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Apontamentos Semanais de Direito Penal Aula de 29/11 (Manhã)

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Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

APONTAMENTOS SEMANAIS DE DIREITO PENAL


Aula de 29/11 (manhã)
Estamos a fazer a teoria geral de ação dos crimes dolosos.
Na recomposição analítica desta unidade subjetivo-objetiva, começámos por estudar a
ação; um conceito personalista da ação.

TEORIA GERAL DOS CRIMES DE AÇÃO DOLOSA


Decomposição analítica do crime, como objetificação da subjetividade:
Enquanto o ilícito exprime o sentido que o ato teria por qualquer pessoa, na culpa
exprime-se o ato subjetivo da ação.
Um ato doloso pode não se seguir de uma ação culposa (ex.: se o agente for
inimputável).
o A diferença está no critério da valoração.

O ilícito pessoal doloso é expresso através do tipo (fundimos o ilícito e o tipo – ilícito
típico). O conteúdo do tipo é também composto por elementos de natureza objetiva, mas
também elementos subjetivos (o dolo).
A doutrina distingue entre o tipo objetivo e o tipo subjetivo.
o Esta distinção falsifica a realidade, porque a falta de um elemento subjetivo é como a
falta de um elemento objetivo – a conduta deixa de ter um ilícito típico.

Nota: Na matéria da imputação objetiva: no exame, no início de cada pergunta definir


qual a doutrina segundo a qual estamos a responder (teoria da conexão do crime ou a
doutrina seguida pelo professor).

Por norma, o elemento subjetivo do tipo doloso é o próprio dolo. O dolo consiste numa
designação – conhecimento e vontade de realização do crime; sujeito conhece as
circunstâncias em que está a atuar. Ele conhece e quer realizar o tipo objetivo.
A partir daqui fala-se dos DOIS ELEMENTOS DO DOLO E DO TIPO:

ELEMENTO INTELECTUAL
Conhecimento da realidade concreta em que o agente está a atuar. Não está em causa
saber se ele representa que está a preencher um crime ou não; ele tem apenas de
atualizar naquele momento os elementos constitutivos do tipo (homem, casa,
património, objeto); representação do nexo causal. Se falta esta representação deixamos
de ter dolo.
Exemplo: Sr. A vai à caça; vê um vulto, dispara e mata a achar que era um animal. Afinal
era um homem àAqui falta o elemento intelectual para se tratar de um dolo (precisava de
saber que o vulto era um homem). Será punido a título de negligência.

Maria Luís Carvalho 1


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O legislador muitas vezes socorre-se de conceitos descritivos (homem, casa, etc.); mas
por vezes vezes socorre-se de elementos normativos – que convocam uma valoração –
conceitos normativos de índole técnico jurídica.
O legislador recorre a conceitos técnico jurídicos de outros ramos do direito (boa fé, ato
administrativo válido ou inválido, etc.).
à O que está em causa é a realidade fáctica que ele quer retratar.
O problema que se põe quando se recorre a estes conceitos é o de saber que tipo de
conhecimento se vai exigir ao agente. Temos de exigir o conhecimento técnico,
dogmático? Se assim fosse, só juristas especializados poderiam cometer esses crimes.
Por isso é que a generalidade da doutrina diz que se exige o conhecimento à esfera do
leigo. A mesma ideia foi expressa por Beleza dos Santos (professor prefere esta
perspetiva) – deve atender-se às consequências práticas que se atribui a esses conceitos
jurídicos.

Que tipo de conhecimento é necessário?


Co-consciência: o conhecimento humano para além dos elementos que atualiza, há
um conjunto de conhecimentos implícitos que são acompanhantes, relativamente aos
quais a consciência não tem neles o foco (ex.: estamos a sentir a roupa que temos no
corpo? Só quando pensamos efetivamente sobre isso, porque é um conhecimento
implícito). São automatismos que fazem parte da nossa vida consciente.
O conhecimento basta que esteja ao nível da co-consciência; não é necessário que o
conhecimento seja trazido ao nível da consciência refletiva – ou seja, basta haver
conhecimento da co-consciência para se considerar a existência do elemento intelectual.

O que acontece quando falta o elemento intelectual do dolo?


É uma situação de erro sobre as circunstâncias de facto/erro sobre a factualidade típica
– Artigo 16.º/1: “Erro sobre as circunstâncias de facto: 1 - O erro sobre elementos de facto
ou de direito de um tipo de crime, ou sobre proibições cujo conhecimento for razoavelmente
indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto, exclui o dolo.”
O agente não representa porque:
- ou desconhece
- ou tem conhecimento defeituoso acerca da circunstância em que atua e por isso
não representa a situação correspondente àquele tipo de crime.

O erro sobre a factualidade típica caracteriza-se pela ausência do elemento


intelectual do dolo. Se não há este elemento, não há dolo.

Nestes casos, o que se faz ao agente?


A falta do elemento intelectual do dolo poderá dar lugar à punição a título de
negligência [Artigo 16.º/3: “Erros sobre as circunstâncias de facto: 3- fica ressalvada a
punibilidade da negligência nos termos gerais.”].
à Ressalva a possibilidade de o agente vir a ser punido a título de negligência.

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No entanto, a punição a título de negligência depende de dois requisitos:


Negligência é uma forma menos grave da responsabilidade; artigo 13º
CP determina a excecionalidade da negligência. Entende-se que sendo a
negligência menos grave, os interesses em causa podem ser acautelados
com sanções do direito civil; só em casos mais graves é que os crimes
FORMAL
de negligência são puníveis. O crime em causa tem de admitir a questão
da negligencia (1º requisito).
Artigo 13º: “Dolo e negligência: Só é punível o facto praticado com
dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.”
Na negligência o agente não quer praticar um crime, mas porque é
descuidado não pondera convenientemente o circunstancialismo fáctico
em que atua, mas sem querer acaba por lesar o bem jurídico. Para o erro
ser punível, temos de estar perante uma situação de que se o agente
MATERIAL tivesse agido de forma adequada, não teria havido erro; o ato não teria
acontecido – imputável a título de negligência. Mesmo que o crime seja
passível de negligência, o erro tem que ser imputável a título de
negligência (o ato ocorreu por descuido e leviandade do agente) – têm
que se verificar ambos os requisitos.

Artigo 13.º (caráter excecional da punição por negligência)


Artigo 15.º (requisito material da punição a título de negligência)

Artigo 15.º - Negligência:


Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias,
está obrigado e de que é capaz:
a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas
actuar sem se conformar com essa realização; ou
b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.

à É necessário que o erro se tenha ficado a dever a descuido do agente; se ele tivesse agido
com o cuidado mínimo, tinha conhecido o tipo e tinha-se abstido da prática dessa ação.

Artigo 16.º / 1 / 1ª parte – Erro sobre as circunstâncias do facto:


1 - O erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime…”

àIntenção do agente é praticar uma ação lícita.

Nas formas especiais, o agente quer praticar um crime, mas por um erro intelectual vem
a praticar um crime diverso do pretendido inicialmente.
• Erro sobre a pessoa: Agente pratica o crime em pessoa diferente do que o que tinha
planeado [Exemplo: Sr. A quer matar Sr. B. Vê um vulto, achando que era B e
dispara, mas era C.]

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• Erro sobre objeto: Sr. A quer roubar uma caixa de latão. Após furtar, repara que a
caixa era de ouro – queria praticar um furto simples, mas acaba por praticar um furto
qualificado.

Deve-se fazer uma questão prévia: há ou não identidade típica entre o crime
projetado e o crime consumado? Há coincidência entre o desvalor intencionado e o
desvalor de resultado?
Se houver identidade típica entre o crime projetado e o crime consumado (se o crime
praticado couber no mesmo tipo legal do crime intencionado) o erro não releva, vai ser
punido pelo crime consumado a título de dolo.
Quanto ao 1º exemplo – é sempre homicídio; Sr. A quer matar uma pessoa e mata uma
pessoa.

Mas e quando não há identidade típica? Há alguma divergência.


Na doutrina portuguesa, houve quem quisesse tratar como um só crime (Eduardo
Correia – deve ser punido pelo crime projetado como se o tivesse consumado).
Contraria o processo do direito penal do facto.
Dr. Cavaleiro Ferreira dizia que deve ser sempre punido pelo tipo consumado, o que
também não pode ser.
à Contraria o processo do direito penal da culpa.
Em face desta dificuldade, a doutrina alemã e a doutrina maioritária portuguesa
seguindo a doutrina alemã, elabora-se o seguinte:
Relativamente aos casos em que não há identidade típica, o agente seria punido pelo
concurso de crimes (crime projetado a título de tentativa + crime praticado consumado)
– solução concursal.
Nota: a tentativa também é excecional.

Aula de 29/11 (tarde)


Erro sobre a execução:
Assemelha-se, de certa forma, ao erro sobre pessoa – tanto que se tentou aplicar o
mesmo regime desse erro (a teoria da identidade típica), mas essa ideia foi descartada.
Assim, aplica-se sempre o regime concursal.
Atinge a pessoa/objeto que se pretende, mas através de um processo causal diferente
que o intendido. Aqui, A dispara e quer matar o B mas acerta o C: isto justificaria que,
segundo a maioria da doutrina, nas hipóteses de erro de execução vigore sempre o
regime concursal.
Temos de ver se o processo causal efetivamente ocorrido, mesmo não sendo o
especificamente desejado pelo agente, se é uma consequência previsível da causa
intencionada; se couber no tipo da ação, o agente é julgado por crime doloso.

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Mas e se não couber no tipo? Se o processo causal ocorrido não é consequência do


processo causal intencionado? O agente apenas é julgado por tentativa. Ex.: o senhor A
atira o Sr. B da ponte da Arrábida. O Sr. B não morre da queda, mas ao nadar para a
margem é comido por um tubarão – não sendo essa uma consequência típica da ação de
A, então este é julgado apenas por tentativa.

O Professor Almeida Costa tem uma solução diferente:


Dolus generalis (não saem perguntas sobre isto): é a situação mais difícil, e a doutrina a
propósito desta situação chega a doutrina absurdas. A solução do prof. também não é
perfeita.
Alguém quer praticar o crime; realiza a conduta, mas a consumação do crime verifica-se
não em virtude da conduta, mas em virtude de um ato posterior – A quer matar B, dá-
lhe uma paulada na cabeça. Pensa que ele está morto e atira o cadáver ao rio – vem-se a
provar no tribunal que morreu não da paulada, mas sim de ter sido atirado ao rio.
A quer matar B, dá-lhe uma paulada, deixa-o no chão. O terceiro vê que ele está morto,
pega e atira-o – é um erro perante o objeto; pensa que está perante um cadáver, mas está
perante uma pessoa viva.

• Erro sobre as proibições:


Não é um erro moral, mas sim um erro de conhecimento/intelectual.
Artigo 16º/1/2ª parte:
“Erro sobre as circunstâncias do facto:
2 - O preceituado no número anterior abrange o erro sobre um estado de coisas que, a
existir, excluiria a ilicitude do facto ou a culpa do agente.”

àNão está aqui em causa o conhecimento da realidade fáctica – esse, ele conhece-a
bem. Está em causa o agente aperceber-se do caráter ilícito da conduta. O erro das
proibições exclui o dolo, julgando-se a título de negligencia, verificando-se o requisito
formal (admite em abstrato a negligencia) e material (o resultado adveio de negligência)
da negligência.

o Elemento volitivo: A vontade. O agente deve querer realizar a conduta.


Quais as situações em que se pode dizer que o agente quis o resultado:
Há três modalidades de dolo:
àDolo direito/direito de 1.º grau - a finalidade primeira da conduta é a própria
prática do crime.
àDolo necessário/direito de 2.º grau - o crime surge não como objetivo central da
conduta, mas como uma consequência necessária e inevitável ou muito provável.
Ele não quer praticar o crime, quer praticar outra coisa, mas dessa conduta e desse
fim que prossegue, resulta como consequência necessária a prática do crime (o
que vale como dizer que ele também quer o crime).

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àDolo eventual - tem um elemento comum com o dolo necessário: a prática do


crime não é o objetivo central, é uma consequência secundária. Só que essa
consequência secundária, o crime, surge não como uma consequência necessária e
inevitável, mas possível – o grau de probabilidade é menor. Daqui coloca-se o
problema de saber qual é o problema entre o dolo eventual e a negligência de
consciente.

Exemplo que mistura as três hipóteses:


A tem um ódio tremendo a B. Decidiu lançar fogo à casa de B. Sucede que o senhor C
tinha o carro estacionado na garagem de B.
A nem tem nada contra C, mas tem que deitar fogo à casa de B. B tem uma empregada
que aparece muito raramente, nunca se sabe quando está: A sabe disto.
Apesar disto, A ateia fogo a casa da B. O carro de senhor C fica destruído, a empregada
morreu.
Temos as 3 hipóteses de dolo:
o Direto em relação à casa;
o Necessário em relação ao automóvel;
o Eventual em relação à empregada.

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