Artigos
Machismo discursivo: modos de interdição
da voz das mulheres no parlamento brasileiro
Antonio Teixeira de Barros1
Elisabete Busanello1
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0000-0002-3061-8202
0000-0003-0214-1977
Centro de Formação da Câmara dos Deputados, Programa de Pós-Graduação em
Ciência Política, Brasília, DF, Brasil. 70733-060
Resumo: O artigo analisa as formas de machismo discursivo que interferem nos modos de expressão
das deputadas federais nas comissões e no Plenário da Câmara dos Deputados. Trata-se de uma
análise exploratória de natureza qualitativa, baseada nos resultados de um grupo focal com assessores/
as das deputadas e um conjunto de 45 entrevistas, sendo 19 com deputadas e 26 com as equipes de
assessoria e de acompanhamento dos debates parlamentares. Foram apontadas 15 formas de
machismo discursivo, sendo algumas mais violentas e outras mais brandas e sutis.
Palavras-chave: machismo discursivo; discurso político; discurso feminino; discurso parlamentar.
Discursive Machismo: W
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omen in Brazilian P
arliament
Ways
Voice
Women
Parliament
Abstract: The article analyzes the forms of discursive machismo that interfere in the modes of expression
of the federal deputies in the committees and in the Plenary of the Chamber of Deputies. This is an
exploratory analysis of a qualitative nature, based on the results of a focus group with advisors of the
deputies and a set of 45 interviews, 19 with deputies and 26 with the advisory and monitoring teams of the
parliamentary debates. Fifteen forms of discursive machismo were pointed out, some being more
violent and others milder and subtle.
Keywords: Discursive machismo; Political speech; Female speech; Parliamentary speech.
Introdução
O artigo analisa as formas de machismo discursivo1 que interferem nos modos de expressão
das deputadas federais nas comissões e no Plenário da Câmara dos Deputados. A ideia da
pesquisa surgiu após a realização de um grupo focal com assessores/as de deputadas federais
em junho de 2017 para analisar os desafios que elas enfrentam para o exercício do mandato.
Embora não fosse o foco da pesquisa inicial, chamou atenção a ênfase e a recorrência dos
argumentos dos integrantes do grupo focal acerca das formas de interdição discursiva das quais
as deputadas são vítimas durante os debates legislativos, tanto nas comissões permanentes quanto
no Plenário da Câmara.
A partir dos resultados do grupo focal mencionado, decidimos aprofundar essa questão
por meio de entrevistas com assessores/as das parlamentares que acompanham diariamente os
debates.2 Assim, foram realizadas 45 entrevistas em agosto e setembro de 2017. Desse total, foram
26 com as equipes de assessoria e de acompanhamento dos debates parlamentares nas comissões
O conceito será definido e detalhado no tópico seguinte.
O propósito inicial era incluir assessores e assessoras, a fim de comparar as percepções sobre machismo discursivo,
mas na fase inicial de realização das entrevistas percebemos que raramente os homens se davam conta da presença
do machismo discursivo no cotidiano das deputadas. Com as mulheres, ao contrário, as percepções se mostraram
um rico material de estudo. Em razão disso, a quase totalidade das entrevistas com o staff foi realizada com assessoras
das deputadas. Apenas três homens fizeram relatos acerca das influências do machismo nos debates legislativos.
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e no Plenário.3 Também foram realizadas entrevistas com 19 das 55 deputadas4 em exercício na
55ª Legislatura (2015-2019), a fim de ouvir como elas percebem o machismo discursivo em suas
atividades corriqueiras na Câmara. Convém registrar que as mulheres ocupam 10% das cadeiras
da Câmara dos Deputados, enquanto os homens ocupam 90%. Essa ampla maioria masculina
favorece as interações machistas e dificulta a expressão das mulheres.
A pesquisa com staff parlamentar ainda é pouco usada no Brasil, mas existem estudos
internacionais que ressaltam a importância desses atores como informantes para pesquisas
científicas, em função da experiência deles, vivências no âmbito das instituições legislativas e
proximidade com os/as parlamentares. Apesar de não passarem pelo sufrágio, a atuação dos/as
assessores é considerada fundamental para o êxito do mandato parlamentar (Susan HAMMOND,
1984; Peverril SQUIRE, 1998; Thomas WINZEN, 2011, p. 27). As equipes de assessoria constituem a
base da “qualidade do trabalho legislativo, seja da representação política realizada, ou a
profissionalização do mandato legislativo” (Márcio CARLOMAGNO, 2015, p.3).
Trata-se de uma análise exploratória de natureza qualitativa, baseada nos relatos dos/as
informantes, com o intuito de discutir o tema a partir das seguintes questões: (a) Como o machismo
discursivo é percebido pelos informantes? (b) Quais as dimensões políticas desse tipo de machismo?
(c) Como essa forma de machismo afeta a atuação política das deputadas federais? (d) O que
elas próprias dizem sobre isso?
É oportuno justificar a importância de estudar as interferências machistas nos
pronunciamentos das deputadas. Talvez a razão mais importante se deve ao caráter essencialmente
discursivo da política parlamentar e à relevância do exercício da palavra na democracia
representativa. Quase todas as formas de relação dos representantes com os representados ocorrem
pela mediação da palavra e do discurso. Logo, se há interdições ao discurso das mulheres no
exercício do mandato, significa que elas sofrem mais uma restrição no campo político, além de
outras amplamente exploradas pela literatura, como o machismo dos partidos e as dificuldades
para lançamento de candidaturas e para acessar espaços de poder como o parlamento. Esses
obstáculos já são conhecidos, mas o machismo discursivo ainda não foi explorado. Trata-se,
portanto, de uma contribuição original a análise aqui proposta.
Antes da análise dos dados, apresentamos uma breve abordagem sobre machismo
discursivo e suas formas de manifestação na política.
Machismo discursivo
Uma das formas de reprodução e perpetuação da dominação masculina é por meio da
linguagem. Afinal, a linguagem é portadora do poder de construir representações simbólicas
sobre o mundo social. É pela linguagem que apreendemos e incorporamos “sob a forma de
esquemas inconscientes de percepção e de apreciação as estruturas históricas da ordem
masculina” (Pierre BOURDIEU, 2002, p.6). Um legado histórico poderoso dessas estruturas de
dominação diz respeito ao modo diferenciado de socialização das mulheres quanto ao uso da
fala. Trata-se, nas palavras do autor, de um “trabalho de socialização que tende a diminuí-las, a
negá-las”, com o propósito de levar a uma “aprendizagem das virtudes negativas da abnegação,
da resignação e do silêncio” (p. 31).
A imposição cultural do silêncio como norma de “boa conduta” para as mulheres constitui
uma forma de violência simbólica, ou seja, aquela que, segundo o autor citado, pode se tornar
invisível até mesmo para suas próprias vítimas, pois se trata de uma forma de dominação que se
estabelece pelas vias simbólicas da produção de representações e de imagens. No caso das
mulheres, imagens de sensibilidade, de delicadeza, de submissas e de sujeitos sem habilidade
para o uso público da palavra, devido ao suposto caráter emocional de suas intervenções
discursivas. Essa é uma forma sorrateira de dominação que as exclui da esfera pública no âmbito
discursivo, significando que, no mundo das trocas argumentativas, as mulheres continuam a ser
simbolicamente aniquiladas no plano do mundo público (Gaye TUCHMAN, 1980).
Conforme Céli Pinto (2010, p. 20), “quando uma mulher fala, sua fala tem uma marca: é a
fala de uma mulher (...)” A autora complementa que “a recepção destas falas por homens e
mulheres tende a ter a mesma característica, é a recepção de uma fala marcada, portanto
particular, em oposição à fala masculina/universal”.
Carla Cerqueira et al. (2009, p. 112) explicam que “a palavra, como instrumento de poder
e de troca, foi negada durante séculos às mulheres, e elas ainda continuam a não ter acesso ao
discurso da mesma forma que os homens”. A marginalização discursiva afeta tanto os modos de
expressão das próprias mulheres como os regimes argumentativos usados nos debates sobre a
As entrevistas com os/as assessores/as foram realizadas por telefone (6), presencialmente (8) e mediante envio prévio
das perguntas por e-mail (12). A forma foi de acordo com a conveniência do entrevistado, após contato prévio por
e-mail, a depender das rotinas de trabalho.
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As deputadas foram entrevistadas presencialmente em seus gabinetes em Brasília, mediante gravação, em agosto
de 2017.
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condição feminina, notadamente no campo da política. Para as mulheres, portanto, permanece
o desafio para que elas tenham acesso aos espaços de discussão e sejam respeitadas em seus
modos de expressão e nos seus discursos (Robin LAKOFF, 2003).
Nessa ordem de ideais, é de grande valor heurístico o conceito de machismo discursivo.
Diego Gambetta (2001) define o termo como um conjunto de práticas que tornam a fala autoritária.
Entre essas práticas estão declarações assertivas, modos de ridiculizar e desqualificar argumentos
oponentes, opiniões excessivamente firmes e inflexíveis, uso de argumentos baseados em convicções
e orgulho pessoal. Em suma, esse tipo de machismo constitui um conjunto de manobras retóricas que
afirmam e reafirmam políticas autoritárias no que se refere ao debate público, em detrimento de
formas discursivas democráticas. Os modos de silenciamentos e de desvalorização do discurso das
mulheres na política são uma forma de machismo, portanto, que exercem uma função coercitiva, ao
produzir interdições nos modos de expressão das mulheres (Lula GÓMEZ, 2015).
Existem formas mais brandas e mais violentas de machismo discursivo, que são enquadradas
na literatura como parte dos micromachismos, ou seja, um conjunto de atitudes e formas de
relacionamentos interpessoais que impregnam os comportamentos masculinos na vida cotidiana
de valores e perspectivas machistas, nos níveis micro da vida social. Os micromachismos resultam
em microviolências contra as mulheres, ao reafirmarem a dominação masculina (Almudena MANSO;
Artenira SILVA, 2016, p. 112).
O termo micromachismo se aplica ao campo das microviolências de gênero, naturalizadas
no cotidiano de forma sutil, porém enraizadas nas práticas de controle patriarcal (Luis BONINO,
2004). Segundo o autor, essas microviolências são materializadas em atitudes, comportamentos,
posturas, gestos e demais micromecanismos de controle das mulheres no dia a dia. Manso e Silva
complementam que
Essas pequenas maneiras de manifestar o machismo e a indiferença ou a subestimação das
mulheres tem vindo a diminuir a forma como a cultura e a sociedade tem moldado os espaços
de poder de gênero, deixando claro que as diferenças de gênero e as desigualdades
permanecem em vigor e eles mantêm intactos os espaços tradicionais de poder: o poder
público / masculino e a esfera privada e doméstica / feminina. (MANSO; SILVA, 2016, p. 112)
Como argumentam as autoras, na vida cotidiana, “os micromachismos tendem a permanecer
invisíveis e invisibilizados, camuflados, escondidos, interiorizados e naturalizados” (p.112). Além
disso, os micromecanismos “são legitimados pela sociedade e pela cultura que os rodeia”, fazendo
com que sejam tolerados, apesar de constituírem “práticas de dominação masculina que ocorrem
no cotidiano, como interromper quando uma mulher fala” (MANSO; SILVA, 2016, p. 112). Como se
trata de algo inerente a um sistema cultural de base patriarcal, passa despercebido pela maioria
dos homens e até mesmo por determinadas categorias de mulheres, como aquelas habituadas à
submissão e à dominação masculina e à consequente exclusão e marginalização da esfera
pública e dos demais espaços discursivos de poder.
Todo esse processo de marginalização anteriormente descrito é inerente a um sistema de
governo da palavra no campo político (Patrick CHARAUDEAU, 2017). Afinal, uma das noções mais
recorrentes no pensamento político sobre poder relaciona diretamente a democracia à palavra e
às trocas argumentativas, como mostra Hannah Arendt em diversas obras, especialmente em A
Condição Humana (Hannah ARENDT, 2005 [1958]). Para a autora, o poder se estabelece pelos
consensos e pactos políticos negociados discursivamente pelos agentes responsáveis pela polis
ou a res pública. A lei (lex = ligação) é o principal produto discursivo para o exercício do poder de
forma legítima, ou seja, com o consentimento e apoio da comunidade política.
A noção de política que serve de respaldo para o poder baseia-se na pluralidade dos
atores humanos, ao organizar e regular o convívio dos diferentes e desiguais. Contudo, a liberdade
é uma construção plural entre cidadãos iguais do ponto de vista de direitos políticos, ou seja, a
igualdade não anula a diferença, visto que a singularidade humana é exercida em primeiro
lugar pela palavra. Como ressalta a autora, “a política organiza, de antemão, as diversidades
absolutas de acordo com uma igualdade relativa e em contrapartida às diferenças relativas”
(ARENDT, 2005, p.24). Por isso, o exercício da política requer o livre agir em público “e público é o
espaço original do político” (p.11).
Para Arendt, a política é o reino da igualdade discursiva, ou seja, da liberdade entre os
atores políticos, por serem todos aptos a atuar discursivamente na esfera pública. Isso implica: (a)
isonomia – todos têm o mesmo direito à atividade política; (b) isegoria – condições iguais de
argumentar e participar (livre expressão e argumentação); (c) isologia – igualdade em termos de
conhecimento político; (d) isocracia – igualdade de condições para exercer o poder político.
Afinal, “só na liberdade do falar um com o outro nasce o mundo sobre o qual se fala em sua
objetividade visível de todos os lados” (ARENDT, 2005, p. 60).
Outro legado importante de Hannah Arendt foi desmistificar a visão aristotélica de política,
quando o pensador grego afirmou que “o homem é um ser político”. Para Arendt, “ao contrário do
que afirmou o pensador grego, o ser humano é antes de um tudo um ser simbólico e a política
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também é um sistema simbólico, segundo a autora” (Antonio BARROS, 2015, p.189). Para ela,
“aceitar a tese aristotélica implicaria acatar a noção de que a política é um atributo inato, ou seja,
já nasceríamos seres de natureza política. Ao contrário disso, a autora argumenta que a política é
resultante de um aprendizado histórico” (p.189). Com essa visão, Arendt coloca em primeiro plano
a socialização política e do sistema cultural, ou seja, homens e mulheres “aprendem as regras e a
importância da política ao longo do tempo e esse aprendizado é contínuo e dinâmico, o que
implica a assimilação inclusive de novos valores políticos produzidos pelas sociedades” (p.189).
A política, portanto,
é um sistema simbólico que implica dominação e exclusão das mulheres, algo que não é inato
à natureza humana, mas resultante de uma produção social e histórica e um eficiente sistema
simbólico de reprodução cultural dos estereótipos e preconceitos que sustentam a dominação
masculina. (BARROS, 2015, p.189)
É central registrar que o pensamento político de Arendt se referia ao modelo grego de
democracia, um sistema conduzido e exercido apenas por homens, sem nenhuma participação
das mulheres. Mas como analisar essas ideias em modelos pluralistas de democracia com a
presença de mulheres?
Nas democracias pluralistas, a política é formada por diferentes espaços discursivos, como
aqueles que se destinam à exibição de ideias (visibilidade política), à discussão e debate
(discutibilidade), à auscultação da opinião de certos públicos (audibilidade) e à persuasão e
convencimento (governo da palavra). Em todos esses espaços o uso da palavra é fundamental:
O governo da palavra não é tudo na política, mas a política não pode agir sem a palavra: a
palavra intervém no espaço de discussão para que sejam definidos o ideal dos fins e os meios
da ação política; a palavra intervém no espaço de ação que sejam organizadas e coordenadas
a distribuição das tarefas e a promulgação das leis, regras e decisões de todas as ordens; a
palavra intervém no espaço de persuasão para que a instância política possa convencer a
instância cidadã dos fundamentos de seu programa e das decisões que ela toma ao gerir os
conflitos em seu proveito. (CHARAUDEAU, 2017, p.21)
O machismo discursivo e sua relação com o governo da palavra das mulheres encontra
diferentes denominações na literatura, sendo três as mais conhecidas: manterrupting,
bropropriating e mansplaining (Jack BILMES, 1997; Clio FLIKKEMA, 2017; Sophia FRANGOU, 2017;
Judith BRIDGES, 2017; Ann WEATHERALL; David EDMONDS, 2017). O termo manterrupting é usado
por esses autores como uma típica modalidade de machismo expressivo que consiste no hábito
corriqueiro e recorrente dos homens de interromperem a fala das mulheres, seja nas conversas
informais seja nas manifestações em espaços públicos. Já o bropropriating consiste em se apropriar
das ideias das mulheres que surgem nesses debates e assumir como se fossem de autoria dos
homens, sem a preocupação em conceder o crédito às respectivas autoras dessas ideias. O
mansplaining consiste em um modo de explicação tipicamente machista, em que os homens
costumam explicar algo às mulheres de forma infantilizada, como se elas fossem incapazes de
compreendê-los em uma linguagem formal e erudita. É por essas razões que a literatura considera
a misoginia a base do machismo, inclusive na sua forma discursiva (Moira SOTÓ, 1981; Marina
CASTAÑEDA, 2007).
Essas estratégias misóginas de machismo para interferir no poder de palavra das mulheres
adquirem um sentido especialmente expressivo nas arenas parlamentares, visto que os sentidos
da política são (re)construídos cotidianamente pelo ato de parlare (Luis Felipe MIGUEL; Fernanda
FEITOSA, 2009). O discurso “é um dos meios pelos quais a política se materializa” (Davi MOREIRA,
2016, p.12), contribuindo para a (re)produção ou renovação das visões e representações inerentes
ao campo político (Ole WAEVER, 2002). Em razão disso, os atos discursivos e os debates parlamentares
são considerados “a alma do processo legislativo” (Cláudia PAIVA, 2006) e o parlamento é
considerado “o lugar por excelência do debate político e um palco aberto aos olhos do público”
(Éric LANDOWSKI, 1977). Ademais, os espaços discursivos das instituições parlamentares são
concebidos como arenas discursivas (Roberto MARAFIOTI, 2007).
Se as mulheres parlamentares são de alguma forma prejudicadas em seu poder de palavra,
o machismo discursivo constitui um obstáculo à própria democracia, que tem como um dos pilares
a liberdade de expressão, entendida além das relações interindividuais. Afinal, a liberdade de
expressão também é mediada no plano institucional, com base em regras formais e informais
(Francisco FONSECA, 2004). No caso do parlamento, isso tem reflexo tanto no poder de fala nos
espaços institucionais internos como no noticiário político.
Esse debate remete ao conceito de perspectiva social, ou seja, um posicionamento
socialmente situado, que reforça a desigualdade entre grupos. Trata-se de uma forma de
compreender a realidade a partir de um lugar social determinado pelo gênero, no caso das
mulheres, além da classe, raça e etnia (Iris YOUNG, 2006). Para a autora, uma forma de promover
a conciliação entre representação e justiça, no caso das mulheres, seria por meio da representação
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política das perspectivas femininas, o que implica garantir plena liberdade de expressão a elas,
sem interferências machistas nas suas falas e pronunciamentos. Nesse contexto, na opinião da
autora, a liberdade de expressão está relacionada com o pluralismo de perspectivas sociais no
debate público. Assim,
Conforme suas posições sociais, as pessoas estão sintonizadas com determinados tipos de
significados e relacionamentos sociais, com os quais outras pessoas estão menos sintonizadas
(...) A partir das suas posições sociais as pessoas têm compreensões diferenciadas dos eventos
sociais e de suas consequências (...) Assim, as posições sociais estruturais produzem experiências
particulares, relativas ao posicionamento, e compreensões específicas dos processos sociais e
de suas consequências. (YOUNG, 2006, p.162)
Ao usarem o espaço discursivo das comissões ou das sessões do Plenário, as deputadas
teriam a chance de expor suas ideias, apresentar suas ressalvas, ponderações, questionamentos
e opiniões a partir da perspectiva social das mulheres. Interferências ocasionadas por essa
modalidade de machismo seriam, portanto, mais uma forma de violência contra elas. Um tipo de
violência ainda pouco explorado e pouco percebido pelo público, o que justifica seu
aprofundamento, conforme será feito na sequência.
Análise dos dados
Com base no grupo focal e nas entrevistas, classificamos as formas de machismo expressivo
relatadas pelos informantes, partindo das mais agressivas, como está exposto no Quadro 1
1, de
modo gradativo em termos de nível de violência e agressividade.
Quadro 1 - Tipos de machismo discursivo identificados pelos informantes da pesquisa
Tipos de machismo identificados
1
Desrespeito ostensivo a deputadas que presidem sessões plenárias e de comissões.
2
Interrupções agressivas das falas de deputadas em sessões plenárias e de comissões.
3
Tratamento depreciativo quanto aos pronunciamentos de mulheres.
4
Boicote aos pronunciamentos de deputadas que defendem causas feministas.
5
Desprezo e desvalorização da capacidade/competência política das deputadas.
6
Pedido de palavra das deputadas ignorado pelos presidentes de comissões, mesmo na
condição de líderes de partidos.
7
Uso abusivo de apartes por homens nos pronunciamentos de deputadas.
8
Uso de reiterações discursivas pelos deputados como forma de ter a “última palavra”.
9
Tratamento discriminatório no controle do tempo de fala das mulheres.
10
Rotulação de “histéricas, loucas e descontroladas” quando as deputadas reagem
discursivamente ao machismo discursivo.
11
Adjetivação depreciativa e expressões com conotações de afeto, de condescendência e
de falso cavalheirismo.
12
Desatenção dos deputados em relação aos pronunciamentos feitos por mulheres.
13
Demonstrações de impaciência diante dos pronunciamentos das deputadas.
14
Manifestações masculinas coletivas de desqualificação discursiva das deputadas, como
vaias nas comissões e no Plenário.
15
Machismo discursivo não-verbal (olhares de deboche, gestos e expressões faciais de
reprovação ao que é dito pelas mulheres).
Fonte: Elaboração própria, com base nos relatos dos informantes.
No âmbito das variações mais agressivas, os relatos destacam o desrespeito ostensivo
quando mulheres presidem as sessões do Plenário, a exemplo do que ocorreu com a então deputada
Rose de Freitas (PMDB-ES), que na época exercia o cargo de primeira-vice-presidente da Mesa
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Diretora, por ocasião da votação da Medida Provisória 527/2011, durante a sessão do dia 28/06/
2011. Ao estabelecer os procedimentos de votação, os líderes da oposição discordaram de sua
decisão e começaram um movimento contra a condução da sessão pela deputada. Esse caso foi
lembrado tanto no grupo focal quanto nas várias entrevistas.
O assunto adquiriu projeção.5 Um dos entrevistados descreveu o episódio da seguinte forma:
Vários deputados discutiram com a deputada Rose de Freitas em voz alta e exigiram que o
presidente da Câmara, Marco Maia, retornasse ao Plenário para decidir a questão, numa
clara demonstração de machismo. Queriam um homem presidindo a sessão, pois não
aceitavam se submeter aos procedimentos estabelecidos por uma mulher. (E36)
A então deputada Luci Choinacki (PT-SC) se pronunciou a favor de Rose de Freitas:
Nós gostaríamos que o trato fosse igual, independente de ser homem ou mulher na direção.
Não é a situação de mérito. É a prática, o método desrespeitoso, dos gritos que são dados
quando Rose está à Mesa. Deixo-lhe a minha solidariedade, como Parlamentar e mulher. Não
dá para aceitar, o tempo inteiro, que a Oposição, principalmente, faça dos gritos a forma de
encaminhamento. Podem ser levantadas questões de ordem. Agora, respeito é bom. (Diário
da Câmara dos Deputados, p. 32947)
Alguns homens também se manifestaram:
A bancada do PT está solidária à presidenta Rose de Freitas. Não aceitamos a intolerância da
oposição de querer depor a Presidência do comando desta Casa. Isso é um absurdo! Nós não
vamos acatar esse tipo de comando aqui nesta Casa. (deputado Sibá Machado, PT-AC, Diário
da Câmara dos Deputados, p. 32945)
Não posso deixar de prestar minha solidariedade à vice-presidente Rose e dizer que eu sinto
muito que um deputado se dirija à presidente em exercício aos gritos, de forma desrespeitosa,
como aqui foi feito. (deputado Rui Costa PT-BA, Diário da Câmara dos Deputados, p. 32947)
A própria deputada Rose de Freitas assim se manifestou:
Se queremos igualdade, precisamos começar com o respeito. Não quero ser vítima de nada,
mas também não aceito ser desrespeitada. (Diário da Câmara dos Deputados, p. 32950)
Nesse caso específico, alguns aspectos chamam atenção. Em primeiro lugar, a iniciativa
de recusa à condução da sessão por uma mulher partiu de líderes partidários, ou seja, atores de
destaque na hierarquia interna da Casa. Em segundo lugar, apenas parlamentares da esquerda
se manifestaram em solidariedade e apoio à deputada Rose de Freitas. Em terceiro lugar, as
manifestações foram ostensivamente agressivas, incluindo gritos, como foi registrado inclusive no
texto jornalístico mencionado. Em quarto lugar, a deputada foi desqualificada pelos seus opositores
masculinos como “excessivamente emotiva e sem controle emocional”, por ter chorado em público,
em reação aos ataques machistas dos quais foi vítima.
Outro exemplo que serve de emblema do machismo expressivo violento ocorreu quando a
deputada Maria do Rosário foi violentamente interrompida pelo também deputado Jair Bolsonaro.
A primeira vez aconteceu em 2008, em entrevista a um canal de televisão no corredor das comissões.
Enquanto era entrevistada, Bolsonaro interrompeu a deputada e começou a xingá-la, inclusive de
“vagabunda”.7 A discussão continuou no Plenário e Bolsonaro continuou as agressões. O segundo
episódio ocorreu na sessão do Plenário de 09/12/2014.8 A deputada foi interrompida aos gritos por
Bolsonaro, ao afirmar que “falei que não ia estuprar você porque você não merece”. A terceira vez
ocorreu em 14/09/2016, quando Maria do Rosário presidia a sessão,9 e ele se postou atrás dela e
começou a falar alto, impedindo-a de presidir a sessão. Esses são exemplos típicos do chamado
manterrupting, uma forma típica de machismo discursivo, conforme foi tratado anteriormente.
A respeito dessa sequência de episódios, uma das entrevistadas disse que:
Apesar de serem casos amplamente conhecidos, inclusive com repercussão na mídia, mas
isso não é exceção. Ao contrário, é regra geral. Dificilmente uma deputada consegue formular
e expressar sua opinião sem ser interrompida ou agredida. E isso ocorre tanto no plenário
como nas comissões e com muita frequência. (E11)
A íntegra do texto encontra-se nas notas taquigráficas da sessão do dia 28/06/2011 e no Diário da Câmara dos
Deputados, publicado no dia 29/06/2011, nas páginas 32941-32950, disponível em: http://imagem.camara.gov.br/
Imagem/d/pdf/DCD29JUN2011.pdf#page=270.Acesso em: 09 jun. 2017.
6
As entrevistas foram numeradas seguindo a ordem de realização. Usaremos a partir daqui a inicial “E” e o seu
respectivo número de codificação. Assim, E3 significa Entrevista 3 e assim sucessivamente.
7
Íntegra do vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=atKHN_irOsQ. Acesso em: 09 jun. 2017.
8
Íntegra do vídeo disponível em: http://imagem.camara.gov.br/internet/audio/Resultado.asp?txtCodigo=51291. Acesso
em: 09 jun. 2017.
9
Íntegra do vídeo disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/webcamara/arquivos/recentes/
videoArquivo?codSessao=57805#videoTitulo. Acesso em: 09 jun 2017.
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MACHISMO DISCURSIVO: MODOS DE INTERDIÇÃO DA VOZ DAS MULHERES NO PARLAMENTO BRASILEIRO
Essa situação mostra que se trata de uma cultura parlamentar estabelecida nos padrões
de dominação masculina. Isso significa que os parlamentares estão habituados à presença de
figuras masculinas na presidência das sessões plenárias. É oportuno salientar que a deputada
Rose de Freitas foi a primeira mulher a exercer o cargo de primeira-vice-presidente da Mesa
Diretora. Esse costume, amparado na dominação masculina, justificou inclusive os argumentos
dos agressores de Rose de Freitas, os quais alegaram que não havia nada de machismo, mas
apenas um embate político. “Me dirigi à deputada Rose de Freitas como a qualquer parlamentar
que estivesse na cadeira de presidente, independentemente de ser homem ou mulher”, argumentou
o então deputado ACM Neto na ocasião. Outro deputado complementou: “se bate como homem
deve apanhar como homem também”. Em suma, os opositores negaram o machismo discursivo,
com base em argumentos igualmente machistas.
Uma das entrevistadas na pesquisa salienta que a agressividade “é a marca principal dos
pronunciamentos dos oradores homens, que são bem vistos pelas suas bases e pela mídia como
grandes combatentes, quando fazem pronunciamentos inflamados na tribuna” (E30). Nessa mesma
perspectiva, outra informante complementa que:
A agressividade rende lucro político aos deputados, pois aumenta a visibilidade pública e
reforça sua figura de “cabra macho”, no sentido positivo derivado da nossa cultura machista.
Quando um deputado é agressivo com uma deputada, os apoiadores dele vibram, pois são
tão machistas quanto o deputado agressivo e pensam que mulher deve voltar para o tanque
e o fogão. (E43)
Chama atenção como as entrevistadas percebem a agressividade dos deputados em
relação às deputadas, especialmente no que diz respeito a uma suposta valorização desse tipo
de atitude pelo eleitorado. Ao apontarem essa perspectiva, as entrevistadas jogam luz sobre as
dificuldades para se combater a cultura machista, uma vez que uma deputada ser agredida no
plenário por um deputado é atitude bem vista e valorizada pelos eleitores e grupos apoiadores do
agressor.
Como se observa, as interrupções agressivas às falas das deputadas são usadas de modo
recorrente e naturalizadas pelos homens, “acostumados a dar ordens e estabelecer as regras da
conversação cotidiana seja na família, nos negócios, no bar e na política”, como expressa uma
das entrevistadas. Outros relatos mencionam que:
As deputadas dificilmente conseguem expor seus argumentos tamanhas e frequentes são as
interrupções de suas falas. (E7)
As interrupções são muito agressivas e desrespeitosas, mas ninguém se incomoda com isso,
a não ser as mulheres que são minorias. (E16)
Eles interrompem a fala das deputadas como forma de excluir o discurso delas. (E4)
Há interrupções grosseiras e agressivas, mas também há interrupções aparentemente gentis.
(E21)
Aqui, como mostram os relatos acima transcritos, o machismo na comunicação assume
nitidamente a função coercitiva apontada anteriormente por Gómez (2015). Trata-se de uma
estratégia de dominação masculina que resulta em interdições nos pronunciamentos das mulheres
no parlamento.
O ato de falar gritando é apontado por Gilberto Freyre (1961) como um modo de expressão
tipicamente masculino, branco e senhorial. Trata-se de uma atitude que faz parte do repertório de
herança cultural do exercício de poder dos senhores sobre os escravos, suas esposas e filhas. As
mulheres, ao contrário, foram socializadas para falar baixo, sem exaltação e sem agressividade,
como pessoas sensíveis e mansas, dispostas a servir.
Essa perspectiva é ressaltada por Cerqueira et al. (2009), conforme foi demonstrado na
primeira parte do texto. A autora salienta que, historicamente, foi negado às mulheres o poder de
palavra nas arenas públicas. O caso aqui apresentado mostra que essa estratégia de exclusão
permanece, pois os modos de marginalização discursiva permanecem no campo da política
parlamentar. Permanecem, portanto, os desafios paras que as deputadas conquistem acesso e
respeito aos espaços discursivos de poder (LAKOFF, 2003).
Quanto ao tratamento depreciativo e discriminatório em relação aos pronunciamentos de
mulheres, os depoimentos mostram que “é quase uma regra geral tanto nos pronunciamentos
feitos nas comissões e nas sessões plenárias”, como relata uma das entrevistadas. Em sua avaliação:
Nos muitos anos de trabalho como assessora de deputadas e deputados, acho que nunca
houve um dia em que eu não presenciasse alguma forma de desprezo e discriminação pela
fala das deputadas. O descaso ocorre de várias formas, desde os modos mais agressivos e
explícitos até formas mais amenas, que até passam despercebidas, mas não deixam de ser
machismo. (E17)
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Outros/as entrevistados/as complementam que:
Há muitos casos em que as deputadas são proativas e apresentam contribuições muito
significativas ao debate, mas parece que há um acordo tácito de cavalheiros para não
darem importância ao que elas falam. Os pronunciamentos delas são feitos só porque os
homens não podem formalmente impedi-las de falar, mas são boicotadas, sem repercussão
alguma entre eles, como se fosse uma fala política de segunda classe. (E24)
Já observei várias vezes que, no caso de uma sequência de pronunciamentos, seja nas comissões
ou no Plenário, os oradores masculinos retomam e reforçam discursos de seus colegas homens
e ignoram os pronunciamentos delas, como se não tivessem relevância nenhuma. (E31)
Os homens toleram a fala das mulheres, mas se pudessem deletariam o áudio e o texto, pois
para eles é apenas um mi-mi-mi de mulheres que não entendem de política e que estão ali só
porque não tem mais como evitar que elas sejam eleitas. (E3)
As deputadas não são reconhecidas como pares legítimos dos homens. Parece que elas são
um incômodo que eles são obrigados a tolerar e ouvir. Aliás, ouvir não, deixar que elas falem
simplesmente. (E29)
Como é possível inferir dos relatos, as formas de depreciação e discriminação dos
pronunciamentos das mulheres se manifestam de várias maneiras, como o desprezo pelo que elas
dizem, modos velados de ignorar o que elas falam, desqualificação de seus pronunciamentos
como sendo falas sentimentais (mi-mi-mi) e como discursos inferiores, sem consistência política.
Os oradores masculinos, na prática, negam reconhecimento e legitimidade à fala das
mulheres, fazendo perpetuar a marginalização discursiva apontada acima por Cerqueira et al.
(2009) e Lakoff (2003). Na mesma linha argumentativa, Pinto (2010) salienta que os espaços em
que as mulheres se manifestam, mesmo que na esfera pública, continuam estigmatizados “falas
de mulher”, estigmatizando a recepção dos pronunciamentos. Trata-se de uma forma de diminuir
o poder de palavra das deputadas.
O boicote aos pronunciamentos das deputadas de forma mais regular e frequente é relatado
pelos/as entrevistados/as quando se trata de deputadas que defendem causas feministas, como
a descriminalização do aborto e outros temas da agenda moral progressista:
Há uma sistemática violência discursiva contra as deputadas de esquerda que defendem os
direitos das mulheres. Sempre que elas são chamadas à tribuna, antes mesmo de começarem
a falar, os homens direitistas passam xingá-las ou dizer em coro palavras de ordem depreciativas
contra elas. (E17)
Já vi várias vezes em que as deputadas de esquerda como Erika Kokay (PT-DF), Alice Portugal
(PCdoB-BA), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Maria do Rosário (PT-RS). Toda vez que elas estão na
tribuna há um grupo de deputados conservadores que gritam “cala a boca comunista”. Isso
tem se repetido várias vezes. (E1)
Toda vez que deputadas mais comprometidas com as causas femininas mais à esquerda
tentam falar no Plenário, elas são boicotadas pelos homens da bancada religiosa. (E21)
Essas deputadas são discriminadas em função das causas que defendem. Cabe ressaltar
que elas também foram eleitas em razão da defesa dessas causas. Ao se manifestarem, elas se
dirigem prioritariamente às suas bases eleitorais. Ao serem discriminadas, na realidade, o machismo
expressivo também é exercido contra seus eleitores.
Decorre disso outra questão relevante: esses eleitores também constituem minorias e, como
tais, também enfrentam dificuldades de vocalização de suas causas no cotidiano. Como as
deputadas alinhadas aos interesses dessas minorias são discriminadas no parlamento, na
realidade tanto as representantes como os/as representados/as são diretamente atingidos pelo
machismo discursivo, conservadorismo e crenças religiosas que sustentam as visões conservadoras.
Nesse sentido, o machismo no discurso parlamentar é fortalecido pelo conservadorismo e
suas posições extremadas de direita, principalmente no caso dos deputados que integram as
bancadas religiosas, sob a denominação de Frente Parlamentar Evangélica (FPE). Essa frente
conta atualmente com 198 deputados, o que representa 38% da Câmara dos Deputados, e 4
senadores. Os parlamentares que integram a FPE, embora sejam de diferentes denominações
religiosas, compartilham e interesses comuns e visões de mundo, principalmente quanto à agenda
relacionada a direitos humanos.
O desprezo e desvalorização da capacidade e da competência política das mulheres
aparece nos relatos de várias formas
Sou assessor de uma deputada e ela é a única parlamentar do partido. Nas reuniões, diante
dos deputados, ela é aparentemente tratada de forma respeitosa e elogiosa, porém no
momento das divisões de atribuições de considerável relevância ela sempre é descartada. O
mesmo ocorre com as sugestões e os argumentos dela. Eles parecem ouvir e considerar, mas
na hora da prática ignoram tudo o que ela disse. (E41)
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As deputadas sofrem achincalhamentos quando fazem seus pronunciamentos e são
desvalorizadas pelos deputados, de modo geral, mas especialmente no falar. (E23)
A palavra da mulher parece não ter a mesma ‘respeitabilidade’ que a palavra de um homem.
Também não é raro deputados fazerem “gracinhas” ou agirem de modo machista, ignorando
a fala das mulheres ou mesmo fazendo chacota. (E38)
Os depoimentos chamam atenção para o fato de que o machismo na comunicação é uma
forma de expressão da falta de confiança dos oradores masculinos na competência política das
deputadas de forma mais ampla. Isso é muito expressivo para o estudo aqui apresentado, pois os
pronunciamentos constituem uma parte fundamental na atividade política, como foi demonstrado
na primeira parte do texto, inclusive com as ideias de Hannah Arendt sobre como a política se
constrói pelo discurso. Segundo essa visão, desconsiderar os argumentos, sofrer achincalhamentos
e brincadeiras machistas constituem formas graves de obstrução do trabalho das deputadas.
Os casos em que as deputadas pedem a palavra nas sessões e são ignoradas pelos
presidentes é mencionada pelos/as informantes como “uma forma muito recorrente de desrespeito
à fala das mulheres”:
A preferência pelos atores masculinos é tão evidente, que quando uma mulher pede palavra,
mesmo nos termos regimentais, parece que ela incomoda. Por isso elas são ignoradas. É
como se fosse uma forma implícita de dizer a elas: aqui não é lugar de vocês. (E26)
Fico estarrecida de ver mulheres atuando como líderes, que podem pedir a palavra a qualquer
momento, segundo o regimento e mesmo assim são ignoradas pelos presidentes. Mas os
homens jamais são ignorados. (E12)
Quando há vários oradores inscritos e se instala uma disputa entre eles para ver quem fala
primeiro, as mulheres sempre perdem essa disputa. A vez delas, quase sempre é passada
para um homem e elas acabam ficando para o final da fila de inscritos, como se fossem
parlamentares de segunda classe. (E28)
Já vi várias situações em que as deputadas pedem a palavra no Plenário e elas são
sistematicamente ignoradas quando é um homem que preside a sessão. (E7)
Eu já presenciei várias situações em que o presidente concede formalmente a palavra a uma
deputada, mas não consegue falar, por que os homens gritam, xingam, dizem palavrões ou
fazem boicote à fala das mulheres. (E13)
Toda a sequência de relatos até agora mostra empiricamente como os oradores masculinos
se recusam a incluir as deputadas de modo efetivo, equitativo e respeitoso nos debates legislativos.
Assim, o machismo na comunicação compromete não só a paridade de gêneros, mas também
critérios fundamentais para a igualdade política e a própria democracia, como isonomia, isegoria,
isologia e isocracia (ARENDT, 2005).
Outras formas de machismo camuflado apontadas pelos informantes são os apartes, no
caso de deputadas, por ocasião do chamado “grande expediente”, momento da sessão plenária,
antes da ordem do dia, em que oradores/as previamente inscritos/as usam a tribuna por até 20
minutos para pronunciamentos temáticos:
Como uma forma de demonstração de poder e de ingerência na fala das mulheres, os
deputados recorrem ao artifício do aparte, cujo costume na Casa é de se conceder, pois a
não concessão é vista como falta de civilidade. Assim, é muito comum, o tempo de uma
deputada ser tomado por vários apartes de deputados que usam, de forma machista, o tempo
de uma mulher para falar e, assim, evitam que ela tenha tempo regimental integral. (E5)
Os apartes são muito prejudiciais às mulheres, pois a deputada, ao se inscrever, planeja o seu
discurso em função do tempo. Sua assessoria redige o discurso com zelo e dedicação, mas
na hora de falar, ela é impedida pelos colegas do sexo masculino, que abusam do recurso do
aparte. (E24)
Eu sempre fico muito incomodada com os apartes e a deputada também, mas virou costume
isso. Aliás um péssimo costume, pois interfere diretamente no tempo de fala das mulheres. (E40)
Os apartes são vistos pelos/as entrevistados/as como uma forma de “colonização” do discurso
das mulheres:
Em mais de dez anos assessorando deputadas, observo que há uma inflação de apartes
solicitados por homens, toda vez que uma deputada vai fazer um grande expediente. Mas
essa mesma prática não ocorre quando o orador é outro homem. Nesse caso, o número de
apartes é bem menor e geralmente ocorre ao final do pronunciamento do orador. Ou seja, um
homem ouve o outro e espera terminar seu argumento, ao contrário das mulheres, cujos
apartes são feitos sem que ela tenha oportunidade sequer de fazer a introdução de seu
discurso. O outro cavalheiro que solicita o aparte no grande expediente de outro homem,
geralmente é mais conciso, ou seja, há mais respeito. (E32)
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O que se observa a partir dos depoimentos é que o recurso regimental do aparte é usado
pelos oradores masculinos como apropriação do tempo de fala das mulheres e como meio de
inserção das ideias e opiniões deles em um pronunciamento de autoria das deputadas. Consiste,
na prática, em tomar a palavra delas para a reafirmação do poder masculino, numa estratégia
de governo da palavra das mulheres (CHARAUDEAU, 2017). Trata-se ainda de uma modalidade de
bropropriating, conforme foi abordado na primeira parte do texto.
Outra forma identificada na pesquisa são as reiterações discursivas, algumas vezes
travestidas de gentileza, condescendência e cavalheirismo:
É muito comum uma deputada fazer um pronunciamento e um deputado usar o que ela disse
como forma de reforço e reiteração, usando o velho clichê ‘faço minhas as palavras da
deputada fulana’, como se o discurso de uma mulher precisasse ser chancelado por um
homem para ter legitimidade política. (E23)
Muitos deputados até tentam ser educados, mas o machismo está tão naturalizado que nem
se dão conta que estão sendo machistas ou desvalorizando a fala das mulheres. (E34)
As estratégias de reiteração consistem, na realidade, em modos de reafirmação e reforço
do pensamento, das opiniões e da perspectiva deles. Por que o pronunciamento de uma deputada
precisaria ser reforçado por um deputado? Se algo carece de reforço, logo o pressuposto é de que
se trata de algo fraco, que precisa ser tonificado e revigorado. Como mostram os depoimentos, em
alguns casos os oradores masculinos parecem fazer uma gentileza, mas na realidade negam às
deputadas o livre e democrático direito de expressão a partir de suas próprias perspectivas, suas
opiniões e seu lugar de fala de mulher (YOUNG, 2006). Nesse caso os deputados se utilizam do
recurso denominado mansplaining, nos termos discutidos na primeira parte do artigo.
Outra forma de machismo discursivo identificado na pesquisa é o tratamento discriminatório
quanto ao controle do tempo dos pronunciamentos de mulheres. Isso porque as disputas pelos
espaços discursivos são acirradas, visto que sempre há muitos parlamentares dispostos à
manifestação de suas posições, mas, em contrapartida, há limitação de tempo, cujo controle é
exercido pelo presidente da sessão, tanto nas comissões como no Plenário. Os/as informantes da
pesquisa se referem às táticas de controle do tempo de fala, sempre mais flexível para os homens
e mais rigorosa quando se trata das mulheres:
O tempo é fundamental nas sessões das comissões e do Plenário, pois sempre há muitos
oradores em um determinado espaço de tempo de uma sessão. Geralmente quem preside as
sessões são homens, que costumam ser mais tolerantes e generosos com seus pares masculinos
quando se trata da concessão de tempo extra de fala. No caso das mulheres, a situação é
diferente: o controle costuma ser mais rigoroso, sem concessão de tempo extra e com o corte
imediato do áudio do microfone. Isso é rotina. Não estou falando de algo acontece
esporadicamente. (E34)
É cabível acentuar que o tempo constitui um operador de grande relevância na política,
tanto em termos materiais como simbólicos. Não é à toa que o Regimento Interno da Câmara dos
Deputados dedica-se, em grande medida, à regulação do tempo de fala de seus integrantes nas
várias fases do processo legislativo e das próprias sessões plenárias e das comissões.
Todos os processos políticos são regulados pelo tempo, desde a campanha eleitoral, a
duração do mandato, a época de recesso parlamentar, o controle do uso da tribuna legislativa
pelos/as oradores/as, os dias da semana destinados às sessões ordinárias, extraordinárias,
deliberativas, de debates ou de homenagens. O tempo se reveste de sentidos sociais, políticos e
culturais. Além disso, constitui-se ele próprio um mecanismo de coerções ou de concessões, ao
interligar as estruturas individuais e sociais mais amplas, como no caso do campo político (Norbert
ELIAS, 1989).
A rotulação de “histéricas”, “loucas” e “descontroladas” ocorre nos momentos de intensas
disputas discursivas, quando as mulheres reagem à opressão dos homens no que se refere ao
monopólio da palavra e do poder decisório quanto aos procedimentos de votação no Plenário ou
nas comissões, de acordo com os relatos dos/as entrevistados/as:
Os homens estão acostumados com o estilo agressivo de fazer política e isso é até valorizado,
pois passa a ideia de um parlamentar combativo e atuante. No caso das mulheres, contudo,
quando elas se rebelam contra a opressão e reagem à altura, são rotuladas como
“descontroladas”, “loucas” e histéricas. (E8)
A reação das mulheres, na maioria das vezes, é compreensiva, pois é um meio de se fazer
ouvir, de se impor e de protestar contra as tiranias masculinas. Mas até esse direito é negado
a elas e eles ainda usam uma justa reação para desqualificá-las, como se “ganhar no grito”
não fosse a regra geral entre eles. (E5)
Já presenciei em várias situações, em reuniões de comissões, principalmente de CPIs, quando
as deputadas tentam se impor ao levantar a voz e são chamadas pelos deputados de loucas,
histéricas e descontroladas. (E35)
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Os estereótipos depreciativos são usados pelos oradores masculinos como manobra das
lutas simbólicas que operam segundo as lógicas da dominação masculina. As estratégias de
estereotipização e de estigmatização são apontadas por Erving Goffman e Leonor Guinsberg
(1970) como meios de controle social de minorias e como mecanismos de marginalização. São
dispositivos já amplamente conhecidos da literatura sociológica que servem a projetos políticos
de exclusão da esfera pública de certas identidades, como vimos aqui no caso das deputadas.
Os informantes relatam também casos de adjetivação aparentemente afetuosa ou de
diminutivos para se referir às mulheres, “sem perceber o quanto isso é machista”, como revelam nos
relatos:
É muito comum ouvirmos os deputados chamarem as deputadas de ‘querida’ e outras formas
de tratamento que parecem amáveis, mas na realidade, diminuem a atuação e o protagonismo
delas. (E25)
Fico observando como a fala dos deputados revela muito da cultura machista. Enquanto os
cavalheiros se tratam por excelência e nobre parlamentar, quando se dirigem às mulheres
parecem ter dificuldade de usar o mesmo tratamento. (E16)
Nota-se aqui, mais uma vez, a presença das artimanhas retóricas no machismo, naturalizadas
no cotidiano. Dito de outra forma, é a linguagem a serviço da dominação masculina e da cultura
patriarcal, como já demonstrou Bourdieu (2002). Isso é muito expressivo quando se trata do parlamento,
lugar em que todos/as os/as representantes, em tese, deveriam receber o mesmo tratamento de seus
pares.
A desatenção dos deputados em relação aos pronunciamentos das mulheres, na avaliação
dos informantes “tornou-se um comportamento incivilizado comum” nas atividades da Câmara:
A desatenção parlamentar é corriqueira aqui. Eles dão mais atenção ao celular e aos seus
assessores. Depois a prioridade são os líderes e depois os seus pares de partido ou de
bancada. Mas com as mulheres a falta de atenção é chocante. (E7)
O olho no celular é sempre prioridade, mas a gente percebe que eles levantam a cabeça e
prestam atenção em alguns pronunciamentos, quando são feitos por outros homens. Quando
a palavra é passada para uma mulher, eles aproveitam para “desligar geral” e mergulhar nas
redes sociais, ignorando completamente as falas das deputadas. (E3)
As deputadas estão em desvantagem em tudo na Câmara, até na atenção dos demais
parlamentares. É uma falta de respeito. Os deputados agem em algumas situações como as
deputadas fossem invisíveis. (E12)
O machismo é tanto, que o presidente da sessão, os líderes e os demais deputados agem
como se as mulheres não significassem nada no parlamento, como se elas fossem meras
figurantes da cena política. (E 38)
As formas de desatenção dos oradores masculinos comprometem o empoderamento das
deputadas no ambiente legislativo. Além disso, diminuem o protagonismo delas como agentes
proativas no debate político e na formulação das políticas públicas.
As demonstrações de impaciência são classificadas pelos informantes em dois níveis: um
muito agressivo, com manifestações que se justificam pela celeridade do andamento dos trabalhos;
e um menos agressivo, mas “muito ostensivo com gestos e expressões e mímicas que manifestam
pressa”, como relatou uma das entrevistadas. Ela também argumentou que:
so ocorre com muita frequência quando são mulheres que estão na tribuna. Quando são
oradores masculinos, a pressa é menor ou nem chega a ser manifestada com tanta veemência.
É como se ouvir as mulheres fosse perda de tempo. (E9)
Os homens são tão impacientes com as mulheres, que chegam a falar por cima da voz delas,
uma forma de interferência rude e machista. Já que não conseguem fazer elas ficarem em
silêncio, falam por cima da voz delas, a fim de neutralizar o discurso das deputadas. (E11)
Lembro de uma sessão recente sobre a PEC das coligações, em que a deputada Sheridan,
que era relatora da proposta, estava falando e vários deputados pegaram o microfone e
começaram a gritar pi pi enquanto ela falava. (E29)
Ao contrário dos casos relatados, os relatores masculinos costumam ser muito respeitados
pelos seus pares, com trocas recíprocas de elogios e gentilezas na maioria dos casos. As posturas
incivilizadas nos debates são frequentes e incluem as interações entre homens também, quando
atuam como adversários políticos. Entretanto, no caso das mulheres, elas não precisam agir como
adversárias para serem hostilizadas. Basta a presença delas na tribuna para que isso ocorra,
como mostram os depoimentos.
As vaias são entendidas pelos/as informantes como formas coletivas de desqualificação
discursiva das deputadas:
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Vaiar as mulheres enquanto elas falam na tribuna é mais comum da parte dos deputados
conservadores e da direita, mas não é uma regra geral. Se a deputada defende posições de
direita, ela também pode ser vaiada pelos deputados de esquerda. Além de uma forma de
machismo, tem muita relação com as disputadas entre direita e esquerda. (E38)
Quando vaiam as deputadas, na realidade, os homens estão praticando um atentado à
democracia, pois elas são representantes eleitas e merecem respeito, da mesma forma que
eles querem ser respeitados. (E 19)
O ato de vaiar é uma clara demonstração de hostilidade com as deputadas quando ocupam
a tribuna. O objetivo da vaia é causar constrangimento público, mostrando a desaprovação da
presença delas na arena legislativa. Junto com as vaias, a desatenção e a impaciência dos oradores masculinos compõem o código de conduta do machismo expressivo no parlamento brasileiro.
O machismo discursivo não-verbal é entendido pelos/as entrevistados/as como “entreolhares
de deboche por parte dos deputados”, além de “gestos e expressões faciais de reprovação ao
que às mulheres falam” ou “à sua simples presença na tribuna” (Entrevista 23). Outros depoimentos
ressaltam que:
Considero o cúmulo da falta de respeito os deputados virarem as costas para as deputadas
que estão na tribuna. (E31)
Deveria ser considerada falta de decoro parlamentar um deputado agir de forma tão negativa
em relação ao discurso das mulheres, fazendo sinal negativo com o rosto e outros gestos que
mostram descortesia com as deputadas. (E17)
As expressões não verbais são de grande relevância para a política, pois elas também
comunicam. Além de atuarem como complementos do processo de interação presencial, as
formas não verbais podem assumir significação própria (Eni ORLANDI, 1993). O repertório não
verbal é considerado por Goffman (2011 [1956]) um conjunto de dispositivos que assume uma
função de primeira grandeza na interação cotidiana e na representação da autoimagem dos
sujeitos da conversação. Nos casos de machismo expressivo, o não verbal é usado pelos deputados
como reforço das manifestações de descaso em relação aos pronunciamentos das mulheres,
complementando as táticas de marginalização e silenciamento delas.
Após a abordagem dos 15 itens do Quadro 1, consideramos oportuno salientar que tanto
nas entrevistas como nos grupos focais foram intensas as percepções dos/as informantes quanto
às táticas de silenciamentos e obstrução do poder de fala das deputadas em termos mais amplo:
As deputadas não têm a fala respeitada e são interrompidas em todas as comissões e Plenário.
É reflexo da nossa cultura machista que cerceia a liberdade de expressão das mulheres em
todas as instâncias. (E36)
Apesar da suposta igualdade formal de condições para o exercício do mandato, Marlise
Matos (2010) mostra que as instâncias discursivas do parlamento são apropriadas pelos homens
mesmo quando as mulheres estão presentes e atuantes. Como salienta a autora, os homens
interrompem as mulheres e exercem uma violência simbólica naturalizada, cerceando ou
desvalorizando a voz das mulheres. Essa visão foi reforçada de forma enfática tanto pelos integrantes
do grupo focal quanto pelas próprias deputadas, durante as entrevistas:
Há muita resistência dos deputados em ouvir nossas ideias. (Deputada Brunny/PR/MG)
Os homens não nos levam a sério. Precisamos provar competência o tempo todo, inclusive na
oratória. Mesmo assim eles bloqueiam a fala das mulheres. (Deputada Marcivânia/PCdoB/AP)
Há muitas brincadeiras de mau gosto em relação à fala das mulheres. (Deputada Profa.
Dorinha/ DEM/TO)
A outra forma de machismo discursivo é menos agressiva, mas não menos machista. As
modalidades camufladas aprecem em vários relatos dos entrevistados:
O machismo discursivo é uma forma de impor as temáticas de maior interesse na defesa das
pautas machistas. Desta forma a definição de pautas e de conteúdos do discurso público
integram a realidade social de forma a criar e manter relações de dominação. E há também
uma forma de sempre controlar a representatividade feminina, configurando assim um
obstaculador nas defesas dos direitos femininos. As mulheres ficam com menos “vez e voz” no
parlamento. (E39)
Considerações finais
O objetivo do texto foi analisar as diferentes formas de machismo discursivo na atuação das
deputadas federais. O estudo permitiu o mapeamento de 15 modalidades dessa forma de
machismo, revelando a amplitude e a dimensão desse modo de dominação no governo da
palavra das mulheres no parlamento brasileiro.
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MACHISMO DISCURSIVO: MODOS DE INTERDIÇÃO DA VOZ DAS MULHERES NO PARLAMENTO BRASILEIRO
É importante salientar que as 15 categorias surgiram dos relatos dos/as informantes,
principalmente os/as assessores das deputadas, especialmente as mulheres. Os homens que
atuam como assessores das parlamentares apresentam percepções menos expressivas e em menor
escala. Isso reforça a relevância heurística do conceito de perspectiva social, conforme foi
abordado na primeira parte do artigo.
Chama atenção ainda que as percepções das deputadas são mais voltadas para o
machismo político no sentido mais amplo, sem muita ênfase para o machismo discursivo. Das 19
entrevistas com deputadas, apenas três mencionaram explicitamente o machismo na comunicação
entre os parlamentares. Como elas estão no palco, talvez a preocupação seja mais com o jogo
político no sentido mais amplo. Nesse aspecto, é oportuno retomar os argumentos das próprias
deputadas durante as entrevistas, no que se refere especialmente às barreiras existentes no âmbito
partidário, as dificuldades para a atuação cotidiana na Câmara e as condições de desigualdade
que permeiam todo o mandato. Em suma, as deputadas parecem mais preocupadas com os
obstáculos para o exercício do mandato em termos mais amplos.
Por outro lado, é oportuno ressaltar que o machismo na retórica parlamentar foi uma questão
muito presente na avaliação dos integrantes do grupo focal. O mesmo ocorreu com as assessoras,
que ficam mais distantes dos holofotes e com uma perspectiva mais focada nos bastidores. Talvez
isso as leve a perceber o machismo discursivo com mais ênfase, além de comungarem da
perspectiva e do lugar social de mulher.
Por fim vale uma observação em relação ao modo como a literatura trata o assunto. Como
vimos na primeira parte do texto, o machismo discursivo é enquadrado no âmbito dos chamados
micromachismos (GAMBETTA, 2001; GOMEZ, 2015; MANSO; SILVA, 2016). Essa forma de machismo
aparece na literatura associado diretamente à misoginia, a partir de três modos de expressão dos
homens que interferem diretamente no poder de fala das mulheres: manterrupting, bropropriating
e mansplaining (BILMES, 1997; FLIKKEMA, 2017; FRANGOU, 2017; BRIDGES, 2017; WEATHERALL;
EDMONDS, 2017).
Na arena parlamentar, a relevância do machismo discursivo aparece de forma tão intensa,
agressiva e autoritária que se torna difícil entendê-lo e reconhecê-lo como micro. Cabe salientar
que os estudos sobre micromachismos se referem a contextos comunicativos do cotidiano, em
interações rotineiras, que diferem muito do âmbito parlamentar.
A pesquisa aqui apresentada nos permite questionar essa denominação de micromachismo.
Diante do vigor dos relatos, consideramos inadequada a classificação para o contexto discursivo
do parlamento. Pelo visto, trata-se de uma forma de machismo que compromete a qualidade da
democracia e a qualidade da representação política das mulheres eleitas para o cargo de
deputadas. Caberiam, contudo, estudos mais detalhados, envolvendo outras instituições como o
Senado, as assembleias legislativas estaduais e as câmaras municipais de vereadores para que
pudéssemos chegar a conclusões mais categóricas.
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Antonio TTeixeira
eixeira de Barros (antonibarros@gmail.com) é doutor em Ciências Sociais.
Docente e pesquisador do Programa de Mestrado em Ciência Política do Centro de Formação da
Câmara dos Deputados.
Elisabete Busanello (elisabetebusanello@yahoo.com.br) é mestra em Ciência Política
pelo Programa de Pós-Graduação do Centro de Formação da Câmara dos Deputados.
A REVIST
CORDO COM AS NORMAS D
COMO CIT
REVISTA
DA
ACORDO
CITAR
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AR ESSE ARTIGO DE A
BARROS, Antonio Teixeira de; BUSANELLO, Elisabete. “Machismo discursivo: modos de interdição da
voz das mulheres no parlamento brasileiro”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 27, n. 2,
e53771, 2019.
CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA
Os dois autores trabalharam em conjunto em todas etapas, com igual contribuição, portanto.
FINANCIAMENTO
Não se aplica.
CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM
Não se aplica.
APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
Não se aplica.
CONFLITO DE INTERESSES
Não se aplica.
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HISTÓRICO
Recebido em 31/10/2017
Reapresentado em 09/08/2018
Reapresentado em 03/10/2018
Aprovado em 23/11/2018
Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 27(2): e53771
DOI: 10.1590/1806-9584-2019v27n253771
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