in laudem Basilii Magni Caesareae, 71.3, De theologia, 18; Atanásio, Expositiones in Psalmos, 27.233; Basílio, Epistulae, 42. 5, Homiliae super Psalmos, 29.217; João Crisóstomo, Expositiones in Psalmos, 55.339, In Epistulam ad Colossenses, 62.336, In Sanctum Pascha, 51.8‐9; João de Damasco, Sacra Parallela, 96.177. Salvo indicação em contrário, as edições usadas e lições seguidas, assim como a denominação dos passos, seguem a versão apresentada no TLG. 16 Basta‐nos mudar o contexto para a Historiografia, onde autores como Procópio (séc. VI.) ou João de Caminiates (séc. IX‐X) continuam o usar o termo predominantemente neste sentido, assim como autores como Miguel Pselo (séc. XI), ou João Zonaras (séc. XI‐XII). 20 um sentido mais “metafórico” ou “retórico” do termo; grande parte das vezes na definição da palavra vem apenas o seu sinónimo σκάλα17. No decorrer da nossa investigação sobre a palavra nos seus diversos contextos, chegámos aos lemas compostos a partir desta, procurando saber se, de alguma forma, havia uma palavra composta a partir de κλῖμαξ que pudesse ter influenciado a leitura posterior dos autores modernos. O termo claramente mais utilizado é κλιμακτήρ18, “lanço de escada”19, palavra cuja fortuna se deveu, em grande parte, à sua especialização no contexto da Astrologia, onde a expressão designa o período crítico vivido pelo homem de degrau em degrau a partir dos múltiplos de 720. Apesar de esta acepção estar presente nas línguas modernas21, a verdade é que o papel deste composto de κλῖμαξ para a fortuna do termo não nos parece óbvia, embora nele avulte a ideia de algo que vai crescendo tendo em conta um determinado momento “crítico” (o “ano climactérico”), imagem que não deixa de estar próxima do “clímax moderno”. Outro composto desta palavra bastante frequente é o seu diminutivo, κλιμάκιον, mas como seria de esperar o termo nunca surge com a especialização que sofreu na retórica, assim como κλιμακίς, “pequena escada”. O mesmo se passa com κλιμακόεις, κλιμακώδης e κλιμακοειδής “semelhante a escada”, o advérbio κλιμακηδόν22, “em forma de escada” e o substantivo κλιμακοφόρος, “aquele que 17 Assim na Suda (“κλῖμαξ”, kappa, 1806), no Etymologicum Gudianum (“κλῖμαξ”, kappa, 328, ἡ σκάλα διὰ τὸ καλεῖν εἰς μῆκος· ἢ ἀπὸ τοῦ κλίνω γίνεται κλίναξ καὶ κλίμα), no Etymologicun Magnum (κλῖμαξ, kappa, 519, ἡ σκάλα. Ἀπὸ τοῦ κλίνω κλίναξ καὶ κλίμαξ), no Lexicon de Ps.‐Zonaras (kappa, 1219, ἡ σκάλα. παρὰ τὸ κλίνω). 18 Com os seus compostos κλιμακτηρίζω, κλιμακτηρικός e κλιμακτηριωδής. 19 Cf. exemplos dados pelo dicionário de Montanari e os de Liddell and Scott: Eur. Hel. 1570, Hp. Art. 5.78, Vt. Iez. 40.37, 43.17 Poll. 10.171, Ar.Fr.277, Hp. Art.78, IG22.244.80, 11(2).203A43 (Delos, iii B.C.). 20 Termo especialmente usado nesse sentido por Vétio Valente e Heféstion. 21 O dicionário Houaiss regista as formas “climactérico” e “climactério” neste sentido, além do antepositivo “climacter‐” (define o latim climacter como “estádio ou estágio da vida (difícil de superar), ano climactérico, que é tido como decisivo para a vida dos homens e mulheres, ano crítico para a vida de cada um (havia‐os na base do multiplicador sete)”. Interessante é observar que a datação de “climactérico” ‐ 1670 (cf. Pe. Fr. Antonio Teixeira. Epítome das notícias astrológicas para a medicina. Lisboa, 1670) é claramente anterior à datação do termo “clímax”, 1836 segundo o Houaiss (cf. Francisco Solano Constâncio, Novo diccionario critico e etymologico da lingua portugueza. Paris, 1836). 22 Existe uma ocorrência num comentário antigo a um passo da Ilíada que nos parece sugerir uma utilização literária do termo (in Iliadem 3.182a). Este será analisado na alínea sobre os Scholia ad Homerum. 21 transporta uma escada”. A única excepção à regra é o adjectivo κλιμακωτός, que se especializou mercê da expressão κλιμακωτὸν (σχῆμα)23. Mas então de onde derivou o sentido moderno de “clímax”? A resposta não é simples. De facto, na Retórica, o termo é usado num sentido técnico e preciso24. Torna‐se pois fundamental estudar com precisão este significado, e para o fazer propomos analisar praticamente todas as ocorrências do termo κλῖμαξ neste sentido, por ordem tanto quanto possível cronológica. A figura retórica κλῖμαξ – ocorrências em grego  Pseudo‐Demétrio, De elocutione (? III a.C.). Λαμβάνοιτ΄ ἂν καὶ ἡ κλῖμαξ καλουμένη, ὥς περ Δημοσθένει τὸ «οὐκ εἶπον μὲν ταῦτα, οὐκ ἔγραψα δέ· οὐδ΄ ἔγραψα μέν, οὐκ ἐπρέσβευσα δέ· οὐδ΄ ἐπρέσβευσα μέν, οὐκ ἔπεισα δὲ Θηβαίους» (Demosth., De corona, 179) · σχεδὸν γὰρ ἐπαναβαίνοντι ὁ λόγος ἔοικεν ἐπὶ μειζόνων μείζονα· εἰ δὲ οὕτως εἴποι τις ταῦτα, εἰπὼν ἐγὼ καὶ γράψας ἐπρέσβευσά τε καὶ ἔπεισα Θηβαίους, διήγημα ἐρεῖ μόνον, δεινὸν δὲ οὐδέν (270)25. A primeira ocorrência da palavra κλῖμαξ num contexto retórico surge logo no século III a.C.26, no De elocutione (Περὶ ἑρμηνείας) de Pseudo‐Demétrio, podendo 23 Só duas ocorrências (Políbio 5.59.9 e Estrabão 16.1.5) na sua primeira acepção de “feito em forma de escada”; depois de Hermógenes, o termo passou somente a designar o κλιμακωτὸν (σχῆμα), sinónimo da figura retórica κλῖμαξ. 24 Mesmo assim, os autores ligados à Retórica utilizam o termo bastante vezes no seu sentido literal (cf., e.g., Górgias, fr. 11a Diels, Aftónio, Progymnasmata, 10.39, Libânio, Or. 1.191, 2.22). 25 A edição usada é a de Radermarcher (1967). 26 A datação do De elocutione é problemática; Reed (2005, 124‐125) oferece‐nos um bom resumo do mais recente estado da questão; existem fundamentalmente duas escolas, uma que defende a data aproximada de 270 a.C. como a mais provável, outra que aponta para o século I a.C.. Na opinião deste estudioso, os argumentos apresentados por Grube (1961), e mais recentemente por Walker (2000), são os que mais consenso reúnem: Grube faz um estudo a partir das referências históricas e literárias do texto e coloca‐as no contexto da expansão helenística no Mediterrâneo e Ásia Menor, antes de Cícero e Quintiliano. Como conclui Reed (2005, 125) “the treatise’s focus on style over virtue and its references to Aristotle and the tradition of the Peripatetic school have led Walker and a majority of modern 22 com segurança afirmar‐se que o termo não tinha uma acepção técnica no período clássico grego, datando esta sim do período helenístico, provavelmente por influência da escola peripatética, em particular Teofrasto, uma vez que a Retórica de Aristóteles, tida como a grande fonte do De elocutione, não apresenta o termo κλῖμαξ. A presente citação enquadra‐se no capítulo do tratado dedicado à δεινότης, a força ou veemência do discurso. É interessante observar que nesta primeira ocorrência do termo, para todos os efeitos ainda não uma definição, avulta a ideia de um λόγος que sobe, usando‐se para exprimir tal ideia o verbo ἐπαναβαίνω, e igualmente a ideia de um progresso qualitativo, usando‐se para tal a expressão ἐπὶ μειζόνων μείζονα, sintagma que utiliza o comparativo de μέγας para descrever o processo ‐ “de maior em maior”. As definições posteriores de clímax vão procurar ser mais específicas do que esta, intentando descrever a técnica ou o modo como este “progresso” vai sendo construído. O exemplo citado de Demóstenes vai ser repetido abundantemente pelos autores posteriores, sugerindo uma fonte comum de onde os retóricos retiravam exemplos de figuras. Sublinhemos que na primeira ocorrência do vocábulo não surge qualquer explicitação técnica do termo: faz‐se sim uma descrição ao nível do objectivo da κλῖμαξ, dando‐se um exemplo de Demóstenes, deixando ao leitor a sua análise estilística. Não podemos no entanto, ao ler o exemplo, deixar de pensar que estamos perante uma figura que utiliza a repetição de palavras como um meio fundamental para criar esta “subida” descrita pelo verbo ἐπαναβαίνω.  Pseudo‐Longino, Περὶ ὕψους (? I.‐III a.C.) Τά γε μὴν πολύπτωτα λεγόμενα, ἀθροισμοὶ καὶ μεταβολαὶ καὶ κλίμακες, πάνυ ἀγωνιστικά, ὡς οἶσθα, κόσμου τε καὶ παντὸς ὕψους καὶ πάθους συνεργά. τί δέ; αἱ τῶν πτώσεων χρόνων προσώπων ἀριθμῶν γενῶν ἐναλλάξεις, πῶς ποτε καταποικίλλουσι καὶ ἐπεγείρουσι τὰ ἑρμηνευτικά; (…) scholars to conclude that the date of 270 BCE is “hard to refute”“ (o autor cita aqui Conley (1990, 48n3)). 23 οὐ μέντοι δεῖ ποιεῖν αὐτὸ ἐπ΄ ἄλλων, εἰ μὴ ἐφ΄ ὧν δέχεται τὰ ὑποκείμενα αὔξησιν ἢ πληθὺν ἢ ὑπερ βολὴν ἢ πάθος, ἕν τι τούτων ἢ [τὰ] πλείονα, ἐπεί τοι τὸ πανταχοῦ κώδωνας ἐξῆφθαι λίαν σοφιστικόν (23‐24)27. No tratado Sobre o Sublime, também de datação duvidosa (Kellner 2005, 245)28, ouvimos falar de novo nesta “misteriosa” figura chamada κλῖμαξ, abordada de passagem no tratado anteriormente citado. No entanto, estamos ainda longe de uma definição. Em Pseudo‐Longino apenas se refere paralelamente a figura (no plural, κλίμακες), como exemplo de poliptotos29. Daqui se subentende que, enquanto em Pseudo‐Demétrio a κλῖμαξ é classificada tendo em vista o seu efeito no ouvinte (como figura que transmite δεινότης), em Pseudo‐Longino a κλῖμαξ é fundamentalmente uma figura de repetição de palavras, tal como o ἀθροισμός (congeries) e a μεταβολή. Este autor considera‐as assim armas poderosas (ἀγωνιστικά), contribuindo para criar sublime e o πάθος. Este excerto aduz ainda um juízo de valor em relação à utilização do termo – o seu autor adverte para o seu uso, que, se não servir um propósito definido, como por exemplo de aumentar ou engrandecer o assunto (τὰ ὑποκείμενα αὔξησιν), assim o contexto admita, pode redundar num uso excessivamente sofístico30. No entanto, nenhuma definição é dada da figura, não se sabendo a forma como é construída nem os meios que emprega. Na primeira citação (Pseudo‐Demétrio) explica‐se a sua finalidade, na segunda (Pseudo‐Longino) enquadra‐se tecnicamente no capítulo dos poliptotos. E assim, chegamos ao final do século I a.C. sem qualquer definição do termo, que até esta altura só foi usado duas vezes com esta acepção retórica no corpus remanescente de textos gregos, num contexto curto, e igualmente sem grande precisão, o que leva os autores do artigo sobre o clímax do Historisches Wörterbuch der Rhetorik (Kirby e 27 A edição é a de Russell (1964). Cf. igualmente Heath (1999, 43‐73). Interessantemente, as datas que suscitam discussão são idênticas; ambos os tratados foram provavelmente escritos no mesmo período (séc. III‐I a.C.). 29 Não no sentido costumeiro de variação do caso da palavra (πτῶσις), mas de qualquer forma de variação de palavra (tempo, pessoa, género, etc.), assim ressalva a nota da edição da Loeb (Rhys‐Roberts e Fyfe 1927, 196n) à tradução deste tratado. 30 A metáfora que usa aliás é sugestiva; o grego fala em “agarrar‐se ao trompete” (τὸ κώδωνας ἐξῆφθαι) para descrever a solenidade balofa deste recurso quando usado sem uma intenção retórica clara e adequada. 28 24 Poster 1998, 1106)31 a considerar que se trata de um indício de que estes textos pressupõem a familiaridade do leitor com o termo. Sendo esta uma afirmação lógica, não é menos certo considerar igualmente que a figura é marginal no contexto da retórica até à altura em questão, sendo por isso referida apenas de passagem32.  Pseudo‐Herodiano, De figuris (? I‐II d.C.) 1) Σχῆμά ἐστι λόγου ἢ λέξεως οἰκονομία μετ΄ εὐκοσμίας ἐκπεφευγυῖα τὴν ἰδιωτικὴν ἁπλότητα τῆς ἀπαγγελίας. ἔστι δὲ τὰ τῷ λόγῳ παρακολουθοῦντα σχήματα τάδε· ἀπὸ κοινοῦ, μερισμός, ἀπολελυμένον, παρονομασία, ἀποσιώπησις, διὰ μέσου, διόρθωσις, προδιόρθωσις, ἐπιδιόρθωσις, ἀποστροφή, (…) κλῖμαξ, σύλληψις (25).33 2) Κλῖμαξ δὲ ὅταν ἕκαστον τῶν ἐν τοῖς κώλοις ὀνομάτων ἀναλαμβάνοντες διατιθώμεθα τὸν λόγον, ὡς «οὐκ εἶπον μὲν ταῦτα, οὐκ ἔγραψα δέ, οὐδ΄ ἔγραψα μέν, οὐκ ἐπρέσβευσα δέ, οὐδ΄ ἐπρέσβευσα μέν, οὐκ ἔπεισα δὲ Θηβαίους» (Demosth., De corona, 179). καὶ τὸ παρ΄ Ὁμήρῳ δέ τινες τούτῳ τῷ σχήματι συναριθμοῦσιν, «῞Ηφαιστος μὲν δῶκε Διῒ Κρονίωνι ἄνακτι· αὐτὰρ ἄρα Ζεὺς δῶκε διακτόρῳ ἀργειφόντῃ Ἑρμείας δὲ ἄναξ δῶκεν Πέλοπι πληξίππῳ· αὐτὰρ ὁ αὖτε Πέλοψ δῶκ΄ Ἀτρέϊ, ποιμένι λαῶν· Ἀτρεὺς δὲ θνήσκων ἔλιπε πολύαρνι Θυέστῃ· αὐτὰρ ὁ αὖτε Θύεστ΄ Ἀγαμέμνονι λεῖπε φορῆναι» (Il. II.104‐109) (49). 31 Este parece‐nos o mais profundo estudo feito até ao momento sobre a acepção retórica deste termo, pelo que se revelou uma referência fundamental para o presente capítulo. 32 Compare‐se, a este respeito, no corpus dos retores gregos até este século, a fértil ocorrência de termos como ἀναφορά e ἐπιστροφή, igualmente figuras de repetição. 33 Seguimos a numeração seguida pela edição mais recente deste tratado (Hajdú 1998). 25 Embora a datação do tratado seja de novo problemática34, temos provavelmente a primeira definição em grego da figura retórica κλῖμαξ35. A citação 1) começa por enquadrar a κλῖμαξ nos σχήματα λέξεως, definidos como formas de fugir à comum simplicidade da enunciação (τὴν ἰδιωτικὴν ἁπλότητα τῆς ἀπαγγελίας)36, e fazendo‐os indissociáveis do λόγος. O autor cita a este respeito um elenco vasto de figuras desta natureza, e continua o seu texto definindo‐as. É neste contexto que surge a citação 2), em que assoma a definição de clímax: “clímax é quando compomos uma frase (λόγος) tomando de novo cada uma das palavras (ὀνόματα) nos membros [da frase]”37. Esta definição acaba por suscitar algumas questões, nomeadamente em relação à tradução da expressão ἕκαστον τῶν ὀνομάτων; o grego fala no tomar de novo (ἀναλαμβάνω) de cada uma das palavras, e não é pois claro se para haver clímax basta repetir uma palavra, ou todas. Pelos exemplos citados, subentende‐se que basta repetir uma; utiliza‐se o mesmo excerto de Demóstenes já citado em Pseudo‐Demétrio, e outro passo da Ilíada. No exemplo do orador grego, “não falei desta forma sem que propusesse isto por escrito, não propus isto por escrito sem que realizasse uma missão, e não realizei uma missão sem convencer os Tebanos”, nota‐se que o exemplo não vai totalmente ao encontro da definição, pois a palavra ἔγραψα de facto é retomada no membro seguinte, assim como ἐπρέσβευσα, mas o verbo εἶπον não se repete, assim como ἔπεισα (de πείθω). Surge neste tratado a primeira referência a um passo de Homero que a tradição retórica vai eleger, a par com o de Demóstenes, como paradigmático. No entanto, neste contexto o exemplo parece vir mais ao encontro da definição dada; de facto, a forma Διΐ retoma‐se no verso seguinte (Ζεύς), e assim sucessivamente com 34 Para uma discussão completa da datação seguida, cf. Hajdú (1998, 19‐23); o autor, além de resumir de forma sistemática o estado da questão, apresenta os argumentos que sustentam a tese de que se trata de um tratado formado por duas partes distintas e compostas por autores diferentes (“der Traktat besteht aus zwei heterogenen Teilen, die nach allem, was wie über die antike Rhetorik wissen, nicht zusammengehören”, 22). 35 O artigo do Wörterbuch der Rhetorik (Kirby e Poster 1998), no entanto, não faz referência a esta fonte. Só por este aspecto se prova a utilidade da busca extensiva do termo que se fez no corpus do TLG. 36 Aproximando‐o aliás do próprio conceito de ὕψος de Pseudo‐Longino, “elevação” de discurso que a tradição latina traduziu por sublimitas, o que contribuiu para o equívoco comum de tomar o termo numa perspectiva “romântica” que é de todo alheia ao tratado. 37 Ὄνομα tem um sentido técnico (cf., e.g., Arist., Rh.1404b5). 26 Διακτόρῳ Ἀργειφόντῃ38 que é retomado por Ἑρμείας no verso seguinte, Πέλοπι (Πέλοψ no verso seguinte), Ἀτρέϊ (Ἀτρεὺς no verso seguinte) e Θυέστῃ (Θύεστης no verso seguinte). Dos exemplos podemos já retirar mais ilações do que propriamente da definição, que nos parece um pouco vaga: trata‐se de uma figura que a escola retórica associa à repetição – seja por repetição literal de palavras (como é o caso de Demóstenes), seja por repetição de palavras em poliptoto (desta feita no seu sentido próprio, e não no sentido de Pseudo‐Longino, i.e., com a mesma palavra flexionada em casos diferentes ‐ Πέλοπι/Πέλοψ; Ἀτρέϊ/Ἀτρεὺς; Θυέστῃ/Θύεστης), seja por repetição de uma ideia (no caso do exemplo da Ilíada, o epíteto Διακτόρῳ Ἀργειφόντῃ é retomado por Ἑρμείας). Continuemos, porém, o nosso estudo.  Hermógenes, Περὶ Ἰδεῶν λόγου (II d.C.) Ἔτι τῶν ἐπιφανῶς καλλωπιζόντων ἐστὶ μετὰ ἐναργείας καὶ τὸ κλιμακωτὸν καλούμενον σχῆμα, ὃ δὴ σπάνιον παρὰ τῷ ῥήτορι, μᾶλλον δὲ οὐδὲ σπάνιον, ἀλλ'ἅπαξ ἢ δὶς εἰρημένον· ἔστι δὲ οὐδὲν ἄλλο ἢ πλεονάζουσα ἀναστροφή, οἷον «οὐκ εἶπον μὲν ταῦτα, οὐκ ἔγραψα δέ, οὐδ' ἔγραψα μέν, οὐκ ἐπρέσβευσα δέ, οὐδ'ἐπρέσβευσα μέν, οὐκ ἔπεισα δέ» (Demosth., De corona, 179). εἰ δ' αἱ ταχεῖαι τῶν μερισμῶν ἀποδόσεις καὶ αἱ βραχυκωλίαι πεποιήκασιν εἶναι καὶ γοργὸν τὸν λόγον ἢ εἰ διὰ τὰς πολλὰς ἀναιρέσεις γέγονέ πως καὶ εὐειδής, ἑτέρου λόγου. καίτοιπως καὶ τὸ εὐειδές ἐστι τοῦ κάλλους ἴδιον καὶ αἱ ἀναιρέσεις γε αἱ αὐταί. ἀλλ' εἰ καὶ μὴ ἦν ἴδιον, πολλάκις ἐμαρτυράμην, ὡς τῶν χαλεπωτάτων ἐστὶν εὑρεῖν ὁτιοῦν παρὰ τῷ ῥήτορι τοιοῦτον, οἷον ἐπὶ πολὺ μιᾶς ἰδέας εἶναι (1. 12. 304‐305)39. Das ocorrências analisadas, esta é a primeira cuja autoria e datação não são problemáticas. Hermógenes de Tarso (160‐ ca. 225 a.C.) é seguramente o autor deste 38 39 “O Matador de Argos”, epíteto de Hermes. A edição é a de Rabe (1969). 27 manual de retórica, composto provavelmente na juventude40, e que teve grande fortuna na escola retórica posterior41. Neste influente texto, Hermógenes enquadra a κλῖμαξ no seu capítulo sobre o “Estilo Cuidado e a Beleza” (Περὶ ἐπιμελείας καὶ κάλλους), e faz desta figura uma forma de lograr o belo, como se percebe pela forma como a introduz no seu tratado: o termo ἐπιφανῶς (com distinção, com notabilidade) associado ao conjunto de figuras que criam o κάλλος (τῶν καλλωπιζόντων), e igualmente a expressão μετὰ ἐναργείας (com energia, vivacidade) permite de imediato colocar a figura estudada num lugar especial em relação às outras figuras tratadas neste capítulo, embora de imediato o seu autor assevere que esta é rara παρὰ τῷ ῥήτορι, isto é, em Demóstenes, autor que a utiliza, na opinião de Hermógenes, apenas “uma ou duas vezes”. A definição que o autor dá desta figura suscita algumas questões: ἔστι δὲ οὐδὲν ἄλλο ἢ πλεονάζουσα ἀναστροφή – “não é mais do que uma anástrofe levada ao exagero”. A tradução de Wooten (1987, 60) de πλεονάζουσα por extended, embora capte na essência o termo e resolva um evidente problema de tradução, não faz justiça (seria difícil aliás fazê‐lo) ao verbo πλεονάζω, que tem tão diferentes acepções42 como “ser mais”, “ser mais do que suficiente”, “estar em excesso”, “usado para criar excesso”, “ser redundante”, “exceder”, “passar as fronteiras, tomar ou reclamar demasiado”, “feito para engrandecer”, “usar em adição, em redundância”, para citar apenas as que mais sentido fazem para o presente contexto. O clímax será pois “nada mais” (οὐδὲν ἄλλο) do que uma anástrofe, ou seja, uma palavra que está no final de um membro e se repete no princípio do outro43 literalmente “levada ao exagero”, ou, se interpretarmos mais metaforicamente, “usada para constante engrandecimento”, ou como traduz C. W. Wooten, uma “anástrofe estendida”. Mas o processo técnico de construção da κλῖμαξ, que Hermógenes assim define, parece fugir à apreciação que dela faz o seu autor no período seguinte, como ele próprio admite quando afirma “mas isso é outra 40 Pelo menos é esta a ideia do tradutor C. W. Wooten (1987, xviii); daí datarmos o presente excerto de II. a.C.. 41 “Hermogenes’ Art of Rhetoric is important because it is the text that connects us most securely to the Greco‐Roman tradition of technical, rule‐based rhetoric” (J. B. Davis 2005, 198). 42 Seguimos as entradas de Liddel & Scott, cotejando igualmente o dicionário de Montanari. 43 Ou mais especificamente “Wiederholung der letzten Wörter bzw. des letzten Wortes des vorhergehenden Satzes bzw. Satzteiles am Beginn des folgenden” (Kirby e Poster 1998, 1109). 28 questão” (ἑτέρου λόγου). Isto porque, para o retor, não é o facto de o clímax ser “nada mais, nada menos” de que uma anástrofe reiterada que faz dele um veículo do κάλλος; é precisamente a sua capacidade de criar rapidez e fluência (αἱ ταχεῖαι τῶν μερισμῶν ἀποδόσεις), aliada ao ritmo das negações (διὰ τὰς πολλὰς ἀναιρέσεις) e à brevidade dos membros (βραχυκωλίαι) que faz da citação de Demóstenes um exemplo de εὐειδής, de Belo. Hermógenes, confrontando‐se a si mesmo com esta aparente dissociação entre processo técnico (uma simples repetição, οὐδὲν ἄλλο) e efeito produzido (uma repetição levada ao exagero, veículo da Beleza), chega à conclusão de que, tal como em outros tantos casos em Demóstenes, é virtualmente impossível encontrar um exemplo claro de uma só figura, estando todas interligadas. O autor continua elogiando o orador ateniense, algo que já não nos interessa para o presente contexto. É importante reter, a partir do excerto transcrito, que a figura da κλῖμαξ neste autor está indissociavelmente ligada à criação de beleza e de fluência de discurso, e que os meios de que dispõe, nomeadamente a repetição de palavras, parecem não traduzir por completo esta ideia de crescimento, de exagero, no sentido etimológico latino (exaggerare ‐ “acumular, amontoar”), como implicitamente observa Hermógenes. É também relevante observar que o termo κλῖμαξ não surge na citação anterior, sendo antes utilizado o adjectivo κλιμακωτός ‐ τὸ κλιμακωτὸν σχῆμα – “a figura em forma de escada” ‐ termo que vai sobreviver posteriormente, tudo indica por influência deste autor, na escola retórica grega.  Alexandre, filho de Numénio, De figuris (II d.C.) ΠΕΡΙ ΚΛΙΜΑΚΟΣ. Κλῖμαξ δὲ γίνεται, ὅταν ἐπὶ πλεῖον μηκύνοντες τὸ προκείμενον κεφάλαιον καθ΄ ἕκαστον κόμμα τὴν αὐτὴν λέξιν τελευτήν τε καὶ ἀρχὴν ποιήσωμεν, ὡς ἔχει τὸ Δημοσθενικόν, καὶ «οὐκ εἶπον μὲν ταῦτα, οὐκ ἔγραψα δέ· οὐδὲ ἔγραψα μέν, οὐκ ἐπρέσβευσα δέ· οὐκ ἐπρέσβευσα μέν, οὐκ ἔπεισα δὲ 29 Θηβαίους» (Demosth., De corona, 179). γίνεται δὲ καὶ κατὰ συνωνυμίαν κλῖμαξ, ὡς ἔχει τὸ Ὁμηρικόν, «῞Ηφαιστος μὲν δῶκε Διῒ Κρονίωνι ἄνακτι· αὐτὰρ ἄρα Ζεὺς δῶκε διακτόρῳ Ἀργειφόντῃ· Ἑρμείας δὲ ἄναξ δῶκε Πέλοπι πληξίππῳ· αὐτὰρ ὁ αὖτε Πέλοψ δῶκ΄ Ἀτρέϊ ποιμένι λαῶν·» (Il. II.104‐107) καὶ γὰρ Κρονίων καὶ Ζεὺς συνώνυμά πώς ἐστι, καὶ τὸ Ἀργειφόντης καὶ Ἑρμῆς· εἴληφε δὲ τὸ σχῆμα τὸ ὄνομα ἀπὸ τῆς κλίμακος· καὶ γὰρ ἐν ταύτῃ, ἐφ΄ ὃν λήγομεν βαθμόν, ἀπ΄ ἐκείνου πάλιν ἀρχόμεθα (II. 8). 44 Esta é uma definição bastante específica45 daquilo que é o clímax na opinião deste retórico do século II d.C., sobre o qual pouco se conhece (cf. Ballaira 1978, 190‐198; Russell 1981, 176), mas que parece ter sido um influente autor (“Alexander 12”, OCD, Hornblower e Spawforth 2003, 60). O entendimento que este faz da figura é bastante preciso, centrando‐se fundamentalmente nos processos técnicos de construção. “O clímax surge quando, prolongando em toda a sua extensão o que de mais importante vem antes, fazemos, para cada membro (κόμμα46), da palavra (λέξις) final o princípio da seguinte”. Como se observa, esta definição limita o entendimento de clímax bastante mais do que as anteriores, confinando‐o aos estreitos limites de uma figura de repetição de palavras, repetição essa organizada de forma bastante prescritiva: o fim de um membro deve ser o início de outro47. Para não 44 Vol. 3, p. 31 na edição de Spengel dos Rhetores Graeci (Spengel 1856). Esta definição parece ser credora de Cecílio de Calacte, retórico influente do séc. I a.C.; assim consta, pelo menos, na edição de Ofenloch dos fragmentos deste autor (cf. Ofenloch 1907, 44‐45, frag. 62‐62b), que se apoia nos estudos de Morawski, Martens e Barczat (Barczat 1904, 39; Martens 1877, 17, 1; Morawski 1874, 54). Assim, as definições dadas por Tibério (De figuris Demosthenicis, 28), Quintiliano (IX. 3, 54) e Alexandre, filho de Numénio (De figuris, II. 8), teriam este ancestral comum. 46 Cf. Demétrio, Eloc. 9. 47 Este é aliás, sensu stricto, o único entendimento que Lausberg, com o seu influente tratado Handbuch der Literarischen Rhetorik (1960, 315), faz desta figura: “eine fortshcreitende Anadiplose: /…x/x…y/y…z. Die fortschreitende Weiterführung der Anadiplose bringt variierende Lockerungen in der Realisierung mit sich, so besonders hinsichtlich der Unmittelbarkeit des Kontakts und hinsichtlich der Flexionsformen, da das wierderholte Wort häufig die syntaktische Funktion wechselt”. Este único entendimento de clímax mesmo dentro da retórica clássica é aliás subliminarmente rebatido pelo Wörterbuch der Rhetorik (Kirby e Poster 1998). Não por acaso, o primeiro autor clássico que Lausberg cita é precisamente Alexandre. 45 30 variar, o autor cita o exemplo de Demóstenes, que cabe perfeitamente na definição, de tal forma que esta parece ter sido feita para o exemplo, e não o contrário. O próprio autor acaba por implicitamente o admitir, pois ao debruçar‐se sobre a tradição retórica anterior, verifica que, além deste passo do De corona, a escola retórica costuma citar também o já comentado passo de Homero, presente em Pseudo‐Herodiano; como facilmente Alexandre atenta em que a definição já não “cabe” no exemplo, recorre a um expediente, dizendo que esta repetição também pode ser feita por sinonímia (κατὰ συνωνυμίαν). E para tal, deliberadamente faz de Κρονίων sinónimo de Ζεύς, quando nos parece evidente, como já referimos antes a propósito deste mesmo passo citado por Pseudo‐Herodiano, que Ζεύς não está aqui em relação “de clímax” com Κρονίων, mas sim com Διΐ, o dativo desta palavra, sendo que afinal a sinonímia48 só serve para explicar a relação “de clímax” do epíteto Ἀργειφόντῃ com Ἑρμείας, continuando o retórico grego sem explicar como Πέλοπι, por exemplo, não é a última palavra de nenhum cólon, nem inicia outro, ao arrepio da sua própria definição. Temos assim uma definição que à partida parece ser bastante completa49, mas que parece “esbarrar” com os exemplos que apresenta, não os explicando na sua totalidade. O que nos parece mais interessante, no entanto, neste excerto, é a forma como o seu autor conclui a definição, ao falar do porquê do termo κλῖμαξ, e da sua relação com a prosaica “escada”: “a figura tomou este nome a partir da palavra “escada” (κλῖμαξ): nela, de facto, iniciamos [o movimento] a partir do degrau em que terminamos [o último]”). Dá‐se assim a ideia de um movimento gradual (gradus) e de uma conexão causal de um elemento para outro. Este pormenor etimológico não é despiciendo, e julgamos que terá contribuído em muito para a fortuna posterior do termo na modernidade, como veremos. Aliás, se tentássemos descrever graficamente, a partir do exemplo de Demóstenes, o que se passa na κλῖμαξ retórica, chegaríamos ao seguinte esquema, que descreve a silhueta de uma escada: 48 Só assim se entende porque não estende Alexandre o excerto até ao verso 109, como faz Pseudo‐Herodiano, quando estes versos que faltam são um exemplo claro de clímax literal, e não por sinonímia. 49 “Eine der ausführlichsten antiken Definitionen der Klimax” (Kirby e Poster 1998, 1109). 31 5. (οὐκ ἔπεισα δὲ Θηβαίους) 4. οὐκ ἐπρέσβευσα μέν, 3. οὐκ ἐπρέσβευσα δέ· 2. οὐδὲ ἔγραψα μέν, 1. οὐκ ἔγραψα δέ·  Tibério, De figuris Demosthenicis (? III‐IV d.C.) 1) Τοσαῦτα μὲν τὰ τῆς διανοίας σχήματα παρὰ Δημοσθένει κατενοήσαμεν, τὰ δὲ τῆς λέξεως ἐκ παραλλήλου καὶ ταῦτα κατα μάθωμεν, προειπόντες ᾗ διαφέρουσιν ἀλλήλων. Τούτῳ δὴ μάλιστα φαίη τις ἂν αὐτὰ διενηνοχέναι, τῷ τὰ μὲν τῆς διανοίας σχήματα, κἂν ὑπαλλάξῃ τις αὐτὰ τοῖς ῥήμασιν, ὁμοίως μένειν, τὰ δὲ τῆς λέξεως σχήματα οὐχ οἷόν τε εἶναι φυλάττεσθαι ὑπαλλαττομένης τῆς λέξεως. Ἔστι δὲ ταῦτα· ἀλληγορία, μετάθεσις, ἀναστροφή, μετάληψις, παρονομασία, κλῖμαξ, ἐπαναφορά ἀντιστροφή, ἐπιμονή, ὑπερβατόν, ἀπίσωσις, πλεονασμός, περίφρασις, συζυγία, ἀπὸ κοινοῦ, μεταβολή, ὑποφορά, ἀντίθετον, ἀπόλυτον, ἀσύνδετον, ἔλλειψις (23)50. 2) Κλῖμαξ δέ ἐστιν ὅταν, εἰς πολλὰ κῶλα ἑνὸς ἐνθυμήματος διαιρουμένου, ἕκαστον κῶλον ἄρχηται ἀπὸ τοῦ ἐν τῷ προηγουμένῳ κώλῳ τελευταίου. μετενήνεκται δὲ τὸ ὄνομα ἀπὸ τῶν ἀναβαινόντων τὰς κλίμακας· ὥσπερ γὰρ ἐκείνοις τὰ τελευταῖα πρῶτα γίνεται κατὰ τὴν τῶν ποδῶν μετάθεσιν, οὕτω καὶ ἐν τῷ σχήματι τούτῳ τὰ τῶν πρώτων κώλων τελευταῖα τῶν ἐπιφερομένων ἀρχὴ γίνεται. σαφέστερον δ΄ ἔσται τοῖς 50 A edição usada é a de Ballaira (1968). 32 παραδείγμασιν· «οὐκ εἶπον μὲν ταῦτα, οὐκ ἔγραψα δέ· ἢ ἔγραψα μέν, οὐκ ἐπρέσβευσα δέ· οὐκ ἐπρέσβευσα μέν, οὐκ ἔπεισα δὲ Θηβαίους» (Demosth., De corona, 179). καὶ τό· «῞Ηφαιστος μὲν δῶκε Διὶ Κρονίωνι ἄνακτι, αὐτὰρ ἄρα Ζεὺς δῶκε διάκτορι Ἀργεϊφόντῃ· Ἑρμείας δὲ ἄναξ δῶκε Πέλοπι πληξίππῳ, αὐτὰρ ὁ αὖτε Πέλοψ δῶκ΄ Ἀτρέι, ποιμένι λαῶν· Ἀτρεὺς δὲ θνήσκων ἔλιπεν πολύαρνι Θυέστῃ, αὐτὰρ ὁ αὖτε Θυέστ΄ Ἀγαμέμνονι λεῖπε φορῆναι.» (Il. II.104‐109) Τινὲς δὲ νομίζουσι τοῦτο τὸ σχῆμα τὸ αὐτὸ εἶναι τῇ ἐπαναδιπλώσει, ἠγνοήκασι δὲ ὅτι ἡ μὲν ἀναδίπλωσις ἐν δύο κώλοις γίνεται, ἡ δὲ κλῖμαξ ἐν πολλοῖς, καὶ ὅτι πλήθους ἔμφασιν ἐργάζεται (28). Tibério foi um retor menor da Segunda Sofística, não particularmente influente nem original51, que floresceu por meados do século III. O único tratado que sobreviveu foi o presente, dedicado às figuras existentes em Demóstenes e por ele utilizadas. A citação 1) surge quando, no contexto da obra, o autor prossegue para as figuras de palavra (τῆς λέξεως σχήματα), depois de ter analisado as figuras de pensamento (τῆς διανοίας σχήματα). No elenco que se segue, depois de uma curtíssima discussão sobre as principais diferenças entre elas, é referida a κλῖμαξ. Mais à frente, na citação 2), é definido o que se entende por esta figura: “O clímax surge quando, dividindo‐se um pensamento em diversos membros, um membro se inicia exactamente com aquilo que veio no fim do membro antecedente”52. Ao contrário de Alexandre, Tibério não vai usar o termo λέξις para classificar este tipo de repetição, antes opta por um prudente neutro ‐ ἀπὸ τοῦ τελευταίου, “a partir daquilo que veio no fim”. Esta prudência advém do facto de o autor definir clímax como um λέξεως σχῆμα e não como διανοίας – e o que distingue precisamente as figuras de 51 Para uma discussão profusa sobre a vida e obra deste autor, cf. a completa introdução à edição de Ballaira (1968, i‐xlvii). 52 Sobre a filiação desta definição em Cecílio de Calacte, cf. supra nota 45. 33 pensamento das de palavra, segundo ele próprio, é que, enquanto nas primeiras podemos alterar as palavras, e o sentido eventualmente se poderá manter, com as de repetição isso não é possível – ideia exposta na citação 1). No entanto, ao arrepio da sua própria definição e entendimento de κλῖμαξ enquanto λέξεως σχῆμα, no exemplo de Homero, lido provavelmente na colecção de citações comummente usadas pelos retóricos53, classificado na escola retórica como um exemplo claro de clímax, surgem não só repetições literais de palavras, embora em poliptoto, mas também de ideias ou associações de palavras (Διακτόρῳ Ἀργειφόντῃ /Ἑρμείας). Daí que, mais uma vez, a definição vá mais ao encontro do exemplo, e não o contrário, e não se opte por falar com à‐vontade de uma repetição de λέξις, uma vez que claramente o exemplo contradiria a definição. Quanto à expressão ἄρχηται presente na definição, tem de ser lida mais uma vez não literal, mas aproximadamente; o que termina o membro anterior pode não iniciar imediatamente o membro seguinte, como aliás se lê claramente no exemplo de Homero, em que αὐτάρ inicia, numa anástrofe independente do clímax analisado, os entimemas. Tal como Alexandre, Tibério tenta igualmente explicar a relação entre esta figura retórica e a “escada” com que etimologicamente se relaciona: “o nome deriva metaforicamente daqueles que sobem as escadas: assim como o primeiro [movimento] se torna o último mercê de uma mudança dos pés, assim também nesta figura o fim do membro antecedente torna‐se o princípio do seguinte”. Kirby e Poster (1998, 1107‐8) fazem deste comentário etimológico a premissa para concluírem que, segundo o entendimento que designam por “clássico” do termo, a metáfora da escada não assenta primeiramente num crescendo semântico, pois é indiferente se o movimento se faz de forma ascendente ou descendente, classificando esta ideia como um equívoco comum, “ein verbreitetes Mißverständnis”. Pensamos, embora entendendo a ideia dos autores54, que é uma conclusão precipitada dizer que ao clímax, no entendimento dos retores antigos, era completamente alheia a ideia de um 53 Como enfatiza Ballaira (1968, xv‐xvi), os retóricos retiravam as suas citações de colecções reunidas por retóricos anteriores, o que aliás levava em grande medida a citações inadequadas ou incorrectas. 54 “Beim Ersteigen einer Leiter wird die eben erklommene Sprosse durch Nachsetzen des Fußes zur Basis des nächsten Schrittes (während auf einer Treppe der ausschreitende Fuß das Standbein jeweils überholt). Ob die Bewegung aufwärts oder abwärts strebt, spielt also für die Leitermetapher keine Rolle” (p. 1107). 34 crescendo, partindo somente deste comentário paralelo de Tibério55, em que de facto não refere se o movimento na escada é de subida ou de descida – embora a sua definição acabe com uma expressão que parece contrariar a opinião dos autores alemães: πλήθους ἔμφασιν ἐργάζεται, segmento frásico que indubitavelmente faz do clímax uma figura que produz um processo gradativo ascendente. Por outro lado, podemos rebater esta ideia simplesmente citando o já anteriormente comentado passo de Pseudo‐Demétrio, a primeira ocorrência da palavra em grego neste sentido, que utiliza termos como ἐπαναβαίνω e ἐπὶ μειζόνων μείζονα para descrever o efeito produzido por esta figura, o que, como já se disse, representa um progresso qualitativo, e não somente uma não hierárquica conexão formal, ao estilo de uma corrente ou de um círculo, figura conhecida pelo seu nome latino, sorites. Ainda a propósito deste excerto, repare‐se na preocupação do retórico grego em criticar, no fim da sua definição, aqueles que defendem que este esquema é igual à epanadiplose (anadiplose), figura de estilo que faz da última palavra de um verso ou membro o início do seguinte. Talvez o autor reprove aqui a definição dada por Hermógenes de clímax, que considera a figura πλεονάζουσα ἀναστροφή, expressão de que já nos ocupámos; mesmo assim, note‐se que este autor não faz de κλῖμαξ sinónimo de ἀναδίπλωσις56, considerando‐o sim uma “anástrofe levada ao exagero”. Precisamente o que Tibério diz, mutatis mutandis, quando fala da diferença entre as duas figuras: “a anadiplose surge em dois membros, enquanto o clímax em vários, o que produz uma maior ênfase”.  Siriano, In Hermogenem Περὶ Ἰδεῶν λόγου (séc. IV‐V) «τὸ σχῆμα δὲ τρίτον λέγω τὸ τῆς λέξεως» ἕως τοῦ «τέταρτον λέγω κατὰ δύναμιν» μέθοδος μὲν οὖν ἐστι λόγος τὴν οἰκείαν τῆς ἰδέας ἔννοιαν κατὰ τὸ 55 E utilizando também para este efeito, em menor medida, as definições retiradas da Retórica a Herénio (IV. 25. 34) e de Quintiliano (IX. 3. 55), que analisaremos mais à frente. 56 Segundo o próprio Tibério, epanadiplose é sinónimo de anástrofe (cf. definição em 25: ἀναστροφὴ δέ ἐστι (τὸ αὐτὸ καὶ ἐπαναδίπλωσις) ὅταν, ἔνθα πέπαυται τὸ πρῶτον κῶλον, ἐκεῖθεν ἄρχηται τὸ δεύτερον). 35 προσῆκον ἑρμηνεύων, ὡς εἰρωνεία καὶ διαπόρησις, σχῆμα δέ ἐστι λόγος τὴν οἰκείαν τῆς ἰδέας λέξιν κατὰ τὸ προσῆκον διαπλέκων ἢ ὡς ἕτεροι λόγος μὴ κατὰ φύσιν τὸν νοῦν ἐκφέρων μηδὲ ἐπ΄ εὐθείας, ἀλλ΄ ἐκτρέπων καὶ ἐξαλλάττων τὴν διάνοιαν τῇ φράσει κόσμου τινὸς ἢ χρείας ἕνεκα, ὡς ἐπανάληψις καὶ κλῖμαξ. τὸ οὖν σχῆμα καὶ ἡ μέθοδος κοινωνοῦντα ἀλλήλοις κατὰ τὸ ἐναλλάττειν τὸ σύνηθες διαφέρουσι ταύτῃ, ὅτι ἡ μὲν μέθοδος ἐννοίας ἐστὶν ἐναλλαγή, τὸ δὲ σχῆμα τῆς λέξεως, καὶ ὅτι τὰ μὲν τῆς διανοίας σχήματα κἂν ὑπαλλάξῃ τις αὐτὰ τοῖς ῥήμασιν ὁμοίως μένει δυνατὸν γὰρ τὸ κατὰ εἰρωνείαν εἰ· τύχοι καὶ διαπόρησιν, αἵπερ εἰσὶν περὶ ἔννοιαν μέθοδοι, πολυτρόπως μεταφράσαι, τὰ δὲ τῆς λέξεως σχήματα οἷον ἡ ἐπανάληψις καὶ ἡ κλῖμαξ μετα πιπτούσης τῆς λέξεως οὐχ οἷά τέ ἐστι φυλάττεσθαι (Rabe 20‐2157). Neste comentário à obra de Hermógenes, Siriano58 não dá uma definição de clímax, mas refere a figura quando discute um parágrafo do Περὶ Ἰδεῶν (in Hermog. I. 1. 1. 223) que classifica por grau de importância o que é mais importante para o estilo: o pensamento (ἔννοια), a dicção (λέξις), as figuras de palavra (τὸ σχῆμα τῆς λέξεως) e as figuras de pensamento (τὸ σχῆμα τῆς ἐννοίας), que estão em pé de igualdade com a abordagem (μέθοδος). Discute‐se assim a relação que se tece entre estes conceitos, procurando fundamentar o porquê de Hermógenes referir que a abordagem tem elementos em comum e se posiciona no mesmo plano das figuras; pois se a abordagem interpreta a relação do pensamento (ἔννοια) do estilo com o que lhe é próprio, como quando um orador exprime dissimulação ou perplexidade, a figura faz algo semelhante, interpretando a relação da dicção (λέξις) do estilo com o que também lhe é próprio ‐ enquanto nas figuras de pensamento tal se opera não de forma natural ou directa, pois o pensamento do ouvinte é desviado da frase 57 In Hermog. I. 1. 1. 223. Esta citação é repetida ipsis uerbis num passo de um comentário anónimo ao Περὶ Ἰδεῶν de Hermógenes (Walz 7.901). 58 Pelas referências e citações de filósofos ao longo do seu tratado, parece que não há muita dúvida acerca da identificação deste autor com o neoplatónico Siriano, autor do conhecido comentário à Metafísica de Aristóteles. Este tratado terá sido escrito para o seu filho Alexandre, que provavelmente estava destinado a tornar‐se orador (Wildberg, 2009, § 3.2, "Commentary on Hermogenes"). Cf. igualmente Praechter (1932, 1732‐33). 36 “naturalmente ordenada” (τῇ φράσει κόσμου τινὸς), nas figuras de palavra isto decorre naturalmente do seu uso ou aplicação (χρείας ἕνεκα). Hermógenes refere ainda o que julga serem dois claros exemplos desta característica das figuras de palavra: a epanalepse e o clímax. Mais à frente surge uma ideia que já foi comentada a propósito de Tibério, e que se prende com a principal diferença entre as figuras de pensamento e as de palavra; enquanto nas primeiras, se alguém mudar as palavras, a figura permanece igual, nas de palavra tal não é claramente possível. Para o estudo em questão, no entanto, nenhuma informação nova se aduz; reitera‐se, quando muito, a ideia de clímax enquanto figura de palavra, e ao ser associado à epanalepse, sublinha‐se de novo o facto de ser uma figura de repetição. De notar igualmente que este autor vai usar o termo κλῖμαξ para se referir à figura que na obra de Hermógenes é referida apenas como κλιμακωτὸν σχῆμα, o que parece demonstrar que os termos são de facto perfeitamente equivalentes na escola retórica.  Fébamo, Περὶ τῶν Σχημάτων Ῥητορικῶν (? V d.C.) Ἐν δὲ τῇ κλίμακι κατὰ τὴν ἐπανάληψιν τὸ τέλος τοῦ πρώτου κώλου εὑρίσκομεν ἐν τῇ ἀρχῇ τοῦ δευτέρου, ὡς τὸ «οὐκ εἶπον μὲν ταῦτα, οὐκ ἔγραψα δέ· καὶ οὐκ ἔγραψα μέν, οὐκ ἐπρέσβευσα δέ, οὐδὲ ἐπρέσβευσα μέν, οὐκ ἔπεισα δὲ Θηβαίους (Demosth., De corona, 179) (2. 4).59 Sobre esta definição, dada por um autor de quem quase nada se conhece60, pouco há a dizer; de referir apenas que de novo surge o exemplo de Demóstenes, e a definição, mais curta e simplificada do que outras, vai ao encontro da tradição retórica até agora estudada, embora com algumas imprecisões. De notar uma aproximação da 59 Pág. 55 da edição de Spengel (1856). Esta fonte não é referida por Kirby e Poster (1998). Na nossa pesquisa cronológica, revelou‐se progressivamente mais difícil encontrar informação sobre os autores citados; neste caso, por ser um autor claramente menor e que pouco ou nenhum interesse suscitou na modernidade, a melhor informação continua a ser, parece‐nos, a que é dada por Walz na sua edição dos Rhetorici Graeci (1835), na introdução a este tratado (487‐491). 60 37 figura à epanalepse, vincando a ideia de que se trata de uma figura de repetição61, e a ideia de que existe algo62 no fim de um membro que se repete no princípio do segundo. Ao usar as expressões τοῦ πρώτου e τοῦ δευτέρου, o autor desta definição não distingue entre clímax e anadiplose, erro criticado por Tibério, uma vez que clímax só pode ser considerada uma anadiplose se existir uma repetição continuada (πλεονάζουσα ἀναστροφή).  João Siciliota, Commentarium in Hermogenis librum Περὶ Ἰδεῶν λόγου (?XI d.C.) 1) καὶ οὐ μόνον ἐπαναφορὰν ἔχει, ἀλλὰ καὶ ἀντιστροφὴν, ὡς γίνεσθαι καὶ κλίμακα, ἀντιστροφὴ δὲ γίνεται, ὅταν τὸ τέλος τοῦ κώλου τέλος ἑτέρου κώλου τεθῇ καὶ αὐτίκα δειχθήσεται (Walz 6.333) 63. 2) «Ἔστι δὲ οὐδὲν ἄλλο ἢ πλεονάζουσα ἐπαναστροφή»· τὴν ἐπαναστροφὴν λέγει ἀναστροφήν· εἰ μὴ σφάλμα γραφικόν ἐστι, δεόμενον εἶναι ἐπαναστροφή· ἐπαναστρέφει γὰρ καὶ τὸ τέλος τῶν προτέρων κώλων ἀρχὴν ποιεῖται τῶν δευτέρων· εἴρηται δὲ οὕτως ἀπὸ μεταφορᾶς τῶν κλιμάκων, ὅτι καὶ ἐπὶ τούτων τὸ τέλος τῆς προτέρας ἀναβαθμίδος ἀρχὴ γίνεται τῆς δευτέρας· οἷον «ἵνα τῷ ληπτῷ μὲν ἕλκῃ πρὸς ἑαυτὸν, (…) τῷ δ' ἀλήπτῳ θαυμάζηται, θαυμαζόμενον δὲ ποθῆται πλέον, ποθούμενον δὲ καθαίρῃ, καθαῖρον δὲ θεοειδεῖς ἀπεργάζηται»64· τοῦτο τὸ κλιμακωτὸν θαυμάσιόν τι ἔχει καὶ παρὰ τὰ ἄλλα ἐξαίρετον· οὐ γὰρ κατ' ἐπιτήδευσιν γέγονεν, ἀλλ' ὡς αὐτὴ τοῦ πράγματος ἡ φύσις ἀπῄτει· ἀπὸ γὰρ τῶν πρακτικῶν ἡ πρὸς θεωρίαν ἐπίδοσις καὶ ἡ θέωσις· καὶ πάλιν· «ἆρ' οὖν προεθυμήθημεν οὕτως, ἠγώνισται δὲ τῆς προθυμίας ἔλαττον· ἢ ἠγώνισται 61 Aliás, pouco atrás neste tratado (2. 4) a κλῖμαξ é inserida no grupo dos σχήματα λέξεως e aproximada κατὰ δὲ πλεονασμὸν. 62 Note‐se que o autor usa a prudente expressão τὸ τέλος, evitando assim dizer, por exemplo, τελευταῖα λέξις, com as implicações já estudadas. 63 In Hermog. I. 12. 302. 64 Gregório de Nazianzo, In Theophania (Oração 38), 1. 7, MPG 36.317. Nas presentes citações das obras de Spengel e de Walz, a identificação das fontes citadas (fundamentalmente da Patrística Grega) foi de nossa responsabilidade, uma vez que estas edições não o fazem. 38 μὲν, οὐκ ἀνδρικῶς δὲ, ἢ ἀνδρικῶς μέν»65· εἰλήφθω δὲ καὶ τὰ ἑξῆς (Walz 6. 340) 66. 3) «Ἐπὶ μιᾶς ἰδέας εἶναι»· οὐ κατὰ τὸ ἓν καὶ τὸ αὐτό εἰσι μιᾶς ἰδέας· ἀλλὰ κατ' ἄλλο καὶ ἄλλο, ὡς ἐδείξαμεν· καὶ μὴν καὶ ἡ λέξις αὐτὴ καθ' ἑαυτὴν ἁπλῆ χωρὶς τῆς ἐπιμονῆς, τοῦ μὲν προτέρου κλιμακωτοῦ κατὰ θέσιν ὄντος σεμνότητός ἐστι, μεγαλοπρεπὴς γάρ· τοῦ δὲ δευτέρου καθαρότητος, σαφὴς γάρ· καὶ οἱ ῥυθμοὶ μεγέθους, καὶ τὸ σχῆμα κατὰ ἄρσιν γοργότητος ὄν (Walz 6. 341) 67. 4) Σχήματα αἱ παρισώσεις καὶ αἱ κατὰ κῶλον ἐπαναφοραὶ, ἀλλὰ μὴν καὶ κατὰ κόμμα ἡ ἀντιστροφή· εἰ μὴ κατὰ λόγον λέγοιτο ἡ ἐπαναστροφὴ, ἡ κλῖμαξ, αἱ ἀναιρέσεις, οἱ κατὰ συζυγίαν μερισμοὶ, τὸ καθ' ὑπέρθεσιν ὑπερβατὸν, τὰ καινοπρεπῆ, ἡ διὰ δύο προφάσεων κατάφασις καὶ τὸ πολύπτωτον (Walz 6. 354)68. É já num documento relativamente tardio (c. séc. XI) que vamos encontrar o texto que mais usa o termo κλῖμαξ na sua acepção retórica69. Este obscuro autor João Siciliota, sobre o qual pouco mais se sabe do que o que se diz na edição dos Rhetores Graeci de Walz (1834, v‐xvi)70, é autor de um comentário à obra de Hermógenes Περὶ Ἰδεῶν λόγου. A citação 1) refere‐se ao parágrafo em que o retórico do século II 65 Citação bastante truncada de Gregório de Nazianzo, Funebris oratio in laudem Basilii Magni Caesareae (Oração 43), 32; este passo vai ser citado integralmente num excerto da Rhetorica Anonyma que analisaremos aqui (pág. 53). 66 In Hermog. I. 12. 304. 67 In Hermog. I. 12. 305. 68 A presente citação é repetida ipsis uerbis no tratado anónimo Εἰς τὸ Περὶ Ἰδεῶν (Walz 7. 85). 69 Ainda assim utiliza o termo uma vez na sua acepção literal de “escada” (εἰ δὲ καὶ ἀπονοίας κρίνεται καὶ μείζονος ἐπιθυμίας θρόνου, κλίμακα κατασκευάζει, καὶ εἰς τὸν οὐρανὸν ἀναβιβάζει τοῖς θεωρήμασιν καὶ τῷ θεῷ παραστήσει καὶ δείξει, τί ποτέ ἐστιν ἱερωσύνη, καὶ τί προσήκει τὸ ταύτης ἀμπέχεσθαι πῦρ, Walz 6. 464). 70 Discute‐se nestas páginas a não identificação deste autor com João Doxopatres (Ioannes Doxopater ab Ioanne Siceliota diversus est, p. vi), mas não se aduz grande informação sobre ele; sabemos que era um monge, mas nem acerca da época em que viveu há segurança completa. De resto, nem este autor nem o seu tratado parecem ter suscitado interesse algum na literatura moderna (não há nenhuma referência a este comentário no L’Année Philologique), com excepção de algumas referências esparsas e extremamente sucintas (cf., e.g., Jeffreys, 2007, 171; Lindberg, 1997, 1987); sintomático do “desinteresse” por esta ainda extensa obra é o facto de Wooten (1987) nem sequer referir o autor na sua tradução do tratado. 39 aborda os paralelismos (παρισώσεις), em particular as “repetições no princípio da frase” (processo conhecido por “epanáfora”); João Siciliota aduz alguns passos da Patrística e finaliza comentando que esses exemplos têm algo não só de epanáfora, mas também de antístrofe e de clímax, pois em todas estas figuras existem repetições, embora em posições diferentes. A citação 2) comenta a expressão hermogeneana πλεονάζουσα ἐπαναστροφή, de que também já nos ocupámos. Depois de referir que epanástrofe é o mesmo do que anástrofe, o autor explica o porquê de o clímax ser considerado uma anástrofe, de forma assaz simplista: “o final da frase antecedente inicia o seguinte”, não explicitando a razão pela qual Hermógenes usa a expressão πλεονάζουσα. Na senda dos retóricos que se dedicaram a esta figura, também João Siciliota vai tentar explicar o porquê de esta se chamar “escada”: “pois em cima destas [das escadas] o fim do degrau antecedente torna‐se o princípio do seguinte”. Mas o mais interessante deste comentário ao κλιμακωτὸν σχῆμα de Hermógenes é o facto de só no século XII se dar outro exemplo que não seja o de Demóstenes e o de Homero, já sobejamente citados e referidos, e para tal vai usar o corpus da Patrística Grega. O exemplo de Gregório de Nazianzo é sugestivo: “para que a partir do compreensível sejamos levados a Ele, e a partir do incompreensível nos possamos admirar, e admirando mais desejemos, e desejando nos purifiquemos, e purificando‐nos nos tornemos semelhante a Ele”. Embora o retórico bizantino tenha propositadamente retirado um parêntese desta citação71, que de certa forma comprometeria a sua simetria, estamos perante um exemplo moldado, sem dúvida, em forma de escada, como graficamente se pode entender no seguinte esquema: 71 τὸ γὰρ τελέως ἄληπτον, ἀνέλπιστον, καὶ ἀνεπιχείρητον surgiria na citação onde, por decisão nossa de edição, se lê uma quebra de texto. 40 5. καθαῖρον δὲ θεοειδεῖς περγάζηται 4. ποθούμενον δὲ καθαίρῃ, 3. θαυμαζόμενον δὲ ποθῆται πλέον, 2. τῷ δʹ ἀλήπτῳ θαυμάζηται, 1. ἵνα τῷ ληπτῷ μὲν ἕλκῃ πρὸς ἑαυτὸν, De um certo ponto de vista, comparando o esquema anterior com o esquema semelhante que fizemos a propósito de Demóstenes, vemos que o presente exemplo é mais bem conseguido, pela forma perfeita como, mercê do poliptoto (θαυμάζηται – θαυμαζόμενον; ποθῆται – ποθούμενον; καθαίρῃ ‐ καθαῖρον), consegue fazer com que as palavras se repitam de membro para membro, sem excepção alguma. No exemplo do orador ateniense tal não acontece: ἔγραψα é repetido no membro seguinte, mas não é retomado outra vez – o clímax estende‐se apenas na repetição da forma ἐπρέσβευσα. O próprio comentador da obra de Hermógenes observa a simetria do passo, ao considerar o presente exemplo como admirável (θαυμάσιον) na forma como eleva (ἐξαίρω) o seu ouvinte: não se trata de apenas um refinamento (ἐπιτήδευσις), mas uma forma efectiva de fazer o espírito subir até à contemplação de Deus. No comentário deste excerto o autor utiliza palavras como ἐξαίρετον e ἐπίδοσις, expressões que traduzem a ideia de um processo de elevação. O comentário a este passo do Περὶ Ἰδεῶν finaliza com outra citação de Gregório de Nazianzo, embora João Siciliota o altere significativamente de forma a ser um exemplo mais claro de clímax, e de forma a aproximá‐lo mais do anterior. O passo não é porém comentado e não merece especial atenção, uma vez que este é citado na Rhetorica Anonyma, e neste contexto e é neste contexto que o analisaremos (pág. 53). A citação 3) é um comentário ao passo imediatamente seguinte à caracterização hermogeneana de clímax, em que o retórico grego se refere à dificuldade em encontrar um exemplo de uma figura, em Demóstenes, que não esteja interligada com outra. João Siciliota acaba por não comentar especificamente estas 41 palavras, preferindo tecer uma série de elogios e juízos de valor ao exemplo citado. De sublinhar, no entanto, que o comentador divide o passo do orador ateniense em duas partes: um primeiro clímax (τοῦ μὲν προτέρου κλιμακωτοῦ) e um segundo (τοῦ δὲ δευτέρου), não especificando o que entende por isto; julgamos que o autor se refere à estrutura claramente bipartida do exemplo: 1) οὐκ εἶπον μὲν ταῦτα, οὐκ ἔγραψα δέ· ἢ ἔγραψα μέν, 2) οὐκ ἐπρέσβευσα δέ· οὐκ ἐπρέσβευσα μέν, οὐκ ἔπεισα δὲ Θηβαίους, considerando assim o exemplo uma anadiplose dupla, algo que no entanto não é visível no exemplo dado de Gregório de Nazianzo. A citação 4) surge no contexto de uma sinopse sobre o capítulo περὶ κάλλους, associando mais uma vez o clímax e a anástrofe num mesmo grupo de figuras.  Eustátio, Commentarii ad Homerum (XII d.C.) 1) τὸ δὲ σχῆμα τοῦ ῥηθέντος χωρίου κλίμακα καὶ κλιμακωτὸν λέγουσιν οἱ παλαιοί, ἕτεροι δὲ ἐποικοδόμησιν. γίνεται δὲ σχῆμα κλιμακωτόν, ὅταν τὸ λῆγον τῆς φθασάσης ἐννοίας ἀρχὴ γένηται τῆς ἐφεξῆς, οἷον ὡς εἴ τις εἴπῃ· ὁ βασιλεὺς ἀγαθός· ὁ ἀγαθὸς ἀγαθὰ ποιεῖ· ὁ ἀγαθὰ ποιῶν εὐεργετεῖ· ὁ εὐεργετῶν θεὸν μιμεῖται. τοιοῦτόν τι κἀνταῦθα τὸ σχῆμα· Ἥφαιστος μὲν ἔδωκε Διΐ, Ζεὺς δὲ τῷ Ἑρμῇ, Ἑρμῆς δὲ Πέλοπι καὶ καθεξῆς. κάλλους δὲ σχῆμα κατὰ τοὺς παλαιοὺς τὸ κλιμακωτὸν οἰκεῖον ὂν πανηγυρικαῖς ἐννοίαις, ὁποία τις ἐνταῦθα καὶ ἡ κατὰ τὸ βασιλικὸν σκῆπτρον γενεαλογία. τῆς δ' αὐτῆς ἰδέας καὶ τὸ αὐτάρ τρὶς κείμενον ἐνταῦθα ἐπαναφορικῶς ἐν καταρχῇ στίχων ἕνα παρ' ἕνα, καὶ ἡ ῥηθεῖσα ἐπιμονὴ καὶ τὰ ποιητικὰ πάρισα, τὸ «πολλῇσι νήσοισιν ἀνάσσειν» καὶ τὸ «αὐτὰρ ὁ αὖτε» δὶς τεθὲν κατ' ἐπαναφορὰν ἐν δυσὶ στίχων ἀρχαῖς, εἰ καὶ ποιητικῶς πέφρασται. παρίσωται δὲ καλῶς καὶ τὸ «Διῒ Κρονίωνι ἄνακτι» (In Iliadem II. 101‐8, Valk, 1.278). 42 2) ἔχει δέ τι κλιμακωτοῦ σχήματος τὸ «ἔδδεισεν Ἀϊδωνεύς, δείσας δ' ἐκ θρόνου ἆλτο». οὗ διασαφητικὸν τὸ ὑπέρθορεν (In Iliadem XX. 61‐2, Valk 4.367). 3) Ὡς δὲ καὶ τὸ «Δάρδανον τέκετο Ζεύς, Δάρδανος δὲ Ἐριχθόνιον, Τρῶα δ' Ἐριχθόνιος» καὶ οἱ ἑξῆς τοὺς ἑξῆς, ἐποικοδόμησίς ἐστιν ἤγουν σχῆμα κλιμακωτόν, οἴδασιν οἱ περὶ λόγους (In Iliadem XX. 237, Valk 4.397). 4) Σαφηνίζεται δὲ δι' αὐτοῦ κλιμακωτῶς εὐθὺς τεθὲν τὸ «χεύαντες δὲ τὸ σῆμα πάλιν κίον», ὅ ἐστιν ὑπεχώρησαν, ὃ καὶ ἐπὶ Ἕκτορος ῥηθήσεται. ἔστι γὰρ ἑρμηνεία τοῦ «χεύαντες τὸ σῆμα» τὸ «χυτὴν ἐπὶ γαῖαν ἔχευαν», ὅπερ σῆμά ἐστι τεθνεῶτός τινος, ὡς καὶ ἀλλαχοῦ εἴρηται (In Iliadem XXIII. 257, Valk 4. 720). 5) οἱ δὲ ῥήτορες παράγωγον ἐξ αὐτῆς ἔχουσι σχῆμα τὸ κλιμακωτόν (In Odysseam X. 560, Stallbaum, 1.394). Nos conhecidos comentários à obra de Homero, Eustátio de Tessalonica refere‐se algumas vezes à figura retórica conhecida como clímax, embora na maior parte (cerca de três quartos) das ocorrências de κλῖμαξ neste autor não exista este sentido técnico. A mais interessante citação é a 1), que serve de comentário ao passo de Homero (Il. II. 104‐109) que a escola retórica decidiu eleger como paradigmático do clímax, e que apresenta uma definição precisa: “o clímax surge quando aquilo que é deixado (τὸ λῆγον) do pensamento (ἔννοια) anterior se torna o princípio do seguinte”. Tal como Tibério, Eustátio vai apresentar um neutro (τὸ λῆγον) para se referir àquilo que é objecto de repetição, não mencionando o tipo de repetição (literal, em poliptoto, ou de ideia), classificando‐a apenas como ἔννοια, expressão que confere de certa forma liberdade ao processo estilístico. No entanto, não há qualquer distinção entre clímax e anadiplose, pois não existe qualquer referência ao facto de, para haver clímax, a repetição ter de ser contínua. O comentador, porém, é o primeiro autor a dar um exemplo de clímax que nos parece, após busca no TLG por contexto, de 43 sua lavra: “o rei é bom; o bom faz o bem, o que faz o bem é benfeitor. O benfeitor imita deus”. O exemplo, que pretende ilustrar a forma como a figura é construída, aproxima‐se assaz do exemplo já analisado de Gregório de Nazianzo, especialmente na forma como a “escada” culmina na μίμησις de Deus. Parece‐nos, como é graficamente evidente, que estamos mais uma vez perante um exemplo de processo gradativo ascendente, que desenha o movimento de ascensão do humano a Deus: 4. ὁ εὐεργετῶν θεὸν μιμεῖται. 3. ὁ ἀγαθὰ ποιῶν εὐεργετεῖ· 2. ὁ ἀγαθὸς ἀγαθὰ ποιεῖ· 1. ὁ βασιλεὺς ἀγαθός· Procurando aproximar o exemplo dado do passo homérico que comenta, Eustátio tenta “moldar” o texto homérico de forma a caber no seu próprio entendimento de clímax, resumindo desta forma os versos originais: Ἥφαιστος μὲν ἔδωκε Διΐ, Ζεὺς δὲ τῷ Ἑρμῇ, Ἑρμῆς δὲ Πέλοπι καὶ καθεξῆς. É este, no entender do estudioso, o “esqueleto” do clímax nesta passagem ‐ uma figura que se aproxima do “pensamento solene” (πανηγυρικαῖς ἐννοίαις). De facto, colocado desta forma, o paradigma homérico de clímax finalmente parece “caber” nas anteriores definições, pois aqui o fim de um membro inicia o segundo. O comentador, porém, sabe que para o clímax presente também concorrem outros aspectos, como a repetição de αὐτάρ por três vezes, em forma de anáfora, a elaboração (ἐπιμονή) e a estrutura paralela (τὰ ποιητικὰ πάρισα) dos versos, a repetição por três vezes “de αὐτὰρ ὁ αὖτε” em epanáfora e igualmente a repetição das formas verbais δῶκε(ν) e ἔλιπεν (λεῖπε). Esta estrutura de um paralelismo de grande efeito é aliás perfeitamente visível numa tradução portuguesa, especialmente se colocarmos em negrito as palavras em relação de clímax e se sublinharmos as palavras que se repetem de verso para verso: 44 “(…) Levantou‐se o poderoso Agamémnon, Segurando o ceptro que com seu esforço fabricara Hefesto. Hefesto deu‐o depois a Zeus Crónida soberano, E por sua vez o deu Zeus ao forte Matador de Argos, Hermes soberano, que o deu a Pélops, condutor de cavalos; Por sua vez de novo o deu Pélops a Atreu, pastor do povo; E Atreu ao morrer deixou‐o a Tiestes dos muitos rebanhos; Por sua vez o deixou Tiestes a Agamémnon para que o detivesse, Assim regendo muitas ilhas e toda a região de Argos.”72 Assim Eustátio, melhor do que qualquer outro autor, consegue no exemplo de Homero identificar aquilo que é próprio do clímax retórico, ao mesmo tempo que explica a forma como as anáforas e outros paralelismos síncronos contribuem para a fluidez retórica do passo. Outro aspecto a observar neste comentário é o facto de o seu autor fazer equivaler (ἕτεροι δὲ…), logo nas suas palavras iniciais, o clímax ao processo estilístico conhecido como ἐποικοδόμησις, cuja fonte exclusiva na antiguidade parece ser Aristóteles, que se refere ao termo em dois passos, na Retórica e na Geração dos Animais. Vale a pena determo‐nos um pouco neste assunto. O passo aristotélico da Retórica (I. 7. 1365a16) fala‐nos mais especificamente do verbo ἐποικοδομεῖν, que significa, à letra, “construir casa sobre casa” (ἐπί + οἶκος + δέμω), e que a versão portuguesa de Alexandre Júnior (Alexandre Júnior, Alberto, e Pena 1998) traduz por “acumulação”. No contexto propriamente dito, inserido no capítulo sobre “graus do bom e do conveniente”, não se acrescenta muito sobre a forma como tecnicamente ele se constitui; o filósofo refere‐se apenas ao facto de, tal como a combinação e a divisão, este processo engrandecer o assunto, à semelhança do processo retórico conhecido pelo seu nome latino, accumulatio. Aduz, a este respeito, Epicarmo, autor que volta a citar nas Geração dos Animais (I. 18, 724a29), quando precisamente fala outra vez da ἐποικοδόμησις – ἔτι δὲ παρὰ ταῦτα ὡς Ἐπίχαρμος ποιεῖ τὴν ἐποικοδόμησιν, ἐκ τῆς διαβολῆς ἡ λοιδορία, ἐκ δὲ ταύτης ἡ μάχη. O texto parafraseado, “da calúnia segue‐se o abuso, e deste a luta”, 72 Il. II. 100‐8. Tradução de Frederico Lourenço (2005). 45 está provavelmente73 relacionado com o fragmento 148 Kaibel (= Ateneu II. 36 c, d) de Epicarmo: A. ἐκ μὲν θυσίας θοῖνα, ἐκ δὲ θοίνας πόσις ἐγένετο. B. χαρίεν, ὥς γʹ ἐμὶν <δοκεῖ>. A. ἐκ δὲ πόσιος μῶκος, ἐκ μώκου δʹ ἐγένεθʹ ὑανία, ἐκ δʹ ὑανίας <δίκα .., ἐκ δίκας δὲ κατα>δίκα, ἐκ δὲ καταδίκας πέδαι τε καὶ σφαλὸς καὶ ζαμία. O fragmento tem claramente características que nos permitem aproximá‐lo do clímax: em termos técnicos, existe uma repetição da palavra (que salientámos a negrito) do fim do membro para o início do seguinte, num movimento semelhante ao clímax retórico posterior. No entanto, temos necessariamente que pensar no contexto em que a referência surge em Aristóteles, antes de fazermos uma completa assimilação da ἐποικοδόμησις à κλῖμαξ. O exemplo serve a Aristóteles para ilustrar um dos tipos de elo causal que existe na natureza, num parágrafo em que tece considerações acerca do sémen e da forma como a partir deste se engendra um ser. Esta explicação para a origem do movimento (ἡ ἀρχὴ τῆς κινήσεως), para esta “causa eficiente” traduz‐se pela ἐποικοδόμησις, e não é portanto claro que afinidade existe entre esta e a κλῖμαξ74. Aliás, é significativo que um autor como Pseudo‐Longino, um dos primeiros a referir a figura κλῖμαξ, fale também na ἐποικοδόμησις sem relacionar os dois termos; o sugestivo contexto (τῇ τε τῶν λέξεων ἐποικοδομήσει τὰ μεγέθη συναρμόζουσαν, 39) diz‐nos que para o sublime em muito contribuiu a composição (σύνθεσις), o “construir frase sobre frase” de forma a criar um “todo majestoso”. Sendo assim, em todo o TLG, Eustátio é o único autor a aproximar ἐποικοδόμησις de κλῖμαξ: parece‐nos que a intenção do autor ao 73 Cf. Peck (1942, p. 73 n. c). Parece‐nos haver poucas dúvidas de que é este o passo a que Aristóteles se refere. 74 Pelo menos de forma tão peremptória como o fazem Kirby e Poscher (1998, 1108): “man geht davon aus, daß mit dem Phänomen des ἐποικομεῖν, d.h. des «Übereinander‐Bauens», von dem Aristoteles in seiner <Rhetorik> spricht, das gemeint ist, was später K. genannt wurde”. 46 fazê‐lo é sublinhar o clímax como uma figura que subentende uma conexão formal e causal entre os elementos que o constituem – e não tanto sublinhar a técnica com que essa conexão se opera. Esta ideia será, como veremos, importante para compreendermos o termo e a sua fortuna na modernidade. As restantes citações de Eustátio são, de certa forma, subsidiárias da primeira, e revelam um zelo inaudito em encontrar passos de Homero que exemplifiquem τὸ κλιμακωτὸν σχῆμα. A citação 2) comenta os seguintes versos da Ilíada: ἔδεισεν δ' ὑπένερθεν ἄναξ ἐνέρων Ἀϊδωνεύς, / δείσας δ' ἐκ θρόνου ἆλτο καὶ ἴαχε, μή οἱ ὕπερθε (XX. 61‐2). Como claramente se pode verificar, não estamos perante um clímax; Eustátio acaba por confirmar isso mesmo, ao dizer que os versos apenas “têm algo de clímax” (τι κλιμακωτοῦ σχήματος). Na verdade, estamos perante uma forma verbal (ἔδεισεν) que se repete em poliptoto no início do verso seguinte (δείσας), processo conhecido como anadiplose; é evidente o erro já criticado por Tibério de confundir anadiplose com clímax. A citação 3) surge em comentário aos versos XX. 215‐240 da Ilíada, passo em que, na primeira pessoa, Eneias, em diálogo com Aquiles, traça a sua linhagem divina a partir de Zeus. Eustátio classifica o exemplo como clímax, fazendo‐o corresponder (ἐστιν ἤγουν) mais uma vez esta figura à aristotélica ἐποικοδόμησις. Como se pode observar, existe uma forte proximidade entre este exemplo e o passo paradigmático de Homero usado para exemplificar o clímax. Para começar, trata‐se de uma genealogia; se o paradigma traça a origem e os diversos donos do ceptro de Hefesto, o presente passo fala sobre a linhagem divina de Eneias (Zeus – Dárdano – Erictónio – Trós – Assáraco – Cápis – Anquises – Eneias). No entanto, como facilmente se pode ler ao passar os olhos sobre os versos em questão, o entendimento de clímax que o seu autor faz é assaz lato e abrangente. Seguramente o comentador homérico estaria a pensar em II. 100‐8 quando classificou inequivocamente estes versos como um clímax. Esta leitura aparentemente “forçada”, disfarça‐a aliás o incansável erudito pela forma como introduz o seu comentário: «Δάρδανον τέκετο Ζεύς, Δάρδανος δὲ Ἐριχθόνιον, Τρῶα δ' Ἐριχθόνιος» καὶ οἱ ἑξῆς τοὺς ἑξῆς, esquematizando desta forma o “esqueleto” do clímax em questão, que se estende por 25 versos. Abreviando 47 e eliminando os versos que não parecem directamente implicados neste clímax, ficaríamos com o seguinte esquema: Δάρδανον αὖ πρῶτον τέκετο νεφεληγερέτα Ζεύς, κτίσσε δὲ Δαρδανίην, ἐπεὶ οὔ πω Ἴλιος ἱρὴ (Il. XX.215‐216) (…) Δάρδανος αὖ τέκεθʹ υἱὸν Ἐριχθόνιον βασιλῆα (219) (…) Τρῶα δʹ Ἐριχθόνιος τέκετο Τρώεσσιν ἄνακτα· Τρωὸς δʹ αὖ τρεῖς παῖδες ἀμύμονες ἐξεγένοντο Ἶλός τʹ Ἀσσάρακός τε καὶ ἀντίθεος Γανυμήδης (230‐232) (…) Ἀσσάρακος δὲ Κάπυν, ὃ δʹ ἄρʹ Ἀγχίσην τέκε παῖδα· αὐτὰρ ἔμʹ Ἀγχίσης, Πρίαμος δʹ ἔτεχʹ Ἕκτορα δῖον. (239‐240) Mesmo desta forma o esquema de Lausberg (1960, 315) “/…x/x…y/y…z.”, já referido neste estudo, não se pode aplicar. Daqui podemos pressupor que o comentador de Constantinopla entende o clímax mais como um processo de construção, de ἐποικοδόμησις, de causa/efeito, num sentido bem mais amplo do que simplesmente uma figura de repetição de palavras. Sublinha‐se pois a conexão formal ao nível de sentido que surge na κλῖμαξ. A citação 4) vai procurar definir como clímax uma série de dois versos (Il. XXIII. 256‐7): (…) εἶθαρ δὲ χυτὴν ἐπὶ γαῖαν ἔχευαν, χεύαντες δὲ τὸ σῆμα πάλιν κίον. (…) Depois de definir como figura etimológica a repetição de formas relacionadas com a raiz do verbo χέω (χυτὴν ‐ ἔχευαν, χεύαντες), Eustátio fala com prudência “em algo em forma de clímax” usando para tal o advérbio κλιμακωτῶς. Como se 48 pode entender pelo exemplo, à semelhança do que foi comentado a propósito da citação 2), trata‐se de apenas uma repetição (ἔχευαν – χεύαντες) em forma de clímax, o que resulta, se seguirmos as palavras de Tibério, numa anadiplose, e não num clímax. A última citação, 5), é o único passo nos comentários à Odisseia em que Eustátio se refere à figura de que nos ocupamos. A propósito do verso X.558, em que o jovem Elpenor perde a sua vida ao cair de cabeça de um telhado, pois perturbado pelo tumulto se esqueceu de descer pela escada, Eustátio disserta longamente sobre o significado metafórico de escada, que para o autor simboliza a fortuna75. Paralelamente, comenta que foi a partir desta κλῖμαξ, no sentido de “escada”, que os retores chegaram por derivação (παράγωγον) à expressão τὸ κλιμακωτὸν σχῆμα, sendo pois claro que o estudioso tinha consciência da inequívoca relação entre o clímax retórico e a prosaica κλῖμαξ.  Rhetorica Anonyma76 1) ΠΕΡΙ ΚΛΙΜΑΚΩΤΟΥ ΣΧΗΜΑΤΟΣ. Κλιμακωτόν ἐστι σχῆμα, ὅταν ἡ ἐπαναστροφὴ πολλάκις γένηται τῷ λόγῳ. «οὐκ εἶπον μὲν ταῦτα, οὐκ ἔγραψα δέ, οὐδὲ ἔγραψα μέν, οὐκ ἐπρέσβευσα δέ.»77 τὸ γὰρ «ἔγραψα» ἔστι τέλος τοῦ πρώτου κώλου, ἀρχὴ δὲ τοῦ δευτέρου· εἶτα «ἐπρέσβευσα μέν, οὐκ ἔπεισα δέ.» ὡραῖον κλιμακωτὸν παρ' Ὁμήρῳ, ∙«(…) τὸ μὲν Ἥφαιστος κάμε τεύχων, / Ἥφαιστος δὲ δῶκε Διῒ Κρονίωνι ἄνακτι·» ἀλλάξας τὴν λέξιν εἶπεν ἑτέραν τὸ αὐτὸ σημαίνουσαν, «αὐτὰρ ἄρα Ζεὺς δῶκε διάκτορι Ἀργειφόντῃ·» ὁ γὰρ Κρονίων Ζεύς ἐστιν· «Ἑρμείας δὲ ἄναξ δῶκεν Πέλοπι πληξίππῳ· / αὐτὰρ ὁ αὖτε Πέλοψ δῶκ' 75 Refere a este propósito o hábito de algumas mulheres fazerem de escada para que as pessoas, subindo pelas suas costas, pudessem aceder à carruagem (as chamadas κλιμακίδες ‐ cf. Plu. 2.50d). 76 Não contemplamos aqui dois passos, Walz 7.85 e Walz 7.901, de comentários anónimos ao Περὶ Ἰδεῶν de Hermógenes, onde de facto surge o termo clímax no seu sentido retórico, pois estes são, como já referimos em nota de rodapé (cf. supra nota 57 e 68), citações ipsis uerbis respectivamente de João Siciliota (Commentarium in Hermogenis librum Περὶ Ἰδεῶν λόγου, Walz 6.354) e de Siriano (Siriano, In Hermogenem Περὶ Ἰδεῶν λόγου, Rabe 20‐21) e estes textos já foram analisados. 77 Demóstenes, De corona, 179. 49 Ἀτρεΐ ποιμένι λαῶν· / Ἀτρεὺς δὲ θνήσκων ἔλιπεν πολύαρνι Θυέστῃ·» ὧδε γὰρ τὸ αὖ τέθεικεν ἀντὶ τοῦ· «ὁ αὖτε Θυέστ' Ἀγαμέμνονι λεῖπε φωρῆναι·»78 Λέγεται δὲ τοῦτο ἀντονομασία. (…) ὅμοιον τούτῳ καὶ ὁ θεολόγος ἐχρήσατο εἰς τὸν ἐπιτάφιον τοῦ ἁγίου Βασιλείου· κατὰ παραλλαγὴν γὰρ λέξεως πεποίηκε τὸ κλιμακωτόν, ὡς ἂν μὴ σαφὴς ἡ πρὸς κάλλος ἐπιβουλὴ γένοιτο, μιμούμενος τὸν Δημοσθένην ἐν ταῖς παρισώσεσιν. ἐκεῖνος μὲν γὰρ τοὺς τόπους ἀλλάσσει, ὁ δὲ θεολόγος τὰς λέξεις ἄλλας ἀντ'ἄλλων τιθεὶς τὰ αὐτὰ σημαινούσας, ὡς ἂν λάθοι καλλωπίζων. «ἆρ' οὖν προτεθύμηται μὲν οὕτως, ἠγώνισται δὲ τῆς προθυμίας ἔλαττον, ἢ διαγωνίζεται μὲν ἀνδρικῶς, ἀσυνέτως δέ, πεπαιδευμένως» (ἀντὶ τοῦ συνετῶς, ἀλλ' ἐξέφυγε τὸ φανερὸν τῆς ταυτολεξίας) «ἀκινδύνως δέ, ἢ πάντα μὲν ταῦτα τελείως καὶ ὑπὲρ λόγον, ὑπελείπετο δέ τι τῆς μικροψυχίας ἐν ἑαυτῷ λείψανον;»79 κλιμακωτὸν φανερὸν ἐν τῇ πρὸς Κληδόνιον, «ὃ γὰρ τὴν ἐντολὴν ἐδέξατο, τοῦτο καὶ τὴν ἐντολὴν οὐκ ἐφύλαξεν· ὃ δὲ οὐκ ἐφύλαξε, τοῦτο καὶ τὴν παράβασιν ἐτόλμησεν· ὃ δὲ παρέβη, καὶ σωτηρίας ἐδεῖτο μάλιστα· ὃ δὲ σωτηρίας ἐδεῖτο, τοῦτο καὶ προσελήφθη.»80 καὶ ἐν τῷ εἰς τὰ φῶτα λόγῳ, «οὗ δὲ φόβος, ἐντολῶν τήρησις, οὗ δὲ ἐντολῶν τήρησις, σαρκὸς κάθαρσις»81, καὶ ἑξῆς. καὶ πάλιν, «ὅσον ἂν καθαιρώμεθα, φανταζόμενον, καὶ ὅσον ἂν φανταζώμεθα, ἀγαπώμενον, καὶ ὅσον ἂν ἀγαπήσωμεν, αὖθις νοούμενον.»82 τοῦ Χρυσοστόμου ἐκ τοῦ εἰς τὰς πράξεις, «μαθόντες γὰρ ἂν αὐτὴν [sic] ἀπεστράφησαν, ἀποστραφέντες δὲ οὐκ ἂν ἤκουσαν, μὴ ἀκούσαντες δὲ ἔμειναν ἐπὶ τῆς πλάνης τῆς προτέρας.»83 τοῦ αὐτοῦ, «ὁρᾷς πῶς πρόεισι τὸ κακόν, ἡ πικρία τὸν θυμὸν ἔτικτεν, ὁ θυμὸς τὴν ὀργήν, ἡ ὀργὴ τὴν κραυγήν, ἡ κραυγὴ τὴν βλασφημίαν, ἡ βλασφημία τὰς πληγάς, αἱ πληγαὶ τὰ 78 Ilíada, II. 101‐7. Gregório de Nazianzo, Funebris oratio in laudem Basilii Magni Caesareae (Oração 43), 32. 80 Gregório de Nazianzo, Epistulae theologicae (Τοῦ αὐτοῦ πρὸς Κληδόνιον πρεσβύτερον ἐπιστολὴ πρώτη) 101.51. 81 Gregório de Nazianzo, In sancta lumina (Oração 39), 8. 82 Gregório de Nazianzo, In sanctum baptisma (Oração 40), 5. 83 João Crisóstomo, In epistulam ad Galatas commentarius, MPG 61.636. 79 50 τραύματα, τὰ δὲ τραύματα θάνατον.»84 τοῦ αὐτοῦ, «ἵνα αἰδέσιμοι ὄντες μᾶλλον αὐτοῖς ὦσι περισπούδαστοι, περισπούδαστοι δὲ ὄντες αὐτοὺς ἐφέλκωνται, ἐφελκόμενοι δὲ προσηλῶσι τῇ λατρείᾳ, προσηλοῦντες δὲ τῇ λατρείᾳ εἰς μείζονα ἄγωσιν ἀρετήν, δι' ἣν πάντα γίνονται.»85 τοῦ ἁγίου Πέτρου, «ἐπιχορηγήσατε ἐπὶ τῇ πίστει ὑμῶν τὴν ἀρετήν, ἐν δὲ τῇ ἀρετῇ τὴν γνῶσιν, ἐν δὲ τῇ γνώσει τὴν ἐγκράτειαν,»86 καὶ τὰ ἑξῆς (Anónimo, Περὶ τῶν τοῦ λόγου σχημάτων, Spengel 3.133‐136). 2) ΚΛΙΜΑΚΩΤΟΝ. Κλιμακωτὸν δέ ἐστιν ἄριστον καὶ πρόξενον κόσμου τοῖς συγγράμμασι, χρώμεθα δὲ ἅπαξ πρεπόντως· σπανίως γὰρ χρῆσθαι προσήκει τοῖς ξενοπρεπέσιν, ἵνα μὴ τῇ καταχρήσει γίνωνται ὑπερκορῆ. γίνεται δὲ τὸ κλιμακωτόν, ὅταν ἐπὶ τὸ πλέον μηκύνοντες τὸ προκείμενον κεφάλαιον ἕκαστον κόμμα τὸ αὐτὸ τελευτὴν καὶ ἀρχὴν ποιώμεθα. κατάληξιν μὲν πρότερον, ἀρχὴν δὲ τοῦ ἑπομένου, οἷον τὸ «ἄληπτον οὖν τὸ θεῖον, ἵνα θαυμάζηται, θαυμαζόμενον δὲ ποθῆται, ποθούμενον δὲ καθαίρῃ, καθαῖρον δὲ θεοειδεῖς ἀπεργάζηται»87. (Anónimo, Περὶ τῶν σχημάτων τοῦ λόγου, Spengel 3. 183) 3) φράσεως δὲ καὶ λέξεως σχήματα πάλιν ἄλλα· παροίχησις καὶ πάρισον, κλιμακωτὸν, διπλώσεις, ἐπιμοναὶ καὶ κύκλοι τε καὶ ἀντιστροφαὶ δέ. (Anónimo, Ἐπιτομὴ ῥητορικῆς, Walz 3. 642) 84 João Crisóstomo, In Epistulam ad Ephesios (Homilia 15), MPG 62.110 . João Crisóstomo, Expositiones in Psalmos (In Psalmum CXXXV), MPG 55. 399. 86 2 Pe 1, 5. 87 Gregório de Nazianzo, In Theophania (Oração 38), 1. 7. 85 51 Nos tratados anónimos de Retórica que foram sendo produzidos na antiguidade tardia, coligidos por Spengel e Walz, encontramos algumas referências à figura clímax. A mais interessante é sem dúvida a citação 1), que resulta numa profusa compilação de exemplos da Patrística Grega, além do tradicional exemplo de Demóstenes e de Homero. A definição de clímax é precisa: “o clímax é uma figura que surge quando se gera várias vezes uma epanástrofe numa frase”. A ideia de uma epanástrofe repetida (πολλάκις) enquadra‐se no entendimento que de clímax fazem Hermógenes e Tibério. No comentário ao exemplo de Demóstenes, o autor limita‐se a descrever o processo de construção, “O ἔγραψα é o fim do membro anterior, e o princípio do segundo”, enquanto no exemplo de Homero relaciona o clímax com a antonomásia, como forma de explicar que a repetição de palavra pode não ser literal, como acontece entre o epíteto “O Matador de Argos” e Hermes. O primeiro exemplo de Gregório de Nazianzo vem ao encontro desta concepção menos restritiva de clímax; se atentarmos bem no passo deste Padre da Igreja, já citado por João Siciliota, é difícil interpretarmos que palavras estarão em relação de clímax; provavelmente estaremos perante um conjunto de seis membros, em que apenas os três iniciais exemplificam a figura: 1. ἆρ' οὖν προτεθύμηται μὲν οὕτως, ἠγώνισται δὲ τῆς προθυμίας ἔλαττον, 2. ἢ διαγωνίζεται μὲν ἀνδρικῶς, ἀσυνέτως88 δέ, 3. [ἢ]89 πεπαιδευμένως, ἀκινδύνως δέ, 4. ἢ πάντα μὲν ταῦτα τελείως καὶ ὑπὲρ λόγον, 5. ὑπελείπετο δέ τι τῆς μικροψυχίας ἐν ἑαυτῷ λείψανον; 88 Para compreender a relação de ἀσυνέτως com πεπαιδευμένως, é preciso ter em conta que no original de Gregório de Nazianzo, na edição de Boulenger (1908), não se lê ἀσυνέτως mas οὐ συνετῶς. Na realidade, só assim se explica a relação de clímax entre πεπαιδευμένως (de modo ensinado) com συνετῶς (de modo inteligente). Como explica o próprio autor: “usou ἀσυνέτως pelo oposto de συνετῶς, e assim fugiu a uma óbvia tautologia”. 89 Este ἢ surge aliás no original de Gregório de Nazianzo, na edição de Boulenger (1908). 52 Embora se verifique que, em bom rigor e segundo a definição do próprio autor, apenas temos duas epanástrofes seguidas (o que de facto corresponde a um clímax), e ainda assim por antonomásia, para o paralelismo do excerto contribui o facto de haver duas figuras etimológicas (sublinhadas no excerto) no início e no fim do período, e igualmente a insistência nos advérbios em –ως, e igualmente a anáfora de ἢ no 2º, 3º e 4º membros. Aliás, o exemplo é tão discutivelmente um clímax que João Siciliota o citou de forma bastante truncada e imprecisa, de forma a caber na sua definição da figura. Já os outros exemplos dados por este tratado são bem mais felizes. O cânone dos exemplos reduz‐se a Gregório de Nazianzo e a João Crisóstomo, e isto aplica‐se não só a este tratado, mas a todos os autores da Patrística citados a respeito do clímax. Na segunda citação de Gregório de Nazianzo90, retirada da sua primeira epístola ao bispo Cledónio, é bem visível um clímax perfeito do ponto de vista retórico, com o final dos membros a iniciarem o próximo, como é observável também no português: 8. foi aquele que Ele também tomou a si 7. E aquele que precisa de salvação 6. foi aquele que precisa mais que todos de salvação. 5. E aquele que desobedeceu, 4. foi aquele que na transgressão se aventurou. 3. E aquele que a não cumpriu, 2. foi aquele que a ordem não cumpriu. 1. aquele que recebeu a ordem, 90 As citações traduzidas encontram‐se elencadas no texto. 53 Mais uma vez, o presente exemplo traça um movimento ascendente em direcção a Deus, tal como os já anteriormente analisados91. Neste passo temos a vantagem de poder ver como o clímax retórico se pode estender por vários membros, e igualmente verificar os elos de conexão formal que entre eles se estabelecem. Os outros exemplos da Patrística são evidência igualmente disto, e tecnicamente todos se caracterizam pela mesma repetição de palavras, literal ou por antonomásia. Temos mais dois exemplos de Gregório de Nazianzo: “onde há medo, há o cumprimento dos mandamentos, onde há o cumprimento dos mandamentos, há purificação da carne” e “na mesma medida em que somos purificados, Ele apresenta‐se perante nós, e na mesma medida em que nós somos apresentados perante Ele, somos amados, e na mesma medida em que somos amados, Ele é conhecido”. Este último exemplo traça de novo um movimento ascendente, desta feita em direcção ao conhecimento de Deus. Os exemplos de João Crisóstomo são semelhantes: “sabendo isto, eles ter‐lhe‐iam virado as costas, e virando‐lhe as costas, não o ouviriam, e não o ouvindo, teriam continuado no mesmo erro anterior”. Aqui o aspecto de conexão formal é mais evidente, não havendo lugar para um crescendo de expressão. Já no segundo exemplo, é patente mais uma vez um indubitável crescendo que desenha uma escada, cujo primeiro degrau é a amargura e o último a morte: “observa como o mal avança: a amargura produz a ira, a ira a raiva, a raiva o grito, o grito a blasfémia, da blasfémia os golpes, dos golpes as feridas, e das feridas a morte”. No último exemplo de João Crisóstomo, “para que sendo respeitados sejamos mais procurados por eles, e sendo procurados atraiam outros, e os que foram atraídos fiquem presos ao culto, e os que ficam presos ao culto procurem cada vez mais a virtude, a partir da qual tudo surge”, é igualmente manifesto um caminho gradativo em direcção à virtude. O texto finaliza com um exemplo do Novo Testamento (2 Pe 1, 5): “acrescentai à vossa fé a virtude, à virtude o conhecimento, e ao conhecimento o domínio próprio”. De todos estes numerosos exemplos citados não se retiram conclusões novas, servindo o presente texto como o maior manancial de exemplos da escola retórica sobre a figura que estudamos. 91 Para uma análise semelhante de um período de Tertuliano que traça um movimento ascendente até Deus, cf. Sciuto (1966, 40‐43). 54 A definição de clímax dada pela citação 2) de outro tratado anónimo de retórica, desta feita o Περὶ τῶν σχημάτων τοῦ λόγου, é basicamente a mesma dada por Alexandre, e que portanto já foi comentada. Tal como Hermógenes, o presente autor classifica superlativamente a figura (ἄριστον), ao mesmo tempo que refere a sua raridade (σπανίως); o exemplo dado de Gregório de Nazianzo é exactamente o mesmo que João Siciliota aduziu, pelo que já foi analisado. Original é a forma enfática como se conclui que a figura promove a ordem nas composições escritas (πρόξενον κόσμου τοῖς συγγράμμασι), acentuado o clímax como uma estrutura organizacional do discurso, embora tendo sempre em conta que se trata da disposição formal de um período retórico, e não de um discurso ou texto visto como um todo. A citação 3) parte de uma citação de um tratado de retórica escrito em verso (nos chamados uersi populares), e limita‐se a enquadrar o clímax como uma figura de palavra, φράσεως δὲ καὶ λέξεως σχήματα, não definindo o termo nem retornando a ele no tratado.  Scholia in Homerum 1) ὁ τρόπος κλῖμαξ· τὸ λῆγον γὰρ τῆς διανοίας ἀρχὴ γίνεται τῶν ἑξῆς (in Iliadem 2.101‐7a)92. 2) ἄχρι δὲ τοῦ «αὐτὰρ ὁ αὖτε Θυέστ' Ἀγαμέμνονι λεῖπε φορῆναι» καλεῖται κλῖμαξ (in Iliadem 2.101‐7b). 3) ἱκανὸς πρὸς πίστιν ὁ παρὰ τῶν ἐχθρῶν οὐ κατὰ πρόσωπον γινόμενος ἔπαινος. Σημειώσαιο δ' ἂν ὡς κατὰ πρόοδον συλλαβῇ ηὔξηται μετ' ἐκπλήξεως ὁ ἔπαινος κλιμακηδόν (in Iliadem 3.182a). 92 Utilizámos a edição de Erbse (1969). 55 As presentes citações de comentários à Ilíada servem, à excepção da alínea 3), para confirmar algo que já temos verificado desde o início deste estudo: os versos II. 100‐8 desta epopeia eram de tal forma homogeneamente aceites como paradigmáticos de clímax, que as únicas referências a esta figura em toda a tradição exegética homérica inserem‐se precisamente nos comentários a estes versos. No entanto, pouco se desenvolve acerca da figura; parece mesmo que a única intenção do comentador era deixar visível que estava consciente de que este é o exemplo comummente dado para o clímax. Dado o facto de estes comentários terem sido escritos ao longo de vários séculos e portanto serem de autoria diversa (Dickey 2007, 18‐28), não é possível determinar em que altura estas referências à κλῖμαξ foram escritas; diríamos que um bom terminus a quo seria a data da primeira vez em que alguém se referiu aos supracitados versos homéricos como exemplo de clímax, e este seria Pseudo‐Herodiano (c. I‐II d.C.). Para o presente caso, no entanto, convém salientar a citação 1), que ensaia uma definição: “o final do pensamento torna‐se o princípio dos seguintes”, definição que nada acrescenta ao que já foi estudado, sendo aliás uma versão quase literal da definição dada por Eustátio (In Iliadem II. 101‐8, Valk 1.278), passo que já foi analisado; a citação 2) é uma referência muito sumária ao facto de os versos em questão serem um exemplo de clímax, não se referindo a nenhum outro aspecto. A alínea 3) pode representar a única ocorrência do advérbio κλιμακηδόν no sentido retórico do termo. É um passo em que Príamo comenta o número de Aqueus sob o controlo de Agamémnon, vendo‐os da muralha: ao descrever as suas próprias viagens, vai enumerando os diversos povos que já conheceu, mas nunca em tão grande número como os inimigos à sua porta. De facto, a enumeratio tem uma forma de “escada” (κλιμακηδόν ) que conduz ao elogio crescente (κατὰ πρόοδον) do Atrida. Não é certo, porém, que o comentador neste passo se esteja a referir à κλῖμαξ retórica, pois pode tratar‐se simplesmente de uma alusão metafórica a um elogio que sobe em forma de escada. 56 II. A gradatio latina. Dos autores clássicos à Patrística Latina Nos textos contemporâneos de retórica93, o termo κλῖμαξ é considerado um sinónimo da figura latina conhecida por gradatio, assimilação feita literalmente pelo próprio Quintiliano94. Em latim, no entanto, no período clássico poucas são as ocorrências do termo. Em bom rigor, o termo é mais usado por Vitrúvio para se referir ao processo de construção de degraus (V.3.4, 8; V.6.4; V.7.2) do que por qualquer outro autor. Cícero e Quintiliano são os únicos autores a quem o termo parece ter despertado algum interesse, além do autor da Rhetorica ad Herennium. Vale a pena analisarmos cada um desses passos. Época clássica: Cícero, Retórica a Herénio, Quintiliano Em relação a Cícero, há dois passos em que o autor parece referir‐se à κλῖμαξ retórica, sem nunca no entanto precisar o conceito ou defini‐lo. Num parágrafo em que se dedica aos orationis lumina, as figuras “ornamentais”, Cícero, no seu Orator (135), descreve o tipo de recursos de que um orador dispõe, sem apresentar o conceito ou o nome da figura de estilo em questão. A certa altura, escreve aut cum gradatim sursum uersus reditur. Não é taxativo, no passo em questão, que estejamos perante uma definição de gradatio ou de κλῖμαξ95; quando muito estaremos perante uma alusão indirecta a esta figura, que se descreve em termos de modus operandi: “quando gradualmente uma linha (uma frase, uersus) volta para trás”. Reditur sursum 93 Muito significativo disto mesmo é o facto de o influentíssimo texto de Lausberg (1960, 315‐317) tratar κλῖμαξ e gradatio sob um mesmo capítulo, não fazendo qualquer distinção entre as duas figuras. 94 Gradatio, quae dicitur κλῖμαξ (9. 3. 54). 95 Parece‐nos pois precipitada a forma como Kirby e Poster (1998, 1109) abordam este passo: “er definiert die Klimax als”. Aliás, poderíamos também aduzir alguns passos de Cícero em que se aborda transversalmente a ideia de uma repetição de palavras feita gradatim; o melhor exemplo não seria este, mas um excerto do De partitione oratoria em que se fala sobre amplificatio: augent etiam relata uerba, iterata, duplicata, et ea quae ascendunt gradatim ab humilioribus ad superiora; omninoque semper quasi naturalis et non explanata oratio, sed grauibus referta uerbis, ad augendum accommodatior (54); aqui podemos ler a ideia de um processo crescente na disposição das palavras, que se assemelha a um entendimento lato de clímax, e que terá contribuído para a confusão posterior entre clímax e αὔξησις. A ideia de gradação está também presente na figura sorites, que explora um polissilogismo de intenção crescente (cf. Cícero, Luc. 49, et primum quidem hoc reprehendendum, quod captiosissimo genere interrogationis utuntur, quod genus minime in philosophia probari solet, quom aliquid minutatim et gradatim additur aut demitur: soritas hoc uocant, qui aceruum efficiunt uno addito grano, uitiosum sane et captiosum genus). 57 descreve não uma regressão das partes da frase96, mas sim o movimento da frase que caminha gradativamente a partir da frase que a antecede (reditur). Seja como for, o autor romano considera os processos que descreve como inferiores, quando comparados com as figuras de pensamento97. Noutro passo de Cícero (De oratore, III. 207), existe igualmente uma fugitiva alusão à gradatio (est enim gradatio quaedam et conuersio et uerborum concinna transgressio)98, sem, porém, se definir o que se entende por este termo. Pelo contexto nada se depreende, apenas que o retórico romano considera a figura, tal como todas as outras que enuncia, como uma arma usada para atacar ou defender, ou simplesmente pela sua beleza (III. 206), e que relaciona a gradatio com as figuras de palavras. Mais importante é a definição dada na Retórica a Herénio: gradatio est, in qua non ante ad consequens uerbum descenditur, quam ad superius ascensum est (4.34)99. Esta definição é de difícil interpretação, e devemos ter cuidado na forma como a lemos. Kirby e Poster (1998, 1107), no nosso entender, citam e traduzem com pouca precisão o passo; primeiro, omitem na citação um importante non, gradatio est in qua non100, e deduzem, a partir deste, que o seu autor não considera que exista um movimento obrigatório101 de ascensão na figura; a sua tradução deste passo é algo como “a gradação é uma figura em que primeiro se desce para a palavra seguinte o quanto se subiu na palavra anterior”. O latim parece‐nos, no entanto, querer dizer algo diferente: a gradação é uma figura “na qual se desce para a palavra seguinte, não antes (non ante quam) de se subir para a mais elevada”, ou seja, o movimento de ascensão é indubitável (ad superius102, ascensum est), no entanto, tratando‐se de uma figura de repetição, o seu autor considera que o momento mais alto da repetição, o momento em que se sobe, está não na segunda palavra repetida, mas na primeira que se diz, como se a δεινότης criada pela figura, o ponto principal de energia por ela 96 “Eine Rückbindung der Satzteile” (Kirby e Poster 1998, 1109). Sed sententiarum ornamenta maiora sunt (136). 98 Todo este passo vai ser citado integralmente por Quintiliano (IX. 1. 34). 99 A edição seguida é a de Achard (1989). 100 Esta lição não é seguida nem referida no completo aparato crítico de Achard (1989), nem é a leitura de Marx (1923). 101 “Die Beschreibung des Vorgangs als eines stufenweisen Abstiegs zeigt, daß sich der Auctor die Klimax nicht notwendig mit einer Steigerung des Ausdrucks verbunden denkt” (1107). 102 O sentido de superius temporal como “anterior, que vem atrás” é possível, embora no contexto não nos pareça o mais adequado. 97 58 conseguida emanasse da primeira palavra, e não da segunda, descrevendo‐se um caminho que implica uma gestão cuidadosa da disposição do discurso (repare‐se no “non ante quam”). Esta interpretação de gradatio parece‐nos sem dúvida subtil; o que nos interessa, porém, salientar é que podemos ler, na definição, a ideia de uma gradação ascendente. De observar também os quatro exemplos dados, os primeiros que chegaram até nós em língua latina; todos eles, à excepção do segundo, parecem ser da lavra do autor anónimo deste tratado: 1) nam quae reliqua spes manet libertatis, si illis et quod libet licet, et quod licet possunt, et quod possunt audent, et quod audent faciunt, et quod faciunt uobis molestum non est?103 2) Non sensi hoc, et non suasi; neque suasi et non ipse facere statim coepi; neque facere coepi et non perfeci; neque perfeci et non probaui.104 3) Africano uirtutem industria, uirtus gloriam, gloria aemulos conparauit. 4) Imperium Graeciae fuit penes Atheniensis; Atheniensium potiti sunt Spartiatae; Spartiatas superauere Thebani; Thebanos Macedones uicerunt qui ad imperium Graeciae breui tempore adiunxerunt Asiam bello subactam. No primeiro exemplo dado há claramente um movimento ascendente que se desenha do desejo à possibilidade, da possibilidade à ousadia, e da ousadia à prática, algo que culmina na indiferença e apatia dos cidadãos. Do ponto de vista técnico, estamos perante o recurso à repetição de palavras feita literalmente, e não por sinonímia. No entanto, há um percurso gradativo semelhante a outros exemplos aqui comentados, como se pode ler no esquema gráfico seguinte: 103 104 Cf. passos semelhantes em Cícero, Pro Quinctio, 30.94 e Calpúrnio Flaco, 16. Tradução de Demosth., De corona, 179. 59 5. et quod faciunt uobis molestum non est? 4. et quod audent faciunt, 3. et quod possunt audent, 2. et quod licet possunt, 1. si illis et quod libet licet, O segundo exemplo é uma tradução bastante livre do paradigmático passo de Demóstenes, que acrescenta um membro que não estava presente no original grego105, o que acaba por provar, se ainda fosse preciso, que este período do De corona gozou igualmente, na escola retórica latina, de uma felicidade ímpar, pois também Quintiliano o vai traduzir para o latim. No terceiro exemplo há um movimento ascendente do trabalho à virtude, da virtude à glória, caminho esse aparentemente interrompido pelo culminar da frase na inveja. No último exemplo existe um progresso que culmina num ponto determinado, pois o período parte da Grécia e acaba no império de Alexandre Magno. Este exemplo, no entanto, parece servir mais ao autor para ilustrar o processo técnico de construção da gradatio baseado na repetição de palavras, neste caso por poliptoto. Pelos exemplos dados, compreende‐se que o autor da Retórica a Herénio tem um entendimento mais restritivo do que alguns autores gregos já analisados acerca da forma como se deve operar a repetição de palavras: em nenhum dos exemplos parece haver repetição por sinonímia106. No seguimento desta definição temos a que é dada por Quintiliano, que transcrevemos integralmente: Gradatio, quae dicitur κλῖμαξ, apertiorem habet artem et magis adfectatam, ideoque esse rarior debet. Est autem ipsa quoque adiectionis: repetit enim quae dicta sunt, et priusquam ad aliud descendat in prioribus resistit. Cuius exemplum ex Graeco 105 1. Non sensi hoc, et non suasi (1. οὐκ εἶπον μὲν ταῦτα, οὐκ ἔγραψα δέ); 2. neque suasi, et non ipse facere statim coepi (2. οὐδ΄ ἔγραψα μέν, οὐκ ἐπρέσβευσα δέ); 3. neque facere coepi, et non perfeci (3. οὐδ΄ ἐπρέσβευσα μέν, οὐκ ἔπεισα δὲ Θηβαίους); 4. neque perfeci, et non probaui (4. ‐‐‐) 106 Embora possamos entender uma relação de clímax entre libertas e libet. 60 notissimo transferatur: «non enim dixi quidem haec, sed non scripsi, nec scripsi quidem, sed non obii legationem, nec obii quidem legationem, sed non persuasi Thebanis.»107 Sunt tamen tradita et Latina: «Africano uirtutem industria, uirtus gloriam, gloria aemulos comparauit.» Et Calui: «non ergo magis pecuniarum repetundarum quam maiestatis, neque maiestatis magis quam Plautiae legis, neque Plautiae legis magis quam ambitus, neque ambitus magis quam omnium legum.» Est inuenitur apud poetas quoque, ut apud Homerum de sceptro, quod a Ioue ad Agamemnonem usque deducit, et apud nostrum etiam tragicum: «Ioue propagatus est, ut perhibent, Tantalus, ex Tantalo ortus Pelops, ex Pelope autem satus Atreus, qui nostrum porro propagat genus» (9. 3. 54‐57)108 Esta definição de Quintiliano é de certa forma subsidiária não só da retórica grega, mas também da Retórica a Herénio109. Da escola retórica grega temos a advertência para o facto de esta figura poder redundar num uso exagerado e sofístico, dado o carácter óbvio da sua construção (ideia retirada de Pseudo‐Longino) e daí a sua raridade (algo já referido por Hermógenes). Da Retórica a Herénio temos não só um dos exemplos dados (Africano uirtutem industria…), que o autor considera de um autor latino, mas também a própria definição em si, que utiliza o verbo descendere mais uma vez: repetit enim quae dicta sunt, et priusquam ad aliud descendat in prioribus resistit. O uso deste verbo parece contrariar a ideia de que num clímax retórico existe uma clara ideia de ascensão de um ponto a outro. No passo em questão, no entanto, temos de ter em linha de conta que o seu autor está a seguir de perto a definição da Retórica a Herénio (gradatio est, in qua non ante ad consequens uerbum descenditur, quam ad superius ascensum est), algo visível não só pelo uso do verbo descendere, mas também na utilização de expressões como priusquam (≈ ante quam), e in prioribus (≈ ad superius); como já analisámos, descendat tem um sentido específico na frase da 107 Tradução de Demosth., De corona, 179. A edição usada é a de Winterbottom (1970). 109 Sobre a filiação desta definição em Cecílio de Calacte, cf. supra nota 45. 108 61 Retórica a Herénio, e é provável que Quintiliano não tivesse sido sensível a este110. Por outro lado, como admitem Kirby e Poster (1998, 1107), o uso deste verbo terá algo a ver com o literal movimento descendente dos olhos ao ler uma página. Não admiti‐lo seria talvez considerar que, para Quintiliano, esta figura tem mais de conexão formal, elo necessário, de necessidade lógica e formal do que propriamente de movimento ascendente111. Mas mesmo assim, neste entendimento de clímax, Quintiliano vai dar exemplos em que há claramente um movimento de progresso qualitativo; vai traduzir o paradigmático passo de Demóstenes e refere‐se igualmente ao passo homérico já tantas vezes referido (ut apud Homerum de sceptro, quod a Ioue ad Agamemnonem usque deducit, referência a Il. II.104‐109). Além do exemplo retirado da Retórica a Herénio, cita um texto desconhecido de Calvo (fr. 25 Malcovatti), em que existe a ideia de uma “subida da escada” do crime de extorsão à traição, da traição às ofensas contra a lex Plautia, destas ofensas à corrupção, culminando este percurso catastrófico num ponto último, a revogação omnium legum. O último exemplo citado, de um tragediógrafo latino desconhecido, acaba por se assemelhar ao passo da Ilíada que Quintiliano citara: há um claro percurso genealógico de Júpiter a Tântalo, de Tântalo a Pélops, de Pelóps até ao nostrum genus. É de observar igualmente uma passagem de Sérvio (ad Aen. 9.573), em que, aparentemente, se regista a única latinização no contexto clássico do termo κλῖμαξ; o comentador, ao ler os versos vergilianos Ortygium Caeneus, uictorem Caenea Turnus, / Turnus Ityn, diz assim: ut ait Lucilius «bonum schema est, quotiens sensus uariatur in iteratione verborum, et in fine positus sequentis sit exordium, qui appellatur climax». Apesar de os versos em questão não serem, no sentido rigoroso do termo retórico, um exemplo claro de clímax (uma vez que só há repetição por uma vez, o que resulta numa simples anadiplose), fica a ideia de uma iteração de palavras, e algo semelhante a uma definição de clímax. Fica também registada a interessante ideia de uma “variação de sentido” (sensus uariatur) dada a partir da colocação das palavras: o sensus que vem no fim torna‐se o princípio do seguinte. 110 De notar, no entanto, que a edição de Rahn (1972) apresenta a emenda escendat em vez de descendat. 111 “Diese sollte ursprünglich wohl vielmehr das sich in dieser Figur vollziehende sichere, behutsame Fortschreiten der Gedanken zum Ausddruck bringen, durch das der Eindruck einer logischen oder kausalen Notwendigkeit erweckt wird” (Kirby e Poster 1998, 1107). 62 E estas são, na literatura latina clássica, as referências que existem sobre o termo gradatio112. O que podemos concluir daqui? Primeiro, que o termo não tem especial fortuna neste particular contexto retórico; segundo, que existe uma relação inequívoca entre κλῖμαξ e gradatio, e que em última análise nada as diferencia. Em termos técnicos, nada de novo se aduz; as definições dadas são pouco claras quando as comparamos com as que já analisámos. Patrística Latina Avançando no tempo, e debruçando‐nos sobre a Patrística Latina, observarmos que o termo gradatio vai conhecer melhor fortuna neste contexto113. Agostinho, em particular, usa o termo com alguma frequência (oito ocorrências), embora por vezes o utilize num sentido não técnico; é o caso de um passo do De moribus Manichaeorum (II. 64), em que o autor utiliza o termo gradatio para descrever o absurdo de se matar um animal só por ser pequeno: huc accedit illa gradatio, quae cum uos audirem, nos saepe turbauit ‐ se se mata uma pulga, mata‐se uma mosca, que não é muito maior, se se mata a mosca, mata‐se a abelha, e assim por diante até ser legítimo matar um animal tão grande como o elefante. O autor, ao referir‐se à nítida gradatio que desenha entre a pulga e o elefante, acaba por literalmente construir uma gradatio composta por degraus (nonne uidetis his gradibus ad elephantum perueniri), sem que utilize os recursos técnicos postulados pela tradição retórica grega, apenas fazendo uso de uma interpretação lata do termo gradatio – a ideia de algo que sobe até um determinado ponto. No entanto, a Agostinho não falta o entendimento técnico da κλῖμαξ grega, como se atesta no seguinte passo do De doctrina christiana (IV. 11): et tamen agnoscitur hic figura, quae κλῖμαξ graece, latine uero a quibusdam est appellata gradatio, quoniam scalam dicere noluerunt, cum uerba uel sensa connectuntur alterum ex altero; sicut hic, ex tribulatione patientiam, ex patientia probationem, ex probatione spem connexam uidemus. O autor comenta neste passo uma citação bíblica (Rm 5, 3‐5); além de estabelecer uma clara relação da figura retórica com a sua etimologia mais óbvia (escada, scala), e com a tradição retórica latina que optou pelo termo 112 Conclusão retirada após pesquisa por ocorrência no corpus reunido pelo PHI. Utilizámos nestas pesquisas a base de dados online da Patrologia Latina (http://pld.chadwyck.co.uk/), que segue a edição de Migne, pelo que todas as citações transcritas seguem esta edição. 113 63 gradatio (quoniam scalam dicere noluerunt), sublinha fundamentalmente o elo de conexão formal do processo (cum uerba uel sensa connectuntur alterum ex altero), não lhe interessando o aspecto de repetição ou de gradação nele presente114. O facto de referir disjuntivamente uerba uel sensa demonstra que Agostinho assume que o clímax se dá não só ao nível das palavras como dos sentidos, algo que se aproxima de algumas definições já abordadas, afastando‐se de outras mais restritivas. Na expressão alterum ex altero está igualmente presente a ideia dos degraus, visível também na etimologia latina de gradatio, e verificável na interpretação que Agostinho faz do versículo em questão, traçando um claro movimento da tribulação à paciência, da paciência à provação, da provação à esperança115, embora não se referindo à qualidade desse movimento, nomeadamente, se é ascendente ou descendente, ou sequer se tal questão lhe suscita interesse. Noutros passos, no entanto, é notório que o autor entende a gradatio como um movimento ascendente, como atesta um passo do De vera religione116, em que se descreve o movimento do tempo a partir de um dia até ao uniuersum tempus, algo classificado como uma successio ou uma quaedam gradatio; mais uma vez o termo não apresenta aqui um sentido técnico, algo inusitado no contexto latino até agora analisado, antes vincando um determinado processo gradativo117. Outro autor importante para o presente contexto, ainda de certo modo próximo da mundividência retórica clássica, é Cassiodoro (séc. V‐VI). Na sua In 114 Noutro passo do mesmo tratado (IV. 44), acaba por admitir que não é preciso nenhuma destas figuras ornamentais para que o período (neste caso, Gl 5, 10‐20) tenha força, et tamen non ideo tepuit grandis affectus, quo eloquium feruere sentimus. 115 Noutro texto, o autor comenta I Co 11, 3, e refere‐se à gradatio utilizada nesse contexto pelo Apóstolo: nam et uirum dixit caput mulieris, et caput uiri Christum, et caput Christi Deum (De genesi ad litteram imperfectus liber, 6). Tal como já em alguns exemplos aqui analisados da Patrística Grega, note‐se como o último “degrau” da escada é Deus, o que demonstra um certo processo ascendente nesta gradatio. 116 Sic mora unius horae ad diem, et diei ad mensem, et mensis ad annum, et anni ad lustrum, et lustri ad maiores circuitus, et ipsi ad uniuersum tempus relati breues sunt; cum illa ipsa numerosa successio, et quaedam gradatio, siue localium, siue temporalium spatiorum, non tumore uel mora, sed ordinata conuenientia pulchra iudicetur (43). Cf. igualmente 30. 117 Algo extremamente notório em alguns passos de Agostinho em que não há lugar à utilização “técnica” do termo: transitorium Domini, Virginis partus, Verbi incarnatio, aetatum gradatio, miraculorum exhibitio (Enarrationes in Psalmos, in Psalmum CIX, 5), ou nunc uero ideo sunt omnia bona, quia sunt aliis alia meliora, et bonitas inferiorum addit laudibus meliorum: et in rerum bonarum inaequalitate ipsa est iucunda gradatio, ubi minorum comparatio ampliorum est commendatio (Contra aduersarium legis et prophetarum, I. 6); neste último caso, é indubitável que a gradatio pressupõe um movimento do menor para o maior. 64 Psalterium Expositio, o autor vai usar amiúde o termo retórico no seu sentido clássico, sentindo‐se igualmente na obrigação de definir o conceito. No seu comentário ao Salmo III (PL 70, 44D), o autor analisa um passo de S. Paulo (Rm 8, 35), afirmando que este constitui um exemplo de auxesis: huic uicina est figura quae dicitur climax, Latine gradatio, quando positis quibusdam gradibus, siue in laude, siue in uituperatione semper accrescit. Sed inter utraque schemata hoc interest, quod auxesis sine ulla iteratione nominis, rerum procurat augmenta, in climace uero necesse est ut postremum uerbum, quod est in primo commate positum, in sequenti membro modis omnibus iteretur118. Nesta tentativa de definição, em que se exploram as semelhanças (uicina est figura) e diferenças (sed inter utraque schemata) entre αὔξησις119 e κλῖμαξ, resulta que ao seu autor é indissociável do clímax a ideia de um crescendo da enunciação (semper accrescit), disposto em degraus; de tal forma que a única diferença entre αὔξησις e κλῖμαξ é que, enquanto na primeira figura este crescendo se faz sem nenhuma repetição das palavras, no clímax esta é necessária, classificando de forma prescritiva a forma como esta deve ocorrer120. Segue pois de perto a definição retórica grega, especificando o clímax como um processo em que usa a repetição literal de palavras (uerbum … positum … iteretur)121. De notar, no entanto, o à‐vontade com que se latiniza a expressão grega κλῖμαξ, acabando por a flexionar no ablativo (in climace), algo que pode indicar que o seu autor utiliza o termo como parte integrante do seu vocabulário latino. O autor acaba por citar como exemplo acabado de clímax um passo bíblico já aduzido por Agostinho como paradigmático desta figura de estilo (Rm 5, 4‐5). Noutro passo, comentando o Salmo 93(94) o autor diz diligenter 118 Esta definição foi repetida no tratado anónimo De schematibus et tropis necnon et quibusdam locis rhetoricis S. Scripturae quae passim in commentario Cassiodori in Psalmos reperiuntur (PL 70. 1273); a fortuna desta definição na PL é também observável na repetição literal desta definição nos Libri Carolini (Contra Synodum quae in partibus Graeciae pro adorandis imaginibus, PL 98. 1108). 119 Segundo a definição de Lausberg, “die amplificatio (exaggeratio; αὔξησις) ist eine (…) vorgenommene gradmäßige Steigerung des von Natur aus Gegebenen durch die Mittel der Kunst” (1976, 35 = §71), ou na tradução de Rosado Fernandes, “a amplificatio (exaggeratio; αὔξησις; [port. amplificação]) é um aumento gradual, por meios artísticos, do que é dado, por natureza (…)” (Lausberg 1993, 106 = §71). Como se verá, o clímax no seu sentido retórico moderno é um desenvolvimento desta ideia de proximidade entre as duas figuras. 120 Embora menos restritiva do que definições anteriores (modis omnibus). 121 Este entendimento mais “clássico” do termo está igualmente presente nas suas Complexiones in Epistolis Apostolorum (PL 70. 1326): et ne in tanta spe titubarent hominum corda fragilia, praedestinatos dicit vocatos, vocatos autem asserit justificatos, justificatos vero magnificatos esse confirmat. Hoc argumentum dicitur climax, id est gradatio, quod etiam in subsequentibus frequenter assumit. 65 autem intende quemadmodum usque ad finem diuisionis huius augmenta semper scelerum facit. Quod schema dicitur climax, id est gradatio. Exaggerantibus enim ad superiora crescere decorus ascensus est (PL 70. 666). Ao interpretar este salmo, em que se sobe nitidamente uma “escada da iniquidade”, Cassiodoro reitera a sua ideia de que o clímax, id est gradatio, constitui um processo de construção ad superiora; no entanto, nos versos que comenta, não há lugar a um clímax técnico de repetição de palavras, tal como o autor o tinha anteriormente classificado; estamos antes perante um clímax “metafórico”122, em que se sobe (ascensus est) mercê do incremento (exaggerantibus). Este entendimento lato que o autor tem de clímax é reiterado no seu comentário ao Salmo 105 (PL 70. 764)123, em que torna a classificar como gradatio um passo em que há um nítido crescendo (αὔξησις), mas não nos moldes prescritivos da retórica clássica, ideia sumariada na feliz expressão sensus noster ascendit: noção que se aproxima daquilo a que chamaremos um entendimento mais “moderno” do termo124. 122 Muitos são os exemplos deste tipo de uso mais abrangente na Patrologia Latina mais tardia. Cf. Gilberto de Nogent (PL 156. 526, nulla in his nominandis gradatione sermonis egebimus), Herveu de Bourg‐Dieu (PL 181. 594, ideo quemdam gradationis ascensum in his notare possumus), Orderico Vital (PL 188. 322, nefanda gradatione ambitionis et supplantationis ascenderat). 123 Adhuc in ipsa auxesi in his duobus uersibus perseuerat; quod schema Graece dicitur climax, Latine gradatio, quia per gradus quosdam, siue in laude, siue in uituperatione sensus noster ascendit (a definição vai ao encontro quase literalmente da primeira ocorrência neste autor aqui analisada). 124 Cf. igualmente o seu comentário ao Salmo 134 (PL 70. 966) Sic enim et alibi de ipsis dicitur: Qui credit in me non iudicabitur, sed transiet de morte ad uitam; qui autem non credit, iam iudicatus est (Matth. V, 5; Ioan. III, 18). Vides quid profecerit gradatio illa quam diximus; ut enumeratis magnalibus Domini, usque ad eius uenerit sanctum tremendumque iudicium. Outro autor, já no século XI‐XII, parece ter um entendimento semelhante de clímax; trata‐se de Ruperto de Deutz, que não só encara a figura na sua face mais “técnica” de repetição de palavras no fim do membro e no início do seguinte, como é observável pelos exemplos que aduz (cf. PL 167. 253, Quod propositum, quia nequaquam malis intercurrentibus auerti potuit, pulchra deinde gradatione prouentus ordinem ita subter annectit: «Nam quos praesciuit et praedestinauit conformes fieri imaginis Filii sui, ut sit ipse primogenitus in multis fratribus; quos autem praedestinauit, hos et uocauit, et quos uocauit, hos et iustificauit, quos autem iustificauit, illos et magnificauit» (Rm 8, 29‐30) ou ainda PL 168. 56, Dominus exaudit coelos, et coeli exaudiunt terram, et terra exaudit triticum, et uinum, et oleum, et haec exaudiunt Israel. Nimirum quatuor exauditiones sunt et occulta gradatio sed eam Apostolus planiorem atque clariorem facit, dum ad Romanos scribens, praemisso: «Omnis quicunque inuocauerit nomen Domini saluus erit (…): Quomodo ergo inuocabunt in quem non crediderunt? Aut quomodo credent ei, quem non audierunt? Quomodo autem audient sine praedicante? Quomodo uero praedicabunt, nisi mittantur?» (Rm 10, 13‐15), como também tem um entendimento mais lato do termo em outros passos (cf. PL 169. 975, Illuc usque pulchra gradatione huiuscemodi fumus ascendit. De orationibus sanctorum ad manum angeli, de manu angeli, coram Deo ascendit, ou também PL. 170. 377, Si rite considerasti gradationem hanc, primum reatum, quo reus quis est iudicio; deinde reatum, quo reus est concilio; tertio quoque reatum, quo reus est gehennae ignis). 66 Também Isidoro de Sevilha, nas suas Etimologias (II. 21. 4), aborda o tema e procura uma definição do termo: climax est gradatio, cum ab eo, quo sensus superior terminatur, inferior incipit, ac dehinc quasi per gradus dicendi ordo seruatur, ut est illud Africani: «ex innocentia nascitur dignitas, ex dignitate honor, ex honore imperium, ex imperio libertas». Hanc figuram nonnulli catenam appellant, propter quod aliud in alio quasi nectitur nomine, atque ita res plures in geminatione uerborum trahuntur. Fit autem hoc schema non solum in singulis uerbis, sed etiam in contexione uerborum, ut apud Gracchum: «pueritia tua adulescentiae tuae inhonestamentum fuit, adulescentia senectuti dedecoramentum, senectus reipublicae flagitium» (Gracchus, fr. 43). Sic et apud Scipionem: «ui atque ingratis coactus cum illo sponsionem feci, facta sponsione ad iudicem adduxi, adductum primo coetu damnaui, damnatum ex uoluntate dimisi» (Africanus Minor, fr. 33). Não por acaso, Isidoro de Sevilha não volta a usar este termo na sua obra, o que justifica o entendimento restritivo que dele tem, ao contrário de Cassiodoro, por exemplo, e de outros autores da Patrística Grega aqui estudados; na definição avulta a relação íntima do clímax com a anadiplose, e igualmente o carácter de elo formal que estabelece, à semelhança da catena. Quer pelos exemplos dados, quer pela definição, entende‐se que Isidoro125 considera o esquema como uma repetição de palavras, simples ou complexa (in contexione uerborum), disposta em degraus (quasi per gradus), sem que no entanto saliente o seu carácter de “crescendo”. 125 Entendimento esse que persiste em autores posteriores da PL, como Beda (PL 93. 70, De qua etiam in libro Sapientiae per figuram locutionis quae Graece κλῖμαξ, Latine gradatio uocatur, pulcherrime refertur: Initium (inquit) sapientiae, uerissima est disciplinae concupiscentia (Sap. VI). Cura ergo disciplinae dilectio est, et dilectio custodia legum illius est. Custoditio autem legum consummatio incorruptionis est. Incorruptio autem facit esse proximum Deo. Concupiscentia itaque sapientiae deducit ad regnum perpetuum.), Walafrido Estrabão (PL 113. 1055, Ecce gradatio laudis ad iudicium perducta est), Radulfus Ardens (Raoul Ardent) (PL 155. 1304, Quomodo ergo inuocabunt, in quem non crediderunt? Et quomodo credent ei quem non audierunt? Et quomodo audient sine praedicante? Et quomodo praedicabunt nisi mittantur? Ostendens per hanc gradationem quod…) Edmero de Cantuária (PL 159. 584, Non potuit aliter quia non uoluit; noluit, quia ratio non fuit. Et quia ratio non fuit, non debuit. Quam gradationem si quis reciproce conuertat, non irrita erit hoc modo: Non debuit aliter saluare genus humanum, quia ratio non fuit; et quia ratio non fuit, noluit; et quia noluit, non potuit, quia contra rationem facere nec potuit, nec uoluit). Cf. ainda o interessante exemplo dado em verso por Marbodo de Rennes que, partindo da definição da Retórica a Herénio, constrói os seguintes versos: Hic quaecunque uidet cupit, et quaecunque cupiuit / Allicit. Allectam uitiat, prodit uitiatam. / Ni uirtus laudem, laus inuidiam peperisset / Androgeo, sospes ad Gnossia regna redisset. / Sed uirtus laudem, laus inuidiam generauit; / Inuidiae telis pars haec superata necauit (De ornamentis uerborum, PL 171. 1690). 67 III. Do entendimento clássico ao contemporâneo O clímax clássico: uma sistematização Recuperemos, como forma de sistematização, todas as definições dadas pelos autores estudados, e façamos o resumo das principais ideias até aqui exploradas. 1) Κλῖμαξ δὲ ὅταν ἕκαστον τῶν ἐν τοῖς κώλοις ὀνομάτων ἀναλαμβάνοντες διατιθώμεθα τὸν λόγον (“o clímax é quando compomos uma frase tomando de novo cada uma das palavras nos membros [da frase]”), Pseudo‐Herodiano, De figuris, 49. 2) τὸ κλιμακωτὸν καλούμενον σχῆμα (…) ἔστι δὲ οὐδὲν ἄλλο ἢ πλεονάζουσα ἀναστροφή (“o clímax não é nada mais do que uma anástrofe repetida”), Hermógenes, I. 1. 12. 304. 3) Κλῖμαξ δὲ γίνεται, ὅταν ἐπὶ πλεῖον μηκύνοντες τὸ προκείμενον κεφάλαιον καθ΄ ἕκαστον κόμμα τὴν αὐτὴν λέξιν τελευτήν τε καὶ ἀρχὴν ποιήσωμεν (“o clímax surge quando, prolongando em toda a sua extensão o que de mais importante vem antes, fazemos, para cada membro, da palavra final o princípio da seguinte”), Alexandre filho de Numénio, De figuris II. 8. 4) Κλῖμαξ δέ ἐστιν ὅταν, εἰς πολλὰ κῶλα ἑνὸς ἐνθυμήματος διαιρουμένου, ἕκαστον κῶλον ἄρχηται ἀπὸ τοῦ ἐν τῷ προηγουμένῳ κώλῳ τελευταίου (“o clímax surge quando, dividindo‐se um pensamento em diversos membros, um membro se inicia exactamente com aquilo que veio no fim do membro antecedente”), Tibério, De figuris Demosthenicis, 28. 5) Ἐν δὲ τῇ κλίμακι κατὰ τὴν ἐπανάληψιν τὸ τέλος τοῦ πρώτου κώλου εὑρίσκομεν ἐν τῇ ἀρχῇ τοῦ δευτέρου (“no clímax, em relação com a epanalepse, encontramos o fim do primeiro membro no início do segundo”), Fébamo, Περὶ τῶν Σχημάτων Ῥητορικῶν, 2. 4. 68 6) γίνεται δὲ σχῆμα κλιμακωτόν, ὅταν τὸ λῆγον τῆς φθασάσης ἐννοίας ἀρχὴ γένηται τῆς ἐφεξῆς (“o clímax surge quando aquilo que é deixado do pensamento anterior se torna o princípio do seguinte”), Eustátio, In Iliadem II. 101‐8, Valk 1.278. 7) Κλιμακωτόν ἐστι σχῆμα, ὅταν ἡ ἐπαναστροφὴ πολλάκις γένηται τῷ λόγῳ (“o clímax é uma figura que surge quando se gera várias vezes uma epanástrofe numa frase”), Anónimo, Περὶ τῶν τοῦ λόγου σχημάτων, Spengel 3.133‐136. 8) gradatio est, in qua non ante ad consequens uerbum descenditur, quam ad superius ascensum est (“a gradação é uma figura na qual se desce para a palavra seguinte, não antes de se subir para a mais elevada”), Retórica a Herénio, 4.34. 9) gradatio (…) repetit enim quae dicta sunt, et priusquam ad aliud descendat in prioribus resistit (“a gradação repete aquilo que foi dito, e antes que desça para outra coisa, permanece no que vem anteriormente”), Quintiliano 9. 3. 54. 10) huic uicina est figura quae dicitur climax, Latine gradatio, quando positis quibusdam gradibus, siue in laude, siue in uituperatione semper accrescit. Sed inter utraque schemata hoc interest, quod auxesis sine ulla iteratione nominis, rerum procurat augmenta, in climace uero necesse est ut postremum uerbum, quod est in primo commate positum, in sequenti membro modis omnibus iteretur (“esta figura (auxesis) está relacionada com aquela a que se chama clímax, em latim gradatio, que surge quando se dispõe algo em forma de degraus, crescendo sempre no louvor ou no insulto. Mas entre ambas as figuras, o que interessa é que na auxesis se procura o aumento sem qualquer repetição de palavra, enquanto no clímax é necessário que a última palavra, colocada no primeiro cólon, se repita de todos os modos no membro seguinte”), Cassiodoro, In Ps. III (PL 70, 44D). 11) climax est gradatio, cum ab eo, quo sensus superior terminatur, inferior incipit, ac dehinc quasi per gradus dicendi ordo seruatur. (…) Fit autem hoc schema non solum in singulis uerbis, sed etiam in contexione uerborum (“o clímax é uma gradatio, que ocorre quando o que vem depois se inicia com o sentido que termina o que vem antes, desta forma conservando uma ordem obtida como que por degraus de 69 enunciação. (…) Esta figura ocorre não só em palavras isoladas, mas também na interconexão de palavras”), Isidoro de Sevilha, Ethym. II. 21. 4. É facilmente verificável, a partir das definições transcritas, que os retóricos consideravam a figura clímax, do ponto de vista teórico, como uma figura de repetição de uma determinada ideia ou palavra, prescritivamente colocada no final de um membro, repetindo‐se esta no início do membro seguinte. Se esta repetição deve ser continuada, ou se basta uma só para que exista um clímax, não nos parece claro; alguns autores afirmam‐no, outros não o especificam. Mas este é um frio processo técnico de uma figura, como vimos, algo marginal no contexto retórico. Não foi seguramente por aqui que o termo logrou tanto sucesso no contexto moderno. Para o presente estudo interessa‐nos mais o propósito desta figura, a forma como os autores familiarizados com o termo o abordam, e igualmente os exemplos de clímax que os diversos escritores abordados nos trouxeram. Em relação ao propósito desta figura, devemos repetir o que já dissemos no início: κλῖμαξ, em grego, tem o sentido literal de “escada”, quase inteiramente omnipresente em todos os contextos analisados em que surge a palavra. Este facto não é um simples fait divers, tem implicações imediatas: sempre que um autor retórico utilizava este termo num sentido técnico (e poucos foram os que o fizeram), existia uma implícita e inequívoca relação com o prosaico objecto usado para subir e para descer de um ponto para outro126. Nesse sentido, esta “escada” foi vista com duas finalidades, não antagónicas, mas concorrentes: 1) colocando a tónica sobre a forma como uma escada é construída, alguns autores consideram‐na uma sucessão funcional de degraus, de elos inextricáveis; estuda‐se fundamentalmente a colocação e a disposição dos degraus; 2) dando ênfase ao tipo de movimento que o sujeito faz sobre a escada, é inegável que quase todos os autores antigos consideram que esta “escada” leva um sujeito de um ponto mais baixo a um ponto mais elevado (e quase nunca ao contrário). 126 Algo semelhante em latim, na relação de gradatio com gradus. 70 Reflexo desta “dupla face” do clímax é a forma diferente como os autores que se sentem familiarizados com este termo abordam o tema. Podemos dizer que os autores que olham para o termo na sua face mais “técnica”, como Alexandre, Tibério127, Eustátio, Quintiliano e Isidoro, vêem o clímax como um recurso de que o orador dispõe para estruturar correctamente um período, de forma a que cada degrau, cada membro, se una ao outro de forma indestrinçável, formando uma cadeia lógica de pensamento. Por outro lado, dos autores que se referem ao processo qualitativo do clímax, presente logo no primeiro uso do termo em Pseudo‐Demétrio, como João Siciliota, Agostinho ou Cassiodoro, existe sempre a ideia de algo “que sobe”, utilizando‐se para descrever este processo termos que fazem referência a este movimento (ἐπὶ μειζόνων μείζονα, ἐξαίρετον, ἐπίδοσις, ascensum est, accrescit, ad superiora). Ao nível dos exemplos dados, avultam igualmente estas duas faces do clímax. Nos exemplos “clássicos”, o de Homero é o que desenha de forma mais clara a “escada como objecto”. Neste, de facto, estabelece‐se um nexo causal em relação ao ceptro de Zeus. Não há crescendo do ponto de vista da direcção; quando muito, se víssemos sob esse prisma, haveria uma certa ideia de decrescendo – Zeus – Hermes – Pélops – Atreu – Tiestes – Agamémnon. Já no exemplo de Demóstenes, é notório um clímax de elos causais – a escrita levou à missão, a missão levou à persuasão – mas também um clímax “qualitativo” – o projecto escrito “cresce” até ao convencimento total dos Tebanos. E quase todos os outros exemplos dados, fundamentalmente no contexto da Patrologia, são igualmente paradigmáticos desta dupla face: em grande parte deles se traça um caminho ordenado (clímax “estrutural”) de algo mais pequeno a algo maior (clímax “qualitativo”). Normalmente esse movimento dá‐se do homem em direcção ao divino, mas também da tribulação à esperança, do entendimento à imitação de Deus, da amargura à morte, do desejo à prática, do crime à revogação de todas as leis, ou mesmo da pulga ao elefante. 127 Não nos esqueçamos das suas palavras “o nome deriva metaforicamente daqueles que sobem as escadas: assim como o primeiro [movimento] se torna o último mercê de uma mudança dos pés, assim também nesta figura o fim do membro antecedente torna‐se o princípio do seguinte”. 71 No presente estudo, interessam‐nos de forma semelhante estas duas faces do clímax. Ambas as abordagens nos levarão, esperemo‐lo, a uma nova leitura sobre os processos de construção e de estruturação da obra artística, em particular e com especial ênfase na poesia latina de Horácio. Estudemos, porém, neste momento o entendimento que as línguas modernas fazem do termo, e vejamos que relação tem com o clímax clássico. O clímax moderno: estudo etimológico de várias línguas europeias Não foi, pelo menos em português, o entendimento clássico que prevaleceu até aos dias de hoje, tendo‐se o termo especializado noutro tipo de contextos. Em toda a literatura crítica moderna, seja sobre história, literatura, música, ou qualquer outra área de saber, são residuais os contextos em que o termo surge como uma figura de estilo retórica. Nos estudos literários, em particular, o termo assume‐se em muitos contextos como um sinónimo da expressão “ponto mais alto”. Como evolui pois o termo, desde a sua primeira acepção clássica, até este significado? Como método de estudo, partamos da definição dada por dicionários de referência das principais línguas europeias (português, espanhol, francês, italiano, inglês e alemão); escolhemos apenas um ou dois dicionários para cada língua, precisamente aqueles que, segundo a nossa busca128, apresentaram a definição mais abrangente do termo. Julgamos apropriado transcrever as entradas129. 1) Português a) Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (“clímax”, Houaiss 2001, 960, vol. I) 1 ponto mais alto 2 Rubrica: ecologia. comunidade estável que se estrutura ao final de uma sucessão ecológica, adaptada às condições ambientais específicas da região, e na qual a biomassa e a biodiversidade permanecem constantes Obs.: cf. disclímax 3 Rubrica: fisiologia. m.q. orgasmo 4 128 Esta não foi uma busca bibliográfica completa; partiu‐se apenas de um corpus de dicionários ditos “de referência”, ou seja, passíveis de ser encontrados numa biblioteca de dimensões razoáveis. Não seria pois aqui possível analisar todos os dicionários algumas vez produzidos em cada uma destas línguas. 129 Transcrevemos apenas a entrada, sem pormenores de pronúncia ou etimologia. 72 Rubrica: cinema, literatura, teatro, televisão. parte do enredo (de um livro, filme, novela etc.) em que os acontecimentos centrais ganham o máximo de tensão para os personagens envolvidos, prenunciando o desfecho; ápice Ex.: o c. de uma peça teatral, de uma narrativa 5 Rubrica: estilística, retórica. figura de linguagem em que uma série de frases ou orações é disposta em ordem ascendente de vigor retórico 6 Rubrica: retórica. concatenação dos elementos de um período de modo a fazer com que cada um comece com a última palavra do anterior; gradação Obs.: p.opos. a anticlímax. b) Novo Aurélio Século XXI: o Dicionário da Língua Portuguesa (“clímax”, Ferreira 1999, 486‐487) 1. O ponto culminante. 2. Grau máximo ou óptimo de desenvolvimento de um fenómeno biológico ou social. 3. Fase de estabilidade de uma associação ou comunidade biológica, de acordo com condições ambientes prevalentes e estáveis. 4. E. Ling. Apresentação de uma sequência de ideias em andamento crescente ou decrescente. Ex.”Tão dura, tão áspera, tão injuriosa é a palavra não (P.e António Vieira, Sermões, II, p. 88), “entrava a girar em volta de mim, à espreita de um juízo, de uma palavra, de um gesto, que lhe aprovasse a recente produção (Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, p. 138). [Sin.: gradação (ascendente no primeiro caso e descendente no segundo).] 5. E. Ling. Concatenação dos membros de um período de maneira que cada um comece pela última palavra do anterior; gradação. Ex.: O convívio gerou a amizade, a amizade intensificou‐se em amor, o amor exaltou‐se em loucura. [Opõe‐se a anticlímax] 6. Teatr. O instante decisivo da acção e da intensidade emocional de uma peça, no qual o suspense e a expectativa desfecham no esclarecimento ou definição dos factos dramáticos que o antecederam ou sucederão. 2) Espanhol Diccionario de la Lengua Española da Real Academia Española (“climax”, 2001, 570, vol. I) Punto más alto o culminación de un proceso. 2. Gradación retórica ascendente. 3. Término más alto de esta gradación. 4. Momento culminante de un poema o de una acción dramática 5. Ecol. Estado óptimo de una comunidad biológica, dadas las condiciones del ambiente. 73 3) Francês O termo “clímax” não se encontra costumeiramente nos dicionários de francês consultados130. Temos uma pequena referência no dicionário de 1877 de E. Littré (“climax”, 1970, 394): “terme de rhétorique. Synonyme inusité de gradation”. O Dictionnaire Quillet de la Langue Française (“climax”, 1975, sem pp., vol. I) apresenta uma definição do termo somente na sua acepção científica131, ressalvando o facto de este não constar no Dictionnaire de l’Académie. O Lexis Dictionnaire de la Langue Française (“climax”, 1975b, 341) regista o termo somente neste contexto científico132. 4) Italiano Lo Zingarelli: vocabolario della lingua italiana (“climax”, Zingarelli 1999, 384)133 1 (ling.) Figura retórica che consiste nella gradazione ascendente per intensità e forza di una serie di concetti e di vocaboli: per sdegno, per orgoglio, o per dispetto (BOIARDO). CFR. Anticlimax. 2 (biol) Stato di equilibrio di una comunità di organismi vegetali o animali che resta stabile finché non si alterino in modo notevole le condizioni ambientali | (est.) La comunità stessa. 3 (med.) Acme 4 (biol.) Orgasmo. 5) Inglês Oxford English Dictionary (“climax”, 2009) I Properly. 1 Rhet. A figure in which a number of propositions or ideas are set forth so as to form a series in which each rises above the preceding in force or effectiveness of expression; gradation. 2 gen. An ascending series or scale. Obs. II Popularly. 3 The last or highest term of a rhetorical climax. 4.a. gen. The highest point of anything reached by gradual ascent; the culmination, height, acme, apex. b. Ecology. The point in the ecological succession at which a plant‐community reaches a state of equilibrium with 130 A entrada não consta por exemplo no Le Petit Robert nem no Le Grand Larousse de la Langue Française. 131 “Suite d’associations d’êtres vivants se suivant naturellement en un lieu donné. Plus précisément, la dernière association, stable”. 132 “Terme final évolutif d’une série progressive de formations végétales non troublée par l’intervention humaine”. 133 Nem todos os dicionários consultados atestam a forma. 74 its environment, able to reproduce itself indefinitely under existing conditions. Also attrib. c. Physiol. = orgasm n. 2. 134 6) Alemão a) Wahrig Detusches Wörterbuch (“Klimax”, 1997, 737)135 Steigerung, Höhepunkt; Stilmittel der Steigerung. Übergang vom schwächeren zum stärkeren Ausdruck; Ggs. Antiklimax; das Endstadium einer durch Boden‐ u. Klimaverhältnisse bedingten Entwicklung der Planzenwelt; a. = Klimakterium b) Duden: Das grosse Wörterbuch der deutschen Sprache (“Klimax”, Drosdowski 1978, 1488) 1a.) Höhepunkt: unter Orgasmus versteht man die K. der sexuellen Lust; b) (Stilk.) Übergang vom schwächeren zum stärkeren Ausdruck, vom weniger zum Wichtigeren (Ggs.: Antiklimax). 2. (Med.) so viel wie Klimakterium Algo avulta de imediato numa primeira leitura dos excertos transcritos, e igualmente após a consulta de vários dicionários: o passado retórico da palavra não é sempre registado, e, quando o é, é‐o de uma forma aparentemente equívoca para quem estudou o termo na época clássica. Retirando talvez a entrada de Aurélio e de Houaiss transcrita, que apresenta uma definição “clássica” do termo, refere‐se quase sempre que “clímax”, na retórica, se reporta à disposição de ideias de uma forma ascendente. Como já estudámos, o entendimento clássico e retórico do termo não classifica o clímax como uma figura de pensamento, mas como uma figura de “repetição de palavras”. Já quanto ao facto de o clímax ser obrigatoriamente ascendente, como os dicionários sugerem, tal também não pode ser lido em nenhum dos excertos transcritos neste capítulo. Há, quando muito, uma “sugestão de crescendo”, mas de forma nenhuma os autores clássicos consideravam obrigatório 134 135 Transcrevemos a entrada sem as citações do original. O conhecido dicionário de 1873 de Jacob e Wilhelm Grimm (Grimm 1991) não atesta a forma. 75 haver um aumento de intensidade para que existisse um clímax. Então porque registam maioritariamente os dicionários modernos esta acepção no domínio da “Retórica”? Porque se especializaram no “clímax qualitativo”, tal como definido há pouco? Para respondermos a esta pergunta, propomos estudar a datação e a definição do termo em diversos dicionários etimológicos das línguas citadas, procurando saber que espaço linguístico é responsável pela disseminação e pela evolução do termo. Este estudo é importante para a presente dissertação, pois só assim poderemos precisar que tipo de evolução etimológica a palavra κλῖμαξ teve, para chegarmos a uma definição com que possamos trabalhar a obra lírica de Horácio sob este prisma. Começando pelo francês, já vimos que o termo se encontra raramente atestado nos léxicos consultados, e em quase nenhum dos dicionários etimológicos franceses compulsados (Clédat 1912; Dubois, Mitterand, e Dauzat 1993; Picoche 1992; cf. Rey et al. 2006)136. O termo parece ter uma importância marginal no espaço gaulês; o artigo da Encyclopédie de Diderot de facto faz referência ao termo, mas regista exclusivamente o seu sentido retórico “moderno”137. Não nos parece pois que a origem e a razão para o sucesso do “clímax” enquanto ferramenta de análise esteja nos autores ou na literatura crítica francesa. Em relação ao italiano, o termo surge com bastante mais frequência, embora quase somente na sua acepção retórica de estruturação em crescendo, tal como o define o dicionário etimológico de Cortelazzo e Zolli: “crescendo graduale degli effetti stilistici o retorici in un discorso o in un componimento” (“climax”, Cortelazzo e Zolli 1979, 246, vol. I). Quanto à datação do termo, 1892 segundo o mesmo dicionário138, esta é bastante mais recente do que a do inglês ou mesmo do português, o que parece 136 A única fonte por nós consultada que refere o termo em francês é o dicionário online Le Trésor de la Langue Française Informatisé que refere o seguinte: “1753 rhét. (Encyclop. t. 3); 1946 biogéographie (Forest.). Empr. au gr.κλι̃μαξ « échelle; p. anal., terme de rhét. : gradation ». Au sens biogéographique, empr. à l'angl. climax « id. » (entre 1895 et 1910, F.E. Clements, savant amér. ds Encyclop. brit., s.v. biology t. 3, p. 649c)” (“climax” in http://atilf.atilf.fr/). Note‐se que a primeira datação encontrada corresponde precisamente à Encyclopédie. 137 “figure de Rhétorique par laquelle le discours s’elève ou descend comme par degrés” (Diderot 1753, 536, vol. 3). 138 Corroborado pelo Garzanti etimologico (“climax”, De Mauro e Mancini 2000, 414). O dicionário de Battisti refere que o termo surge já no século XX (“climax”, Battisti 1965, vol. II, 982). 76 indicar que o termo foi importado já na sua acepção “moderna”, e que portanto a evolução etimológica não ocorreu neste espaço linguístico. Nesta língua, segundo os dicionários consultados, o termo não evoluiu para o sinónimo de “ponto culminante”, o que parece testemunhar, em comparação com outras línguas, que o termo é pouco usado139. Passando à nossa língua, a datação proposta pelo dicionário Houaiss é a de 1836140 (“clímax”, Houaiss 2001, 960, vol. I), data em que o termo surge pela primeira vez, não numa fonte textual comum, mas num léxico, nomeadamente no Novo diccionario critico e etymologico da lingua portugueza de Francisco Solano Constâncio (“climax”, Constâncio 1836). Vale a pena transcrever o que é dito neste dicionário: “CLIMAX, s. m. (Gr. κλῖμαξ klimax, degrao de escada), fig. de rhet., gradação de discurso ascendente, quando elle se eleva; descendente, quando baixa” (Constâncio 1836, 266). Esta entrada de dicionário parece indiciar que quando o termo surge em português, no século XIX, já tem a acepção retórica “moderna”, ou seja, não faz referência ao clássico uso retórico do termo, transpondo a figura para o domínio lato do “discurso” e não da organização prescritiva do período, tal como entendido pelos autores clássicos e cristãos aqui estudados. A expressão de um discurso “ascendente” e “descendente” indica igualmente que o primeiro entendimento dado ao termo em português vai buscar a κλῖμαξ fundamentalmente na matiz estudada de “clímax qualitativo”, sendo de todo omisso a noção de clímax enquanto “elo causal”. Não se partindo pois, em português, da noção clássica de “clímax”, e dado o facto de o termo ter entrado na língua numa fase posterior em relação ao inglês, por exemplo, torna‐se forçoso admitir que a “fortuna moderna” do termo não teve origem na nossa língua. 139 Repare‐se que na bibliografia italiana consultada acerca de Horácio, o termo é invariavelmente apresentado em itálico, o que parece indiciar que os autores o vêem como um vocábulo estranho à sua língua. Muitos desses passos serão aliás discutidos na nossa análise às odes. 140 O Dicionário Etimológico Nova Fronteira (“clímax”, Cunha 1986, 189) sugere, sem precisar a fonte, a data de 1844. Já quanto à datação de José Pedro Machado (“clímax”, Machado 1967, 639, vol. I), este sugere 1873, baseando‐se na entrada lexical do Grande Dicionário Português ou Tesouro da Língua Portuguesa do Frei Domingos Vieira; no entanto, este é bastante mais recente (1873) do que o de Francisco Solano Constâncio (1836). Machado refere também que o vocábulo entrou no português por via do francês, afirmação que, no entanto, não é justificada, nem provavelmente justificável, se tivermos em conta o que dissemos acerca deste termo em francês. 77 Quanto ao espanhol, algo semelhante pode ser dito. Nem o Tesoro de la lengua castellana o española (1639) de Covarrubias refere o termo (Covarrubias Horozco 2006, ed. facsímile), nem o Diccionario de autoridades de 1726‐37 (Real Academia Española 1990, ed. fácsimile); o Diccionario crítico etimológico castellano e hispânico de Corominas (“clímax”, Corominas 1980, 101, vol. II) refere como primeira fonte textual os escritos de Gomez Hermosilla (1771‐1837), helenista e crítico literário espanhol, sem no entanto precisar em qual deles ocorre o termo pela primeira vez. Após alguma investigação sobre o assunto, acabámos por encontrar uma extensa definição e estudo sobre o termo na Arte de hablar en prosa y verso de 1826 (Gomez Hermosilla 1826, I:100‐102), cujo autor será, segundo Corominas, o responsável pela introdução do termo na língua castelhana. Hermosilla começa por definir “gradacion ó clímax” da seguinte forma: “consiste en presentar una série de ideas en una progresion tan constante de mas á menos ó de menos á mas, que cada una de ellas diga siempre algo mas ó algo menos que la precedente, segun sea la gradation” (p. 100). Neste entendimento de clímax, mais uma vez, não está presente o sentido original clássico; interessantemente, o primeiro exemplo que Hermosilla cita, nihil agis, nihil moliris, nihil cogitas, quod non ego non modo audiam, sed etiam uideam planeque sentiam (Cícero, In Catilinam, I. 8), é o mesmo dado pela Encyclopédie, de que já falámos. Este exemplo, segundo a retórica clássica, não seria classificado como um clímax, mas sim como anáfora, pelo que o uso que Hermosilla lhe dá sugere que o autor já não está familiarizado com a sua acepção primeva, sendo pois fruto de uma tradição textual de que, seguramente, e até pelos argumentos que apresentaremos de seguida, o autor castelhano não é o fundador. Aliás, Hermosilla é claro em considerar que para existir um clímax é obrigatório haver um crescendo ou decrescendo, rejeitando mesmo o lado causa‐efeito que a figura comporta na antiguidade, relacionado com a chamada concatenação141. Em relação ao alemão, os dicionários consultados (Drosdowski 2001; Kluge 1989; Pfeifer 1993) apontam para uma mesma conclusão: não foi este o espaço 141 “Tambien debe adverstise que no se ha de confundir la gradacion en los pensamientos com la concatenacion de las frases, de que se hablará en outro lugar, y que algunos llaman tambien, aunque impropriamente, gradacion ó climax. Siempre que hay concatenation en las palabras, hay tambien gradacion en las ideas, pero no al contrario” (p. 102). 78 linguístico em que ocorreu a evolução etimológica estudada. A prová‐lo temos o facto de o termo ter entrado na língua no princípio do século XVIII142 (“klimax”, Pfeifer 1993, 669), e já com a exclusiva acepção de crescendo na expressão (“Steigerung im Ausdruck, Aufeinanderfolge sinnverwandter Ausdrücke mit zunehmendem Nachdruck”). Tal como no português e castelhano, o termo também tem a acepção de “ponto culminante” (Höhepunkt), que o dicionário de Pfeifer data já do século XX. Para descobrirmos a verdadeira origem deste significado retórico moderno, teremos de partir de uma pista que o dicionário etimológico de António Cunha (“clímax”, Cunha 1986, 189) nos oferece, quando diz que a acepção de “ponto culminante” ou “grau máximo ou óptimo” se deve à influência do inglês climax143. De facto, analisando vários dicionários etimológicos ingleses (Barnhart 1988; Klein 1966; Macdonald 1972; Onions 1966; The Oxford English Dictionary 2009), chegamos facilmente à conclusão de que no inglês o termo clímax surge bem primeiro do que em qualquer outra língua europeia, o que parece indiciar que esteve nesta língua a origem da evolução etimológica da palavra: quer o Oxford English Dictionary quer o The Barnhart Concise Dictionary of Etymology apontam para o ano de 1589 como a data do primeiro uso do termo em inglês, na obra The Arte of English Poesie de G. Puttenham, um tratado bastante influente na história da literatura crítica inglesa. Neste tratado, a definição dada por Puttenham é bastante próxima do entendimento clássico, como se pode ler: “Clymax, or the marching figure: Ye have a figure which as well by his Greeke and Latine originals, and also by allusion to the maner of a mans gate or going may be called the marching figure, for after the first steppe all the rest proceede by double the space, and so in our speach one word proceedes double to the first that was spoken, and goeth as it were by strides or paces, it may aswell be called the clyming figure, for 142 Bem mais cedo do que em português, castelhano ou italiano; isto deve estar relacionado com a maior proximidade com a cultura anglística, que, como veremos de seguida, poderá estar na origem desta evolução. No entanto, o dicionário de Pfeifer, o único a apresentar uma datação, não especifica a fonte documental consultada, pelo que é difícil entender ao certo em que contexto o termo surgiu em alemão; deve ter sido provavelmente no domínio da literatura retórica, muita dela escrita em latim, do Norte da Europa, analisada de seguida. 143 Ponto de vista corroborado pelo Lexique de La Terminologie Linguistique de J. Marouzeau: “climax: terme emprunté aux grammairiens grecs, (…) employé particulièrement par les grammairiens anglais, pour désigner la gradacion ascendante” (“climax”, Marouzeau 1969, 50). Cf. igualmente Morier (“climax”, 1981, 196). 79 Clymax is as much to say as a ladder ” (ed. de Willcock e Walker 1936, 207 e ss.), e ainda mais nos exemplos propostos, como o de Jean de Meung: “Peace makes plenty, plenty makes pride, Pride breeds quarrel, and quarrel brings war, War brings spoil, and spoil poverty, Poverty patience, and patience peace: So peace brings war, and war brings peace.” Este é um exemplo em tudo semelhante aos apresentados pelos autores clássicos, o que revela, da parte de Puttenham, um conhecimento e uma transposição avaliada do termo retórico latino e grego. No Renascimento aliás, tal como ressalvam Kirby e Poster (1998, 1111‐3), as inúmeras definições dadas, fundamentalmente britânicas, não se afastam demasiado da sua matriz clássica144, atestando esta dupla face do clímax, como processo de concatenação ou de crescendo. No entanto, há que admitir, nas definições dadas por grande parte destes autores, que a ênfase é muitas 144 Além de Puttenham; cf. Thomas Wilson, The Art of Rhetoric (1553): “Gradation, is when we rehearse the word that goeth next before, and bring an other word thereupon that encreaseth the matter, as though one should go up a paire of stayres and not leaue till he come at the top. Or thus. Gradation is when a sentence is disseuered by degrees, so that the word which endeth the sentence going before doeth begin the next” (ed. Mair 2008, 168); A. Fraunce, Arcandian Rhetorike (1588) “reduplication conti‐ nued by diuers degrees and steps, as it were, of the same word or sound, for these two be of one kind” (Fraunce 1950, 38); H. Peacham, The Garden of Eloquence (1577): “climax is a figure which so distinguisheth the oration by degrees, that the word which endeth the clause going before, beginneth ye next following […] This exornation hath much pleasantnesse, and is chiefly applied for the augmenation of matters, it consisteth often times of fower [i.e. four] degrees, but commonly of three [...] In using this figure we ought to observe a meane, that there be not too many degrees and also to foresee that the degrees following, may rather increase then [sic] diminish in signification and lastly, that they so ascend that they may end with a clause of importance” (ed. Crane 1954, q.iii ed. facsímile); A. Day, The English Secretary (1599) “when each member in a sentence ariseth from the afore going, beginning with that which endeth the former” (ed. Evans 1967, sem n.); J. Susenbrotus, Epitome troporum ac schematum (1541) κλῖμαξ, est quum consequentia membra, ab iisdem ordiriuntur uerbis, casu plerunque mutatis, quibus antecedentia clauduntur. Vel est, quoties ita per gradus oratio distinguitur, ut dictio finiens particulam pracedente, inchoet frequentem (…) Habet hoc schema multu leporis, uenustatis ac iucunditatis: facit ad acrimonia quoque, si per correctionem aut amplificationem fit. Per correctionem illud est Ciceronis: Hic tamen uiuit, uiuit? imo etiam in Senatum uenit. Per amplificationem sic: occidisti amicum, amicum, inquam, occidisti, et occidisti non ferro, sed ueneno, ueneno autem omnium praesentissimo linguae, linguae tartareo ueneno intinctae. Vsus illius etiam est haud inuenustus, quando res gradus habet, uelut in genealogiis recensendis, aut in ferie magistratum sibi succendentium. Exemplum est apud Homerum non inelegans de Sceptro, quod a Ioue ad Agamemnonem usque deducit (Susenbrotus 1551, 83‐84 ed. Lyon). Temos ainda a definição de P. Melanchthon, Institutiones Rhetorices (1523): cum per gradus itur ab aliis ad alia, ita ut semper proximum uerbum repetatur (ed. Wels 2001, 264), à qual podemos acrescentar (cf. “Silva Rhetoricae”, Burton 2010), R. Sherry, A Treatise of Schemes and Tropes (1550), “gradacio, in, when we rehearse again the word that goth next before, and descend to other things by degrees” (Sherry 1961, 58, ed. facsímile). 80 vezes posta na qualidade do clímax, i.e., no facto de este ascender de um ponto a outro, algo notório no uso de verbos e de substantivos ligados à área semântica de “crescer” ou “crescendo” (encreaseth, clyming figure, augmenation, increase, ascend, ariseth), ideia que tem, como já estudámos, igualmente uma matriz clássica. A partir do século XVI, e até ao séc. XVIII, o termo na sua acepção retórica vai progressivamente evoluir para uma figura em que claramente existe um abandono do clímax visto como repetição de palavras, em prol de uma visão do clímax como um meio de descrever uma figura de pensamento em que as frases se vão organizando de forma crescente. Será provavelmente a literatura crítica inglesa a responsável por esta evolução, à qual não foram contudo alheios tratados como os do holandês Gerardus Vossius (Gerrit Janszoon Vos, 1577‐1649), Commentariorum Rhetoricorum siue oratoriarum institutionum (Vossius 1606, V. 38 = Τ. II, p. 294‐298)145 e o do alemão Bartholomäus Keckermann (1572‐1609), Systema rhetoricae146 (Keckermann 1608, II. 14 = pp. 209‐213), que se dedicaram ao estudo da figura “clímax”, e que no fundo acabam por levar mais longe uma tendência já estudada nos autores da Patrística que se debruçaram sobre o tema. As páginas que Vossius dedica ao tema são, como observam Kirby e Poster, uma das mais profusas discussões acerca do clímax, com exemplos vários de autores clássicos e cristãos. Se atentarmos nestas, facilmente observamos que o primeiro entendimento que Vossius faz de “clímax” é o clássico, ou seja, um período em que o fim de um membro inicia o seguinte: κλῖμαξ uerbo eodem inferiora connectit superioribus: unde definitur ἐπαναφορὰ πλεονάζουσα; além dos exemplos que a tradição já consagrara, cuja fonte parece ser Quintiliano e a Retórica a Herénio (o autor 145 Para uma datação das edições cf. Rademaker (1999, 273). Para a importância destes dois autores no espaço retórico britânico setecentista, cf. Conley, “in terms of their popularity and importance, two figures stand out, Bartholomeus Keckermann and Gerhard Johann Vossius. Keckermann was very influential in nothern Europe and in England. Bacon was familiar with his De rhetorica ecclesiastica and probably also with his Systema rhetoricae. The latter (…) was used in Dissenting English schools until the end of the century. Daniel Defoe studied it as a boy at Dr. Morton’s Academy, for instance. Vossius’ work on rhetoric, too, was important, not only in the Low Countries but also in Scotland, Germany, and Sweden long after his death” (1990, 157). Kirby e Poster (1998) citam somente a definição de Vossius no seu artigo, mas parece‐nos que Keckermann também terá tido influência na evolução do termo, pelo que se diz de seguida. 146 81 cita Epicarmo147, fr. 148 Kaibel, Demóstenes, De Corona 179, Calvo, fr. 25 Malcovatti), o autor vai acrescentar vários passos de autores clássicos e cristãos que o ilustram148. Depois de apresentar uma noção “mais clássica”, Vossius reflecte sobre o uso da figura, começando por referir que neque necesse est iterum, ac tertio fieri repetitionem. Est enim κλῖμαξ in simplici repetitione. Abordando um tema que de facto não é claro nos excertos dos retóricos latinos e gregos aqui já comentados, o autor é da opinião de que não é preciso ter várias repetições para ter um clímax e aduz, a este propósito, cinco novos exemplos149. Ao contrário de Trapezuntius, autor dos Rhetoricorum libri V (1433‐4), primeiro manual de Retórica do período humanista (cf. Monfasani 1976, 261 e ss.), que define gradatio como cum consequentia membra ab iisdem uerbis casu mutantis oriuntur, quibus antecedentia clauduntur (1433, 572 na ed. de 1808), o autor não considera que a repetição da palavra se dê obrigatoriamente por poliptoto, propondo como exemplo um τεχνοπαίγνιον de Décimo Ausónio, Idílios, 12, uma composição em que o poeta demonstra a sua habilidade, no caso em fazer terminar um verso num monossílabo e iniciar o seguinte com o mesmo150; a 147 Lembrando‐se das palavras de Eustátio já comentadas a propósito da ἐποικοδόμησις (In Iliadem II. 101‐8, Valk, 1.278). 148 Heródoto, III. 82, αὐτὸς γὰρ ἕκαστος βουλόμενος κορυφαῖος εἶναι γνώμῃσί τε νικᾶν ἐς ἔχθεα μεγάλα ἀλλήλοισι ἀπικνέονται, ἐξ ὧν στάσιες ἐγγίνονται, ἐκ δὲ τῶν στασίων φόνος, ἐκ δὲ τοῦ φόνου ἀπέβη ἐς μουναρχίην·, vários exemplos de Cícero, Ad Atticum, II. 23. 3, si stas ingredere, si ingrederis curre, si curris aduola, Pro Roscio Amerino, 75, In urbe luxuries creatur, ex luxuria exsistat auaritia necesse est, ex auaritia erumpat audacia, inde omnia scelera ac maleficia gignuntur, Pro Flacco, 44, si praetor dedit, ut est scriptum, a quaestore numerauit, quaestor a mensa publica, mensa aut ex uectigali aut ex tributo, Philipp. 12. 7, Quid enim potest, per deos immortalis! rei publicae prodesse nostra legatio? Prodesse dico? quid si etiam obfutura est? Obfutura? quid si iam nocuit atque obfuit?, mas também de Terêncio Varrão (fr. 52 Cardauns), cum aut humus semina recipere non possit aut recepta non reddat aut edita grandire nequeat, ou mesmo de Ovídio, Fasti 3. 21‐2, Mars uidet hanc uisamque cupit potiturque cupita, e de Claudiano, De Consulatu Stilichonis, III. 172‐176, sic Medus ademit / Assyrio Medoque tulit moderamina Perses;/ subiecit Persen macedo, cessurus et ipse / Romanis. A identificação dos passos em questão foi nossa. 149 Cícero, Pro Archia, 4, famam ingeni exspectatio hominis, exspectationem ipsius aduentus admiratioque superaret (exemplo citado por Trapezuntius, autor que Vossius refere de seguida), Pro Lege Manilia, 8, ab eo bello Sullam in Italiam res publica, Murenam Sulla reuocauit, Vergílio, Aen. 9. 571 e 573, Emathiona Liger, Corynaeum sternit Asilas, (…) Ortygium Caeneus, uictorem Caenea Turnus (Vossius omite o verso 572), Aen. 10. 753, Atronium Salius Saliumque Nealces, Cipriano, Epist. LXXIII, ad hoc veniunt, ut discant. Mais à frente cita igualmente Cícero, Pro Milone, 61, Neque uero se populo solum sed etiam senatui commisit, neque senatui modo sed etiam publicis praesidiis et armis, neque his tantum uerum etiam eius potestati cui senatus totam rem publicam, omnem Italiae pubem, cuncta populi Romani arma commiserat. 150 Res hominum fragiles alit, et regit, et perimit fors Fors dubia, aeternumque labans, quam blanda fouet spes Spes nullo finita aeuo, cui terminus est mors mors auida, inferna mergit caligine quam nox (…), etc. 82 citação deste poema, sem um crescendo evidente, ilustra como o autor considera igualmente o clímax como sorites, isto é, uma cadeia inextrincável e lógica de elos causais. Mas mais importante para o presente capítulo, são as palavras seguintes de Vossius, que podem contribuir para explicar a evolução etimológica que a κλῖμαξ sofreu: ubi uidemus, non uerborum solum, sed sententiarum esse ascensum. Atque idem fit in aliquot aliis exemplis, antea adductis. Vt fatis liqueat, gradationem non totam huc pertinere; uerum schema quidem λέξεως esse, quatenus in ea est uerborum esse repetio: at figuram esse διανοίας, quatenus in eadem est sententiarum incrementum. Embora subentendida em grande parte dos autores retóricos, a ideia de que um clímax pode ocorrer ao nível de uma gradação crescente de pensamento, de διάνοια, é aqui taxativamente expressa, o que representa uma novidade no contexto do presente estudo. Repare‐se que está igual e indubitavelmente registada a noção de um crescendo (ascensum), não só de palavras, mas de frases. De facto, a junção destas duas ideias, de que o clímax assenta numa noção de crescendo, com o facto de este crescendo assentar não necessariamente ao nível da λέξις, mas também da διάνοια, terá contribuído para a evolução e fortuna do termo. O autor finaliza o seu estudo sublinhando o facto de esta figura ser raramente usada pelo orador, uma vez que serve fundamentalmente para ornamentar num intuito mais lúdico do que propriamente sério (frequentes in argumento ludicro et ad delectandum instituo), embora conclua o seu texto com a citação de diversos passos em que a figura foi usada com um propósito “grave”151. 151 Torua leaena lupum sequitur, lupus ipse capellam, / florentem cytisum sequitur lasciua capella (Verg., Ecl. 2. 63‐4), ὕλης μὲν γὰρ τὸ λεπτομερέστερον ἀήρ, ἀέρος δὲ ψυχή, ψυχῆς δὲ νοῦς, νοῦ δὲ ὁ θεός (Corpus Hermeticum V. 11 = vol. 1, p. 64 Nock), ubi enim uoluptas, ibi et studium, per quod scilicet uoluptas sapit; ubi studium, ibi et aemulatio, per quam studium sapit. Porro et ubi aemulatio, ibi et furor et bilis et ira et dolor (Tertuliano, De spectaculis, 15. 3‐4), porro ubi gloria, illic sollicitatio, ubi sollicitatio, illic coactio, ubi coactio, illic necessitas, ubi necessitas, illic infirmitas (Tertuliano, De virginibus velandis 14. 2), sperando enim timebimus, timendo cauebimus, cauendo salui erimus (Tertuliano, De cultu feminarum, II. 2. 2), Cui enim ueritas comperta sine deo? Cui deus cognitus sine Christo? Cui Christus exploratus sine spiritu sancto? Cui spiritus sanctus accommodatus sine fidei sacramento? (Tertuliano, De anima, 1. 4), idcirco mundus factus est, ut nascamur: ideo nascimur, ut agnoscamus factorem mundi ac nostri Deum: ideo agnoscimus, ut colamus: ideo colimus, ut immortalitatem pro mercede laborum capiamus, quoniam maximis laboribus cultus Dei constat: ideo praemio immortalitatis afficimur, ut similes angelis effecti, summo patri ac Domino in perpetuum seruiamus, et simus aeternum Deo regnum (Lactâncio, Divinae institutiones, VII. 6. 1.), Annuas atque menstruas de Deo fides decernimus, decretis poenitemus, poenitentes defendimus, defensos anathematizamus (Hilário, Ad Constantium Augustum, II. 5. (PL 10. 567B)). O autor acaba o seu texto com a citação de passos bíblicos (tribulatio patientiam 83 Será Vossius isoladamente o responsável por esta evolução do termo na retórica moderna, e daí para outros contextos? Parece‐nos mais prudente referir que este autor representa uma escola retórica, fundamentalmente do Norte da Europa152, em que o termo paulatinamente evolui de uma simples figura de estilo, para uma ferramenta hermenêutica de um todo textual, e não só de um período ou parágrafo, seguindo aliás a tendência dos autores mais recentes da Patrística aqui estudados. A prová‐lo temos as páginas que o já citado Keckermann153 dedica ao assunto, no mesmo período temporal (cerca de dois anos depois, se bem que a composição e reflexão que presidiram ao tratado data seguramente de antes), extremamente pertinentes para a presente reflexão. O autor parte de uma definição que indicia já que, para ele, a figura comporta inquestionavelmente um carácter de crescendo, não dando lugar a outro tipo de entendimento: Climax seu gradatio est figura, qua gradus rerum exaggerandarum plures congeruntur, et instar scalae ab imis ad summa peruenitur. Climax idem est Graecis quod Latinis scalae: quia in hac figura quasi per scalam ascendit Orator a rebus paruis ad maiores (1608, II. 14 = p. 209). Insurge‐se assim contra definições mais restritivas do termo, como a de Melanchthon154, que fazem da figura uma simples figura uerborum; esta visão não interessa a Keckermann, nem operatur, patientia autem probationem probatio uero spem, spes autem non confundit, Rm 5, 3‐5; quos autem prædestinauit hos et uocauit et quos uocauit hos et iustificauit quos autem iustificauit illos et glorificauit, Rm 8, 30; quomodo ergo inuocabunt in quem non crediderunt aut quomodo credent ei quem non audierunt quomodo autem audient sine prædicante quomodo uero prædicabunt nisi mittantur sicut scriptum est quam speciosi pedes euangelizantium pacem euangelizantium bona, Rm 10, 14‐15). A identificação dos passos é de nossa lavra. Ao todo, Vossius cita 29 passos de 16 autores, fazendo deste estudo o mais rico, neste sentido, de todos os tratados estudados. 152 Embora a escola jesuíta seja de longe a mais influente na tradição retórica da Europa setecentista (cf. Conley 1990, 152‐155), temos argumentos contra uma influência da Companhia de Jesus sobre a evolução do termo clímax, pois nos inumeráveis manuais de Retórica dos Jesuítas, o termo gradatio ou climax continua a ser usado na sua acepção “clássica”; isto pode servir para explicar porque o termo evolui precisamente na Inglaterra, onde a influência retórica jesuíta é menor (Conley 1990, 157). A ilustrar isto que dizemos temos as definições dadas de clímax ou gradatio em dois dos mais influentes e reeditados manuais da Companhia de Jesus, o De arte rhetorica de Cipriano Soares (1562), e o De eloquentia sacra et humana de Nicolau Caussin (1619), este último posterior aos tratados de Keckermann e Vossius. Soares define gradatio (III. 26 = p. 79) segundo o cânone de Quintiliano (gradatio repetit quae dicta sunt, et priusquam ad aliud descendat in pluribus resistit), não acrescentando nada de novo à tradição clássica, assim como Caussin, para quem o ascensum, que atesta como sinónimo de gradatio ou climax é uma figura (…) in qua prostremum quodque uerbum in priore membro, aut parte aliqua elocutionis positu, in inferiorem rursus assumptum iniicitur: atque ita, uelut gradibus quibusdam, connectitur oratio (p. 386, ed. de 1630), dando para o efeito os exemplos costumeiros, como o de Demóstenes. 153 Para uma visão da vida e obra de Keckermann e a sua influência na Retórica e Filosofia, cf. o completo estudo de Freedman (1997, 305‐364). 154 Cum per gradus itur ab aliis ad alia, ita ut semper proximum uerbum repetatur (Institutiones Rhetorices, 1523, p. 488 (cf. ed. Wels 2001, p. 264)). 84 igualmente o carácter lógico e formal da figura, relacionável com o sorites, que vê como despiciendo quando comparado com a sua força ornamentativa (uis pingendi et ornandi orationem, p. 210). O autor aborda seguidamente de forma original o tema, procurando uma distinção do conceito em três subalíneas: a) climax magis proprie dictus, b) climax minus proprie dictus e c) infinita gradatio, naquela que nos parece ser a primeira vez em que alguém se refere à necessidade de catalogar os diversos tipos de clímax que existem. O filósofo considera um climax minus proprie dictus quando o orador afirma que já disse algo de grande valor, mas que se reserva algo ainda maior (magna audiuistis, auditores, sed audietis maiora, p. 212), costumeiro também na linguagem quotidiana, quando dizemos algo como “se pensas que já disse algo importante, espera até ouvires isto…”. Quanto à infinita gradatio, surge quando o orador confessa que já não tem melhores palavras para afirmar aquilo que já disse, tendo chegado o discurso a um ponto em que já não pode crescer mais155. Por climax magis proprie dictus, Keckermann, reflectindo sobre um entendimento “clássico” do termo, subdivide a gradatio em dois grupos: 1) quando as palavras não são repetidas literalmente, mas também ao nível do sentido (non pure), 2) quando as palavras se repetem (pure)156. O autor finaliza esta sua definição com um exemplo de Cícero157, comentando que os Retores costumam classificá‐lo como incrementum. De grande importância para nós, é o facto de, ao polemizar sobre a distinção entre climax e incrementum, que considera inútil, o filósofo reiterar de forma peremptória que a gradatio comporta em si, em larga e quase exclusiva medida, a ideia de algo que sobe, tendo bem presente a ideia da escada (imo, saepe magis gradatio hic quam ibi; quia scala proprie non tam paria spectat, quam ima et summa, p. 212). Estes dois tratados, produzidos no início do século XVII, são representativos de que, na altura, o “clímax” começou a ser visto na literatura retórica do Norte da 155 Cita, a este propósito, um passo de Cícero (In Verrem, II. 4. 2): Magnum uideor dicere: attendite etiam quem ad modum dicam. Non enim uerbi neque criminis augendi causa complector omnia: cum dico nihil istum eius modi rerum in tota prouincia reliquisse, Latine me scitote, non accusatorie loqui. 156 Nestes parágrafos Keckermann utiliza exemplos semelhantes aos de Vossius, ou comuns aos diversos autores aqui estudados (Africano uirtutem industria…, Retórica a Herénio; Ovídio, Fasti 3. 21‐2; Cícero, Pro Milone, 61, Pro Roscio Amerino, 75; Verg., Ecl. 2. 63‐4;); Rm 5, 3‐5; 2 Pe 1, 5‐7). 157 Facinus est uincire ciuem Romanum, scelus uerberare, prope parricidium necare: quid dicam in crucem tollere? (In Verrem 2.5.170). 85 Europa, em particular no espaço anglófono158, larga e quase exclusivamente como 1) uma figura de sentido; 2) uma figura onde existe inquestionavelmente uma ideia de crescendo. A atestá‐lo temos diversos exemplos de literatura britânica que utilizam o termo exclusivamente neste sentido159, olvidando de todo o passado do termo160, segundo a sua definição clássica161. Isto é bem visível no pensamento crítico de autores 158 Apesar de as nossas pesquisas se basearem fundamentalmente no corpus coligido pelo Google Books (http://books.google.com/), onde se encontra fundamentalmente material escrito em inglês, o facto de as buscas feitas em alemão para as mesmas datas, e com os mesmo parâmetros (segunda metade do séc. XVII, início séc. XVIII, procura pelo termo‐chave “Klimax”) terem resultado infrutíferas, assim como a datação da palavra (séc. XVIII) proposta pelos dicionários etimológicos alemães (e também holandeses), julgamos que é seguro apontar o Reino Unido como o espaço linguístico em que o termo evoluiu para o seu significado comum hodierno. De qualquer das formas, a origem geográfica da evolução não é tão importante quando comparada com a natureza desta, algo que pode ser, neste momento, muito bem estudado no espaço anglófono. 159 Embora existam evidências desta acepção em outros espaços linguísticos: por exemplo, temos o autor holandês Joahnnes Cocceius, comparatio Christi cum angelis in his continuator. Climax est. Ascendit ad maiora. quod post omnes locos examinatos clare patebit (Coccejus 1659, 74), ou o tratado de retórica francês de Lamy, “Lorsque ce que l’on ajoûte dit plus, & qu’on monte comme par degrez, cela fait une figure que tantôt on apelle Climax, tantôt Auxese, qui sont des mots Grecs. Le premier signifie gradation, élevation qui se fait de degré en degré. Le second augmentation” (Lamy 1701, 151, 1a ed. 1675); ou o tratado do francófono Gabriel François Le Jay, [Climax] est Figura, in qua Oratio per certos Gradus ad aliquid summum & ultimum ueluti ascendit, aut ad aliquid infimum descendit. (Le Jay 1725, 54). 160 Seria mais fácil considerar que a evolução se deu apenas dentro da escola retórica, e por confusão de termos. Assim pelo menos afirma Francesco Sciuto: “tra i moderni, dunque, o meglio, tra i contemporanei nostri la climax e la gradatio hanno perduto il significato univoco che avevano per gli antichi, sicché queste due parole sono, di solito, passate a significare altre figure letterarie diverse. La causa deve essere ricercata nell’indebolimento subìto dall’insegnamento della retorica secondo i principî antichi e nel fatto che della gradatio, figura troppo appariscente e scoperta, si fa poco o nessun uso nella letteratura moderna, specialmente dopo il rinnovamento romantico. Le due parole sono passate a significare, solitamente, un’altra figura che gli antichi già conobbero e di cui Quintiliano teorizza le varie forme sotto la denominazione di amplificatio. Ma è veramente deplorevole che spesso perfino filologi, nel commentare gli antichi testi greco‐romani, usino i termini climax e gradatio in senso errato, o attribuiscano a climax il genere maschile” (Sciuto 1966, 28); no entanto, a este autor é totalmente alheia a evolução do termo na própria escola retórica do Norte da Europa e na sua evolução na comunidade linguística deste espaço, como prova o facto de, na sua longa nota de rodapé (n. 17, pp. 28‐31), fazer exclusivamente referência a autores italianos e franceses, algo que, por tudo o que foi dito, resulta numa metodologia errónea. Não nos parece haver uma confusão entre climax e amplificatio; o termo climax é que foi evoluindo na própria escola retórica, fora do contexto clássico, para uma figura de estilo que partilha alguns dos processos da amplificatio. Assim sendo, podemos com liberdade falar num sentido clássico e moderno, sem que se anulem reciprocamente, antes enriquecendo‐se: a nossa análise da poesia horaciana terá sempre em conta este património riquíssimo que encerra o termo retórico. 161 Podemos aduzir bastantes exemplos que sustentam esta afirmação, organizados de forma cronológica, desde a segunda metade do século XVII até ao princípio do século XVIII: “This is laid down in a threefold Rhetorical Climax, or elegant climbing form of speech, rising higher and higher” (Roberts 1675, 138, 1ª ed. 1648); “Well but mark further a notable climax or gradation in their sin. (…) See here Sin's usual way of motion how it moves progressively and creeps on by little and little and improves by degrees and one Sin is a step to another and every lesser Sin the disposition and in let into a greater” (Barker 1660, 10); “Whilest Perjury, Sacriledge and Hypocrisie is the only Climax by which they ascend to greatnesse, of which at this day we need no to go farre for examples” (Foulis 1662, 172); “A General Demonstration that the Holiness Described is the Design of Christianity, by a Climax of Seven 86 anglófonos posteriores como Lord Kames (1696‐1782), Hugh Blair (1718‐1800) ou do influente Joseph Priestley (1733‐1804). A estes três autores, que dedicaram parte das suas obras à teorização literária, e à organização composicional do discurso, é comum uma ideia de clímax que passa por ser, fundamentalmente, uma ferramenta ao dispor do orador ou do escritor para organizar de forma exclusivamente ascendente a sua composição escrita, quer de um período, quer de um discurso. No seu Elements of Criticism, publicado em Edimburgo em 1762162, o filósofo escocês Henry Home Kames utiliza a expressão “clímax” com familiaridade, dividindo o conceito em “climax in sound” e “climax in sense”. Por “climax in sound” (ed. Jones 2005, 239) o estudioso entende a conjugação harmoniosa de sons em sentido ascendente, usando, para o propósito, passos de Cícero163 em que o autor, mercê fundamentalmente da disposição de palavras e do jogo dos seus sons, cria um período em crescendo. Já o “climax in sense” tem mais a ver com a forma como se podem organizar por ordem de grandeza os vários elementos de um discurso, que o autor considera mais belo se forem dispostos por ordem crescente164. A conjugação destes dois tipos de clímax é, no particulars”, título de um capítulo (Fowler 1676, 8); “In this Text is a Climax, it riseth as the Waters of the Sanctuary, higher” (Annesley 1683, 63); “The fourth Part I have wholly added; as a Climax which sums up all the praise, advantage, and happiness of Dulness in a few words, and strengthens them all by the opposition of the disgrace, disadvantage, and unhappiness of Wit, with which it concludes” (Pope 1735, 1:31‐32, carta dirigida a Mr. Wycherley em Nov. 20. 1707); “that admirable Beauty Order and Connexion which so evidently appears between all the constituent Parts of Creation and Providence would necessarily direct them ascend, as by a sure Climax, to an aweful Acknowledgment of the Supreme” (AA.VV 1708, X:290); “Confidence, Ambition, and Covetousness, are the Climax by which he ascends to Grandeur” (Britaine 1717, 213, 1a ed. 1680); “Upon a Climax, or a Gradation; where the Discourse climbs up by several clauses of a Sentence to a Period of Full Point; ‘tis manifest that the Voice must be rais’d accordingly by the same degrees of elevation to answer every step of the Figure, till it is at the utmost height of it” (Anón. 1727, 142); “To finish the Climax, he concludes with a prolix Encomium on a certain Gentleman, who hath been in some considerable Employment, for above twenty Years together (…)” (D’Anvers 1731, 6:70); “This, my dear sir, crowns the climax. A man may proclaim Jesus, and give reasons why he believes on him, but unless he is learned he must not expound texts, or explain scripture” (Campbell 1731, 195, letter from R. B. Semple, No. III). Temos igualmente a definição dada por John Kersey no seu Dictionarium anglo‐britannicum: “a Ladder, the Step of a Ladder, a Stile: In Rhetorick, a Figure that proceeds by degrees from one Thing to another” (“climax”, Kersey 1708). 162 Cuja influência se nota logo em tratados subsequentes como o The elements of dramatic criticism de Cook (1775, 58 e ss.), que aplica o conceito neste sentido. 163 Quicum quaestor fueram, quicum me sors consuetudoque maiorum, quicum me deorum hominumque iudicium coniunxerat (Diuinatio in Q. Caecilium, 65), Habet honorem quem petimus, habet spem quam propositam nobis habemus, habet existimationem multo sudore labore uigiliisque collectam (ibidem, 72), eripite nos ex miseriis, eripite ex faucibus eorum, quorum crudelitas nisi nostro sanguine non potest expleri (De oratore, I. 225). 164 “But the numeration of many particulars in the same periods if often necessary, and the question is, In what order they should be placed? (…) If a number of objects of the same kind, differing only in size, are to be ranged along a straight line, the most agreable order to the eye is that of an increasing series. In surveying a number of such objects, beginning at the least, and proceeding to greater and greater, the 87 entender de Lord Kames, um dos efeitos mais belos na organização de um período165. Outro exemplo disto é Hugh Blair, considerado um dos primeiros grandes teorizadores do discurso escrito, e cujo tratado Lectures on Rhetoric and Belles Lettres, publicado em 1783 em Londres, conheceu particular fortuna e influência no mundo ocidental166, resultando de uma compilação feita pelo autor das suas palestras dadas no âmbito da “Chair of Rhetoric and Belles Lettres” na Universidade de Edimburgo. Neste tratado, Hugh Blair utiliza sempre o termo num sentido não‐clássico, recuperando a distinção de Lord Kames entre “clímax de som” e “clímax de sentido”. Ao falar sobre a amplificatio, Blair torna dependente desta figura um processo a que chama clímax, e que associa exclusivamente à disposição crescente de ideias: “but the principal instrument by which it [Amplification] works, is by a Climax, or a gradual rise of one circumstance above another, till our idea be raised to the utmost” (ed. Ferreira‐Buckley e Halloran 2005, 193), advertindo, de seguida, para o facto de, sendo um tipo de organização artificial, dever ser usado com parcimónia e com extremo cuidado, algo aliás que a retórica clássica já referia. No entanto, ao longo do todo o seu tratado, vai referir por diversas vezes a figura, que encara somente como um modo de organizar ascendentemente as ideias do orador167. Outro exemplo paradigmático deste uso hegemónico é o de Joseph Priestley168, também ele um influente autor do séc. XVIII, que dedica um capítulo inteiro ao tema (ed. Bevilacqua e Murphy 1965, 275‐280) no seu livro A Course of Lectures on Oratory and Criticism, cuja primeira edição data de 1777, capítulo sugestivamente intitulado “Of Climax, and the Order of Words in a Sentence” (Lecture XXXI). Tal como os dois últimos teorizadores, Priestley concorda igualmente com a ideia de que, quando uma série de termos cresce, é necessário mind swells gradually with the successive objects, and in its progress has a very sensible pleasure. (…) The beauty of this figure, which may be termed a climax in sense, has escaped Lord Bolingbroke (…)” (ed. Jones 2005, 262‐263). 165 “It belongs to the present subject to observe, that when these coincide in the same passage, the concordance of sound and sense is delightful: the reader is conscious not only of pleasure from the two climaxes separately, but of an additional pleasure from their concordance, and from finding the sense so justly imitated by the sound” (ed. Jones 2005, 270). 166 Sobre o assunto, cf. a introdução da edição de Ferreira‐Buckley e Halloran (Ferreira‐Buckley e Halloran 2005, xv‐liv). 167 “This sort of arrangement is called a Climax, and is always considered as a beauty in composition. From what cause it pleases, is abundantly evident. In all things, we naturally love to ascend to what is more and more beautiful, rather than to follow the retrograde order” (ed. Ferreira‐Buckley e Halloran 2005, 127). 168 Este autor, ao contrário dos outros dois aqui citados, é referido por Kirby e Poster (1998, 1113). 88 organizar os seus elementos por ordem de grandeza (de acordo com natureza e tempo) de maneira a que possam ser comparados e postos em contraste. Que, neste autor, é aparentemente esquecido o passado clássico do termo, é bem visível na forma como o autor comenta o passo de Cícero169 que já Vossius citara: diz, a respeito deste, que “in this passage the terms luxury, avarice, impudence and licentiousness rise regularly above one another, both with regard to their heinousness as vices, and their pernicious effects in the state; and they likewise succeed one another in the order of time and of cause and effect, the precending article being always the cause of the following” (ed. Bevilacqua e Murphy 1965, 276). Não havendo qualquer referência ao clímax como figura de repetição de palavras, que é aliás evidente no exemplo, Priestley centra‐se somente no aspecto organizacional e de crescendo da figura170. De grande importância para o presente estudo é a citação, por parte de Priestley, da Ode for Musick, on St. Cecilia’s Day (escrita em c. 1708), de Alexander Pope (ed. Butt 1963, 139‐142), da qual cita os vv. 38‐48: So, when the first bold Vessel dar’d the seas, High on the stern the Thracian rais’d his Strain, While Argo saw her kindred trees Descend from Pelion to the Main. Transported Demi‐Gods stood round, And Men grew Heroes at the Sound, Enflam’d with Glory's Charms: Each Chief his sevenfold Shield display'd, And half‐unsheath’d the shining Blade; And Seas, and Rocks, and Skies rebound, To arms, to arms, to arms. O facto de o autor aqui analisar uma ode, escrita por Pope, um dos grandes classicistas do seu tempo, conhecido por uma tradução da Odisseia, não deixa de ser feliz no contexto do presente estudo. Priestley comenta o v. 47, em que se traça um percurso crescente dos Rochedos, ao Mar, e aos Céus171, considerando este um exemplo de clímax, exclusivamente baseado na ordem crescente com que os 169 Pro Roscio Amerino, 75, In urbe luxuries creatur, ex luxuria exsistat auaritia necesse est, ex auaritia erumpat audacia, inde omnia scelera ac maleficia gignuntur. 170 “Priestley ist vor allem an der Klimax als Sinnfigur interessiert, die durch eine natürliche Hierarchie bzw. hinsichtlich Zeit, Natur, sozialem Status oder Kausalität von Satzteil zu Satzteil ansteigt, und weniger an den grammatikalischen Mitteln, durch die ein solches schrittweises Fortschreiten erzielt wird” (Kirby e Poster 1998, 1113). 171 Convenientemente, Priestley inverte a ordem na sua citação, escrevendo “And Rocks, and Seas, and Skies rebound” (ed. Bevilacqua e Murphy 1965, 176). 89 elementos são dispostos. É aliás preocupação do autor sublinhar o facto de o clímax ser uma ferramenta indispensável para a organização de um todo: “As all things that can be exhibited in the same view, so as to be named together in a sentence, must be related to one another, (because in that situation they must have a like dependence upon something going before, or coming after) and since it is impossible that things which are really different should have the same relations, there must always be a reason for naming some first and others last, and the disposition of them cannot be quite arbitrary. The order of cause and effect, of time or place, and of worth, dignity, and importance, are of principal influence in this affair” (ed. Bevilacqua e Murphy 1965, 277). Isto leva‐nos à conclusão de que, para estudar um clímax, qualquer que seja a forma sob a qual se manifeste, há que atentar no seu carácter predominantemente organizativo; ou seja, para haver uma ordem crescente, tem de haver necessariamente ordem – seja de causa‐efeito, tempo, lugar ou importância. O facto de esta ordem ser exclusivamente crescente, sendo o seu contrário descrito como anticlímax172, é uma opinião partilhada e reiterada por estes autores britânicos do século XVIII que estudámos. Vemos pois como, paulatinamente, e por influência da escola inglesa, o clímax começou a ser quase exclusivamente considerado uma figura de sentido, ainda assim 172 O termo está presente na literatura crítica inglesa desde muito cedo, logo no início do séc. XVII. O primeiro exemplo que encontrámos data de 1701, numa edição das obras de Francis Beaumont e John Fletcher, numa nota ao texto: “here we have a strange Anticlimax, she is in Labour with Anger, and yet only big with Child of Rage. The Editor possibly might be the Author of this Inconsistency” (Beaumont e Fletcher 1701, 7:433); temos vários exemplos do uso desta expressão nesta altura; citamos apenas alguns: “They had better have left out that, for humbly submit, is not to so strong as render infinite Thanks, and the Merchants have been guilty of an Anticlimax” (Oldmixon 1709, 91‐92); o autor John Dennis utiliza a expressão no seu ensaio The Ground of Criticism in Poetry, datado de 1704: “But in the the two last Verses, Tasso has injudiciously been guilty of an Anticlimax” (Dennis 1718, 2:437); no seu Prefácio dirigido a Pope, Hill escreve “It is from the same unweigh’s Redundancy, and Misapplication of Words, that we have so often find this excellent Writer falling into the Anticlimax” (Hill 1720, xi). Particularmente interessante é um passo de Arthur Maynwaring (1668‐1712) que refere o termo como um figura desconhecida dos antigos: “but will conclude this Head with taking Notice of a certain Figure which was unknown to the Ancients, and in which this Letter writer very much excels. This is call’d by some an Anticlimax, an Instance of which we have in the Tenth page; where he tells us, that Britain may expect to have this only Glory left her, that she has prov’d a Farm to the Bank, a Province to Holland, and a Jest to the whole World” (Maynwaring 1715, 162). Dos exemplos se nota que: 1) muitas vezes o termo comporta um sentido pejorativo, denotando‐se que para estes críticos a figura é usada em grande parte por desleixo por parte do seu autor, cuja intenção verdadeira era criar um clímax ascendente, tendo claramente falhado na sua execução; 2) se o clímax é considerado inequivocamente ascendente, anticlímax será pura e simplesmente o seu reverso. A distinção entre clímax e anticlímax não vai ser explorada na nossa dissertação, dado o entendimento que temos do conceito, como será brevemente exposto. 90 no contexto microestrutural de uma frase ou de um período. Nota‐se, no entanto, em autores como Hugh Blair ou Priestley, que o clímax já quase não é uma figura de estilo propriamente dita, mas sim um processo fundamental para descrever a forma como um escritor ou um orador compõe desde um período a um discurso. Esta passagem anunciada da mircroestrutura de um período para a macroestrutura de uma obra é difícil de precisar em termos de autoria, uma vez que foi provavelmente um processo contínuo de uma pluralidade de autores e usos. Para a fortuna do termo “clímax” usado neste sentido, no entanto, não deve ter sido alheio o trabalho de Gustav Freytag (1816‐1895), escritor, dramaturgo e teorizador literário alemão, cuja obra Die Technik des Dramas, primeiro publicada em 1863, em Leipzig, teve grande influência na análise do drama grego e shakespeariano, e grande fortuna nos meios literários alemães, e posteriormente ingleses173. É fundamentalmente conhecido este autor, neste âmbito, pela sua teoria do “triângulo dramático”, conhecido como “o triângulo de Freytag”, exposto no capítulo intitulado “Fünf Teile und drei Stellen des Dramas” (Freytag 1863, 100‐120), com cinco vértices assim denominados: “a) Einleitung, b) Steigerung, c) Höhenpunkt [sic], d) Fall oder Umkehr, e) Katastrophe” ou seja, “a) introdução, b) subida, c) ponto culminante, d) queda ou regresso, e) catástrofe”, graficamente exposto no tratado deste modo: O facto de o autor referir o termo “Höhenpunkt” e não “Klimax” é mais um argumento para a defesa da tese de que foi a literatura crítica inglesa ultimamente a responsável pelo sucesso do termo nos meios críticos literários e não só, uma vez que a tradução inglesa que